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Revista Forense
CLÁSSICOS FORENSE
DIREITO COMPARADO
INTERNACIONAL
REVISTA FORENSE
Notas comparativas sobre direito internacional privado no Brasil e nos Estados Unidos, de Paul Griffith Garland
Revista Forense
21/01/2025
SUMÁRIO: Resenha histórica. Direito internacional privado e conflito de leis. Fontes das regras e princípios de direito internacional privada. O ensino do direito internacional privado nas Faculdades de Direito. Teoria e prática na aplicação do direito “alheio” ao Tribunal. Bens imóveis. Bens móveis. Jurisdição pessoal. Casos específicos. Pessoas jurídicas. Casamento e divórcio. Bens e obrigações. Direitos de família. Conclusão.
Resenha histórica
Em contraste com o Brasil, os Estados Unidos é um pais cuja fonte principal de direito, público e privado, é o govêrno do Estado-membro da União e não o govêrno federal.1 Històricamente, esta diferença pode ser explicada como resultante do fato de que a revolução americana contra a Inglaterra foi bàsicamente um movimento local partindo da iniciativa individual de cada uma das colônias e não um movimento nacional de parte de um govêrno nacional. Foi um movimento contra o governo central do rei e do Parlamento inglês e teve como fim principal libertar cada colônia do poder real, e como base a descentralização do poder político. Desta situação resultou o fato de que, nos têrmos da primeira Constituição americana (“Os artigos de Confederação”), cada uma das colônias, já conhecidas como Estados, reteve para si amplos poderes, inclusive o contrôle da política internacional, do exército e da moeda, e sòmente entregou ao govêrno federal poderes limitados. Cada Estado ficou com tanto poder que em verdade não havia um govêrno nacional senão nominalmente. Depois de poucos anos sob a égide desta Constituição, uma segunda Constituição, a atual, foi aprovada. Considerando que o jovem país estava ameaçado por potências estrangeiras, a nova Constituição entregou mais poderes ao governo federal, inclusive poderes sôbre a política internacional, um exército nacional, moeda nacional e competência para legislar sôbre comércio interestadual.2
Enquanto a Constituição atual dos Estados Unidos, vigente desde 1789, tornou possível um verdadeiro govêrno federal, êsse govêrno foi e é, hoje, um govêrno de poderes limitados e enumerados, e é excessivamente dito na Constituição que todos os poderes não conferidos ao govêrno federal são reservados aos Estados e ao povo.3 Assim é que os Estados Unidos em muitos aspectos assemelha-se a um conjunto de 48 países quase independentes entre si, cada um com seu próprio sistema de Direito Civil, Direito Comercial4 Direito Penal, Direito Internacional Privado, etc. Ademais, cada Estado tem seu próprio sistema de tribunais para a interpretação e aplicação do direito estadual. Como conseqüência desta fragmentação do direito substantivo e processual entre os Estados-membros da União, o alcance do Direito Internacional Privado é muito grande nos Estados Unidos, em vista dos conflitos de leis internacionais que dela resultam. De fato, pode-se considerar que há 49 sistemas quanto ao Direito Internacional Privado, um para cada Estado, e um tipo de sistema federal resultante da Constituição federal e da ação do Supremo Tribunal Federal que entram para conciliar e regular, até certo ponto, as relações entre Estados no interêsse da eqüidade e da justiça. Êste ponto será pormenorizadamente tratado mais adiante, mas aqui deve ser entendido que todo direito estadual, inclusive Direito Internacional Privado, fica em última análise sujeito às garantias conferidas aos Estados e ao povo pela Constituição nacional. O Direito estadual é normalmente supremo e não está sujeito à interferência do govêrno federal, mas não pode infringir os direitos do povo e nem deixar de acatar os atos dos outros Estados. Então, quando se fala sôbre os Estados Unidos, é preciso primeiro destacar os Estados, salientando a independência de cada um, mas por outro lado. Unidos também merece atenção, embora seja mais limitado o poder do govêrno federal do que no Brasil.
Enquanto nos Estados Unidos o interêsse principal do Direito Internacional Privado refere-se às relações entre leis estaduais, o Brasil apresenta uma situação bastante diferente, tanto quanto ao interêsse da disciplina quanto às fontes da mesma. Se os Estados Unidos começaram a vida como pais independente, com uma federação de Estados quase independente, o Brasil começou com um govêrno central forte e, tradicionalmente, tem entregue mais poder ao govêrno federal do que ao govêrno estadual ou municipal. Enquanto um dos grandes problemas constitucionais nos Estados Unidos tem sido o de como ampliar a atividade federal dentro dos limites constitucionais, no Brasil o problema tradicional tem sido exatamente o inverso, ou seja, o de como atribuir maiores poderes aos governos estaduais e municipais e limitar os do govêrno federal no interêsse da autonomia local. A êsse respeito, podem destacar-se muitas provisões de importância, inclusive a distribuição de fontes de tributação; mas, em geral, a fonte principal do direito é o govêrno federal, e no Brasil o Direito Civil, Comercial, Penal, Processual, Internacional Privado, etc., são fornecidos pelos códigos e leis nacionais. Resulta disto que o direito é uniforme em todo o País e: que irá pouca oportunidade para conflitos de leis internas. Outro aspecto do direito brasileiro que dificulta o aparecimento de conflitos internacionais é que a quase totalidade do direito brasileiro não sòmente é nacional como também é escrita, e, conquanto a jurisprudência tenha certa importância subsidiária, os conflitos originados de interpretações dos tribunais estaduais são solucionados por meio de recursos para os tribunais federais, a quem compete dar a interpretação definitiva e uniforme.
DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO E CONFLITO DE LEIS
No Brasil, o problema da aplicação do direito externo quase sempre envolve o direito de outro país e por isso pode ser chamado “Direito Internacional Privado”. Nos Estados Unidos, onde o problema é quase sempre de escolher entre o direito de diversos Estados, seja escrito ou costumeiro, não se usa a expressão “Direito Internacional Privado”, mas “Conflito de Leis”, que significa, não obstante, tão-sòmente a escolha entre duas ou mais leis de possível aplicação e sim o Spectrum completo dos problemas da disciplina como qualificação, jurisdição, etc. E interessante notar-se que da mesma forma que a expressão “Direito Internacional Privado” é impugnada no Brasil, “Conflito de Leis” tem sido criticada nos Estados Unidos por não ser uma completa ou exata descrição do conceito da disciplina. Não obstante, parece que há pelo menos dois pontos a favor da manutenção da expressão “Conflito de Leis”, que parecem igualmente válidos no caso de “Direito Internacional Privado”. O primeiro é que a expressão está històricamente incorporada ao nosso vocábulo legal e que nenhuma outra de geral aceitação apareceu até agora. O segundo ponto é simplesmente o reconhecimento do princípio semântico de que as palavras são sòmente os símbolos que usamos para expressar o pensamento e não a incorporação do pensamento em si. As palavras, derivam do processo de pensar e podemos ligar a elas o sentido desejado e certo, pois são nossos instrumentos e não nossos donos. Abandonar um grupo de palavras-símbolo simplesmente para substitui-lo por outro grupo parece-nos o mesmo que abandonar nosso domínio sôbre os símbolos e conferir-lhes um significado, mágico, independente de nosso pensamento. Uma atitude mais científica seria então anexar-se à frase o sentido desejado e abandonar-se as preocupações com problemas de simples linguagem. No curso dêste trabalho será usada a expressão “Direito Internacional Privado”, que é a mais conhecida pelo leitor brasileiro. A expressão deve ser interpretada, segundo o contexto, como referente aos conflitos internacionais no caso do Brasil e aos conflitos interestaduais no caso dos Estados Unidos.
FONTE DAS REGRAS E PRINCÍPIOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
O fato de serem diferentes as fontes de Direito Internacional Privado no Brasil e nos Estados Unidos reflete não sòmente a maior federalização da lei no Brasil mas também a diferença de metodologia geral entre um sistema de direito codificado, tendo o Poder Legislativo como fonte principal da lei, e um sistema de direito ainda costumeiro, no amplo sentido da palavra, com os juízes como base da lei. No Brasil, como é sabido, a fonte principal do Direito Internacional Privado é a Lei de Introd. ao Cód. Civil brasileiro, que, de fato, é uma introdução ao direito brasileiro, com regras básicas quanto ao método judicial e também quanto ao Direito Internacional Privado.
Nos Estados Unidos, o Direito Internacional Privado é baseado quase completamente nas decisões judiciais e é quase completamente elaborado pelos juízes. Embora, em virtude de razões várias, os Estados tenham adotado a lei escrita para muitos ramos do Direito, como o Comercial, o Penal e o Processual, o sistema americano ainda tem como base o juiz e o seu amplo poder de considerar não só a posição pessoal dos litigantes em face da lei, mas também os reflexos sociais do caso, o bem-estar da sociedade em geral, cabendo ao juiz interpretar e modificar o direito costumeiro e escrito, e “legislar”, editando novas regras quando as já existentes não forem adequadas para fazer justiça no caso concreto. Em Direito Internacional Privado, e em Direito em geral, o método americano representa uma combinação da (a) fôrça estabilizadora do precedente judicial (jurisprudência), que normalmente fornece os princípios para a decisão, com (b) a fôrça da flexibilidade fornecida pelo fato de que o tribunal não tem que seguir o precedente mas pode e deve considerar a eqüidade e o interêsse público na regra a ser aplicada. Esta mistura da certeza e da flexibilidade é em geral considerada como solução adequada ao Direito Internacional Privado e preferível a tentar-se reduzir as regras a um texto escrito.
O fato de serem os princípios do Direito Internacional Privado baseados na jurisprudência, nos Estados Unidos, não significa que os princípios são desconhecidos. O que significa que são obtidos por um método diferente e que podem ser expandidos ou modificados mais fàcilmente para as necessidades do caso particular que no sistema de direito codificado. Grande atenção é prestada aos fatos do caso particular e aos fatos das decisões anteriores, para se poder determinar se os casos são suficientemente análogos para justificar a aplicação da regra utilizada anteriormente, Também a prudência social de manter-se a regra anterior é levada em conta, através do conceito do interêsse público, como mencionado acima.
A diferença metodológica, pode ser demonstrada assim:
Gráfico
Os princípios gerais tirados da jurisprudência são aplicados ao caso de Y contra Z pelo método dedutivo, como no Brasil, mas ao mesmo tempo sempre levando-se em consideração que os princípios em si foram obtidos pelo método, e que resulta que o método nunca deve ser simplesmente a aplicação formal de princípios, por dedução, mas que o sistema tem que ficar em crescimento e evolução, e que cada caso merece elevada atenção individual.
Os princípios gerais derivados da jurisprudência poderiam ser obtidos através ¢a leitura das decisões, pois cada decisão contém uma explicação completa dos fatos, da jurisprudência anterior, da eqüidade, do interêsse público, etc., e o leitor, assim, está em posição de avaliar a decisão por conta própria. De fato, êsse é o método do ensino de direito nos Estados Unidos, os alunos lêem os casos (casemethod) em um livro de decisões (CaseBook) e revivem assim os grandes problemas legais. Não obstante, a tarefa do advogado seria ainda mais dura se fôsse necessário ler tôdas as decisões para preparar um caso em juízo. É necessário para o advogado ler e conhecer casos análogos que serão incluídos nas razões preparadas para o tribunal. Mas, quanto à disciplina em geral, tem-se o auxílio de resumos anotados, compilados por peritos do ramo, que servem como base inicial, indicando os princípios geralmente aceitos pelos tribunais, discutindo muitos casos, e citando a maior parte dos casos relevantes, para que o leitor possa continuar o estudo mais minuciosamente através da leitura dos próprios casos. A êsse respeito, deve ser mencionado o RestatementoftheConflictofLaws. Falando em geral, o Restatement (“Reafirmação”) é uma tentativa de reduzir a jurisprudência aos princípios geralmente aceitos por uma maioria dos tribunais dos Estados, ou pelo menos adotados pelos Estados maiores ou mais adiantados. É, então, uma afirmação de princípios já geralmente estabelecidos, no interêsse de informar os advogados e também no interêsse de adiantar a uniformização do direito até certo ponto. Tais Restatements existem para muitos ramos de direito como contratos, responsabilidade civil (Torts), etc. Não têm fôrça de lei mas podem influir no pensamento dos tribunais; a sua importância varia, então, de acôrdo com o tribunal e com a natureza do caso. O RestatementoftheConflictofLaws, cujo compilador principal foi o professor BEALE, de Harvard Law School, de fato representa mais do que uma simples reafirmação ou um sumário de princípios já aceitos; em muitos casos, representa princípios baseados no conceito dos “direitos adquiridos”, do professor BEALE, em vez de princípios baseados na jurisprudência. Foi até certo ponto, então, uma tentativa de influir no pensamento jurídico e é justo dizer-se que, conquanto tenha influenciado tal
pensamento em parte, ainda hoje não representa a atitude dos tribunais, como realmente outros Restatements, em outros ramos de direito, representam a orientação jurisprudencial.
O ENSINO DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO NAS FACULDADES DE DIREITO
Como foi mencionado antes, o método americano de estudar o direito em geral, e, portanto, o Direito Internacional Privado, consiste em ler e analisar as decisões judiciais. Na aula, os estudantes debatem as decisões entre si e com o professor. Casos análogos são discutidos para verificar-se até que ponto o princípio deve ser aplicado e a aula representa, em geral, uma reprodução da vida profissional fora da Faculdade, com os próprios estudantes apresentando os casos como se estivessem em juízo é defendendo vários pontos de vista quanto a cada decisão. Em geral, o professor orienta o debate, faz perguntas, sugere casos análogos para debate, mas não explica a posição certa que deve ser aceita, deixando assim os princípios gerais g a teoria para serem elaborados pelo pensamento e trabalho do estudante.
Em contraste, o sistema brasileiro de ensino é uma decorrência do fato de o sistema não ser baseado na jurisprudência, e consiste tìpicamente na exposição, pelo professor, do desenvolvimento histórico dos sistemas europeus e brasileiros, sem o ataque pragmático de casos concretos que caracteriza o sistema americano. O autor do presente trabalho não está em condições de avaliar o sistema de ensino brasileiro do ponto de vista da vida profissional, mas, pelo menos, pode concluir que o sistema americano de ensino é bem ajustado ao sistema judicial dos Estados Unidos. Como foi explicado, no sistema judicial americano grande importância é prestada ao caso individual, e como a avaliação do caso leva em consideração fatôres estranhos ao direito formal, especialmente o interêsse público, e como os princípios de direito estão sempre em evolução nos tribunais, o advogado tem grande oportunidade de diretamente, tomar parte no processo de elaboração do direito. Assim, é muito importante que êle seja treinado em problemas práticos e no trato de princípios gerais em têrmos de casos concretos. Para adquirir esta experiência na Faculdade de Direito, o estudante tem que estudar uma porção de decisões diàriamente, tem que avaliá-las por conta própria, tem que discuti-las perante a turma, e tem que aprender os princípios gerais que elas representam, por conta própria. Esta responsabilidade exige muitas horas de estudo diàriamente, mas o curso, sendo de doutorado e não de bacharelado,5 baseia-se na maturidade do estudante e no interêsse por êle demonstrado em optar por um curso profissional depois de bacharel; resulta dai que o curso é intensivo e profissional, e para profissionais.
Talvez mais um ponto seria de interêsse focalizar: como o problema principal do Direito Internacional Privado nos Estados Unidos é o conflito de leis entre os Estados, nosso estudo tem por alvo êste problema e não o dos conflitos internacionais, enquanto que no Brasil o conflito e o estudo dizem respeito a problemas verdadeiramente internacionais. Por outro lado, o método de tratar conflitos internacionais nos Estados Unidos é geralmente o mesmo dos conflitos interestaduais e, assim, os conflitos internacionais são estudados, embora indiretamente.
TEORIA E PRÁTICA NA APLICAÇÃO DE DIREITO “ALHEIO” AO TRIBUNAL
A grande variedade de teorias que tentam explicar e justificar o fenômeno judicial da aplicação de direito estranho ao direito do país a que pertence o tribunal, parece indicar que não há uma teoria que possa satisfazer a todos. Nos Estados Unidos, como no Brasil, tentativas têm sido feitas com o fim de explicar o fato, mas o mais importante aspecto do método americano quanto ao Direito Internacional Privado e o direito em geral é o pequeno interêsse em classificar ou conceituar a atividade judicial. Resultando das raízes históricas do sistema – com seu processo de “legislação” judicial, baseado na sociologia do direito representado no conceito do interêsse público, as mais importantes considerações do pensamento judicial são (a) como funciona e (b) se é justo quanto aos litigantes e razoável para a sociedade em geral. Então, a teoria e a doutrina que existem são sobretudo sociais e mais sociológicas que abstratas. Assim é que a disputa aparente entre as teorias abstratas dos “direitos adquiridos” do professor BEALE e a da “natureza da relação” do professor LORENZEN, é muito menos importante na prática e ainda dentro das Faculdades de Direito, do que talvez pareça ao observador estrangeiro, porque, como já afirmado, somos, os norte-americanos, sobretudo pragmatistas sociais com interêsse sòmente secundário em teorias abstratas.
Originado dêste pragmatismo social, o pensamento comum entre juristas americanos é simplesmente o de que é justo reconhecer o direito estrangeiro em geral, que a evolução social reconhece tal ação como razoável, e que recusar fazê-lo seria negar justiça em muitos casos. Um conceito parecido que é muito comum nos Estados Unidos e ìntimamente relacionado com o pensamento do grande mestre brasileiro CLÓVIS BEVILÁQUA, é o de uma sociedade internacional dentro da qual os países reconhecem o direito dos outros membros no interêsse da civilização comum. No caso dos Estados Unidos, os Estados são parte da União, cuja Constituição regula as relações até certo ponto, mas também têm muito em comum em cultura. Conquanto os costumes locais possam variar em pormenores, os Estados participam da mesma orientação política, da religião, da língua e existe o sentimento de que todos Estados devem contribuir para êste fim por meio de cooperação mútua. Êste princípio pode ser entendido como um tipo de cortesia positiva entre os Estados, baseada no desejo de cooperar e não no sentido de que o reconhecimento do direito de outro Estado é necessário para evitar o não-reconhecimento por outro Estado. Em outras palavras, a preocupação básica é a de justiça entre as partes, a aplicação de direito alheio ao Tribunal suportada pelo respeito para com outro Estado-membro, e não por considerações de política ou reciprocidade negativa. Quanto ao direito das nações estrangeiras, o mesmo sentimento existe mas não é tão forte. Então, nesses casos a aplicação do direito alheio é uma decorrência do conceito de justiça, da aplicação de nosso conceito do interêsse público no âmbito internacional, no sentido de que indivíduos que efetuam atos válidos nos têrmos da lei de qualquer país devem gozar dos direitos decorrentes de tal lei, com exceção de certos casos considerados como fraudulentos ou contrários à ordem pública (publicpolicy), significando um tipo negativo de interêsse público, protegendo o interêsse moral. O pensamento brasileiro parece semelhante nesse ponto, sendo proibido o reconhecimento de direito ou leis oriundas do estrangeiro quando ofenderem a ordem pública ou os bons costumes (art. 17 da Lei de Introdução).
O mais difícil não é afirmar-se qual o direito estrangeiro que deve ser reconhecido, e sim estabelecer-se um critério para decidir a favor ou contra tal reconhecimento no caso concreto. Nos Estados Unidos, dois principais métodos gerais têm surgido, chefiados pelo professor BEALE, de Harvard, e professor LORENZEN, de Yale. Ademais, quanto aos conflitos entre Estados, a Constituição nacional entra em jôgo em certas situações para exigir o reconhecimento de atos públicos do govêrno de outros Estados.
As posições de BEALE e LORENZEN são provàvelmente conhecidas do leitor, mas resumidas e muito simplificadas; são as seguintes:
1) BEALE apresentou o reconhecimento de direito estrangeiro como o reconhecimento de direitos adquiridos, pondo em relêvo a justiça de conceder ao indivíduo tal reconhecimento quanto às ações, obrigações, etc., constituídos nos têrmos de tal lei. Importante é notar que o conceito de direitos “adquiridos” inclui o direito de apresentar, para reconhecimento, ações ainda não reconhecidas judicialmente em outro Estado, incluindo então direitos ainda não “definitivos”. A posição de BEALE teve o grande mérito de advogar a liberdade da atividade humana, reconhecida nos têrmos da lei do lugar de origem.
2) LORENZEN e outros, aparecendo depois de BEALE, apresentaram várias críticas à teoria de BEALE, não tanto ao conceito de dar aproveitamento em geral a atividades sancionadas por lei alheia ao tribunal, mas quanto ao modo de expressar o conceito. LORENZEN concluiu, então, que o processo deve ser realmente entendido como o reconhecimento de direito estrangeiro e não o de direito adquirido, outro ponto importante foi que LORENZEN considerou o processo de dar-se aproveitamento ao direito estrangeiro como dependente da natureza da relação, do problema, e que o reconhecimento não poderia ser tão automático como BEALE parecia advogar.
Como tantas vêzes na vida, a posição mais certa parece ser uma combinação destas duas correntes de pensamento. Os tribunais americanos têm combinado, na prática, a disposição em favor da “autonomia de atividade”, representada pelo conceito do direito adquirido com uma avaliação realística de cada caso, antes de reconhecer o elemento de direito estrangeiro. Em geral, hoje, o processo é considerado como uma incorporação da lei estrangeira à lei do tribunal para efeito do caso, de modo que o conceito de BEALE tem “perdido” em extensão, neste particular. Por outro lado, para fazer justiça a BEALE, deve-se levar em conta que êle também reconheceu que cada caso depende dos fatos e que há um processo mental anterior ao reconhecimento do “direito adquirido” e assim êle realmente não se acha tão longe da escola “realística” de LORENZEN.
Para facilitar a prova do direito estrangeiro, demonstrando assim a disposição em favor do seu reconhecimento, tribunais americanos muitas vêzes tomam “conhecimento judicial” da lei estrangeira, dispensando a prova desta nos casos de fácil determinação de, tal lei, o que acontece geralmente quando se trata de lei escrita. Em outros casos, sobretudo os de direito costumeiro, o sistema brasileiro parece semelhante, embora exista alguma confusão. O art. 14 da Lei de Introdução diz que, “não conhecendo a lei estrangeira, poderá o juiz exigir de quem a invoca prova do texto e da vigência”, assim indicando que há casos nos quais o juiz já deve conhecer a lei estrangeira e que, assim, basta citar a lei para o juiz reconhecer seu conteúdo.
Dada a demonstração do direito estrangeiro, entram em jôgo os elementos que permitem a afirmação que tribunais americanos são “realísticos” ao mesmo tempo que são favoráveis ao direito estrangeiro. Como mencionado acima, o direito estrangeiro não pode ser lesivo à moral do direito local. Ademais, não pode haver fraude à lei, conceito que também pode ser expresso, dizendo-se que as partes devem proceder com boa-fé. Outro elemento é aquêle que o tribunal vai determinar: se existe uma ligação adequada entre o ato e o direito, estrangeiro para merecer a aplicação dêste. Em outras palavras, demonstrado que um elemento de direito estrangeiro tem alguma ligação com a situação, o tribunal ainda vai determinar se a relação é suficiente, se não há um elemento ilícito, que constitua fraude à lei e à publicpolicy. Um conceito parecido com a “ordem pública” do direito brasileiro, significando que o tribunal não reconhece direito alheio quando tal seja lesivo dos básicos valores humanos do tribunal ou envolva uma instituição considerada imoral pelo tribunal.
O papel da Constituição nacional, no campo do Direito Internacional Privado, é importante quanto ao direito de outros Estados e quanto aos julgamentos judiciais de outros Estados. O princípio geral é que cada Estado tem que prestar plena fé e “crédito” aos atos públicos dos outros, incluindo atos dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Mas, como já foi explicado, cada tribunal reserva para si a decisão da relação entre o direito alegado e o ato em questão. Esta prática decorre, em conceituação, de outra prerrogativa constitucional, o conceito que cada pessoa tem o direito ao dueprocessoflaw, conceito que bàsicamente compreende não sòmente um tribunal imparcial, auxílio legal, etc., mas também uma ligação territorial adequada entre a lei e o ato para justificar a aplicação da lei. Assim é que o processo de “incorporar” uma lei estrangeira à lei do tribunal envolve dois fatôres até certo ponto contraditórios, um afirmando que os atos públicos de outro Estado têm que ser reconhecidos e o outro afirmando que sòmente os atos justos merecem ser reconhecidos. O balanço entre êstes fatôres, conciliados na última instância pelo Supremo Tribunal Federal, representa o cerne das relações entre os Estados e que mais uma vez reflete a combinação da disposição em favor do direito estrangeiro representado pelo conceito do “direito adquirido” de BEALE, com o tratamento realístico da relação em cada caso que caracteriza o pensamento de LORENZEN.
Seria necessária uma tese completa para explicar tôdas as sutilezas constitucionais presentes no ramo de Direito Internacional Privado, de modo que aqui só será possível dar uma idéia simplificada da atividade judicial nesse campo. O ponto principal é que os atas públicos são divididos em dois grupos, tratados de um modo diferente. Em um grupo estão os atos do Poder Executivo e do Poder Legislativo, tais como leis, regras administrativas, etc. A preocupação principal do tribunal do outro Estado perante o qual se alega tal lei é a relação entre a lei e o fato, quer dizer, se a lei é apropriada para tal caso e se o fato ocorreu. A lei ou ato executivo do outro Estado goza de uma presunção quase ilimitada de constitucionalidade e sòmente em casos excepcionais é que o tribunal estrangeiro vai considerar isto, limitando, então, sua determinação à questão da constitucionalidade da aplicação da lei ou ato à particular situação de fato presente no dissídio atual e, ainda nesse caso, dando ao direito estrangeiro uma presunção de constitucionalidade, uma vez demonstrado que a lei se refere à situação do caso atual. Por outro lado, em se tratando de sentenças proferidas por tribunais estrangeiros, a situação é um pouco diferente, porque o tribunal homologatório vai entrar mais no assunto da competência do tribunal original, o que não faz quanto ao Congresso ou Executivo estrangeiros (o Brasil parece fazer a mesma exigência no art. 15 da Lei de Introdução). Para ser executado pelo tribunal de outro Estado, nos Estados Unidos, a sentença deve ser proferida por tribunal competente, inclusive quanto à jurisdição. Ademais, o julgamento deve observar todos os princípios do due process of law como estabelecidos no direito constitucional americano, cuja preocupação principal é plena justiça no processo (como tribunal imparcial, por exemplo). Se não forem observadas estas exigências, não existe coisa julgada mas direito a um novo julgamento. Conquanto a exigência constitucional de “prestar plena fé e crédito” estenda-se às decisões judiciais, deve concluir-se, da exposição acima, que o escrutínio do tribunal alheio é muito mais amplo quanto às ações de outros tribunais que no caso de outros “atos públicos”, isto não quer dizer que o sistema processual do sistema judicial tem que ser igual ao do Estado homologando, porque mais uma vez o segundo Estado entra no processo com respeito às instituições do primeiro. O que significa que o primeiro não pode negar justiça em virtude de uma falha processual e que as sentenças proferidas em tais condições não serão homologadas. O conceito de due process of law neste respeito é naturalmente flexível, mas deve ser entendido que tem por base a proteção dos direitos do litigante individual e não o amor próprio do tribunal oposto ao sistema processual do outro Estado.
Se as exigências processuais para satisfazer o due process of law são ainda variáveis, o conceito de jurisdição tem certa uniformidade, algumas vêzes como princípio constitucional e outras vêzes resultando de uma conclusão semelhante de tribunais de vários Estados. As regras geralmente vigentes são as seguintes:
1) Bens imóveis, sòmente o Estado da situação tem jurisdição quanto aos bens próprios. Por outro lado, pode existir em certos casos alguma dúvida quanto às obrigações relativas aos bens imóveis, como hipoteca e contratos para compra e venda; a regra geral é que estas obrigações são pessoais e podem ser executadas pessoalmente contra a pessoa obrigada, mas para ter efeito quanto aos bens a sentença tem que ser homologada pelo tribunal da situação. A êsse respeito, parece preferível o sistema brasileiro que aplica a lei da situação para qualificar os bens e relações a êles concernentes (art. 8º da Lei de Introdução), e a lei do lugar da constituição para qualificar e reger as obrigações (art. 9º da Lei de Introdução). No entanto, é preciso observar que tal sistema não será ponto pacífico quando considerar a relação como de direito real ou de direito obrigacional, sendo então a situação parecida à americana.
2) Bens móveis. O antigo conceito do direito costumeiro era o de que bens móveis não tinham situação separada da pessoa do possuidor e que a jurisdição que atingisse a pessoa do possuidor atingiria êsses bens. Hoje êste conceito está quase completamente abandonado em favor da regra (brasileira também) do lugar da situação. Não obstante, em certos casos especiais, como o espólio (no Brasil também) e direitos incorpóreos, ainda se aplica o conceito da “personalidade” dos bens móveis para assinalar uma situação para fins legais.
3) Jurisdição pessoal. Há três métodos de obter a jurisdição pessoal, cujo alcance e efeitos variam com o caso, a) Se a pessoa comparece voluntàriamente ou é legalmente intimada dentro do Estado, a jurisdição pessoal é completa. b) Se a pessoa tiver bens imóveis situados no Estado, e todos os esforços são feitos para comunicar a ela a existência do processo, pode ser obtida uma sentença válida até o limite do valor dos bens no Estado. Tal sentença é conhecida como quasi in rem e não pode ser homologada em outros Estados, sendo então coisa julgada dentro do Estado e sòmente quanto aos bens. Um fato importante é que o intimado pode entrar no Estado para defender-se contra a alegação de jurisdição sem submeter-se à jurisdição pessoal do tribunal. c) O terceiro método aplica-se sòmente em casos excepcionais e envolve a substituição dos bens imóveis por outra res, ou de relação, ou do domicílio; então, dispensa-se a jurisdição em favor de algum interêsse de justiça, mas também nesse caso é preciso que todos os esforços sejam feitos para intimar o ausente pessoalmente. Tal é o caso de divórcio permitido no domicílio da parte requerente sem jurisdição sôbre o outro, para evitar que uma parte evite o processo de divórcio fugindo sucessivamente para vários Estados. Tal é o caso da declaração de abandono de família.
Antes de deixar o problema das relações entre os tribunais de diversos Estados, penso que deve ser pôsto em relêvo que também no caso de homologação de sentença estrangeira entra em jôgo o conceito da publicpolicy. Lembre-se que na exposição acima sôbre método em geral, no sistema americano, foi mencionado o conceito do interêsse público (publicinterest) como base de direito, significando que o tribunal americano leva em consideração a coletividade ao resolver os dissídios individuais. A publicpolicy é outra manifestação dêste fenômeno, mas é geralmente usada mais em um sentido negativo, e significa a recusa de aplicar direito estrangeiro por ser tal direito lesivo às instituições básicas e conceitos sociais do tribunal. Enquanto o positivo interêsse público é parte importante da formação do direito doméstico, o negativo, publicpolicy, só excepcionalmente aparece para limitar a aplicação do direito de outro Estado ou de outro país.
A mais típica aplicação do conceito da publicpolicy não é contra uma lei estrangeira, porque o tribunal assume uma vista ampla e tolerante da mesma, mas contra o abuso da lei em favor de interêsses particulares, contra a fraude à lei. Não é cada tentativa de ter uma lei estrangeira regulando uma relação jurídica que leva consigo o conceito da fraude à lei, porque os tribunais americanos também aceitam, como regra principal, a autonomia da vontade.6
O balanço entre a autonomia da vontade e a fraude à lei é quase sempre resolvido em favor da autonomia e sòmente é aplicado o segundo conceito quando o ato pretendido é lesivo à moral, quando tenta tirar à pessoa menos favorecida uma proteção legal, ou quando o ato é combinado com a intenção de burlar a lei. Um exemplo de moral seria um casamento entre tio e sobrinha, vàlidamente celebrado em outro Estado, mas ilícito no Estado de domicílio das partes que requerem a homologação. Exemplo da proteção do indivíduo seria o caso de um contrato de seguro entre uma grande emprêsa e um modesto homem. Tais contratos algumas vêzes estipulam que as relações entre os contratantes serão reguladas pela lei de um determinado Estado, que muitas vêzes é favorável à emprêsa de seguros. Neste caso o tribunal pode concluir que a vontade das partes não deve ser respeitada porque a parte econômicamente forte pode forçar a aceitação do contrato nela parte mais fraca. Exemplo da má vontade seria o caso do contrato estipulando furos acima dos permitidos pela lei, celebrado deliberadamente entre dois cidadãos do Estado estipulando observância à lei de outro Estado, que permita tal contrato.
Talvez fôsse de interêsse citar um caso no qual, como regra geral, o ato é reconhecido no Estado original embora burlador da lei. É o caso do casamento. Em geral o casamento devidamente celebrado em qualquer Estado é válido no Estado de origem das partes ainda que nesse Estado tal casamento seja proibido. Eis por que o interêsse político em apoiar o casamento é considerado mais importante que a defesa de uma lei que quebraria uma relação já estabelecida.
E interessante notar que o conceito da fraude à lei não é mencionado na Lei de Introdução, porque é difícil conceituar-se qualquer sistema de Direito Internacional Privado sem esta provisão para proteção do direito local em casos excepcionais. Por outro lado, ao art. 17, que menciona a ordem pública e a soberania nacional como bases para não-reconhecimento de leis estrangeiras, talvez pudesse ser considerado como indiretamente incorporado o conceito da fraude à lei.
CASOS ESPECÍFICOS
O problema prático fundamental decorre da regra de que os aspectos processuais do caso são regulados pela lex fori e os aspectos substantivos nela lexloci. O problema, então, é de enquadrar os fenômenos nestas duas classes, e é significativo que existe menor uniformidade a êsse conceito entre os Estados, no caso de qualificação entre bens e obrigações. Isto não é difícil de se explicar, considerando que multas regras geralmente consideradas processuais têm grande repercussão quanto aos direitos substantivos. Tal é, por exemplo, o caso de prescrição. Não poderia haver uma regra mais importante no direito, porque pode levar o direito à nulidade de fato; nos Estados Unidos, porém, as normas relativas à prescrição consideram-se processuais e a lexfori é aplicada. Mas, também são de certo modo consideradas substantivas, e se tiver decorrido o prazo nos têrmos da lexloci, o direito não pode ser executado êles outro Estado, isto para evitar que o autor procure outro tribunal quando o tribunal mais próximo do lugar não mais reconheça o direito. Outras regras também podem sofrer exceções em detalhes, mas geralmente são as seguintes: lex fori – regula a forma dos documentos, método de apresentar petições, recursos, etc., e meios e ônus de prova e a forma da sentença; lex loci – regula o direito a ser protegido e reconhecide a importância a ser, dada como indenização pelo direito infringido.
Uma divisão semelhante parece existir no direito brasileiro; mas, devido à brevidade da Lei de Introdução, também no Brasil há incerteza na matéria. O único dispositivo da Lei de Introdução referente a provas representa combinação dos elementos da lex fori e lexloci, e parece fornecer um reconhecimento da complexidade do ramo, mas não uma orientação definitiva (art. 13). Nos têrmos dos arts. 8º e 9º, os direitos substantivos devem reger-se pela lei da situação no caso dos bens, e pela lei da constituição no caso das obrigações; neste caso, não é sòmente necessário fazer a primeira qualificação em bens e obrigações sem o beneficio de qualquer orientação na Lei da Introdução, mas também fazer uma segunda qualificação em direitos substantivos e processuais, outra vez sem base na Lei de Introd. ao Cód. Civil. Parece que podem existir casos mais ou menos fáceis, como concluir-se que forma de processo é lex fori e prescrição lex loci e neste ramo do Direito Internacional Privado parece que o Brasil também está no campo do direito costumeiro coxas tôda sua flexibilidade.
A grande semelhança entre o sistema brasileiro atual e o sistema americano é que ambos são baseados no domicílio como a relação jurídica fundamental. A diferença é que muito mais depende da lei domiciliar no Brasil que nos Estados Unidos, principalmente quanto à capacidade. A regra brasileira é que a capacidade para celebrar atos jurídicos e para responsabilidade civil depende do domicílio (art. 7°). Sendo domiciliado em qualquer parte do Brasil, aplica-se a lei brasileira. Devido mais uma vez ao fato de ser o sistema americano baseado em 48 diferentes fontes de direito, o método americano é diferente. Somos um país de grande movimento pessoal e comercial e no mesmo dia uma pessoa pode celebrar contratos em uma dúzia de Estados. Para mais fácil determinação da validade de cada ato para evitar a dificuldade de determinar-se o domicílio, e para proteger os contratantes em diversos Estados, que presumìvelmente conhecem a lei local mas que teriam dificuldade em determinar a lei domiciliar em tempo útil, adotamos a regra da locusregitactum não sòmente quanto à forma (como no Brasil) mas também quanto à capacidade. Nossos juristas entendem ser do interêsse público regular todos os aspectos do ato jurídico pelo lugar do fato.
Como no Brasil, os tribunais americanos não aceitam o conceito da devolução. A justificação geral para isto talvez possa ser dada da seguinte maneira: quando as condições são próprias para a aplicação da lei estrangeira, o tribunal que a aplica considera o direito estrangeiro como “incorporando” ao seu próprio direito e não como uma atuação do tribunal em lugar do tribunal do primeiro Estado. Quer dizer que a devolução é considerada mais uma parte do direito, processual do outro Estado, como um fenômeno do funcionamento de seus tribunais, e não como uma parte do direito substantivo. Outro fator, que provàvelmente influiu também no fato de o Brasil não reconhecer a devolução, é que muitas vêzes é simplesmente um método de aplicar a lei do tribunal refletindo um tipo de racionalismo, e que ademais há casos em que a devolução torna impossível qualquer solução certa, no caso da devolução circular.
Não obstante, há uma situação no direito americano que poderia confundir o observador estrangeiro e indicar-lhe, que a devolução existe nos Estados Unidos, situação que então merece esclarecimento. Quando as partes, em um dissídio, são residentes de diversos Estados, um direito do réu optar pelo tribunal federal de primeira instância ao invés do tribunal estadual.7 Isto para evitar qualquer possibilidade de favorecimento do residente local.8 Neste caso, não obstante, o tribunal federal considera-se simplesmente ocupando o lugar do tribunal estadual e vai observar as regras estaduais de direito substantivo, conceituado neste sentido como qualquer fator que teria influência fundamental no resultado. (Êste caso, aliás, mais uma vez indica a fonte primitivamente estadual do direito americano.) O Tribunal federal, então, aplicando lei alheia, aceita também as regras do Direito Internacional Privado, e, caso o tribunal estadual recorra a lei de outro Estado (ou, em casos raríssimos, à lei federal), o tribunal federal também o fará, mas não é devolução porque sòmente as regras do Direito Internacional Privado do primeiro Estado entram em jôgo.
Brevemente resumidas, e em conseqüência simplificadas, algumas das regras americanas mais especificas são as seguintes:
Pessoas jurídicas
Como no direito brasileiro, há duas fontes de lei que regulam a capacidade e funcionamento destas: a lei do lugar da constituição (domicílio geralmente nos Estados Unidos) e a lei do lugar da atividade em questão. Em geral, a capacidade é determinada nos têrmos da lei do domicílio e as atividades em qualquer Estado não podem exceder os poderes estipulados nos estatutos. Mas também a sociedade estrangeira não pode gozar de poderes não conferidos às sociedades domésticas, de modo que, mesmo capazes pela lei da sede, podem ser incapazes para certa atividade em certo Estado se as sociedades domésticas também, não são capazes. Parece ser mais ou menos igual o direito brasileiro, que geralmente aplica a lei do lugar da constituição mas exige aprovação para funcionamento no Brasil, presumivelmente no interêsse das sociedades brasileiras, para poderem elas concorrer em condições de igualdade e para proteger o público contra possíveis abusos de sociedades estrangeiras sem as limitações e proteções que existem quanto às sociedades brasileiras.
Casamento e divórcio
A determinação da validade do casamento depende da regra locusregit actum, não sòmente quanto à forma mas também quanto à capacidade, etc. Um casamento válido, no lugar da celebração é geralmente válido em todos os Estados. Por outro lado, a regra quanto ao divórcio não é tão favorável. Neste caso, a regra locusregitactum exige domicílio, e sem domicílio um divórcio concedido não será reconhecido em outros Estados. Também deve ser mencionado que, ainda com respeito ao domicílio, a atitude quanto ao divórcio não é tão favorável ao reconhecimento mais ou menos automático, como no caso de casamento.
Bens e obrigações
Com as limitações expostas anteriormente, as regras gerais são lexreisitus, para bens imóveis; lexreisitus, com algumas exceções, para bens móveis, e locusregitactum, para obrigações. Em geral, estas regras também se aplicam ao problema de qualificação na medida do possível mas deve ficar claro, que em muitas situações o tribunal tem que fazer a qualificação nos têrmos do direito local.
Direitos de família
A comunhão de bens existe em vários Estados mas não na maioria. Em geral, as partes podem contratar sôbre o assunto e, se não houver contrato, a lei domiciliar é que regula o assunto. Lei domiciliar, neste caso, é geralmente o domicílio do marido na ocasião do casamento, mas a comunhão de bens geralmente aplica-se aos bens obtidos depois do casamento. A mudança de domicílio muda o regime dos bens futuros, mas não dos anteriormente adquiridos. Quanto aos direitos e responsabilidades entre membros da família, aplica-se o direito domiciliar, mas depende do caso qual o domicílio empregado. Normalmente é o domicílio do marido, chefe da família, que se aplica à mulher e filhos, mas nos casos de proteção a algum membro (legitimação, abandono, etc.), muitas vêzes o domicílio da pessoa a ser protegida é empregado, especialmente, se mais favorável à parte mais fraca. Na sucessão de bens, na falta de testamento, para bens móveis aplica-se em geral o domicílio do decujus para todos os efeitos, e para bens imóveis a lexreisitus para todos os efeitos.
DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO NOS ESTADOS UNIDOS
Em quase tocos os casos a situação quanto aos conflitos de leis Internacionais é a mesma do conflito interestadual. Conquanto não exista qualquer provisão constitucional exigindo o reconhecimento dos “atos públicos” de governos estrangeiros, como existe no caso das relações entre os Estados americanos, o pensamento é que a justiça e o realismo social exijam reconhecimento de que o ser humano nas suas atividades sempre ultrapassa as fronteiras políticas e que êle deve receber justiça propicia em todos os lugares. Os tribunais americanos em geral facilitam a prova de direito estrangeiro (internacional) e tentam libertar-se de qualquer nacionalismo impróprio em suas relações com êsse direito.
Ao terminar, talvez fôsse de interêsse citar mais uma diferença entre o Brasil e os Estados Unidos, que destaca mais uma vez o sistema de direito estadual nos Estados Unidos. No Brasil, as sentenças estrangeiras são homologadas pelo Supremo Tribunal Federal é depois de homologadas podem ser executadas em qualquer parte do pais. As sentenças estrangeiras (de outros países tanto como de outros Estados) são homologadas pelos tribunais estaduais (normalmente começando com a primeira instância) e sòmente chegam ao Supremo Tribunal Federal se houver um elemento de direito nacional, normalmente um tratado internacional, que exige proteção, o que seria excepcional.
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Notas:
1 Neste contexto, “govêrno” deve ser entendido como Legislativo e Judiciário, porque não obstante a crescente importância da lei escrita, o poder dos juízes americanos em interpretar a lei escrita e em continuar, em muitos casos, a criar e aplicar os princípios não-escritos do direto costumeiro fica como base do sistema jurídico. Como será observado, o Direito Internacional Privado ainda é parte do direito costumeiro, baseado na jurisprudência.
2 Êste poder, quanto ao comércio interestadual, é usado como base para uma crescente regulamentação federal da economia nacional por meio das leis do NewDeal, mas deve ser entendido que tais leis são de uma natureza especial e que os problemas legais comuns ainda são Incluídos no direito estadual e não no federal.
3 De fato, o problema constitucional de grande interêsse nas décadas recentes tem sido como obter uma interpretação bastante amola dos poderes taxativos para permitir ao govêrno federal tratar de problemas de alcance nacional.
4 Pode ser notado que neste ramo, esforços tem sido feitos para uniformizar os diversos direitos estaduais no interêsse de conveniência comercial.
5 Antes de entrar na Faculdade de Direto, o estudante terá completado seis anos no curso primário, três de ginásio, três de colégio e quatro no curso universitário de bacharel. O curso de Direto é de três anos perfazendo um total de 19 anos de ensino, sete dos quais de ensino superior, e também dois graus superiores.
6 É interessante notar que a Lei de Introdução não menciona o conceito da autonomia da vontade. Presumìvelmente esta depende das regras geras, situação dos bens e lugar de constituição dos contratos, sendo tolerada a autonomia permitida, nessa lei. Aliás aquela lei que rege a autonomia depende, então, da primeira qualificação em bens e obrigações para a qual não há regras na Lei de Introdução.
7 A êsse respeito é importante notar que existe um completo sistema federal (primeira instância recurso, Supremo) ao lado de um completo sistema para cada Estado.
8 O fator de preconceitos e injustiças locais é quase inexistente hoje. A primeira vantagem, é que o processo anda mais depressa.
LEIA TAMBÉM O PRIMEIRO VOLUME DA REVISTA FORENSE
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 1
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