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José Manuel de Sacadura Rocha

José Manuel de Sacadura Rocha

31/08/2016

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Em meus livros e em meus blogs (veja aqui!) tenho afirmado que existem diferenças fundamentais entre Dignidade Humana e Direitos Humanos, e defendo a ideia que deveríamos falar mais da primeira que da segunda. Não que o conceito de Direitos Humanos não seja importante, mas sobretudo que a ideia de Dignidade Humana é mais abrangente e universal, e historicamente mais antiga. Eu mesmo tenho me empenhado em consagrar a ideia subjacente que permeia a de Direitos Humanos, principalmente porque defendo restritivamente os princípios constitucionais que protegem o homem em sua dignidade intrínseca.

Concebido o homem como um Ser capaz de “sentir” e “amar”, o conceito de Dignidade Humana é ontológico – constituinte e indissociável – de seu “ser”, isto é, só posso conceber o humano e falar dele em termos daquilo que é “digno”. Assim, desde a A República de Platão, ou a Ética a Nicômaco, de Aristóteles, o homem aparece sempre como o sujeito e o objeto da ação política com vistas a impedir que os seus direitos “sejam do Direito e não de direito”. Por isso volto ao tema: os propalados Direitos Humanos aparecem no discurso moderno e pós-moderno como “determinação normativa”, atributos jurídicos positivos, ao invés de emanarem da “consideração do homem como tal”, portador de direitos inatos por sua própria natureza.

Minha concepção de “humanismo” inspira-se em autores jusnaturalistas do pensamento moderno, como Sto. Tomás de Aquino, Hugo Grócio, Samuel Pufendorf, Jean Domat, e espelha-se naqueles autores da filosofia clássica. Mas, fundamentalmente, concebo a Dignidade Humana como o respeito, antes de tudo, à realização de projetos sociais que deem concretamente as condições materiais para que cada indivíduo possa desenvolver plenamente suas potencialidades espirituais. Contudo, tal ideia, a meu ver, só se realiza quando pensamos a Dignidade Humana a ser construída socialmente, quer dizer, a partir do coletivo e pelo coletivo.

A questão é que na modernidade a “dignidade” deu lugar a “direitos”, mais do que “responsabilidades sociais”, principalmente depois da Rev. Francesa (1789), como da chamada Rev. Americana (1776) e posteriormente na “Declaração Universal dos Direitos Humanos”, da ONU, de 1948. Todas estas declarações de direitos são inspiradas no individualismo, uma ideia construída modernamente e consolidada ideologicamente pelos interesses da classe burguesa em ter à sua disposição mão de obra barata e desprotegida com a qual pudesse celebrar os contratos de trabalho, de consumo e de financiamento monetário. Sem ilusões, temos que admitir que os Direitos Humanos tais como o liberalismo burguês apregoa visa pouco à defesa do homem e de sua dignidade. Os princípios estão lá, eternamente a esperar serem concretizados: só!

A prova disso é que, apesar das citadas revoluções e de suas declarações em prol dos Direitos Humanos, o desprezo e a exploração sobre as massas de trabalhadores e gente do povo só se agigantou, e mais, nenhuma das declarações de tais direitos tutelados juridicamente evitaram as atrocidades e a bestialidades cometidas nas grandes guerras mundiais e as regionais do século XX, como as de nosso tempo, mesmo após a ONU ter proclamado em 1948 a sua cartilha. Ademais, por todo lado, existem milhões de crianças morrendo de fome e de doenças parasitárias na África, nas suas guerras étnicas, nas guerras no Oriente Médio, nos atentados do Afeganistão e do Paquistão, e na extrema pobreza da América Latina onde sobreviver após ao primeiro ano de vida é um verdadeiro “milagre”.

O pensamento moderno esqueceu de fato o que significa a Dignidade Humana e colocou em seu lugar uma relação de direitos que raramente saem do papel, principalmente quando o interesse hegemônico do sistema de mercado deve prevalecer. O individualismo moderno, consagrado por todos, é uma construção filosófica que atomiza os indivíduos, os individualiza a termos jurídicos e só os considera nos conteúdos normativos tutelados pelo Estado burguês. Por isso, pouco ou nada a declaração da ONU faz diferença nas guerras e genocídios atuais, como as declarações humanistas no tempo das revoluções do seculo XVIII puderam evitar a irracionalidade e a instrumentalização do homem, como mercadoria e aparelhagem de guerra. Hoje, onde ficam os Direitos Humanos quando o povo, os jovens estudantes, os professores, os trabalhadores, os mendigos, os gays, as mulheres, as minorias raciais, os estrangeiros, os imigrantes saem à rua para protestar e reivindicar por seus direitos?

Neste sentido, basear-se nos Direitos Humanos conforme a normatividade o apresenta constitucionalmente parece, infelizmente, pouco, muito pouco, e quase nada fará mudar nas motivações do sistema de mercado, na sua ânsia por lucro e acumulação. Os movimentos sociais, os coletivos e as comunidades, bem como os “lugares da diferença”, hoje sociologicamente estudados como Multiculturalismo (Charles Taylor), padecem de objetividade estruturante para enfrentar o demoníaco jogo do poder do capital. Se iludem e se ilude o Multiculturalismo quando se apresenta como a diferença a construir a diferença por cima, pelo “direito de ser diferente”, a mostrar alternativas à sociedade a partir daquilo que são formalmente os Direitos Humanos. O “direito à voz” ou se alicerça nos fundamentos de uma sociedade que considera o homem com uma dignidade inegociável e não contratável per si, ou atingirá apenas algumas demandas de grupos minoritários, quando não se imiscuirá nos interesses mercantilistas e servirá possivelmente de “disfarce” para aquilo que não interessa de fato mudar, antes, por baixo, essencialmente, as relações sociais subjacentes da verdadeira diferença, opressão e exploração, a começar, que se diga, uma vez mais, pela desigualdade: do e no direito do trabalho; do consumo racional e equilibrado, equidistante para todos os cidadãos; proteção quanto aos financiamentos mercantis escorchantes; na destinação de verbas públicas na conformidade do mercado; na discussão de alocação de orçamentos municipais, estaduais e federais; a falta de acesso à saúde, ao transporte, à escola, escola livre e plural e o acesso à cultura. Não resolvemos o problema da distributividade; o que estamos esquecendo (Nancy Fraser)?

Assim, tenho em mim, também, uma tradição que dá primazia ao homem coletivo e ao bem viver de todos, a partir de Jean-Jacques Rousseau, como em Karl Marx, e como no “cuidado de si” de Michel Foucault. A diferença do “cuidado de si” resgatado por Foucault dos antigos filósofos gregos, para o individualismo moderno, é que aquele não se esgota no individualismo estéril e no egoísmo mercantil, mas com consciência, racionalidade e vigor volta aos outros e pretende progredir junto com eles socialmente.

Mas não gostaria de ser entendido mal: não sou contra os Direitos Humanos, apesar de sua utilidade dúbia; tampouco contra os “espaços da diferença”, e da expressão e voz de construção minoritária ou subjetiva, de Gênero, Identidade, Coletivos, Educação Social, Mediação Social e movimentos sociais de forma geral, mas como diria um amigo meu “É o que temos para hoje!”.


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