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Medidas de Trump contra brasileiros: saiba a diferença entre repatriação, deportação e expulsão.

Valerio Mazzuoli
05/02/2025
Valerio Mazzuoli
São três os institutos que possibilitam a retirada forçada do estrangeiro do território nacional: a repatriação, a deportação e a expulsão. Tais medidas são de iniciativa estatal e devem ser feitas para o país de nacionalidade ou de procedência do migrante ou do visitante, ou para outro que o aceite, em observância aos tratados dos quais o Brasil é parte (Lei de Migração, art. 47). Diferem elas da extradição, que não se dá por iniciativa própria do Estado, senão por solicitação de governo estrangeiro. Por isso, nesse item estudaremos apenas a repatriação, a deportação e a expulsão, que são sanções administrativas aplicadas ao estrangeiro em decorrência de sua entrada ou estada irregular no território nacional. Quanto à extradição, por não se tratar de medida de iniciativa das autoridades locais, será ela estudada em tópico separado (v. item nº 6, infra).
a) Repatriação. Consiste a repatriação (ou repatriamento) na medida administrativa de devolução ao país de procedência ou de nacionalidade da pessoa em situação de impedimento de ingresso no território nacional, identificada no momento da entrada em território brasileiro. Sua operacionalização se dá por meio de imediata comunicação do ato fundamentado de repatriação à empresa transportadora e à autoridade consular do país de procedência ou de nacionalidade do migrante ou do visitante, ou a quem o representa (Lei de Migração, art. 49, § 1º). Considera-se que a pessoa nessa situação não ingressou oficialmente no país, embora esteja fisicamente em seu território.[1]
As causas do impedimento de ingresso vêm expressas no art. 45 da Lei de Migração, segundo o qual poderá ser impedida de ingressar no país, após entrevista individual e mediante ato fundamentado, a pessoa: I – anteriormente expulsa do país, enquanto os efeitos da expulsão vigorarem; II – condenada ou respondendo a processo por ato de terrorismo ou por crime de genocídio, crime contra a humanidade, crime de guerra ou crime de agressão, nos termos definidos pelo Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, de 1998; III – condenada ou respondendo a processo em outro país por crime doloso passível de extradição segundo a lei brasileira; IV – que tenha o nome incluído em lista de restrições por ordem judicial ou por compromisso assumido pelo Brasil perante organismo internacional; V – que apresente documento de viagem que: a) não seja válido para o Brasil; b) esteja com o prazo de validade vencido; ou c) esteja com rasura ou indício de falsificação; VI – que não apresente documento de viagem ou documento de identidade, quando admitido; VII – cuja razão da viagem não seja condizente com o visto ou com o motivo alegado para a isenção de visto; VIII – que tenha, comprovadamente, fraudado documentação ou prestado informação falsa por ocasião da solicitação de visto; ou IX – que tenha praticado ato contrário aos princípios e objetivos dispostos na Constituição Federal. Complementa, contudo, o parágrafo único do mesmo art. 45, que “ninguém será impedido de ingressar no País por motivo de raça, religião, nacionalidade, pertinência a grupo social ou opinião política”.
Destaque-se, por fim, que a repatriação não se aplica à pessoa em situação de refúgio ou de apatridia, de fato ou de direito, ao menor de dezoito anos desacompanhado ou separado de sua família, exceto nos casos em que se demonstrar favorável para a garantia de seus direitos ou para a reintegração à sua família de origem, ou a quem necessite de acolhimento humanitário, nem, em qualquer caso, medida de devolução para país ou região que possa apresentar risco à vida, à integridade pessoal ou à liberdade da pessoa (art. 49, § 4º). Em tais casos, bem assim quando a repatriação imediata não seja possível, deverá a Defensoria Pública da União ser notificada, preferencialmente por via eletrônica, para acompanhar a situação do migrante em questão (art. 49, § 3º).
b) Deportação. A deportação consiste na retirada compulsória do estrangeiro do território nacional, fundamentada no fato de sua irregular entrada (geralmente clandestina) ou permanência no país.[2] Frise-se que a deportação só tem lugar depois que o estrangeiro ingressou no país, não se confundindo com o impedimento de ingresso acima estudado, no qual o estrangeiro não chega a efetivamente entrar no território nacional, não passando da barreira policial da fronteira, porto ou aeroporto. A permanência irregular no país quase sempre se dá por excesso de prazo, ou pelo exercício de trabalho remunerado, no caso dos turistas. No Brasil, o Departamento de Polícia Federal (por meio dos seus agentes policiais federais) tem competência para deportar estrangeiros com entrada ou permanência irregular no país (iniciativa local), sem envolvimento da cúpula do governo e independentemente de qualquer processo judicial.[3] O procedimento instaurado pela Polícia Federal deverá conter o relato do fato motivador da medida e sua fundamentação legal, e determinará: I – a juntada do comprovante da notificação pessoal do deportando prevista no art. 176 do Regulamento; e II – notificação, preferencialmente por meio eletrônico: a) da repartição consular do país de origem do imigrante; b) do defensor constituído do deportando, quando houver, para apresentação de defesa técnica no prazo de dez dias; e c) da Defensoria Pública da União, na ausência de defensor constituído, para apresentação de defesa técnica no prazo de vinte dias (Regulamento, art. 188, § 1º).
A causa da deportação é o não cumprimento dos requisitos necessários para o ingresso regular ou para a permanência do estrangeiro no país. Trata-se, portanto, de causa estranha à prática de crime. A prática de delito pode ser motivo para a expulsão ou para a extradição de estrangeiros, nunca para a sua deportação. O que existe, em caso de deportação, é a situação migratória irregular da pessoa pela não observância das regras estatais sobre ingresso de estrangeiros em seu território, em nada se assemelhando à prática de conduta ilícita.
Nos termos do art. 50, § 1º, da Lei de Migração, a deportação “será precedida de notificação pessoal ao deportando, da qual constem, expressamente, as irregularidades verificadas e prazo para a regularização não inferior a 60 (sessenta) dias, podendo ser prorrogado, por igual período, por despacho fundamentado e mediante compromisso de a pessoa manter atualizadas suas informações domiciliares”. Referida notificação não impede a livre circulação da pessoa pelo território nacional, devendo o deportando apenas informar o seu domicílio e suas atividades (art. 50, § 2º). Vencido o prazo de 60 dias referido pelo art. 50, § 1º, sem que se regularize a situação migratória, a deportação poderá ser executada (art. 50, § 3º). Por seu turno, a saída voluntária da pessoa notificada para deixar o país equivale ao cumprimento da notificação de deportação para todos os fins (art. 50, § 5º).
No Estatuto do Estrangeiro (revogado) havia previsão de prisão do deportando por até 60 dias, enquanto não se efetivasse a deportação (art. 61). Cabia, então, à Polícia Federal representar ao Juízo Federal competente, requerendo a decretação da prisão do estrangeiro para fins de deportação. Atualmente, nos termos da Lei de Migração, não há mais a possibilidade de prisão da pessoa enquanto não efetivada a deportação. Portanto, nos termos da legislação brasileira atual, vencido o prazo de 60 dias sem que o deportando regularize sua situação migratória, a deportação poderá ser executada, sem que fique preso durante esse período (art. 50, §§ 1º e 3º).
A deportação tem efeitos imediatos (automáticos), uma vez verificada a causa que a legitimou. Entretanto, ela somente poderá ser efetivada se o estrangeiro não se retirar voluntariamente do país no prazo concedido, depois de ter sido para tanto notificado. Uma vez esgotado o prazo deve o Departamento da Polícia Federal proceder à imediata deportação do estrangeiro, para o país de sua nacionalidade (que é o Estado patrial do estrangeiro) ou de sua procedência (que é o lugar de onde veio o estrangeiro antes de chegar ao Brasil).[4] Nada impede, porém, que o deportado retorne posteriormente ao nosso país, desde que com sua documentação regularizada, uma vez que a medida não é punitiva (mas sim, apenas administrativa).
É vedada a deportação de estrangeiros se esta implicar extradição não admitida pela legislação brasileira, segundo dispõe o art. 53 da Lei de Migração. Trata-se do caso em que o estrangeiro está sendo deportado para país em que foi processado (ou já se encontra condenado) por crime que, segundo a legislação brasileira, não autoriza a extradição.[5] O estrangeiro poderá invocar essa disposição legal a seu favor dentro do prazo concedido para a sua saída do país; o pedido (assim como eventual habeas corpus) deve ser conhecido pelo Juízo Federal de primeira instância. Também não se descarta a utilização, pelo estrangeiro, do instrumento do mandado de segurança como meio de controlar o ato administrativo e garantir direito líquido e certo seu.
A deportação é sempre realizada individualmente, não se admitindo qualquer tipo de deportação coletiva (de pessoas ou grupos de pessoas).[6] Esta prática, que infelizmente já se viu empregar no cenário internacional (lembre-se dos primeiros anos subsequentes a 1917, à égide da Rússia comunista), deve ser hoje completamente abandonada por ser frontalmente contrária aos princípios e normas do moderno direito das gentes.
No direito brasileiro anterior, não sendo exequível a deportação ou se houvessem indícios sérios de periculosidade ou indesejabilidade do estrangeiro, procedia-se à sua expulsão (Estatuto do Estrangeiro, art. 62). Tratava-se do caso da conversão da deportação em expulsão. Não era relevante a causa jurídica em razão da qual a deportação se revelava inexequível, pelo que podia tanto “ser representada pelo fato de que o país da nacionalidade, o país de procedência ou qualquer outro, dentre as opções do parágrafo único do art. 58, se recusarem a recebê-lo, como também pelo fato de poder a deportação, no caso, resolver-se em extradição inadmitida pela lei brasileira (art. 63)”.[7] Para além da inexequibilidade da deportação, também podia haver a conversão desta em expulsão quando existissem “indícios sérios de periculosidade ou indesejabilidade do estrangeiro”. Nesses casos, não havia a necessidade de prova direta da periculosidade ou indesejabilidade do expulsando, mas indícios veementes de que se tratava de persona non grata.[8] Cabia, enfim, ao Presidente da República – dada a sua competência para expulsar estrangeiros – transformar a deportação em expulsão. A nova Lei de Migração, contudo, silenciou a respeito da conversão da deportação em expulsão, pelo que se entende não mais haver a possibilidade jurídica de tal medida no direito brasileiro atual.
c) Expulsão. A expulsão, por sua vez, é a medida administrativa de retirada compulsória de migrante ou visitante do território nacional, conjugada com o impedimento de reingresso por prazo determinado (Lei de Migração, art. 54, caput). Por meio dela, o Estado retira de seu território (impedindo que a este retorne por prazo determinado) o estrangeiro que cometeu crimes graves no país, atentando, portanto, contra dignidade nacional, a segurança e a tranquilidade do Estado, ainda que neste tenha ingressado regularmente.[9] A pessoa se torna indigna de permanecer no Estado, em razão dos atos graves praticados contra a nossa ordem pública. Nos termos do art. 54, § 1º, da Lei de Migração, poderá dar causa à expulsão a condenação com sentença transitada em julgado relativa à prática de crime de genocídio, crime contra a humanidade, crime de guerra ou crime de agressão, nos termos definidos pelo Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional (inc. I), ou de crime comum doloso passível de pena privativa de liberdade, consideradas a gravidade e as possibilidades de ressocialização em território nacional (inc. II). Esse rol é mais definido que o constante no antigo Estatuto do Estrangeiro, que previa ser passível de expulsão “o estrangeiro que, de qualquer forma, atentar contra a segurança nacional, a ordem política ou social, a tranquilidade ou moralidade pública e a economia popular, ou cujo procedimento o torne nocivo à conveniência e aos interesses nacionais” (art. 65). A parte final do dispositivo era criticada por dar margem a toda sorte de perseguições, dada a amplitude de interpretações que podiam ser tomadas para definir o que seria “nocivo à conveniência e aos interesses nacionais”. Hoje, as causas para a expulsão são apenas as duas previstas no art. 54, § 1º, da Lei de Migração.
Frise-se que a expulsão não é pena no sentido criminal, uma vez que o legislador brasileiro não a incluiu no elenco dessas medidas jurídico-penais. Ou seja, a expulsão não figura entre as penas principais e acessórias previstas nos arts. 32 a 52 do Código Penal, apesar de seus pressupostos autorizadores não prescindirem da configuração de um ilícito penal.[10] A expulsão é medida político-administrativa (que não deixa, por isso, de ser repressiva) de salvaguarda da ordem pública e do interesse social decorrente do poder de polícia do Estado, sem qualquer intervenção do Poder Judiciário no que tange ao mérito da decisão. Trata-se de medida administrativa discricionária e não de ato arbitrário do governo. A diferença é que, nesse último caso, não existem condições nem limites à atuação do Executivo, enquanto naquela (na medida discricionária) o governo está condicionado às hipóteses previstas em lei, sendo o seu ato irrestrito tão somente no que toca à conveniência e oportunidade da medida.[11] Daí, então, entender-se que, se não pode o Judiciário intervir no mérito da expulsão, poderá, no entanto, fiscalizar a constitucionalidade e a legalidade desse ato discricionário do governo. A discricionariedade, ademais, é permissiva da medida, não estando o governo obrigado a procedê-la, mesmo nos casos em que todos os requisitos necessários à sua realização se façam presentes.[12] Daí a redação do art. 54, § 1º, da Lei de Migração, segundo o qual “poderá dar causa à expulsão” a condenação relativa aos crimes que estabelece.
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[1]V. Paulo Henrique Faria Nunes. Lei de Migração…, cit., p. 117.
[2] A Lei nº 11.961, de 2 de julho de 2009, dispôs sobre a residência provisória para o estrangeiro em situação irregular no território nacional.
[3]V. José Francisco Rezek. Direito internacional público…, cit., p. 187; e Mirtô Fraga, O novo estatuto do estrangeiro comentado, cit., p. 186.
[4] Cf. Mirtô Fraga. O novo estatuto do estrangeiro comentado, cit., p. 187.
[5] Cf. Yussef Said Cahali. Estatuto do estrangeiro, cit., p. 184. Segundo Cahali, porém, nada impede que “seja o estrangeiro deportado para diverso país na execução da ordem de sua saída compulsória do território nacional” (Idem, p. 185).
[6]V. Lei de Migração, art. 61.
[7] Yussef Said Cahali. Estatuto do estrangeiro, cit., p. 189.
[8] Cf. A. Dardeau de Carvalho. Situação jurídica do estrangeiro no Brasil, cit., p. 165.
[9]V. Charles de Boeck. L’expulsion et les difficultés internationales qu’en soulève la pratique, in Recueil des Cours, vol. 18 (1927-III), pp. 443-650; e Francisco Xavier da Silva Guimarães, Medidas compulsórias: a deportação, a expulsão e a extradição, 2ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 3.
[10]V. Yussef Said Cahali. Estatuto do estrangeiro, cit., p. 199.
[11]V. o voto do Min. Moreira Alves no HC 58.409/DF do STF, rel. Min. Djaci Falcão, impetrado pelo Padre Vito Miracapillo.
[12] Ian Brownlie, contudo, leciona que “os tribunais e a doutrina têm por vezes defendido a existência de limitações a este poder discricionário”, baseando-se na aplicação do conceito de ordre public e nos padrões de direitos humanos (Princípios de direito internacional público, cit., p. 545).