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19/04/2022

Tendo em vista a atual guerra na Europa, entre a Rússia e a Ucrânia, parece oportuno explicitar em poucas palavras o significado jurídico do que vem a ser crime de guerra.

Por guerra, entende-se, segundo a clássica definição de Von Clausewitz, “um ato de violência destinado a forçar o adversário a submeter-se à nossa vontade”.[1]

O enquadramento da guerra em certas regras jurídicas, fundadas na moderação e humanidade, constitui um fenômeno que está na base das concepções humanitárias do século XIX.

A primeira manifestação legislativa de ordem internacional de um direito humanitário bélico emerge com a Convenção de Genebra de 1864. A partir daí várias convenções ou tratados contribuem ao seu mais cabal desenvolvimento (v.g., Convenções de Haia – 1899 e 1907; Regulamento sobre leis e costumes da guerra terrestre; Convenções de Genebra – 1906 e 1929). 

A posteriori, o Estatuto do Tribunal de Nuremberg (1947) acaba por definir os crimes de guerra, nos termos seguintes: “violações das leis e costumes da guerra. Estas violações incluem, ainda que não limitadas, assassinatos, maus tratos e deportações para trabalhos forçados ou para qualquer outro propósito de populações civis de territórios ocupados ou que neles se encontrem; assassinatos ou maus tratos de prisioneiros de guerra ou de pessoas no mar; execução de reféns, despojo da propriedade pública ou privada; injustificável destruição de cidades, povoações e aldeias, devastação não justificada por necessidades militares”. 

Conceito de crime de guerra

No que tange ao conceito doutrinário de crime de guerra, caracteriza-se como sendo “a ação ou omissão voluntária perpetrada ou consentida contra as pessoas ou direitos fundamentais dos beligerantes ou civis de um país em guerra, por ocasião desta e em violação das normas internacionais que a regulam, suscetíveis de avaliação judicial penal” (Q. Ripollés).

De sua vez, Oppenheim inclui na noção de crimes de guerra quatro categorias diferentes: “violação das regras estabelecidas pelas leis e costumes da guerra pelos membros das forças armadas; todo ato de guerra praticado por indivíduos não pertencentes às forças armadas do inimigo; espionagem e atos de traição em tempos de guerra; todo ato de saqueio”.

Convém observar que, na realidade, a incriminação de comportamentos ilícitos na guerra surge, originalmente, nos textos penais comuns ou militares de direito interno.  A propósito, chama atenção Q. Ripollés para a insuficiência da regulação apenas via direito interno, que, em não poucas ocasiões, “se traduz em uma caprichosa e anárquica paródia de direito”.

Assim, tão-somente após o término da II Guerra Mundial ocorre sua internacionalização, com aparecimento da ideia de interesse geral. Adota-se, então, a postura anglo-saxônica, segundo a qual o crime de guerra constitui a violação das leis e usos da guerra, quer dizer, de Direito Internacional.

Estatuto do Tribunal Penal Internacional

Na atualidade, a matéria está consagrada no artigo 8.º do Estatuto do Tribunal Penal Internacional (ETPI), que reitera a competência do Tribunal Penal Internacional para julgamento dos crimes de guerra – noção peculiar do jus in bello (Direito da guerra) por oposição ao jus ad bellum (Direito para evitar a guerra) -, que vêm a ser o conjunto de ações que despreza deliberadamente as “leis e os costumes da guerra” (jus in bello). Noutro dizer: violações graves do direito de conflitos armados, enquanto normas que regulam os meios e os métodos de condução das hostilidades e de proteção aos não combatentes, bem como a proibição do uso de certas armas ou ações.

O dispositivo supracitado (art.8º, ETPI) contém uma lista exaustiva de crimes de guerra de competência do Tribunal Penal Internacional. Desse modo, afasta-se a eventual incriminação por força consuetudinária, e se estampa pela primeira vez a regra nullum crimen sine lege scripta, em sede penal internacional.     

Também, a incriminação do crime de guerra pode se encontrar devidamente insculpida no âmbito do direito positivo interno. Como exemplo, é de ser mencionado o Código Penal francês (Livre IVDes crimes et délits de guerre), que disciplina o crime de guerra nos artigos 461-1 e ss. Já, o Código Penal português prevê o crime de guerra contra civis (art.241). 

A doutrina costuma distinguir duas modalidades diferentes de direito da guerra: na primeira, há o Direito humanitário bélico (“Direito de Genebra”), que é dedicado à proteção das vítimas da guerra (prisioneiros, feridos, população civil); na segunda, tem-se o denominado “Direito de Haia”, composto por convênios que regulamentam a condução, o andamento e a organização da guerra (métodos de combate ou de defesa, estratégia, espécies de armas permitidas ou não, etc.). Em síntese: o Direito de Haia diz respeito aos meios e métodos de guerra, ao passo que o Direito de Genebra concerne ao tratamento humanitário de prisioneiros.

Ainda há a distinção de crime de guerra, segundo sejam praticados no âmbito de um conflito internacional ou não internacional (conflito armado interno). Isso a partir da decisão de 1995 do Tribunal Penal Internacional para antiga Iugoslávia, pela qual o crime praticado no contexto de um conflito armado no interior de um país, sem internacionalização, é tido como crime de guerra.

No aspecto propriamente subjetivo, o autor do crime de guerra deve conhecer as circunstâncias fáticas que dão lugar ao conflito armado, bem como o nexo causal entre seus atos e o conflito. Consciência do fato e vontade de realizá-lo. Basta conhecer o fato, não sua qualificação jurídica. Ademais, há ainda o elemento subjetivo do injusto, específico a cada infração.

Os crimes de guerra assim como os delitos contra a humanidade estão sujeitos à regra da imprescritibilidade, e ao princípio da competência universal.

A grande característica dos crimes de guerra disciplinados no ETPI (art. 8.º) reside no fato de se exigir que sejam praticados “como parte de um plano, uma diretriz política ou a grande escala”, além do que a competência do Tribunal Penal Internacional se limita aos delitos mais graves concernentes à humanidade em seu conjunto (art. 5º, ETPI).

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NOTA

[1] Cf. PRADO, L.R. Tratado de Direito Penal brasileiro,4ª edição. São Paulo: Forense, v.I, p. 323 e ss. (bibliografia ali citada).

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