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Aspectos Jurídicos Do Recente Acôrdo Brasil-Estados Unidos, De Hildebrando Acióli

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Aspectos Jurídicos Do Recente Acordo Brasil-Estados Unidos, De Hildebrando Acióli

HILDEBRANDO ACIÓLI

REVISTA FORENSE 171 - ANO DE 1955

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29/05/2025

O ajuste entre o Brasil e os Estados Unidos da América, celebrado nesta capital, por troca de notas, a 20 de janeiro dêste ano, tem sido alvo de críticas severas, sob vários pontos de vista. Não pretendemos apreciá-las ou discuti-las, em tôdas as suas modalidades. Seja-nos permitido, no entanto, examinar alguns aspectos jurídicos do ato, vindos a debate.

Entre êstes, figuram os de que o mesmo viola: 1) a Carta das Nações Unidas; 2) a Constituição federal brasileira; 3) o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca, firmado nesta capital a 2 de setembro de 1947; 4) o Acôrdo militar Brasil-Estados Unidos, de 15 de março de 1952. Alega-se ao mesmo tempo que aquêle ajuste importa em cessão de território brasileiro a uma potência estrangeira o que significaria forte lesão da soberania nacional. E, por último, se insiste em que, em virtude da Constituição federal, o referido ato internacional não pode deixar de ser submetido à aprovação do Congresso Nacional.

Para melhor apreciação dêsses pontos ou, antes, dessas objeções, vamos examiná-los separadamente.

I. Quanto ao primeiro, ou seja o relativo à Carta da Organização Mundial, a principal alegação parece basear-se no fato de que o art. 52 de tal estatuto impede a existência de acôrdos ou entidades regionais que não sejam “compatíveis com os propósitos e princípios das Nações Unidas”.

Efetivamente, o citado artigo dispõe que nenhuma disposição da referida Carta “impede a existência de acôrdos ou entidades regionais destinados a tratar de assuntos relativos à manutenção da paz e da segurança internacionais que forem suscetíveis de ação regional, contanto que tais acôrdos ou entidades regionais e suas atividades sejam compatíveis com os propósitos e princípios das Nações Unidas”.

Primeiro que tudo, porém, o acôrdo visado não é um “acôrdo ou entidade regional”, nos têrmos estritos do mencionado artigo. De fato, tem-se entendido, geralmente, que acôrdos regionais, no sentido da Carta de São Francisco, são os atos constitutivos de associações regionais ou agrupamentos de Estados ligados por interêsses comuns, e, quando muito, aquêles em que os Estados formadores de semelhantes entidades traçam coletivamente normas de ação comum, que interessam sòmente ao grupo – normas adequadas à defesa de tais interêsses e, sobretudo, à manutenção da paz e da segurança internacionais.1

Pode dizer-se, em síntese, que os acôrdos regionais criam os organismosregionais e estabelecem as regras pelas quais êstes se hão de guiar, dentro dos preceitos formulados no citado art. 52 da Carta das Nações Unidas.

No Continente americano, já existe, desde muito, um organismo ou entidade de tal natureza: é a Organização dos Estados Americanos, que, aliás, em seu estatuto fundamental, declarou constituir “um organismo regional”, “dentro das Nações Unidas”. Como decorrência dessa situação, foi celebrado há alguns anos, nesta capital, um Tratado de Assistência Recíproca, entre tôdas as Repúblicas do Continente, ato que nada contém de contrário aos preceitos das Nações Unidas. E o ajuste de 20 de janeiro deriva, por sua vez, de compromissos assumidos no dito tratado e no acôrdo militar de 15 de março de 1952.

Nada impede que, a par do compromisso de solução pacífica de conflitos entre os membros do organismo regional, êstes convencionem medidas de assistência

mútua, que, em princípio, não são absolutamente incompatíveis com “os propósitos e princípios das Nações Unidas”. Essa assistência mútua, aliás, é tanto mais necessária quanto a segurança coletiva universal, que deveria resultar da simples aplicação da Carta das Nações Unidas, deixa muito a desejar, especialmente, em virtude da existência do chamado direito de veto, do qual, como é sabido, tem usado e abusado a União Soviética.

Assim, a legítima defesa coletiva – admitida francamente no art. 51 da dita Carta – é uma das bases da constituição de tais entidades ou organismos regionais. Mais ainda (e, ao contrário do que, sem exame preciso do art. 53, às vêzes se alega): a própria legítima defesa pode exigir – e não teria sentido se assim não fôsse – o recurso a uma ação coercitiva, até que o Conselho de Segurança possa agir ou quando o mesmo se vê na impossibilidade de agir. Isto tem sido sustentado, aliás, por vários internacionalistas ilustres, entre os quais parece-nos suficiente citar: HANS KELSEN,2 C. M. WALDOCK,3 S. HOFFMAN,4 NORMAN J. PADEL FORD.5 Aliás, o mencionado Tratado Interamericano de Assistência Recíproca declara francamente, em seu art. 3º, que “poderão ser aplicadas as medidas de legítima defesa”, de que cogita tal artigo, até que o Conselho de Segurança das Nações Unidas tenha tomado as medidas necessárias para manter a paz e a segurança internacionais”.

É verdade que alguns acôrdos entre Estados vizinho, – simples pactos de segurança, que não criam, pròpriamente, organismos ou entidades regionais, ou não decorrem da existência de tais entidades, – são verdadeira e exclusivamente alianças militares, entre as partes contratantes. Tal é o caso, por exemplo, do pacto político-militar de Varsóvia, celebrado a 14 de maio de 1955 e no qual se previu, desde logo, a criação de um exército comunista internacional, sob o comando de um marechal russo. Poderá pôr-se em dúvida que acôrdos dessa natureza sejam equiparados aos de que se ocupa o art. 52, da Carta das Nações Unidas, pois não parecem efetivamente “compatíveis com os propósitos e princípios” da Organização Mundial; e o “acôrdo dado como exemplo”, isto é, o referido pacto de Varsóvia, constitui, provàvelmente, um dos meios empregados para mascarar a ocupação militar russa nos países satélites, ocupação de que se teve, ainda, recentemente, triste e dolorosa demonstração, na Hungria.

II. A infração da Constituição federal pelo ajuste de 20 de janeiro último resultaria de que êste, segundo foi alegado, autoriza uma nação estrangeira (a saber, os Estados Unidos da América) a instalar bases militares no território nacional e chega a prometer larga ocupação do nordeste do Brasil por aquela mesma nação.

Na realidade, o ajuste em causa não contém, em nenhuma de suas cláusulas, nada que signifique a instalação de qualquer base militar estrangeira em nosso território, nem a aludida promessa de que a nação estrangeira em causa poderá ocupar vasta zona do mesmo território. Trata-se, apenas, conforme se acha ali estipulado claramente, da construção, numa ilha brasileira, para fins de defesa do território brasileiro e do Continente americano, do qual somos parte, e com cujos países temos compromissos de natureza defensiva, de “instalações, especialmente de natureza eletrônica, relacionadas com o acompanhamento de projéteis teleguiados”. “Essas instalações”, diz explìcitamente o ajuste, “serão construídas por especialistas e técnicos norte-americanos, assistidos por especialistas e técnicos brasileiros”; e ficarão sob comando militar brasileiro. Aliás, os próprios técnicos, que, com o auxílio de técnicos brasileiros, virão dar início a operação de tais instalações, serão “gradativamente substituídos por técnicos brasileiros”. Por fim, convém lembrar que o art. 8º do acôrdo militar brasileiro-americano, de 15 de março de 1952, dispõe que cada govêrno contratante receberá, depois de devidamente notificado, os funcionários e oficiais do outro govêrno incumbidos de desempenhar as obrigações relacionadas com a execução do mesmo acôrdo.

Onde, por outro lado, a concessão de trânsito pelo território nacional ou de permanência, no mesmo, de fôrças militares estrangeiras? Onde a promessa de ocupação, por nação estrangeira, de vasta área do mesmo território? Nada disso figura no ajuste.

Ainda na hipótese de que os técnicos destinados a participar das instalações em causa sejam profissionalmente militares, os mesmos, no caráter em que hão de vir, não constituirão “fôrças estrangeiras”. Não será em tal caráter que êles se encontrarão em território brasileiro. Aliás, uma fôrçamilitar não é constituída simplesmente por alguns técnicos (ainda que nem todos civis), desarmados, que não aparecem em formação militar, nem sob uma chefia militar.

Houve, porém, quem chegasse a afirmar que, em virtude do ajuste, uma parte do território nacional ficaria sujeita ao regime militar de uma potência estrangeira. Não se vê, no entanto, em que cláusula do aludido ato se encontra alguma disposição nesse sentido. Pelo contrário, o ajuste faz questão de afirmar que as instalações a serem construídas “ficarão sob o comando de oficial brasileiro” e no local, – ou, melhor, na ilha de Fernando de Noronha, – “continuará a ser hasteado exclusivamente o pavilhão nacional brasileiro”.

Foi também alegado, com evidente má-fé, que “o ajuste, estabelecendo a adesão indiscriminada do Brasil a tôda ação militar que uma nação estrangeira entender necessária para sua defesa, dispensa o arbitramento que a Constituição Nacional institui, obrigatòriamente, como recurso preliminar para dirimir conflitos. E transfere à discrição do presidente dos Estados Unidos o destino das fôrças armadas do Brasil”. Não se indica, porém, em que cláusula ou cláusulas se incluem semelhantes disposições.

Na verdade, não existe nada, no ajuste, nem explícita, nem implìcitamente, que contenha semelhantes despropósitos.

O Brasil tem de fato, não de agora, mas desde muitos anos, compromissos de assistência recíproca, não só com os Estados Unidos da América, mas também com as demais Repúblicas do Continente, estatuídos no Tratado Interamericano concluído no Rio de Janeiro a 2 de setembro de 1947. E nem em tal tratado, nem no acôrdo militar de 15 de março de 1952, nem no ajuste de 20 de janeiro último, nem em nenhum outro ato, foi jamais estabelecida a alegada “adesão indiscriminada”, nem, muito menos a entrega do destino das fôrças armadas nacionais ao presidente dos Estados Unidos.

Nosso ato internacional mais sério, no sentido de assistência militar, – aliás, recíproca, – é o citado tratado do Rio de Janeiro, pelo qual nos obrigamos, em conformidade com os têrmos expressos da Carta das Nações Unidas, “a ajudar a fazer frente” ao ataque armado, “por parte de qualquer Estado, contra um Estado americano”, “no exercício do direito imanente de legítima defesa individual ou coletiva”, “reconhecido pelo art. 51 da Carta das Nações Unidas”.

O acôrdo militar de 15 de março de 1952, com os Estados Unidos (aprovado, aliás, pelo Congresso Nacional), precisou melhor algumas obrigações recíprocas, no tocante à defesa própria e do Continente. Assim é que, em tal ato, o nosso govêrno se comprometeu, não só a contribuir plenamente “para o desenvolvimento e manutenção de seu próprio poder defensivo, do poder defensivo do hemisfério ocidental e do mundo livre”, mas também a adotar “tôdas as medidas razoáveis que possam ser necessárias para desenvolver a sua capacidade defensiva”.

Naturalmente, o interêsse, nesse sentido, é de todos os países dêste hemisfério. E nenhum pretende abandonar as possibilidades de defesa contidas nos acôrdos de assistência mútua, livremente negociados e aceitos.

Nos acôrdos interamericanos, ou pelo menos nos de que somos parte, não se cogitou, precisamente, da criação de bases militares de defesa, ao contrário do que sucede, por exemplo, no Pacto do Atlântico Norte, no qual os Estados contratantes estipularam a obrigação de “contínua e efetiva defesa própria e de auxílio mútuo”, mediante a manutenção e desenvolvimento da “capacidade individual e coletiva de resistir a ataques armados”, e convieram no estabelecimento das aludidas bases. Entre estas, a mais importante será provàvelmente a existente na França, onde o supremo comando aliado tem tido por chefe um general norte-americano, que, parece, será agora substituído por um general alemão.

III. Afirmou-se que o ajuste em debate infringe o já mencionado Tratado Interamericano de Assistência Recíproca concluído nesta capital a 2 de setembro de 1947.

Só o desconhecimento completo dêsse ato poderá justificar tal afirmação.

Na verdade, pode dizer-se que o ajuste de 20 de janeiro último é uma aplicação dos postulados inscritos no Tratado de 1947. De fato, êste se baseia na “obrigação de auxílio mútuo e de defesa comum das Repúblicas americanas”, e determina, expressamente: a) o “auxílio recíproco efetivo para enfrentar os ataques armados contra qualquer Estado americano e conjurar as ameaças de agressão contra qualquer dêles”; b) o compromisso de as partes contratantes se ajudarem mùtuamente “a fazer frente ao ataque” que qualquer delas sofra; c) a aplicação de medidas de legítima defesa individual, isto é, até que o Conselho de Segurança das Nações Unidas tenha tomado as medidas necessárias para manter a paz e a segurança internacionais”.

Onde a incompatibilidade entre êsses princípios e os que presidem ao ajuste de 20 de janeiro último?

Alegou-se, contudo, que êste, em virtude de suposta decisão da 4ª Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores das Repúblicas Americanas, deveria ser submetido prèviamente à Junta Interamericana de Defesa.

Semelhante alegação – podemos dizer sem receio algum de contestação baseada em fato concreto – não tem nenhum fundamento. Quem a fez desconhece, provàvelmente, o que é e o que significa a dita Junta Interamericana. Esta, na verdade, não passa de mero organismo especializado da Organização dos Estados Americanos, resultante de simples recomendação da 3ª Reunião de Consulta, realizada em 1942; e nem sequer figura na Carta de Bogotá. Suas funções consistem apenas no estudo de questões ligadas à defesa militar do Continente. Não tem nenhuma autoridade executiva e se destina simplesmente a estudar e sugerir medidas para a defesa do Continente. A 4ª Reunião de Consulta, realizada em Washington, em 1951, limitou-se, a tal respeito, a encarregar a dita Junta de “preparar, com a maior atividade possível, os planos militares de defesa comum e de os manter em dia, em estreita colaboração com os governos, por meio de suas respectivas Delegações”. E fez uma simples recomendação aos governos americanos, no sentido de manterem representação adequada na Junta e apoiarem o trabalho desta.

IV. Afirmou-se também que o ajuste em debate contradiz o acôrdo militar brasileiro-americano, de 1952. Isto porque: 1º) êste é simplesmente consultivo, e não executivo; 2º) o manejo das armas, de conformidade com os têrmos do acôrdo, seria sempre sob responsabilidade do Brasil, ao passo que, com o ajuste, tal manejo ficará sob a responsabilidade dos norte-americanos.

Quanto ao primeiro ponto, o fato não teria maior importância. Mas a verdade é que o acôrdo de 1952 tem em vista, primeiro que tudo, os compromissos assumidos, pelas duas partes contratantes, no Tratado Interamericano do Rio de Janeiro e noutros instrumentos internacionais, no sentido de auxílio a qualquer República Americana quando vítima de um ataque armado, e também no de uma ação comum para a defesa e para a manutenção da paz e da segurança do hemisfério ocidental. E, no art. 1°, determina que “cada govêrno proporcionará ao outro, ou outros governos, indicados e cada caso por acôrdo das partes contratantes, os equipamentos, materiais, serviços ou outra espécie de assistência militar que seja autorizada pelo govêrno prestante, de conformidade com os têrmos e condições a serem ajustados”.

Quanto ao segundo ponto, não é certo que no citado acôrdo se, cogite precisamente do manejo de armas, embora se preveja a troca de funcionários e oficiais dos respectivos governos, para o desempenho de obrigações relacionadas com o aludido ato.

Aliás, o recente ajuste dispõe apenas, – no tocante ao aspecto qualificado como executivo, – o que já ficou indicado e que não importa em que o manejo de armas fique sob a exclusiva responsabilidade norte-americana. De fato, a operação das instalações técnicas ficará inicialmente sob a responsabilidade de técnicos norte-americanos, mas sob o comando de oficial brasileiro; e os ditos técnicos serão substituídos gradativamente por técnicos brasileiros. Isto, aliás, não parece ter maior importância, quando se sabe, por exemplo, que na Grã-Bretanha técnicos americanos montaram e manejaram, pelo menos de início, instalações análogas às que vão ser montadas em Fernando de Noronha.

V. A alegação de que o ajuste importa em cessão de território nacional a um Estado estrangeiro é falsa e só pode ser feita de má-fé. Com efeito, em nenhum de seus têrmos se encontra estipulada alguma transferência da soberania territorial, de nosso País a qualquer potência estrangeira.

VI. Pretende-se, por último, que o ajuste não pode deixar de ser submetido à aprovação do Congresso Nacional.

Em primeiro lugar, não é exato, como se tem alegado, que todos os acôrdos internacionais em que sejamos parte devem ser submetidos ao nosso Poder Legislativo.

Acreditamos ter provado exuberantemente, em estudo publicado no “Boletim

da Sociedade Brasileira de Direito Internacional” (ano 7, 1951, ns. 13-14, páginas 20-33), que, “não obstante as disposições do art. 66, nº I, e do art. 87, nº VII, de nossa Constituição federal, o Brasil poderá ser parte em atos internacionais que não dependam de aprovação do Congresso Nacional”. Mostramos então, que, “entre nós, o costume já de muitos anos – ainda que se pretenda estabelecido extra legem – é o de não se exigir a aprovação do Congresso Nacional para certos atos internacionais”, e que, “nisto acompanhamos a corrente moderna e a melhor doutrina”. Vimos também que, noutros países (ou, mais precisamente, nos Estados Unidos da América e na Suíça), apesar de disposições constitucionais taxativas, no sentido de que todos os tratados devem ser submetidos à aprovação, no primeiro caso, do Senado, no segundo caso do Conselho Federal, vários acôrdos internacionais entram em vigor sem o preenchimento da formalidade constitucional.

Depois, noutro artigo, fizemos ver ainda que, para a vigência de certos atos internacionais, o costuma entre nós e a praxe internacional têm sido no sentido da dispensa, em vários casos, da intervenção legislativa.

Lembramos então que “o costume, como fonte de direito, segundo ensinam os mestres, inclusive entre nós (veja-se, por exemplo, VICENTE RÁO, “O Direito e a Vida dos Direitos”, I, págs. 275 e 287)”, tem sido considerado como “expressão da consciência comum” e demonstra “a convicção de corresponder a uma necessidade jurídica”. Indicamos, então, que, segundo ROLANDO QUADRI, ilustre jurista italiano contemporâneo, “o conceito de Constituição se reporta a um critério de efetividade, equivale a praxes constitucionais, e, portanto, mesmo um órgão que, nos têrmos da Constituição escrita, não resultasse competente, deve ser considerado competente em virtude de uma praxe constitucional diferente”.6

Como quer que seja, tem sido, em geral, admitido pelo costume internacional, e por nossa prática constante, que certos atos internacionais, entre os quais os celebrados para cumprimento de outros, já ratificados, estão dispensados de ratificação e se tornam obrigatórios sem sua submissão ao Poder Legislativo.7

Ora, no ajuste em discussão, não se trata, senão, de dar cumprimento a disposições expressas do acôrdo militar de 15 de março de 1952, aprovado devidamente pelo Congresso Nacional. E o ajuste também uma decorrência do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca, entre cujas finalidades figurou expressamente a de “prover auxílio recíproco efetivo para enfrentar os ataques armados qualquer Estado americano e conjurar as ameaças de agressão contra qualquer dêles”.

A assistência recíproca foi claramente estipulada no acôrdo de 1952, que, aliás, em seu art. 6°, conforme já vimos, dispõe que cada govêrno contratante receberá, depois de devidamente notificado, os funcionários e oficiais do outro govêrno incumbidos de desempenhar as obrigações relacionadas com a execução do acôrdo. Parece que se pode encontrar aí um dos fundamentos do ajuste de 20 de janeiro último.

Mas há melhor: no art. 10, o govêrno brasileiro comprometeu-se, não só a contribuir plenamente “para o desenvolvimento e manutenção de seu próprio poder defensivo, do poder defensivo do hemisfério ocidental é do mundo livre”, mas ainda a adotar “tôdas as medidas razoáveis que possam ser necessárias para desenvolver a sua capacidade defensiva”. Por outro lado, o art. 3° previu a conclusão de ajustes adequados sôbre “informações técnicas indispensáveis à realização dos objetivos” do acôrdo.

Mas a base concreta do ajuste último pode dizer-se que se encontra no artigo 1º do acôrdo de 1952. Aludindo precisamente à prestação de qualquer espécie de assistência militar, compatível com a Carta das Nações Unidas e destinada a promover a defesa do hemisfério ocidental, em conformidade com os planos determinantes da participação de ambos os governos contratantes, “em missões relevantes para a defesa do mesmo hemisfério”, a mencionada cláusula diz textualmente que “os dois governos negociarão, periòdicamente, ajustes pormenorizados, por troca de notas, para aplicar o disposto neste parágrafo”.

Como se vê, aí está claramente estipulada a natureza do ajuste que viria a ser concluído em 20 de janeiro dêste ano. Êste foi simplesmente um acôrdo celebrado para cumprimento de outro ato bilateral entre as mesmas partes contratantes, ato aprovado por nosso Poder Legislativo, ao qual fôra submetido.

Assim, o ajuste último não foi mais do que o cumprimento do que ali fôra determinado e sem alteração da substância do acôrdo principal.

Parece-nos que, nestes têrmos, a vigência do novo acôrdo não depende da homologação do Poder Legislativo, que, tendo aprovado o acôrdo de 1952, aprovou implìcitamente ou autorizou a conclusão, em forma definitiva, dos novos ajustes destinados apenas ao cumprimento exato do que fôra estipulado antes, com sua aprovação expressa. A expressão por troca de notas como que teve por intuito acentuar o caráter de ajuste em forma simplificada, ou acôrdo executivo, usualmente não sujeito à aprovação legislativa.8

Surge, agora, no entanto, a alegação de que, numa declaração de votos, feita por ocasião da aprovação do acôrdo de 1952, 25 senadores disseram que qualquer ajuste, dêle decorrente, deveria ser submetido à referida homologação.

Resta saber, porém, se a aprovação dada pelo Congresso Nacional foi, de fato, condicional. Não parece que o tenha sido, nem que o pudesse ser.

Na promulgação da resolução legislativa (dec. legislativo nº 30, de 30-4-953, publicado no “Diário Oficial” de 4-5-953), assinada pelo presidente do Senado, nada consta a tal respeito, nem tampouco na ratificação e promulgação do próprio acôrdo, assinadas pelo presidente da República.

Aliás, a aprovação condicional seria uma espécie de reserva de uma das partes contratantes, que só poderia prevalecer se aceita pela outra parte. É, de fato, ponto pacífico, entre os tratadistas, que, no tocante a acôrdo bilateral, a apresentação de qualquer reserva por uma das partes só poderá prevalecer se a outra parte a aceita.

Assim, a aludida manifestação de 25 membros de nossa Câmara Alta teve apenas o valor de uma opinião, opinião sem dúvida respeitável, mas que não prevaleceu.

Menciona-se, em todo caso, o art. 6º do ajuste, como prova de que a substância dos acôrdos anteriores foi alterada.

Ao que se diz, a referida cláusula teria sido o resultado de uma concessão americana a exigências brasileiras, baseadas no alegado acréscimo de responsabilidades, decorrente do estabelecimento de instalações defensivas na ilha de Fernando de Noronha.

Se tais exigências, cujo mérito não nos cabe apreciar, foram aceitas pela outra parte, o fato não altera; especialmente para a parte que as fêz, a substância do ajuste.

Efetivamente, a natureza dêste não deixa de ser a mesma dos atos anteriores, isto é, a defesa recíproca. Trata-se apenas de uma maneira de dar aplicação a compromissos já vigentes.

E o fato é que o govêrno norte-americano, apesar da conhecida disposição de sua Constituição, na qual se estipula a necessidade do “parecer e consentimento” do Senado para a validade de seus tratados, e não obstante a aludida cláusula, não parece que pretenda submeter o ajuste em debate àquele ramo de seu Poder Legislativo.

_______

Notas:

1 Cf. HANS KELSEN, “The Law of the United Nations”, págs. 319 e 320.

2 Ibidem, pág. 382, e “Principies of International Law”, pág. 62.

3 “The Regulation of the Use of Force by Individual States”, no “Recueil des Cours de l’Academie de La Haye”, 1952, II, t. 81.

4 “Organisations Internationales et Pouvoirs Politiques des Etats”, págs. 34-35.

5 “American Society of International Law, Proceedings”, 1955, págs. 34-35.

6 R. QUADRI, “Diritto Internazionale Pubblico”, pág. 92; cf. A. VERDROSS, “Volkerrecht”, 2ª ed., pág. 124; RICCARDO MONACO, “Manuale di Diritto Internazionale Pubblico”, pág. 296.

7 Ainda recentemente, em comentários a um projeto sôbre a lei dos tratados submetida à Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas, o conhecido jurista britânico G. G. FITZ MAURICE, apoiando, aliás, ponto de vista idêntico ao sustentado por LAUTERPACHT, declarou que, na ausência de qualquer disposição em contrário, no próprio ato, a ratificação de qualquer tratado é desnecessária (U. N., doc. A-CN. 4-101, de 14-3-956, págs. 62-63).
8 Cf. os citados comentários de FITZMAURICE (U. N., doc. A-CN. 4-101, pág. 64, nota 28).

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