
32
Ínicio
>
Artigos
>
Direitos Humanos e Fundamentais
>
Internacional
ARTIGOS
DIREITOS HUMANOS E FUNDAMENTAIS
INTERNACIONAL
Mobilidade Humana e o Direito Internacional: a luta pela igualdade

GEN Jurídico
12/03/2025
O Direito Internacional da Mobilidade Humana abrange o conjunto de normas internacionais que regulamentam os direitos dos indivíduos em situação de deslocamento transfronteiriço ou que permanecem – seja de forma temporária ou definitiva – em um Estado cuja nacionalidade não lhes pertence. Essas regras incidem sobre todos os migrantes, tanto os imigrantes (nacionais de outros Estados ou apátridas que chegam a um país) quanto os emigrantes (nacionais que deixam o território de um Estado para outro), bem como sobre disposições especiais relativas à apatridia, ao refúgio e a outras formas de acolhimento. No plano nacional, a mobilidade humana também é disciplinada por normas locais que regulam a entrada, a permanência e a saída (voluntária ou compulsória) dos migrantes.
Quanto à terminologia, a Corte Interamericana de Direitos Humanos adota o termo “migrante” de forma genérica, abrangendo tanto os emigrantes quanto os imigrantes (Corte Interamericana de Direitos Humanos, Opinião Consultiva relativa aos direitos dos migrantes indocumentados -OC-18/03, 2003, parágrafo 69). A Lei nº 13.445/17 (Lei de Migração) também emprega o termo migrante, substituindo o uso genérico de “estrangeiro” presente na revogada Lei nº 6.815/80 (Estatuto do Estrangeiro).
O marco da atenção internacional às pessoas em situação de mobilidade é a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), que estabelece, em seu artigo XIII, numeral 2, que “toda a pessoa tem o direito de abandonar o país em que se encontra, incluindo o seu, e o direito de regressar ao seu país”, e, no artigo XIV, numeral 1, que “toda pessoa sujeita a perseguição tem o direito de procurar e de beneficiar de asilo em outros países”. Esse direito de saída, aliado ao direito ao asilo em sentido amplo, consagra a mobilidade internacional, cada vez mais presente no atual momento de globalização.
Diferentemente da tese do “jus communicationis”, defendida por Francisco de Vitória no século XV – segundo a qual os indivíduos teriam direito à emigração e à imigração em uma circulação mundial irrestrita – o Direito Internacional da Mobilidade Humana, atualmente, não assegura o direito de ingresso em qualquer país, limitando-se, em geral, ao direito de sair e ao direito de buscar asilo. Exceção a essa regra está prevista no Direito Internacional dos Refugiados, que obriga os Estados a acolher, em geral, o solicitante de refúgio até que seja definida sua situação jurídica, garantindo que ele não seja devolvido a um país onde sua vida, liberdade ou integridade pessoal estejam em risco por motivos de raça, religião, nacionalidade, pertença a determinado grupo social ou opiniões políticas.
No âmbito dos diplomas jurídicos internacionais específicos, a mobilidade internacional foi abordada pela Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros de suas Famílias (1990), que combate a discriminação e a violação dos direitos básicos dos trabalhadores migrantes em Estados de acolhida, considerando a vulnerabilidade decorrente, em geral, da migração indocumentada e das diferenças socioculturais. Contudo, essa convenção ainda não foi ratificada pelo Brasil. Em contrapartida, os tratados internacionais gerais – como a Convenção Americana de Direitos Humanos, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais – já ratificados pelo país podem ser invocados pelos migrantes para a proteção de seus direitos.
A jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos e da Corte Europeia de Direitos Humanos exemplifica a interpretação desses diplomas gerais para abranger situações de mobilidade internacional, tratando de temas como os direitos dos trabalhadores migrantes indocumentados, o devido processo legal, o direito à nacionalidade, à assistência consular, à igualdade e ao combate à discriminação, bem como os direitos dos solicitantes de refúgio – inclusive de crianças. Nesse sentido, a Corte Interamericana, por meio da Opinião Consultiva nº 18, determinou que os Estados membros da Organização dos Estados Americanos têm o dever de respeitar e garantir os direitos dos trabalhadores migrantes indocumentados, independentemente de sua nacionalidade, em nome do direito à igualdade e à não discriminação com os trabalhadores nacionais. Para essa Corte, o direito à igualdade é considerado parte integrante do jus cogens, não dependente da ratificação de tratados específicos, como a Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros de suas Famílias.
Dessa forma, a Corte exige que os Estados e os particulares assegurem: (i) os direitos trabalhistas dos migrantes indocumentados, sem qualquer discriminação em relação aos trabalhadores regulares, conforme os direitos mínimos estabelecidos internacionalmente; (ii) a proibição do trabalho forçado ou obrigatório; (iii) a vedação do trabalho infantil; (iv) o direito à associação sindical; e (v) o direito a uma jornada de trabalho razoável, entre outros. A lógica é clara: o Estado não tem a obrigação de admitir migrantes, mas, uma vez presentes em seu território, estes não podem ser discriminados, devendo ter acesso aos mesmos direitos previstos para os demais trabalhadores.
Ademais, a Corte Interamericana de Direitos Humanos determinou que os migrantes têm o direito de acesso à justiça para fazer valer seus direitos em condições de igualdade com qualquer outro jurisdicionado. Mesmo os migrantes indocumentados possuem o direito à ampla defesa e ao devido processo legal, inclusive em situações que envolvem detenção e eventual expulsão ou deportação. Em síntese, embora os tratados de direitos humanos não garantam o direito de ingresso – salvo – em geral – para o solicitante de refúgio –, eles impõem aos Estados o dever de promover a igualdade dos migrantes, independentemente de seu estatuto migratório, bem como de assegurar outros direitos fundamentais, como o acesso à justiça e o devido processo legal.
Sobre o autor
André de Carvalho Ramos é Professor da Faculdade de Direito da USP; autor do Curso de Direitos Humanos (12ª ed, 2025) e do Curso de Direito Internacional Privado (4ª ed., 2025)
