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CLÁSSICOS FORENSE

IMOBILIÁRIO

PARECERES E JURISPRUDÊNCIA

REVISTA FORENSE

Compra e venda de imóvel – Arrependimento – Execução compulsória

IMÓVEL

REVISTA FORENSE

REVISTA FORENSE 147

Revista Forense

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24/01/2022

REVISTA FORENSE – VOLUME 147
MAIO-JUNHO DE 1953
Semestral
ISSN 0102-8413

FUNDADA EM 1904
PUBLICAÇÃO NACIONAL DE DOUTRINA, JURISPRUDÊNCIA E LEGISLAÇÃO

FUNDADORES
Francisco Mendes Pimentel
Estevão L. de Magalhães Pinto

Abreviaturas e siglas usadas
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CRÔNICA

DOUTRINA

PARECERES

NOTAS E COMENTÁRIOS

  • A uniformidade da legislação relativa à cooperação internacional no direito processual – Relatório da Comissão Jurídica Interamericana – George H. Owen; Osvaldo Vial; José Joaquín Caicedo Castilla; Francisco A Ursúa; Francisco Campos; Mariano Ibarico
  • Constituinte, Constituição, leis constitucionais – Inconstitucionalidade de leis e atos – A. Machado Paupério
  • Responsabilidade civil dos preponentes pela atuação de seus prepostos – Paulo Carneiro Maia
  • A nota promissória como instrumento da fraude – Wagner Barreira
  • Locação comercial – Pedro de Buone
  • Da representação do menor sob pátrio poder – Abelardo Barreto do Rosário
  • Direito ao sossêgo – Oscar de Aragão

BIBLIOGRAFIA

JURISPRUDÊNCIA

  • Jurisprudência Civil e Comercial
  • Jurisprudência Criminal
  • Jurisprudência do Trabalho

LEGISLAÇÃO

Sobre o autor

Antão de Morais, desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo.

PARECERES

Compra e venda de imóvel – Arrependimento – Execução compulsória

– A transferência da propriedade de coisas corpóreas, ou de direitos reais sôbre elas, envolve uma obrigação de dar.

– A cláusula de arrependimento, como exceção à regra geral, deve ser expressamente pactuada.

– Executado o contrato, não há lugar para arrependimento.

PARECER

Por escritura pública, uma firma comercial prometeu vender a outra um imóvel urbano. Êsse imóvel estava hipotecado. Avençou-se que a promitente-compradora assumiria a responsabilidade do débito hipotecário e que, descontado do preço o valor dêsse debito, o restante seria pago à promitente-vendedora no ato do compromisso. A promitente-compradora cumpriu exatamente o que prometeu: pagou à promitente-vendedora e pagou ao credor hipotecário. Nada mais tendo que pagar, conforme expressamente se declarou na cláusula terceira, in fine, do instrumento, e já tendo entrado na posse do imóvel, só restava a formalidade da escritura definitiva. A esta, porém, se negou e nega a promitente-vendedora. Primeiro, em 1947, propondo uma ação rescisória do compromisso, sob fundamento de inadimplência por parte da promitente-compradora. Decaiu dessa ação. Mas, não contente, agora intentou outra, por motivo diverso, alegando a faculdade de arrependimento.

Informando que a escritura foi registrada de acôrdo com a lei vigente ao tempo em que foi lavrada, e instruindo a consulta com os documentos necessários, pergunta a promitente-compradora no primeiro quesito:

“Atendendo a que o preço foi integralmente pago, conforme se combinou na escritura, a obrigação da promitente-vendedora é obrigação de dar ou de fazer?”

A transferência da propriedade de coisas corpóreas, ou de direitos reais sôbre elas, envolve uma obrigação de dar (GUILHERME ALVES MOREIRA, “Instituições do direito civil português”, vol. 2, pág. 56; CLÓVIS BEVILÁQUA, observação nº ao art. 1.122 do Cód. Civil).

Na hipótese é o que ocorre, porque a obrigação de fazer, que a escritura definitiva implica, será substituída pela sentença, consoante se pediu na reconvenção.

No segundo quesito, indaga-se:

“Atendendo a que a consulente possui o imóvel compromissado há cêrca de 17 anos; a que já pagou todo o preço; a que jamais a promitente-vendedora manifestou desejo de arrepender-se, pode agora fazê-lo?”

Dou resposta negativa ao quesito: o arrependimento já agora é impossível. Passarei a justificar detidamente essa resposta, na qual se inclui a questão principal da consulta.

Convém desde logo ressaltar a regra geral de que a cláusula penal não permite elidir o cumprimento da obrigação. Eis como ALFREDO COLMO, “Obligaciones”, tercera edición, explica o princípio (nº 166, pág. 131).

“O devedor não pode eximir-se ao cumprimento da obrigação com o simples pagamento da pena. Esta não entra como substitutivo da obrigação, senão como medida de segurança para o cumprimento da mesma; não a substitui, apenas a acompanha; em outros têrmos, é um direito que pode exigir o credor e não o devedor”.

A faculdade de desdizer-se constitui, portanto, exceção a essa regra; e, assim, como tôda a exceção, exige inteligência rigorosa. Em conseqüência, a cláusula resolutória não deve ser admitida senão em casos categóricos e indubitáveis, consoante a lição de COLMO (lugar citado, nº 187, pág. 144): sendo o sinal excepcional e restritivo, na dúvida deve entender-se que se trata de princípio de pagamento, que é o ordinário e natural.

REDOUIN, em sua excelente monografia “Los arrhes en droit français”, Librairie Technique et Economique, Paris, s. d., pág. 113, assim expõe o aspecto restritivo com que se deve encarar o assunto:

“Certos autores chegam a recusar a qualificação de arras aos pagamentos efetuados a título de prova ou por conta do preço ou, pelo menos, reservam às arras-arrependimento (arrhes-dêdit) o nome de arras pròpriamente ditas. Não ” participamos inteiramente desta opinião: as arras-por conta e as arras-prova (arrhes-acompte et les arrhes prouve) são igualmente arras. Reconhecemos, sòmente, que as arras-arrependimento apresentam uma certa originalidade, que, em todo o caso, sua junção é exorbitante derrogatória do direito comum dos contratos. Com efeito, é princípio universalmente admitido em nosso direito que, se um contrato se conclui pelo só consentimento das partes, é necessário, para fazê-lo desaparecer, o consentimento de todos que o fizeram. A dissolução dos contratos por via unilateral, pela vontade de um só dos contraentes, não é admitida de modo geral em nosso direito, não existe senão excepcionalmente. As arras-arrependimento são um dos casos particulares em que ela existe: graças a um pagamento, interpretado como faculdade de se arrepender, o contrato será suscetível de desaparecer a requerimento de um só dos contratantes”.

Bem escreveu, por conseguinte, CARVALHO DE MENDONÇA, “Tratado de Direito Comercial”, vol. 6, parte 1ª, nº 444, pág. 393:

“A arrha penitentialis deve ser expressa; se o não é, tem-se o sinal por confirmatório“.

Da mesma maneira CLÓVIS BEVILÁQUA, observação nº 1 ao art. 1.095:

“O Código admite o direito de arrependimento em conjunção com as arras, mas não como conseqüência delas. Deve êsse direito ser estipulado de modo expresso, e, neste caso, as arras funcionam como cláusula penal (arrha penitentialis)”.

Arras na escritura de compromisso

Examinemos, na escritura de compromisso, a cláusula referente às arras:

“No caso de qualquer das partes se arrepender, aplicar-se-á a regra do artigo 1.095 do Cód. Civil, procedendo-se da seguinte maneira: se a arrependida fôr a promitente-compradora, perderá o que pagou por conta do preço; se fôr a promitente-vendedora, devolverá em dôbro a importância recebida, acrescentando-se que essas perda e restituição abrangerão quaisquer outras parcelas, que porventura forem pagas por conta do preço”.

Esta cláusula contém a estipulação de sinal ou arras? Envolve a estipulação do direito de se arrepender?

Nem uma coisa nem outra.

Não é arras, porque nada se deu com o fim especial, como quer o Cód. Civil, art. 1.094, para firmar a presunção de acôrdo final e tornar obrigatório o contrato. Assim as define ROBERTO DE RUGGIERO, “Istituzioni di diritto civile”, vol. 3, pág. 155, settima edizione:

“Arra ou caparra é o que na conclusão de um contrato uma parte dá à outra com o fim de ficar perdido em benefício do aceitante se a convenção não se cumprir: é uma cautela para o ressarcimento do dano, no caso de inadimplência, e é, ao mesmo tempo, um sinal do acôrdo, podendo constituir um princípio de execução”.

LACERDA DE ALMEIDA, “Obrigações”, § 45:

“Um outro modo de refôrço, nos contratos comutativos, é a entrega a uma das partes de uma coisa ou quantia em firmeza da obrigação assumida pela parte que entrega. Chama-se por isso sinal ou arras, e tem a natureza de contrato real no sentido de que depende a sua existência da efetiva tradição da coisa”.

EDUARDO ESPÍNOLA, “Garantia e Extinção das Obrigações”, pág. 352:

“Tem o nome de arras, ou sinal, aquilo que, ao celebrar um contrato, uma das partes dá à outra como garantia do acôrdo a que chegaram e da obrigatoriedade do mesmo contrato”.

CARVALHO DE MENDONÇA (lugar citado, n° 443, pág. 392):

“Dizemos sinal ou arras (palavras sinônimas) o dinheiro ou coisa móvel efetivamente entregue por uma das partes à outra como demonstração e prova da conclusão do negócio jurídico, dependente apenas da sua execução”.

Ante estas noções, é evidente que na cláusula acima transcrita não existe estipulação de sinal ou arras, pois a quantia entregue pela promitente-compradora a promitente-vendedora, não o foi como garantia do acôrdo a que chegaram e da obrigatoriedade do mesmo contrato. Foi, sim, dada, como pagamento parcial do preço, segundo, aliás, está dito na escritura: “perderá o que pagou por conta do preço“.

Não existe assim sinal ou arras. Mas, se existisse, não existiria a faculdade de se arrepender, porque esta faculdade não pode, como disse CLÓVIS BEVILÁQUA, surgir como simples conseqüência das arras. Deve ser, ao contrário, tratando-se de estabelecer exceção à regra geral, expressamente pactuada. Ora, na cláusula em exame não existe pacto expresso de arrependimento. O que existe è a forma de se liquidarem os danos “no caso de qualquer das partes se arrepender“.

Assim como da existência das arras não se infere o poder de se arrepender, tampouco tal poder se infere do modo de se liquidar o prejuízo, se houver arrependimento. Uma coisa não decorre da outra. Para, evitar embaraços, discussões e dificuldades de prova, os contraentes podem, perfeitamente, ajustar as condições em que serão liquidados os prejuízos em caso de infração do contrato. Daí não se segue que os interessados hajam ajustado o direito de infringir o contrato.

Aliás, as partes só falaram em rescisão do contrato da cláusula nona, unicamente no caso de inadimplência; e que a intenção delas não era considerar o arrependimento causa de rescisão, deflui, ainda, da circunstância, altamente relevante, de já haver a promitente-vendedora, antes da ação, que está correndo, proposto outra para desfazer o compromisso, sem argüir, todavia, como motivo, o arrependimento. Se esta faculdade existisse, certamente foi renunciada. Para arrepender-se, a promitente teria que restituir, dobradamente, o que recebeu. Isto não lhe convinha. Por isso, abriu mão da faculdade de se arrepender, que, aliás, como vimos, na realidade não tinha.

Mas, suponhamos, só para argumentar, que houvesse a faculdade de arrependimento. Será, ainda, oportuna a invocação dêsse meio? Absolutamente, não. O direito de arrepender não é ilimitado. Os contratos não podem permanecer vários lustros, indefinidamente, sem firmeza e estabilidade. J. REDOUIN, citada monografia, pág. 166, dedica algumas páginas a essa questão do prazo durante o qual a faculdade de arrependimento pode ser exercida. Se as partes previram um prazo, é claro que, expirado êsse prazo, caduca o direito de se arrepender. Mas, se nenhum prazo foi previsto? A faculdade perdura anos e anos a fio? Ouçamos J. REDOUIN (pág. 169): “é bem certo que esta possibilidade para cada uma das partes de reconsiderar a sua decisão, de quebrar o liame contratual, não pode durar indefinidamente; a existência de um contrato não pode ficar, perpètuamente, dependente de uma simples manifestação de vontade. Os contratos exigem uma estabilidade com a qual é incompatível a duração indeterminada do direito de se arrepender. Que perturbação se cada vez que alguém fique descontente com os efeitos de um contrato – e bem raros são os casos em que tais desgostos não se manifestem – possa abandonar a sua decisão: as conseqüências são incalculáveis. Se, aliás, a conseqüência das arras fôsse conceder o direito indefinido de se arrepender é provável que a instituição desaparecesse ou que uma cláusula de estilo lhe viesse limitar o efeito nos contratos acompanhados de semelhante estipulação. Lògicamente, portanto, se é compreensível que as arras concedam aos particulares um tempo suplementar de reflexão, é mister, necessàriamente, que êsse lapso de tempo seja limitado em sua duração, do contrário a instituição não teria nenhum sentido, porque iria de encontro aos princípios fundamentais do direito dos contratos. Além disso, se a utilidade de tal estipulação é manifesta, não é menos verdade que ela é de direito estrito, isto é, derrogatória do direito comum, e que não deve, em conseqüência, ser aplicada senão em têrmos restritos”.

DEMOGUE, “Obligation”, vol. 6, nº 450, pág. 486, expõe:

“A faculdade de se arrepender existe durante o tempo fixado expressa ou tacitamente pelas partes. Não havendo prazo, êste direito existe para cada parte até a execução. Mas, se há execução de um lado e aceitação de outro, o contrato se torna definitivo para as duas partes”.

BAUDRY ET SAIGNAT, “Vente”, nº 81, pág. 61, troisième édition, não são menos explícitos:

“Á faculdade para cada parte de se arrepender, perdendo o valor das arras, não pode durar indefinidamente. Se um prazo foi convencionado, êle não se pode exercer senão durante êsse prazo; se nenhum prazo foi fixado, o direito de se arrepender dura até a execução da convenção“.

Não é diferente a lição de COLMET DE SANTERRE, vol. 7, n° 11-bis, VI, pág. 27, deuxième édition:

“A convenção de arras, entendida como a interpreta, o art. 1.590, torna incerta a venda e incertos os direitos das partes. Não é possível que esta incerteza seja indefinida. Não podia ter entrado no espírito dos contraentes que, em qualquer época, os efeitos da convenção poderiam ser destruídos pelo capricho de uma das partes, mediante a perda das arras ou sua restituição em dôbro. Cumpre, portanto, determinar o momento em que cessará para cada parte o direito de se arrepender.”

“Segundo o próprio fundamento que serve para caracterizar o direito que nasce da convenção das arras, vê-se que a intenção atribuída pela lei às partes é imprimir certa fragilidade a um contrato ainda não executado, porque seria inexato dizer que uma, pessoa se arrepende ou se retira da convenção quando ela cumpriu as obrigações desta convenção. Nesse caso, ela anularia o contrato, repetiria o que deu, mas não se arrependeria.”

“É, pois, a execução que destruirá o direito de se arrepender; primeiro, certamente, a execução das obrigações das duas partes, mas também a execução por uma só das partes de sua obrigação, seja de entregar a coisa, seja de pagar o preço, porque a execução não é sòmente o fato do devedor, é também o fato do credor. Aceitando esta execução, o credor consente em concluir o contrato, como dizia POTHIER, em renunciar ao direito de fazer considerar a convenção como não realizada. A entrega da coisa vendida, o pagamento do preço, converterão, pois, em uma venda pura e simples a venda que, originàriamente ficara subordinada à possibilidade de uma retratação do lado de uma ou da outra parte”.

Com esta justa doutrina concorda GUILLOUARD, “Vente”, vol. I, pág. 36, nº 24, deuxième édition:

“A convenção de arras fornece às partes um meio de romper o contrato que formaram: mas a incerteza que esta cláusula faz pairar sôbre a sorte definitiva da venda não pode prolongar-se de maneira indefinida, e cremos, com COLMET DE SANTERRE, que a execução voluntária do contrato por uma das partes torna a venda definitiva, não sòmente com relação à parte, que executou o contrato, mas também com relação à outra, que aceitou a execução sem invocar seu direito de resolução“.

Êstes princípios, no silêncio da lei e do contrato, são de inegável aplicação (art. 4º do dec. nº 4.657, de 4 de setembro de 1942, Lei de Introdução ao Código Civil). Ora, a compra e venda, de que cogita a escritura de compromisso, foi completamente executada, seja quanto à promitente-vendedora, pela entrega da coisa vendida, seja quanto à promitente-compradora, pelo pagamento do preço. Executado, assim, o contrato, não há lugar para arrependimento. Consoante ensina COLMET DE SANTERRE, não há como falar de arrependimento com respeito a um contrato já executado. Êsse contrato poderá ser anulado e a parte vencedora poderá repetir o que deu. Mas, jamais essa parte poderá arrepender-se daquilo que deixou de executar até o fim. Tanto poder não têm as arras. Sua função é permitir uma reconsideração oportuna de um consentimento irrefletido. Não é, porém, subverter a economia dos contratos, tornando-os permanentemente incertos e indefinidos.

Se o contrato foi executado, só resta, como no caso, formalizá-lo. Se não foi executado, a constituição em mora resolverá o assunto (J. REDOUIN, lugar citado, pág. 170; GUILLOUARD mesmo lugar, nº 24, pág. 37; “Pandectes Françaises”, “Vente”, n° 401). Na hipótese da consulta, embora desnecessàriamente, porque não havia, na realidade, nem arras nem a faculdade de se arrepender, tendo ficado, no ato do compromisso, entre as partes promitentes, integralmente cumpridas as respectivas obrigações, tanto que se avençou nada mais ter a promitente-vendedora que receber por ocasião da escritura definitiva; não obstante tudo isso, a promitente-vendedora foi, solenemente, constituída em mora, já olvidando de ressalvar o seu pretenso direito de se arrepender, na ação rescisória de que decaiu em 1947, já deixando de comparecer em cartório para atender ao convite, que se lhe fêz, para outorgar a escritura definitiva. Admitir, depois disso, passados 17 anos, a faculdade de arrependimento, é postergar o direito e conceder à promitente-vendedora (qui certat de lucro captando) as vantagens de sua malícia, em detrimento da promitente-compradora, que apenas visa evitar prejuízo (qui certat de damno vitando).

Jurisprudência nacional

A jurisprudência nacional não é alheia a essa orientação justa e sã (“REVISTA FORENSE”, vol. 131; pág. 394, rec. extraordinário nº 10.193).

O terceiro quesito, acêrca da regra rebus sic stantibus, merece, quanto à promitente-vendedora, resposta negativa, pois, se aquêle princípio pudesse ser invocado, em casos como o da consulta, só o poderia ser pela parte que ainda não houvesse cumprido a sua obrigação. A promitente-vendedora, que no próprio ato da escritura de compromisso executou, com a entrega do imóvel, tudo quanto dela se podia exigir, jamais teria o direito de invocar êsse subterfúgio (COVIELLO, “Contrato preliminare”, nº 62, na “Enciclopedia Giuridica Italiana”).

O quarto quesito, quanto à sorte das benfeitorias e construções, encontra solução nos arts. 510, 516 e 547 do Código Civil.

Finalmente, a execução compulsória, autorizada pelo art. 1.006 do Cód. de Processo Civil, tem inteira aplicação ao contrato preliminar de que trata a consulta. Abstenho-me de transcrever opiniões, porque, já agora, ninguém desconhece essa verdade. Por isso, limito-me a indicar os luGares onde a matéria está inteiramente resolvida a favor da promitente-compradora, tendo em vista, naturalmente, a situação de fato (GIORGI, “Obbligazzioni”, vol. 3, nº 153, Firenze, 1907; MATTIROLO, “Trattato”, quinta edizione, vol. 3, pág. 214, nota; ROBERTO DRAGU, “De l’éxécution en nature des contrats”, pág. 87; BARDA, “Exécution spécifique des contrats”, pág. 149; BUENO VIDIGAL, “Da execução direta de prestar declaração de vontade”, nº 79; FILADELFO AZEVEDO, “Um triênio de judicatura”, vol. 3, pág. 117; SERPA LOPES, “Registros públicos”, vol. 3, pág. 196; “REVISTA FORENSE”, vol. 126, pág. 102, rec. extraordinário nº 10.193).

Terminarei, não obstante, lembrando a lição de CHIOVENDA, “Istituzione”, vol. 1, n° 56, pág. 187, 2ª edição, onde, ao tratar da ação que nasce do contrato preliminar, aceita a execução compulsória:

“Não que o juiz contrate em lugar e como representante do obrigado, velha concepção ultraprivatística, que a doutrina, moderna baniu do processo. Mas o juiz, como executor da vontade concreta da lei, tem, sem dúvida, o poder de realizar o efeito jurídico, que as partes se obrigaram a produzir, independentemente do contrato. Digo, portanto, que do inadimplemento do contrato preliminar, por exemplo, de uma compra e venda, nasce um direito à transferência da propriedade mediante sentença constitutiva“.

O direito, da consulente é inegável e, com tôda a certeza, vai ser reconhecido pela Justiça.

São Paulo, 21 de setembro de 1951

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