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Desapropriação por interêsse social de Hermes Lima

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Desapropriação por interêsse social, de Hermes Lima

REVISTA FORENSE 167- ANO DE 1954

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15/10/2024

ANTEPROJETO DE EMENDA CONSTITUCIONAL*

Dá nova redação ao art. 147 da Constituição

As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal promulgam, nos têrmos do art. 217, § 4º, da Constituição, a seguinte Emenda. ao texto constitucional:

Artigo único. O art. 147 da Constituição passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 147. O uso da propriedade será condicionado ao bem-estar social. A União poderá promover a justa distribuição da propriedade e o seu melhor aproveitamento, mediante desapropriação por interêsse social, segundo os critérios e a forma de indenização que a lei estabelecer”.

Rio de Janeiro,…

JUSTIFICAÇÃO

1. O princípio da desapropriação por interêsse social foi introduzido na Constituição de 1946 por iniciativa do então senador FERREIRA DE SOUSA e, como figura nova do instituto, destinava-se a atender às exigências do desenvolvimento coletivo no que respeita à utilização da propriedade em beneficio de maior número tôda vez que um problema dessa natureza aparecesse e reclamasse solução. O eminente constituinte FERREIRA DE SOUSA justificou amplamente sua proposta. Dizia êle: “Na sociedade puramente individualista, que compreende a propriedade como um direito absoluto, admite-se a propriedade dos bens que não produzem e recebem valorização do próprio Estado ou do trabalho coletivo. Evidentemente, essa propriedade improdutora, que o proprietário não explora no sentido de transformá-la numa utilidade geral criando riqueza para a coletividade, é um pêso para a sociedade. O proprietário tem, em seu favor, tôda a proteção da lei e da autoridade, recebe-as como conseqüências do enriquecimento resultante do trabalho geral e da própria ação do Estado e nada lhe dá em virtude dêsse mesmo direito.

“Deve ser possível em casos especiais desapropriá-la, a fim de tornar a propriedade uma utilidade, uma riqueza social, seja porque vá dividi-la entre os nove pretendem cultivá-la, seja para outro fim de ordem coletiva”.

2. A expressão desapropriação por interêsse social sempre foi entendida como instrumento de reformas visando a alterações na estrutura social sobretudo quando esta apresenta aspectos típicos de atraso econômico, como acontece em nosso país.

Dêsse modo, o Prof. VALDEMAR FERREIRA identificou na desapropriação por interêsse social um “meio hábil de combate ao latifúndio”. O deputado PRADO KELLY, afirmando que essa figura da desapropriação é fruto da noção da propriedade como função social, caracterizou-a como o instrumento capaz de ensejar a reforma agrária ou quaisquer outras destinadas à justa distribuição da riqueza com igual oportunidade para todos. PEDRO CALMON divisou na desapropriação por interêsse social um instrumento da justiça distributiva.

3. Trata-se, pois, de princípio de maior alcance, atribuído ao legislador ordinário para que êle realize a reforma de nossa estrutura econômica, evitando os abalos das transformações bruscas ou violentas. No fundo há nisto nítida expressão de confiança no poder da inteligência como fôrça controladora do progresso social dentro da disciplina da lei.

O sentimento relativo ao atraso da estrutura econômica do Brasil, notadamente de sua estrutura agrária, levou quantos se têm pronunciado sôbre a figura da desapropriação por interêsse social a nela verem, especialmente, um recurso oportuno para se elevarem as condições de vida e os níveis de produtividade do nosso meio rural.

Não foi por acaso que a Constituição falou em promover a justa distribuição da propriedade. Na Constituinte de 1949 provàvelmente de modo muito mais intenso do que em qualquer das anteriores, debateu-se muito o atraso da estrutura agrária brasileira – atraso social e técnico. O art. 147 da Constituição atual reflete a preocupação do legislador constituinte de então acêrca dêsse grave problema, cuja solução é fundamental para a reorganização da sociedade brasileira em bases mais favoráveis ao rendimento de seu trabalho social produtivo.

Elevar o nível de produtividade agrícola e colocar o homem rural em condições de vida que o transformem num produtor e num consumidor mais ativo – são passos indispensáveis a que a economia brasileira alcance o desenvolvimento de uma economia capitalista adulta. A verdade é que nem sequer ocorreu ainda em nosso país, sobretudo no setor agrário, a revolução capitalista nos seus modernos têrmos de produtividade e consumo.

4. Visa a emenda retirar da restrição geral do § 6° do art. 141 a desapropriação por interêsse social, ou seja, a desapropriação para promover a justa distribuição da propriedade. Neste caso, é mister assegurar ao legislador duas faculdades: primeiro, a faculdade de tratar critérios compatíveis com a natureza da operação legislativa e social, que terá de incidir sobre áreas de natureza física, densidade humana e valor venal diferentes num país de tantos contrastes como o nosso; segundo, a faculdade de lançar mão de outras modalidades de indenização que não sòmente daquela em dinheiro a ser satisfeita, em sua totalidade de uma só vez.

Essas faculdades justificam-se porque a desapropriação por interêsse social é instrumento de reforma básica da sociedade. Assim foi acolhida no texto da Constituição e assim é entendida pelos intérpretes e comentadores. Ela é recurso de que só extraordinàriamente lançará mão o Estado, ao passo que a desapropriação por necessidade ou utilidade pública é recurso ordinário da Administração para atendimento de necessidades correntes de seus serviços.

Exprimindo o caráter nacional da política de justa distribuição da propriedade, o recurso à desapropriação por interêsse social ficou exclusivamente reservado à União. Essa política possui, sem dúvida, seus aspectos regionais. Todavia, ela terá, necessàriamente de coordenar-se num plano geral que à União caberá executar através das etapas e modalidades aconselhadas pela experiência.

Colocar a desapropriação por interêsse social na dependência de indenização prévia e em dinheiro é tornar suscetíveis de adiamento, indefinido medidas de premente oportunidade.

Ocasionarão êsse adiamento as grandes somas que, em dinheiro de contado e de uma só vez, terão de ser despendidas para a desapropriação de áreas e patrimônios que podem subir a centenas de milhões de cruzeiros e mesmo a bilhões.

Ao Estado pelo texto atual; não se comede sequer a prática usual, reconhecida aos devedores de importantes quantias, de satisfazerem seu débito dentro de um período de tempo mais ou menos longo. À iniciativa do Estado em favor de mudanças estruturais reclamadas pelo próprio desenvolvimento capitalista de nossa economia, não se assegura nenhuma condição hábil de realização.

Pelo contrário. A exigência da indenização prévia e em dinheiro tranca a porta às possibilidades de reformas que, entretanto, não poderão deixar de vir. A questão é saber quem as trará: se a lei, se a revolução.

A flexibilidade do texto proposto comporta soluções diferentes para situações diversas, o que parece de todo aconselhável em se tratando de desapropriação que aqui poderá abranger áreas e serviços extensos e importantes, ali áreas e serviços menos extensos e menos importantes, permitindo, dêsse modo, que a forma de indenização varie – ora em dinheiro, ora em títulos de dívida pública ora em prazos mais longos, ora em prazos mais curtos.

A Comissão espera que a sugestão oferecida, na forma da presente Emenda, coloque o problema da desapropriação por interêsse social em têrmos propícios a uma solução verdadeiramente compatível em os imperativos do desenvolvimento brasileiro.

Rio de Janeiro, 23 de junho de 1956. – Hermes Lima, relator; F. C. de San Tiago Dantas; Carlos Medeiros Silva; Francisco Brochado da Rocha; A. Gonçalves de Oliveira.

_______________

Notas:

*Texto da Constituição federal de 1946 a que se refere a Emenda:

“Art 147. O uso da propriedade será condicionado ao bem-estar social. A lei poderá, com observância do disposto no art. 141, § 16 promover a justa distribuição da propriedade, com igual oportunidade para todos”.

LEIA TAMBÉM O PRIMEIRO VOLUME DA REVISTA FORENSE

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