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A diplomacia explosiva avilta pressupostos civilizatórios
Maristela Basso
20/11/2020
A mudança do estado de espírito de um País, expressa na condução da sua política externa e, especialmente, no desconhecimento que nutre e revela de princípios básicos de direito e relações internacionais, tais como a urbanidade, a boa-fé e o respeito aos acordos e tratados internacionais de que faz parte, pode prejudicar as relações não penas econômicas e militares entre os Países integrantes da comunidade de nações, como também fazer retroceder a busca de alternativas e soluções que primem pelo consenso e o bem estar geral de todos.
O surgimento da pólvora entre os chineses, na Idade Média, mudou a história das guerras. Até o Século XII, quando a pólvora começou a ser usada para disparar artefatos sólidos, utilizavam-se, principalmente, armas brancas, catapultas, fogo e, raramente, algum tipo de explosivo à base de enxofre. Foram muitos séculos de experiência em alquimia e utilização de determinados compostos químicos para que os chineses pudessem chegar ao produto final chamado “pólvora” e, com ela, mudar o curso da civilização.
Certamente, foi graças a descoberta da pólvora que a história viu nascer a “Diplomacia das Canhoneiras”, usada desde pelo menos o Século XVIII, quando da controversa “Guerra da Orelha de Jenkins” ou “Guerra do Asiento”, como ficou conhecido o conflito bélico que durou de 1739 a 1748, em que se confrontaram as frotas e tropas coloniais da Grã-Bretanha e Espanha, destacadas na área do Caribe. A cunhagem do termo costuma ser atribuída a Henry John Temple, também chamado de Lorde Palmerston, nobre político britânico que foi secretário de guerra entre 1809 e 1828.
Contudo, a “Diplomacia das Canhoneiras” ganhou relevância apenas na segunda metade do Século XIX, quando a projeção do poder naval assumiu papel de destaque nas disputas imperialistas para atingir seus objetivos de política externa. O padrão de uso da força para a defesa de interesses nacionais era amplamente difundido, inclusive na América e também na conjuntura histórica do início da República no Brasil.
Na segunda metade do Século XIX, paralelamente à difusão da propulsão a vapor, generalizou-se a fabricação de grande quantidade de embarcações de pequeno e médio portes para fins militares. Razão pela qual, entre fins do Século XIX e início do Século XX, tais embarcações de menor porte tornaram-se predominantes nas ações de demonstração naval e patrulhamento de territórios coloniais.
Foi, portanto, a utilização dessas embarcações por várias potências imperialistas, como forma de intimidação ou intervenção militar, com vistas a atingir resultados em política externa, que caracterizou a tal “Diplomacia das Canhoneiras”.
Provavelmente, foi sob inspiração da “Diplomacia das Canhoneiras”, ou do uso da força, que a “Doutrina Monroe” foi idealizada pelo Presidente James Monroe, em 1823, quando, no Congresso Americano, alertou para a ameaça por parte da Santa Aliança, composta pelos países europeus, Áustria, Rússia e França, de voltar a colonizar os países do Continente Americano. Graças a “Doutrina Monroe” ficou claro para o mundo que os Estados Unidos da América não iriam admitir nenhum tipo de intromissão europeia sob quaisquer pretextos, isto é, a “América é para os americanos” e “dos americanos”.
Nesse passo, não tardou para que a “Doutrina Monroe” recebesse reforço importante quando, em 1902, o ministro das Relações Exteriores e Culto da Argentina, Luis Maria Drago, enviou ao representante de seu país nos Estados Unidos, Martin Garcia Merou, um texto de cujo teor se extraia o posicionamento de Buenos Aires em relação ao desentendimento entre Venezuela, de um lado, Grã-Bretanha , Alemanha e Itália, de outro, decorrente do descumprimento por parte de Caracas de pagamento de sua dívida externa. A “Doutrina Drago”, como ficou conhecida, defendia que a ausência de pagamento dos serviços da dívida externa por países latino americanos não poderia ensejar punição militar nem ocupação territorial por potências europeias.
Tanto a “Doutrina Monroe” como a “Doutrina Drago” justificam o uso da força militar, bélica, das canhoneiras, da pólvora, contra as frotas e tropas estrangeiras que por qualquer razão tentassem invadir, tomar ou colonizar algum país situado em território do Continente Americano.
Entretanto, a partir da década de 1910, no auge das tensões imperialistas que resultariam na Primeira Guerra Mundial (1914-1918), o uso das canhoneiras entrou em declínio, todavia, permaneceu no imaginário de alguns “estadistas” como instrumento, sempre oportuno, de política externa, mesmo após 1919.
Modernamente, pelo menos desde o final da Segunda Guerra (1945), as fronteiras geográficas de um Estado Nacional perderam muito de sua significação. Claro que ainda existem linhas de fronteiras nos mapas. As fronteiras podem ser fortificadas com muros, arame farpado ou qualquer outra linha divisória, mas isso pouco significa para um avião voando à velocidade do som e a altitudes de 10 a 15 quilômetros. Também significam menos ainda para os projetis teleguiados e outros instrumentos tecnológicos modernos.
Assim sendo, hoje em dia, a defesa interna/nacional não pode depender tão somente de um sistema nacional. Faz-se imprescindível uma coalisão internacional que possa detectar um ataque a centenas ou a milhares de quilômetros além da fronteira nacional, assim como de recursos de interceptação em profundidade e alcance em todo o caminho. E mesmo assim, não há garantia de que bastem.
Um Estado, embora “soberano”, somente poderá existir numa base satisfatória para a sua população, mesmo em tempos de paz, se fizer parte de um sistema internacional que assegure o acesso aos recursos econômicos e desenvolvimentistas de outros Estados.
É imperioso ter presente, na etapa atual que se encontra a comunidade internacional, que o “acidente histórico” que determina as fronteiras geográficas não confere a nenhum Estado uma arca completa de abastecimento e segurança, nem muito menos competência absoluta e irrestrita no exercício do poder soberano de seu chefe de Estado.
Pólvoras e canhoneiras caíram em desuso há muito tempo, assim como o nacionalismo soberano – baseado no “interesse nacional”.
É do “interesse nacional” encontrar um campo de ação e de retórica comum com os outros Estados soberanos.
Os termos puramente nacionalistas são populares apenas internamente, e podem ser desastrosos à coesão de um grupo de Países. Um desastre com o grupo, ou com algum dos Estados que o integra, torna-se, indubitavelmente, um desastre nacional para cada membro individualmente.
Os políticos nacionalistas frequentemente tendem a ir mais longe do que deveriam. Tentam convencer seu eleitorado de que outros Países estão levando vantagem ou usurpando a soberania nacional em detrimento de seu próprio País e de seus nacionais.
Mas, isso não é verdade.
Os acordos internacionais não florescem nesse terreno.
A mudança do estado de espírito de um País, expressa na condução da sua política externa e, especialmente, no desconhecimento que nutre e revela de princípios básicos de direito e relações internacionais, tais como a urbanidade, a boa-fé e o respeito aos acordos e tratados internacionais de que faz parte, pode prejudicar as relações não penas econômicas e militares entre os Países integrantes da comunidade de nações, como também fazer retroceder a busca de alternativas e soluções que primem pelo consenso e o bem estar geral de todos.
Os problemas decorrentes de relações de força em uma crise são, antes de tudo, problemas resultantes dessa mudança ou falta de base fundamental no exercício da diplomacia nacional.
Soberania não significa mais viver sozinho.
Problemas mundiais jamais serão solucionados.
O que podemos fazer é colocar com mais clareza os problemas que aparecem e retornam e ir gradualmente possibilitando o seu controle e a sua solução com menor sofrimento humano. Sem perder de vista que o “interesse nacional”, em nosso caso, no Brasil, deve estar em concordância com o desenvolvimento, o benefício geral e o bem-estar de uma comunidade de nações.
Paz é alguma coisa infinitamente mais complexa do que a mera ausência de luta ou de ameaça de luta.
Paz é sempre um resultado, nunca uma condição.
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