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INTERNACIONAL
Amazon, Microsoft, Trump e 10 bilhões de dólares
João Carlos Souto
03/03/2020
Por certo não é a ação do século, mas seguramente é a de algumas décadas, seja pelas cifras e personagens envolvidos. De um lado a Amazon, que em setembro de 2018 passou a valer 1 trilhão de dólares. Do outro lado, a Microsoft, que também vale 1 trilhão de dólares e atingiu esse valor de mercado em junho de 2019. Ambas continuam valorizadas na casa do trilhão[1]. Isoladamente o valor de cada uma só é superado pelo Produto Interno Bruto (soma de todas as riquezas produzidas por um país) de pouco mais de uma dezena de países. O Produto Interno Bruto da Indonésia, com uma população de 264 milhões de habitantes, e o da Arábia Saudita, com todo o petróleo, não chegavam a casa de 1 trilhão de dólares em 2018.
Amazon e Microsoft são icônicas, fundadas por jovens de classe média, que sem qualquer ajuda oficial ou dos país acreditaram no negócio e começaram literalmente numa garagem. Ambas, de um modo ou de outro, dominam o mundo em suas respectivas áreas. Ambas são admiradas e estão presentes nas nossas vidas diuturnamente. A Microsoft praticamente todas as vezes que ligamos o computador. A Amazon todas as vezes que usamos o serviço de centenas de grandes empresas, porque centenas de grandes empresas pelo mundo utilizam o serviço de computação em nuvem (cloud computer) da Amazon, mais precisamente da Amazon Web Services (AWS). Quando alguém compra uma passagem aérea no próprio site da companhia, ou solicita o visto de um consulado dos Estados Unidos, tanto um como outro utilizam os serviços de “nuvem” da AWS.
Esses gigantes norte-americanos são partes em uma disputa judicial que tem como pano de fundo um contrato com o Departamento de Defesa dos Estados Unidos, equivalente ao Ministério da Defesa no Brasil. Trata-se do Joint Enterprise Defense Infrastructure (“Empreendimento Conjunto de Infraestrutura e Defesa”, em tradução livre), também conhecido pela sigla em Inglês JEDI.
De acordo com informações constantes no próprio site do Departamento de Defesa “o JEDI Cloud fornecerá serviços em nuvem, rápidos, responsivos, flexíveis e adaptáveis” (JEDI Cloud will provide fast, responsive, flexible, and adaptive cloud services) e “criará uma base para o compartilhamento eficiente de dados por meio de solução evolutiva entre domínios, recursos avançados de análise de dados e uma postura de cibersegurança de ponta para o Departamento de Defesa” (This initiative will create a foundation for efficient data sharing via its evolutionary cross domain solution, advanced data analytics capabilities, and a cutting edge cybersecurity posture for the Department of Defense).[2]
A ação foi ajuizada pela Amazon sob o argumento de que o Departamento de Defesa teria beneficiado a Microsoft na disputa pelo contrato. Vale dizer, o processo licitatório teria sido viciado, conduzido para prejudicá-la, considerando que a AWS integra o conglomerado de empresas de Jeff Bezos, que também é proprietário do The Washington Post, jornal independente e crítico do Presidente Trump. Aliás, basta pesquisar @realDonaldTrump para encontrar inúmeras menções pouco elogiosas a Bezos e ao jornal.
O Washington Post é reconhecido por sua independência. Dois casos emblemáticos e que chegaram à Suprema Corte só existiram pela tenacidade e coragem do jornal. O primeiro o The Pentagon Papers, vazamento de informações sobre a Guerra do Vietnã. O segundo a investigação do Watergate, escândalo que levou à renúncia de Nixon (1974), até aqui o primeiro e único Presidente dos Estados Unidos a renunciar. A série de reportagens foi conduzida por dois jornalistas do Post, Bob Woodward e Carl Bernstein. Ambos os casos são objeto de extensas considerações em “Suprema Corte dos Estados Unidos – Principais Decisões, GEN/Atlas, 3ª ed, 2019).
A Amazon (AWS) ajuizou a ação na Court of Federal Claims (Corte Federal de Reclamações), situada em Washington e incumbida de julgar ações indenizatórias ou que envolvam recursos financeiros contra os Estados Unidos. Consoante dispõe o Código dos Estados Unidos (28. U.S. Code § 172) os juízes da Court of Federal Claims têm mandato de 15 anos, permitida uma recondução (Each judge of the United States Court of Federal Claims shall be appointed for a term of fifteen years).
A juíza Patricia E. Campbell-Smith acolheu pedido liminar da Amazon e determinou, em 12 de fevereiro, a suspensão do início dos trabalhos pela Microsoft. Decisões dessa natureza são raras e sinaliza que a juíza Patrícia, indicada por Obama e que até pouco tempo presidida a Corte, tende a no mérito concordar com os argumentos da empresa de Bezos. A Amazon pediu o depoimento de Trump[3], do Secretário de Defesa Mark Esper e do ex-Secretário James Mattis. Esse último saiu do governo em claro desentendimento com Trump e chateado porque um ex-assessor (Guy N. Snodgrass) escreveu um livro sobre a relação dele com o Presidente (Holding the Line: Inside Trump’s Pentagon With Secretary Mattis) e nesse livro há informações sobre a suposta contrariedade de Trump com relação a Jeff Bezos.
Como se vê são ingredientes dignos de uma produção de Hollywood: a empresa de 1 trilhão de dólares do homem mais rico do mundo (Bezos), processando a empresa (também de um trilhão) do segundo homem mais rico do mundo (Gates), tendo como terceiro interessado o pais mais rico e poderoso do planeta e que tem na Presidência Donald Trump, inimigo do número 1.
[1]. No máximo perderam em torno de 5% de valor de mercado, depois do Coronavirus que se originou em Wuhan, China, e que afetou as principais bolsas do mundo.
[2]. https://www.cloud.mil/jedi/ acesso em 01.03.2020.
[3]. Em a Suprema Corte dos Estados Unidos (3ª edição) Trump é citado 203 vezes. Especialmente pela indicação dos novos Justices (Nill Gorsuch e Brett Kavanaugh) e em razão do Travel Ban.
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