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CLÁSSICOS FORENSE
INTERNACIONAL
REVISTA FORENSE
O Brasil e o direito do mar, Gilberto Amado

Revista Forense
04/04/2025
SUMÁRIO: Evolução do direito internacional. A propriedade do mar. A regulamentação da pesca. Direitos do Estado ribeirinho. Situações especiais. Extensão do mar territorial. Acôrdos regionais. Arbitragem. Conclusão.
Evolução do direito internacional
* Autores antigos, historiadores do Direito gostam de dizer que o Direito Internacional abre lentamente o seu caminho. Com efeito, as regras de direito levaram séculos para se afirmarem e serem aceitas pela comunidade internacional. O costume, ponte principal do Direito, cristaliza-se pouco a pouco; e sòmente depois de anos de uso e de reconhecimento de seus princípios por certo número de nações é que a prática internacional se torna uniforme. Tratados, convenções, criadores de direitos e de obrigações entre as partes levam tempo para se alastrarem, receberem a adesão de outras nações e tornarem-se norma jurídica geralmente reconhecida pela doutrina e seguida pela jurisprudência.
A propriedade do mar
Durante longos anos o mar foi coisa suscetível de ser apropriada possuída e utilizada sòmente pelo seu proprietário. Tendo encontrado o intérprete genial de seus interêsses, nosso pai GROTIUS, uma pequenina nação ativa e enérgica – a Holanda – conseguiu sublevar-se contra tais pretensões ao domínio exclusivo do mar. “O mar é português”, escreveu SERAFIM DE FREITAS, o jurista português no famoso “De Justo Império Lusitanorum Asiatico”, publicado em 1825 em resposta a GROTIUS. “O mar é propriedade exclusiva da coroa da Inglaterra”, escrevia Sir PHILIP MEDOWS, em seguida a SELDEN, o adversário inglês de GROTIUS. GROTIUS, que não era únicamente grande advogado, mas escritor notável, hábil em encontrar formas verbais felizes, foi obrigado, para defender a liberdade dos mares e servir aos interêsses de seu país, a recorrer a argumentos válidos na época mas que hoje nos divertem. Escrevia êle: “Tôda propriedade baseia-se na ocupação, que exige que todos os móveis sejam suscetíveis de apreensão e que todos os imóveis sejam delimitados; é por isso que aquilo que não pode ser objeto de posse nem delimitado não é suscetível de tornar-se objeto de propriedade. As águas vagabundas do oceano são, portanto, necessàriamente livres. O direito de ocupação baseia-se ainda no fato de que o emprêgo desordenado esgota a maioria das coisas e que, por conseguinte, a apropriação é a condição da sua utilidade para os humanos. Mas não é o caso do mar que não pode ser esvaziado nem pela navegação nem pela pesca, o que significa que não pode ser utilizado em nenhuma das maneiras”.
Mas qual é o propósito dessa conversa histórica que me veio ao espírito no início da minha intervenção? Desejaria perguntar aos colegas delegados, reunidos ao redor desta mesa, diante do documento de que nos ocupamos – o relatório da Comissão Internacional – se se pode repetir que a regra de direito progride lentamente. Dirigindo-me a profissionais, não é necessário precisar que sei muito bem que longo caminho deverá ser percorrido pelas fórmulas da Comissão de Direito Internacional para que possam adquirir validade jurídica e transformarem-se em verdadeiras regras de direito. Mas não se pode esquecer que se trata de fórmulas preparadas por professôres cujo olfato está acostumado a aspirar de longe o perfume do direito, para exprimir-me como um velho glosador de Bolonha. Se juristas tão qualificados pensam que estas fórmulas são o direito ou podem vir a ser o direito, a grande presunção é que captaram a norma, é que a separaram do caos. Por felicidade o estatuto da Comissão de Direito Internacional admite ao lado do processo de codificação o de desenvolvimento progressivo do Direito Internacional, porque se a Comissão tivesse sido criada para a simples tarefa de codificação, a porta a numerosas medidas propostas nas conclusões da Comissão não lhes ficaria aberta e a regra jurídica prosseguiria sua marcha com lentidão primitiva, segundo o velho ritmo, smorzando, num tempo molto lento…
A regulamentação da pesca
A regulamentação da pesca seguiu na evolução da prática das nações três modelos, três sistemas jurídicos: a regulamentação nacional a regulamentação bilateral e a regulamentação multilateral. Como regulamentação da segunda e da terceira categorias – as que nos interessam – podemos citar: a da França e da Inglaterra sôbre a pesca, de 1839, completada pela convenção de 20 de dezembro de 1928, pelo acôrdo de 30 de janeiro de 1951 sôbre os direitos de pesca nas águas do arquipélago de Minquiens e de Echelons; o acôrdo entre a Itália e a Iugoslávia sôbre a pesca no Adriático (acôrdos de 13 e 14 de abril de 1949); o acôrdo entre os Estados Unidos e o Canadá sôbre a pesca do flétan, de 11 de abril de 1923, 9 de maio de 1930 e 29 de janeiro de 1937, e o acôrdo sôbre a pesca do salmão de 26 de maio de 1930, o acôrdo russo-japonês sôbre a pesca nos mares do Japão, de Okhotsk e de Behring; o acôrdo entre a Inglaterra e a União Soviética sôbre a pesca no Mar Branco.
Acordos regionais
A regulamentação multilateral fornece exemplos e acôrdos regionais relativos a zonas marítimas determinadas: a regulamentação relativa à perca no, Mar no Norte concluída na Haia pelos Estados limítrofes (com exceção da Suécia e da Noruega): Alemanha, Bélgica, França, Inglaterra e Holanda. (As regras, aplicáveis fora das águas territoriais, asseguram a boa ordem nas zonas de peca.) A regulamentação referente ao Mar Báltico e ao Atlântico, assinada entre a Alemanha, a Dinamarca, a Cidade Livre de Dantzig, a Polônia e a Suécia; a da conservação das pescarias do Noroeste do Atlântico entre o Canadá, os Estados Unidos, Islândia, Inglaterra, França, Dinamarca, Noruega, Portugal, Espanha e Itália; no Mediterrâneo: o acôrdo de Roma de 24 de setembro de 1949 entre a França, Inglaterra, Grécia, Itália, Líbano, Turquia e Iugoslávia, acôrdo que criou um Conselho para a Pesca no Mediterrâneo; e, por último, o acôrdo sôbre a pesca no Mar de Behring, como complemento ao regulamento arbitral de 1893 entre os Estados limítrofes (Estados Unidos, Inglaterra, Rússia e Japão) para a proteção de focas produtoras de peliças.
Não preciso referir-me às regulamentações que se tornaram famosas pelos incidentes que produziram como conseqüência da regulamentação da caça à baleia e das quais resultou a regra proibindo a captura de espécies que se encontram em via de extinção.
Direitos do Estado ribeirinho
São convenções típicas de uma época, da época, por assim dizer, que precedeu à aparição do Estado ribeirinho como figura primacial, como protagonista no drama da pesca.
A proclamação do presidente Truman de 28 de setembro de 1945 marca uma nova política a respeito das pescarias nas águas adjacentes à costa norte-americana, mas situadas além do limite do mar territorial. Naquele ato a unilateralidade, o reconhecimento do interêsse especial do Estado ribeirinho nasceu, começou a tomar forma suscetível de impressionar a doutrina e de agitar os Estados. Ali se encontra a origem da tomada de consciência de uma situação que levou algumas delegações a apresentar a proposta que determinou a reunião da Conferência de Roma e, em conseqüência, as novas fórmulas preparadas pela Comissão de Direito Internacional. Ninguém ignora que a causa longínqua da regulamentação norte-americana reside na incursão de pescadores japonêses na baía de Bristol, no Alasca, ao norte das ilhas Aleútas, região rica em salmão. A preocupação de preservar os recursos ictiológicos do Pacífico levou os Estados Unidos à adoção da idéia da extensão do limite dentro do qual a vigilância poderia ser exercida tanto a respeito dos nacionais quanto dos estrangeiros. Pela proclamação de 1945, os Estados Unidos, “diante da necessidade premente de conservar os recursos da pesca, instituíam zonas de conservação nas regiões do alto mar contíguas às costas dos Estados Unidos, dentro das quais a pesca se pratica ou poderia vir a ser praticada em grande escala”. Quando a pesca é explorada apenas por nacionais dos Estados Unidos, a regulamentação e a vigilância serão efetuadas apenas pelos Estados Unidos enquanto que, no caso de exploração da pesca em comum por nacionais de outros Estados, serão estabelecidas zonas de observação comuns. Esta proclamação – seguida por numerosas outras do mesmo teor – termina reconhecendo aos outros Estados, naturalmente, direito idêntico de estabelecer zonas de conservação e declarando que “o caráter de alto mar das regiões nas quais se estabelecem zonas de conservação e os direitos da livre navegação não são afetados de maneira nenhuma”.
Uma interrogação – será necessário assinalá-la? – paira sôbre a validade jurídica destas pretensões unilaterais. A Comissão de Direito Internacional, nos comentários ao art. 68 sôbre a faculdade atribuí-la ao Estado ribeirinho de exercer direitos soberanos sôbre o alto mar (“Relatório sôbre a VIII Sessão”, página 45), assinala:
“A Comissão não julga necessário alongar-se sôbre a questão da natureza e do fundamento jurídico dos direitos soberanos reconhecidos ao Estado ribeirinho. Não seria possível reduzir a um só os elementos consagrados a esta questão. Em particular, seria impossível procurar exclusivamente os fundamentos dos direitos soberanos do Estado ribeirinho na prática recente, porquanto não se poderia, no caso, conferir valor jurídico à prática unilateral que se baseia ùnicamente na vontade dos Estados interessados. A Comissão, entretanto, estima que esta prática se justifica por considerações de direito e de fato“. Depois de focalizar sua atenção principalmente em questões de fato, a Comissão conclui: “Tôdas estas considerações de utilidade geral são suficientes para constituir o fundamento do princípio dos direitos soberanos do Estado ribeirinho, tal como formulado agora pela Comissão. Como já se indicou, êste princípio, baseando-se em princípios gerais que correspondem às necessidades atuais da comunidade, não é, de maneira alguma, incompatível com o princípio da liberdade do alto mar”.
Em conseqüência do reconhecimento dêstes princípios ditados pelas necessidades modernas, conferiu-se ao Estado ribeirinho situação jurídica com o reconhecimento rápido da qual êle não poderia sonhar.
Atribuem-se-lhe faculdades e direitos que – ouso dizê-lo – êle estaria longe de ver reconhecidos tão logo. Dá-se-lhe primeiramente (art. 51) o direito de velar para que os seus nacionais não se vejam privados de certas espécies de peixe, autorizando-o a adotar medidas de caráter nacional no alto mar. Confere-se-lhe (art. 54) interêsse especial sôbre tôda uma parte do alto mar como conseqüência unicamente de sua situação geográfica e tendo em vista a manutenção da produtividade dos peixes ao largo de suas costas. Dá-se-lhe o direito de tomar parte, num plano de igualdade, em tôda organização de pesquisa e em todo sistema de regulamentação do alto mar mesmo se os seus nacionais não pesquem no alto mar. Ainda mais… O Estado ribeirinho (art. 55) pode adotar unilateralmente, apenas êle, medidas de conservação apropriadas se as negociações são lentas e se há risco de que possam malograr-se. Dá-se-lhe (art. 56), ao Estado ribeirinho, o direito de requerer a outros Estados habituados a pescar em alto mar nas águas fronteiras às suas costas – medidas necessárias à conservação. E isto mesmo se êle não pesca naquela região ou em qualquer outra região.
Atribuem-se-lhe os recursos jurídicos do art. 57 se, dans un délai raisonnable (os leitores das atas verão como, nas sessões da Comissão, me levantei contra, expressões como aquela e contra outras do mesmo gênero que gritam contra a primeira das regras de redação das leis a precisão verbal e a clareza de sentido do epíteto) “si, dans un délai raisonnable”, não obtém satisfação. Diante de fatos que falam tão alto, seria absurdo associar o passo vivo, o andar desenvolto com que aquelas medidas caminham ao encontro da sua aprovação pelos Estados, a facilidade com que seduziram os juristas de Genebra, a uma idéia qualquer que represente lentidão.
Se as medidas formuladas no projeto da Comissão – o qual, como se sabe se inspirou nas conclusões da Conferência de Roma e cuja tarefa foi facilitada pelo projeto GARCIA-AMADOR, apresentado à referida Comissão -, se aquelas medidas forem aceitas pelos Estados num délairaisonnable, se adquirirem validade jurídica na prática, o Direito Internacional dará um pulo audacioso no domínio do mar. Os fiéis à doutrina da liberdade absoluta do alto mar os que já choram em virtude da atribuição de categoria jurídica à plataforma continental – e penso no nosso GEORGES SCELLE – terão muita lágrima a derramar.
Mas, conseguirão êstes fiéis à lembrança de um passado extinto dispor de meios eficazes para segurar o Direito Internacional nos passos de sete-léguas a que, sob os nossos olhos, o vemos dar sob a pressão das causas econômicas e das necessidades do nosso tempo? Com efeito, até aquelas novas tentativas de formulação em matéria de pesca, o Estado ribeirinho não passava de espectador mudo do que acontecia diante de suas costas, além das suas águas territoriais. O mar e os produtos vivos que o povoam poderiam ser submetidos à pesca intensiva ameaçadora da existência das espécies de que não tirava lucro nenhum em virtude de sua falta de capacidade industrial e de habilitação técnica especializada. Se as novas regras foram aprovadas pelos Estados a partir de então, ao contrário de personagem mudo, o Estado ribeirinho tornar-se-á personagem ativo, velando sôbre o seu futuro enquanto espera o desenvolvimento de sua indústria pesqueira, velando sôbre a preservação das riquezas de que não pôde até aqui aproveitar mas de que se beneficiará um dia. Peque ou não, o Estado ribeirinho encontra-se no centro das atividades que se desenrolam diante das suas costas no alto mar. E esta posição lhe é conferida pelo costume? Decorrem do costume ou de outras fontes ordinárias do direito estas medidas que o protegem? A própria Comissão de Direito Internacional o diz em têrmos muito precisos. No § 14 (Relatório, pág. 35), a Comissão estatui: “O caráter especial do interêsse do Estado ribeirinho deve ser interpretado no sentido de que existe ùnicamente em virtude da situação geográfica”.
A Comissão discutiu longamente esta parte da questão. Os dois arts. 28 e 29, adotados na VII Sessão (1955), provocaram nova discussão na VIII Sessão da Comissão. Alguns membros achavam que os referidos artigos não cobriam satisfatòriamente os interêsses do Estado ribeirinho. Sustentavam que o Estado ribeirinho pela simples razão de ser ribeirinho, possui interêsse especial na manutenção da produtividade dos recursos biológicos numa parte da zona adjacente às suas costas. A redação dos arts. 28 e 29 foi mudada. “O caráter especial do interêsse do Estado deve, pois, ser interpretado no sentido de que existe únicamente em virtude da situação geográfica”, declara a Comissão. Eis algo que GROTIUS não poderia ter podido prever e que alarma os juristas fiéis às tradições do Direito.
Diante dêstes fatos, dêste progresso tão rápido, pergunta-se se as proclamações de certos Estados relativas ao seu poder sôbre o alto mar – por motivos de pesca e de conservação de peixe nas suas costas, além das águas territoriais – pergunta-se se estas proclamações não foram um pouco ultrapassadas pelas novas etapas vencidas pelo Direito Internacional; se nova luz não jorra refletindo-se sôbre tôda a matéria; se não chegou o momento de separar a questão da largura do mar territorial da questão da pesca e da conservação. No conjunto da matéria, diversos aspectos do problema chamam nessa atenção. O problema da largura das águas territoriais originava-se, no passado, de motivos inteiramente diferentes dos de hoje. No passado, a nota dominante era a questão da segurança. (Não me refiro às zonas contíguas, feixes de direitos destacados do conjunto dos direitos soberanos do Estado e com objetivos precisos.)
Evidentemente tudo iria melhor a respeito de pesca e de mar territorial se o desenvolvimento industrial dos países se tivesse processado num ritmo uniforme. Mas não é êste o caso, infelizmente. Estados os superdesenvolvidos, armados de imensas frotas de pesca pertencentes a grandes companhias aparelhadas com todos os recursos da técnica mais moderna, percorrem os mares, acompanham os hábitos e os movimentos das espécies e, devemos reconhecê-lo, no exercício de seu pleno direito, beneficiando-se de uma das garantias fundamentais do direito – a da liberdade da pesca – ameaçam espécies e estoques inteiros. De outro lado, outros Estados não equipados industrialmente para concorrer com os primeiros… sofrem da superatividade dos primeiros na sua própria carne, nas necessidades de suas populações. As nações avisadas estimulam legitimamente – é inegável o desenvolvimento da pesca; é o dever delas para com os respectivos povos. É uma atitude inocente lamentar-se do progresso que outros almejam e realizam. Mas ao mesmo tempo, é permitido ignorar situações como a do Peru e outros países do Pacífico sul-americano e a da Islândia?
Situações especiais
Como encontrar no Direito Internacional os meios de atender a situações exclusivas e a circunstâncias não suscetíveis de entrar num quadro determinado, numa mesma categoria de direito? Como conciliar dois interêsses tão antagônicos? Evidentemente seria necessário encontrar fórmulas especiais para situações especiais. Seguindo esta idéia é que me dei ao trabalho, ainda há pouco, de lembrar os numerosos acôrdos regionais multilaterais em vigor em diversas regiões de pesca do mundo. Impossível ignorar o problema. Mas dar-lhe soluções jurídicas é outra história. Em todo caso, repito-o, em face das prerrogativas que se vão atribuir ao Estado ribeirinho, em vista dos arts. de 51 a 56 do projeto da Comissão de Direito Internacional – não chegou o momento de separar a questão da pesca em alto mar da questão das águas territoriais? Tivemos, no discurso do Delegado do Peru, exposição extraordinàriamente clara de uma situação cem por cento especial. É-nos impossível ignorar situações tão gritantemente especiais.
Por outro lado, como conceber – sendo-se justos – que um Estado cujos nacionais se habituaram a pescar e a fornecer à sua população os recursos do mar de que esta necessita para viver – como conceber que o referido Estado renuncie às suas vantagens tradicionais e históricas? Há coisas que não se podem exigir dos outros. Há sacrifícios que as nações não podem fazer sem contrapartida! Os Estados que se reservam uma largura de três milhas usufruem o privilégio de pescar a três milhas das costas de seus vizinhos. Observando-se, porém de outro ângulo, como ignorar que esta prática, por legítima que seja, incomoda e prejudica outros Estados, destrói espécies de peixe indispensáveis a suas populações sem que possam invocar o direito a seu favor? O problema exige novos esforços da comunidade internacional os quais deverão ser precedidos de acordos regionais preliminares ou paralelos aos referidos esforços. Nossa esperança primeiramente, objetiva-se na conferência de plenipotenciários cuja convocação – proposta por numerosos governos, entre os quais o do Brasil – é objeto do projeto de resolução que se encontra diante de nós.
Extensão do mar territorial
No que se refere especificamente à questão da extensão do mar territorial, deve temer-se – pelos motivos expostos e por outros de que estão cientes as delegações – que a Conferência encontrará dificuldades, não nos iludamos, semelhantes às que encontrou, há 26 anos, a Conferência da Haia dificuldades aliás, que a Comissão de Direito Internacional não pôde vencer. Para a Comissão de Direito Internacional, a dificuldade a respeito da extensão do mar territorial reside no fato de que a Comissão não pode codificar regras inexistentes, que não se evidenciam pela prática uniforme dos Estados. Quem diz codificação diz formulação ou reformulação do direito existente. Ora, é inegável que não há direito codificável da extensão do mar territorial. Estados – em número considerável – praticam a regra das três milhas; outros, a regra de quatro milhas; outros, a de seis milhas; outros seguem a regra de 12 milhas. Tôdas estas regras são igualmente aplicadas, seguidas e consagradas pelo costume. Mas os conflitos sôbre o seu exercício são cotidianos e as fricções contínuas.
Poderá a Conferência proposta fazer qualquer coisa no sentido de melhorar as condições atuais? Pode-se ter esperança; mas não se deve nutrir ilusão exagerada. O caminho imediato encontra-se ns acôrdos regionais específicos entre os Estados vizinhos para regulamentar a pesca em regiões determinadas. O projeto da Comissão servirá a êste propósito. A Delegação do Brasil dá grande importância ao projeto da Comissão em conseqüência do papel por ela conferido ao Estado ribeirinho. A Delegação do Brasil espera que se caminhará no sentido da separação – indispensável – do problema das águas territoriais do problema da pesca em alto mar e da conservação. As águas territoriais são o território líquido de um país, se pode exprimir assim. A pesca em alto mar e a conservação dos peixes em alto mar não se praticam num domínio pertencente a um só Estado, seja êle ribeirinho ou não, mas num domínio pertencente a todos os Estados. O projeto da Comissão prepara o caminho à regulamentação? Nêle figura, em posição de destaque, o Estado ribeirinho. Trata-se de largo passo, de formidável salto feito pelo Direito do Mar, como já o declarei.
Eis as observações de ordem esquemática que a Delegação do Brasil julgou de seu dever apresentar a esta Comissão a respeito do relatório que discutimos. A Delegação do Brasil faz questão de felicitar a Comissão de Direito Internacional por sua obra de boa-fé realizada por homens de boa vontade. A Delegação do Brasil saúda o professor FRANÇOIS pela contribuição sem igual que deu à obra realizada. A sua, experiência, à sua competência especializada, o professor FRANÇOIS soma qualidades raramente reunidas em uma só pessoa. É o relator ideal – conhecimento do assunto, capacidade de conciliação, ausência total de vaidade e de fanatismo doutrinário… firmeza indispensável quando é preciso resistir à eloqüência e à persuação dialética e finalmente, a probidade intelectual do homem de ciência associada à probidade moral do homem tout court.
Preocupei-me, nestas observações iniciais com o propósito de salientar alguns aspectos da evolução recente de fatos do nosso tempo e das suas incidências no domínio da doutrina. Proíbo-me de me servir, como Delegado do Brasil, dos argumentos do membro brasileiro da Comissão de Direito Internacional a respeito das numerosas questões debatidas e às quais, falado por sua própria conta, a título individual, êle acreditou ser de seu dever apresentar sugestões, propostas, emendas e comentários cujo resumo se encontra nas atas. Limitar-me-ei, na qualidade de Delegado do Brasil, a fazer algumas observações e a marcar certos pontos que chamaram particularmente a atenção da Delegação Brasileira. Devo, contudo, acentuar que qualquer tomada de posição atual será apenas preliminar. Se se reúne a conferência internacional, a ela compareceremos de espírito aberto, prontos a conciliar, colaborar, transigir, fazer concessões tendo em vista uma melhor cooperação entre os Estados, na esperança de um êxito para a conferência. Isto – haverá necessidade de repeti-lo? – decorre da tradição de meu país. Entretanto, em questões de princípio, o Brasil gosta de medir com antecedência o caminho a percorrer, de maneira a poder saber jusqu’oú on peut aller trop loin, para lembrar uma boutade de grande poeta e amigo que me apraz citar.
Arbitragem
Desde agora, estou convencido, por exemplo que o Brasil não irá tão longe quanto a Comissão em matéria de arbitragem. Nossos caminhos são diferentes. Lá, no nosso país, permanecemos fiéis à arbitragem-arbitragem e opostos à arbitragem que não é mais a arbitragem. Membros desta Comissão se lembram talvez do combate em que o Brasil se empenhou no ano passado e em numerosas outras ocasiões contra as tentativas de transformar um instituto flexível e incomparàvelmente adequado aos seus fins, cujos resultados honram nossa civilização e que foi, particularmente para nós na América do Sul, um instrumento de paz – num aparelho enrijecido, difícil de funcionar, em cuja engrenagem a vontade do Estudo se perde e jamais se reencontra. O Brasil não foi convencido pelos argumentos dos membros da Comissão para os quais a arbitragem obrigatória constitui, na prática, a condição indispensável da mise en oeuvre dos dispositivos do projeto relativo à conservação dos recursos biológicos do mar. Para o Brasil a concepção da arbitragem – que se concretiza no art. 37 da Convenção da Haia e foi consagrada pelos nossos tratados continentais – supõe a existência de uma base jurídica. Quem diz arbitragem diz julgamento de direito. Nos artigos da Comissão ter-se-ão que examinar hipóteses, situações e atividades que variam de teor e de significado. Aplicar-se-á o mesmo sistema a questões de envergadura e a questões menores. Um sistema único, rígido, desconhecedor da natureza própria, específica de cada caso, não poderá dar os resultados rápidos, com os quais contam com otimismo alguns membros da Comissão. Acontece que as situações podem ser múltiplas, podem apresentar aspectos diversos. A cada caso, a verdadeira arbitragem fornece o meio – a conclusão do compromisso. O compromisso é a chave da arbitragem. Nela não se penetra sem êle. Exprimindo a sua satisfação pelo fato de a Comissão, no art. 57, ter adotado a alínea final consagrando a liberdade das partes para procurar qualquer outro meio pacífico com o objetivo de resolver os seus diferendos, o Brasil reserva sua posição sôbre a parte essencial dos artigos relativos à arbitragem. O Brasil gostaria de ser convencido, mas numerosas prevenções contra o sistema o predispõem à reserva.
O Brasil alegra-se por ter a Comissão conservado a lista das quatro liberdades enunciadas no projeto e por ter reagido contra tendências respeitáveis de certos governos, preocupados com excessivas especificações enumerativas, que são incompatíveis com a boa síntese legal. O Brasil se felicita por ter a Comissão conservado no texto a palavra soberania, cujo significado conhecemos todos, em lugar de expressões pouco precisas na prática internacional. E, ainda mais, o Brasil se congratula com a Comissão por haver empregado o têrmo soberania sòzinho, como convém à sua majestade… O Brasil se felicita que se tenha conservado apesar dos dados de ordem técnica que aconselhavam a expressão regiões submarinas, mais geral – a expressão plataforma continental, cujo largo uso se tornou familiar e cujo sentido é perfeitamente claro. O Brasil reserva sua opinião sôbre o art. 29 no que se refere ao direito de pavilhão, considerados os diversos fatôres e critérios existentes no problema: matriculação, pavilhão, ligação entre o Estado e o navio.
O Brasil terá sua palavra a dizer em matéria de direito de perseguição. Compreende os motivos pelos quais a Comissão concedeu ao Estado ribeirinho certos direitos tendo em vista a proteção de seus interêsses na zona contígua e reconhece que o Estado ribeirinho deve ter os meio necessários para fazer respeitar os seus direitos. Mas o Brasil se opõe a que se trate a zona contígua no mesmo pé que o mar territorial, em cujo limite cessa a soberania co Estado ribeirinho. Não poderá, portanto, aceitar que a perseguição possa começar na, zona contígua, mas aceita que nela possa continuar, desde iniciada no mar territorial. Os Interêsses que o Estado ribeirinho tem a preocupação de proteger na zona contígua não são de importância a justificar tão considerável e perigosa extensão dos seus direitos. Não confundir êste aspecto da zona contígua com o outro aspecto ligado à conservação, à pesca e à plataforma continental.
Minhas últimas palavras. Preparada ou não com a minúcia sàbiamente preconizada pelo Delegado de Israel, a conferência proposta no projeto de resolução assinado pelo Brasil – se ela mantiver as conclusões da Comissão sôbre os problemas da conservação – terá realizado obra de considerável repercussão na comunidade internacional, terá feito avançar de maneira extraordinária o Direito Internacional e inaugurado uma nova era no regime do mar.
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Notas:
* N. da R.: Trabalho apresentado à VI Comissão da XI Assembléia das Nações Unidas, em 4-12-956.
LEIA TAMBÉM O PRIMEIRO VOLUME DA REVISTA FORENSE
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 1
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 2
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 3
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 4
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- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 6
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