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CLÁSSICOS FORENSE
HISTÓRIA DO DIREITO
REVISTA FORENSE
O Estado de Direito, de Paulo Campos Guimarães
Revista Forense
26/12/2024
SUMÁRIO: Definição. Estrutura. Instrumentos de realização. Arbítrio jurídico. Limites positivos. Fim objetivo do Estado. Conclusão.
Definição do Estado de Direito
O Estado de Direito tem por fim a realização da vida social, inspirando-se os seus instrumentos ou atos nas normas formuladas ou nas idealidades. Daí a máxima racionalização como supremo ideal, na expressão de MIRKINI GUETZEVITCH.
Nêle, o direito toma corpo na lei e, na medida em que ela o consente e implica, recorre às regras não formuladas, razão por que, sôbre traduzir o conteúdo e os fins de um Estado, provê sôbre o modo e a forma característica de os realizar, só podendo agir de acôrdo com as regras ou princípios que absorvem tôda a sua vida. É que não se constitui apenas das normas legais, senão também da ciência do direito, concebendo-se a ordem jurídica como construção com material, técnica, sistema e lógica, e resolvendo-se a sua realização em verdadeiro processo de criação, concebido por KELSEN como sucessão de concretização e individuação crescente do direito.
Estrutura do Estado de Direito
A estrutura do Estado de Direito não é tão simples a ponto de se pretender reduzi-la a mera expressão de legalidade, uma vez que a lei é apenas uma característica do direito. Ao lado do direito formulado, traduzido em normas, há um território ideal, que corporifica princípios imanentes à ordem, pressupostos comuns à consciência jurídica em dado país e em momento determinado os quais, como a lei são de imediata aplicação aos casos objetivos. A obrigação de criar o corpo de administração, que existe independentemente de qualquer lei, o costume, que é a observância constante de norma não escrita, a eqüidade, que constitui, ao lado da justiça, o fundamento intrínseco do direito, os poderes implícitos, baseados no caráter político da Constituição na sua prevalência e no regime federativo, a delegação implícita, motivada pràticamente pela escassez de tempo, caráter técnico da matéria, emergência e contingências imprevistas, a incompatibilidade implícita, decorrente de processo lógico-dedutivo, o princípio de que a cada direito corresponde uma ação, que se afirma independentemente de qualquer formulação, além de inúmeros outros postulados gerais de direito, enriquecem a moldura do Estado de Direito, encontrando correspondência na realidade e sólidos fundamentos para a sua aplicação com o valor de normas jurídicas objetivas, completando, ao lado da lei e das instituições, o quadro da ordem jurídica vigente.
Instrumentos de realização e Arbítrio jurídico
O velho dualismo entre a lei e o direito reapareceu com a crise do positivismo jurídico, mediante a idéia de que o direito positivo não esgota a substância do jurídico, porque representa tão-só a sua parcial e lacunar concretização histórica. Com êsse rumo, abandonou-se também a crença na plenitude do sistema legal. E as três grandes técnicas ou instrumentos de realização do Estado de Direito – a interpretação, o standard e o arbítrio jurídico – passaram, como também a ciência do direito a ser lógicas, sociológicas, teleológicas e, ùltimamente, axiológicas. E a razão disso é muito simples. A realidade dos fatos é mais rica do alie a jurídica, ocorrendo, então, a dificuldade de subsumir cada determinado tipo de conflito – à norma legislada ou aos juízos lógicos ou de valor, excogitados sob a inspiração de princípios ou fontes e de situações ou fatos concretos.
Assim, o legislador prevê genèricamente, sem discriminação, ou omite, por imprevisão ou de propósito, a nova realidade ou o novo direito, que só se especifica, singulariza ou individua, na oportunidade de sua aplicação, que, sôbre ser técnica de subsunção, é trabalho dinâmico de construção jurídica, por meio das técnicas ou processos de realização do Estado de Direito: a interpretação, que procura apreender o pensamento da lei dentro da moldura concreta de uma situação histórico-social, com padrões definidos, herdados, aperfeiçoando-os ou substituindo-os através, como assinala o professor CARLOS CAMPOS, da conversão de energias elementares egoísticas em fôrças de conformação útil ao próprio indivíduo e ao meio social; o standard, que, nascido das fontes do direito civil romano (bonamoris, bonafides, bonumvir), com o objetivo de realizar os valores de justiça, razoabilidade, racionalidade adquiriu foros de independência e função realmente técnica com os julgados dos tribunais inglêses e com a obra de FRANÇOIS GENY, aduzindo sempre, em POUND, AL-SANHOURI, HAURIOU ou STATI, um tipo médio de conduta social correta, que serve de estalão para a medida da justiça no caso concreto, ou melhor, para a individuação do direito; e, finalmente, o arbítrio jurídico, que se conceitua como a liberdade de apreciação prévia dos órgãos estatais, relativamente à oportunidade, eficácia e justiça de seus atos, caracterizando-se como técnica de criação ou revelação, aplicação ou execução do direito. BIELSA compara aquêle que executa a lei ao artista. Há croquis e grandes quadros. A dificuldade em realizá-los está na necessidade e obrigatoriedade de permanecer o artista dentro do traçado da finalidade da lei, que domina sempre, porque é o elemento de maior resistência, de mais imprescindível necessidade, ao abrigo das influências transitórias e pessoais.
O arbítrio jurídico segundo acentua ZANOBINI, desempenha papel relevante no processo de realização do Estado de Direito, porque dá lugar a uma atividade prevalentemente volitiva, disposta a adotar em cada oportunidade as soluções mais úteis às distintas situações de fato. Eis por que foi necessário o aprimoramento da cultura jurídica para a concepção do arbítrio como técnica ou processo utilizado pelos órgãos do poder para determinar a oportunidade, a eficácia e a justiça da gestão.
O fundamento do arbítrio jurídico, como se conclui fàcilmente, resulta do próprio conteúdo legal indeterminado ou da norma abstrata. A Constituição, ao organizar a estrutura política e jurídica de determinado país, o faz genèricamente, deixando aos órgãos de elaboração aplicação e execução da lei, certa margem de liberdade jurídica para o cumprimento efetivo de sua finalidade. O instrumento constitucional, inspirado sem princípios ou idealidades e na realidade histórico-social, oferece ao Poder Legislativo o material necessário à tradução ou revelação do direito pelas leis ordinárias, que, por sua vez, ainda se conservar no domínio das generalidades, embora já cogitem de diferenciações bem mais nítidas do que as contidas na Lei Fundamental, já que se limitam a um trabalho apenas de formulação, dando fisionomia às instituições e conteúdo normativo às relações jurídicas. O legislador, dentro da competência e do processo legislativo contido na Constituição, tem, portanto, grande liberdade de revelação do conteúdo da lei. A tendência moderna, porém, é no sentido de se restringir o arbítrio amplo, mediante a inclusão de matéria de lei ordinária no texto constitucional, sendo geralmente aceita a regra de que determinado assunto só se considera constitucional, não pelo seu conteúdo, mas pelo continente. Do plano legislativo a lei passa ao jurisdicional, para aplicá-la, ou ao administrativo, para executá-la. Em ambos continua o problema do arbítrio. Ninguém desconhece a figura do juiz autorizado a aplicar o direito nos casos omissos, dirigir o processo, individuar penas e escolher tutôres. Acentua-se, porém, a tendência em se limitar, igualmente, o seu arbítrio pelo exame da finalidade da lei e da legitimidade do motivo de sua decisão, em função de valores jurídicos ajustáveis à realidade dos fatos; que é mais rica do que a legal. É o mesmo que acontece, guardadas as proporções, no setor administrativo, em que se passa do domínio da lei geral ou abstrata para o mundo dos fatos. Convém não esquecer a sua tendência semelhante em restringir o arbítrio, graças aos regulamentos minuciosos, portarias, ordens de serviço e exigências técnicas.
O arbítrio, portanto, não é mera ou simples discrição do poder público, mas instituição consubstancial e comum às funções do Estado e já se incorporou à cedem jurídica, como técnica de realização do Estado de Direito pela concretização do conteúdo indeterminado da lei. A sua função é de perfectibilidade, só se justificando a sua intervenção sem o que se transgridam a origem, a natureza, a órbita e a finalidade específica da lei. Do contrário, transforma-se em instrumento de negação do Estado de Direito, por influxo da falta de legitimidade no exercício do poder, principalmente no mundo tecnológico e tecnocrático de hoje, em que o bom uso dos instrumentos de realização da vida corre parelhas com o seu mau uso, dependendo do homem deixar de opor-se ao domínio da razão, porque, como afirma IVES SIMON, “o quadro final não é o de um progresso inevitável nem o de uma inevitável decadência”. É, antes, o de um duplo movimento que irá conduzindo a humanidade, sob o fogo de um áspero conflito, para o maior bem e para o mal maior. MARITAIN descreveu êsse duplo movimento como característico geral do destino temporal do homem. Acrescendo o poder do homem para o que há de melhor e para o que há de pior, a técnica oferece vultosa contribuição a êsse aspecto antinômico da história. O que está ao alcance das sociedades fazer em prol do reto uso não basta para resolver a antinomia, mas pode ser suficiente para restringir de modo eficaz, a fim de libertar as energias técnicas favoráveis ao homem.
Para que sejam obviados os males, isto é, para que o arbítrio seja usado legìtimamente pelo poder, o Estado de Direito lhe fixa limites. O arbítrio do Poder Executivo, por exemplo, é sempre exercido, de acôrdo com a observação de FIORINI dentre de limites negativos, relativos às condições externas, os segundos às internas, participando os relativos de ambas.
Limites positivos
A principal limitação à liberdade de ação jurídica dos órgãos administrativos, é, sem dúvida, a Constituição, que organiza o estilo político e jurídico da vida da comunidade. Completa a sua finalidade a lei ordinária que dá certa objetividade ao conteúdo abstrato da Lei Fundamental. Para traduzir a vontade dêsses comandos jurídicos, por meio de atos concretos, institui-se a função administrativa, que deve conformar a sua atividade às vinculações constitucionais e legislativas. De outro modo, seria consagrar a subversão total da ordem natural das coisas, transformando esporàdicamente o agente administrativo, com faculdade de arbítrio, em constituinte ou legislador. Ocorre, igualmente, o mesmo com a coisa julgada jurisdicionalmente, que tem, pelo sistema jurídico positivo fôrça de lei. Os limites relativos, assim denominados porque podem ser modificados pelo próprio órgão que os criou, são representados pelas regras prévias de condicionamento que a própria administração impõe ao seu arbítrio. É uma verdadeira e prudente autolimitação, corporificada em regulamentos, costumes, atos internos de pura e simples atividade funcional, direitos subjetivos dos administrados, precedentes administrativos: poder de polícia subordinado ao bem estar geral. Os limites positivos, finalmente, compelem os agentes administrativos à realização de uma gestão oportuna, eficaz e justa, possibilitando-lhes a necessária distinção entre arbítrio individual e arbítrio jurídico. Constituem, com mais propriedade, os instrumentos ou juízos de valor, dotados de conteúdo objetivo e inspirados em princípios éticos, de que se utilizam os órgãos administrativos para o cumprimento da finalidade da lei. Não basta, porém, cumprir a simples finalidade, mas o seu interêsse específico. Assim, tôda lei tem uma finalidade e condições valorativas. A finalidade é o interêsse público específico, e as condições valorativas são as qualidades de oportunidade, eficácia e justiça. Para maior compreensão, nada melhor do que exemplos práticos: uma lei de impostos tem com finalidade prover o tesouro de recursos para a satisfação das necessidades coletivas. Não pode, contudo, fugir à ponderação de suas condições valorativas, traduzidas nas conveniências de ordem econômica e política, isto é, se atende à capacidade contributiva do cidadão, se há justiça nas medidas que consubstancia, se assegura a produtividade fiscal suficiente. Para isso vale-se o administrador da experiência, da estatística, do conhecimento científico, das regras técnicas e do respeito aos direitos individuais.
Fim objetivo do Estado
A finalidade de uma lei escolar relativa ao grau primário de ensino é completar a educação familiar, preparando a criança para a vida. Mas de nada adiantaria êsse motivo determinante, se não fôssem consideradas a capacidade e a proteção jurídica das professôras, as possibilidades financeiras do Estado para construir os prédios e aparelhá-los convenientemente, as suas condições financeiras para as despesas necessárias, as exigências higiênicas dos estabelecimentos os métodos de ensino. A finalidade pública da lei e as suas condições valorativas completam a figura do seu limite positivo, que é, na expressão dos autores o que se denomina fim objetivo do Estado. O ato praticado pelo poder público, no exercício do arbítrio jurídico, só é legítimo quando realiza êsse fim específico.
O reto uso, portanto, da técnica jurídica do arbítrio, para que não haja negação do Estado de Direito; condiciona-se à obediência aos limites que lhe são fixados, isto é, à legitimidade do exercício do poder pelos governantes ou líderes, cuja prudência se sobreponha sempre à perícia, preponderando nêles, ao invés da habilidade técnica, da astúcia e do espírito ditatório, a virtude, a experiência, o conhecimento e o amor dos homens, porque só assim o poder público evitará as revoluções, que são, conforme as define FERRERO, como os tremores de terra: vive-se na angústia permanente de novos abalos.
Diante dessa análise. Impõe-se a conclusão do grande MERKL no sentido de que a maior virtude do Estado de Direito é não permitir se encare o arbítrio como um giro em branco ou se erija a ideologia da ilegalidade e da fraude como técnica de govêrno.
LEIA TAMBÉM O PRIMEIRO VOLUME DA REVISTA FORENSE
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 1
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