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CLÁSSICOS FORENSE
FINANCEIRO E ECONÔMICO
REVISTA FORENSE
Imposto De Indústrias E Profissões – Histórico E Evolução – Cálculo Sôbre O Movimento Econômico Dos Estabelecimentos Comerciais E Industriais – Autorização Orçamentária, de Aliomar Baleeiro

Revista Forense
05/06/2025
– Não há razões históricas, nem jurídico-constitucionais ou técnico-financeiras, pelas quais deva ser regulado por tabelas fixas, ou calculado segundo o valor locativo, o impôsto de indústrias e profissões.
– O cálculo do impôsto de indústrias e profissões pelo volume global das vendas conforma-se com o art. 202 da Constituição.
– Não há fórmulas sacramentais para a autorização orçamentária prevista no art. 141, § 34, da Constituição, de sorte que pode ser dada genérica, mas inequìvocamente, para todos os tributos das leis tributárias em vigor, quanto com remissão a quadro ou tabela das leis de receita.
– Interpretação do art. 141, § 34, da Constituição.
CONSULTA
O Município de Pôrto Alegre (Rio Grande do Sul), em virtude da lei número 1.657, de 13 de novembro de 1956, modificou o sistema de aplicação do Impôsto de indústrias e profissões.
Dentre outros dispositivos dessa lei, o art. 92 estatui que dito impôsto será calculado de acôrdo com tabelas à base do movimento econômico dos estabelecimentos comerciais e industriais, medido pelo montante de vendas ou pelo total da receita bruta realizada; média mensal dos saldos das contas de títulos descontados, empréstimo em c/c e empréstimos hipotecários em se tratando de estabelecimentos bancários; receitas liquidas de prêmios arrecadados para os estabelecimentos de seguro e capitalização; receita bruta dos cinemas, deduzidos os tributos sôbre os ingressos; etc.
Contra êsse critério, insurgiram-se alguns grandes contribuintes alegando que o cálculo à base do movimento econômico fundado no volume global de vendas desvirtuava o impôsto de indústrias e profissões, que assim passa a ser nítido impôsto estadual de vendas e consignações ou impôsto sôbre a renda com violação dos arts. 15, 19 e 29 da Constituição.
Invocam ainda os arts. 17 e 18 do Cód. Comercial, que seriam violados ao apurar-se aquêle movimento de vendas, não parecendo lícito ao Estado e ao Município introduzir, por lei fiscal, qualquer restrição ao sigilo contábil, protegido erga omnes, exceto nos casos específicos das leis que o afastam para segurança de certos impostos federais.
Finalmente, sustentam que, para efeito de incidência, outra base não é permitida ao impôsto de indústrias e profissões senão o simples valor locativo.
Pergunta-se:
1) Por sua origem, natureza e posição na discriminação constitucional de rendas, ficou o impôsto de indústrias e profissões adstrito a métodos de cálculo pelo valor locativo ou segundo tabelas fixas?
2) É compatível com a Constituição federal e com a do Rio Grande do Sul a diretriz do legislador municipal de Pôrto Alegre, estabelecendo métodos de aplicação do impôsto de indústrias e profissões segundo a maior ou menor capacidade econômica do contribuinte, inclusive por seu movimento global de vendas, receita bruta, total de suas operações bancárias, etc., como está no art. 92 da lei nº 1.657, de 1956?
3) Os arts. 17 e 18 do Cód. Comercial podem ser empecilhos constitucionais ou simplesmente jurídicos à execução do art. 92 da lei municipal nº 1.657 de Pôrto Alegre?
4) Há forma sacramental para a autorização orçamentária de que trata o art. 141, § 34, da Constituição ou ela pode ser dada genèricamente para todos os tributos da legislação em vigor?
5) Finalmente, são constitucionais os arts. 87 e 92 da citada lei?
PARECER
I. Histórico. Nos livros de Finanças publicados no Brasil, durante os primeiros anos dêste século, foi afirmado que o impôsto de indústrias e profissões se originava do chrysargiro e da lustraliscollatio da Roma antiga, onde tributo sôbre atividades mercantis era exigido segundo censos renováveis em cada cinco anos ou lustros. E que o Brasil o importou através da contributiondepatentes estabelecida pela França em 1791.
A fonte dessa informação provàvelmente foi o “Dictionnaire des Finances”, de LÉON SAY, então muito em voga, e no qual HENNEBIQUE, no verbete Patentes (contributiondespatentes), alude à existência daquele impôsto na Cidade Eterna e, em seguida, menciona as leis de 2 e 17 de março de 1791, que aboliram os privilégios medievais das corporações, libertaram o exercício de qualquer profissão e, em substituição aos direitos regalianos de maîtriseetjurande, instituíram a contribuição de 2 sous por libra francesa de valor locativo até 400; 3 sous acima de 400, podendo elevar-se até 5 sous por libra.
O mesmo autor refere pormenorizadamente as várias reformas de 1793, 1795, 6 do Frutidor do ano IV, 1817, 1818, 1844, etc., pelas quais o impôsto se tornou cada dia mais acentuadamente proporcional e adequado à capacidade dos contribuintes, tomando por base diversas tabelas e categorias, conforme o número de habitantes da cidade, número de teares e fusos das fábricas de tecidos, máquinas, veículos, número de operários e outros sinais exteriores, inclusive o aluguel da residência do contribuinte, além do valor locativo do local do trabalho.
Um historiador das Finanças sustenta que a collatio ou conlatiolustralis, suprimida em 501 J. C., era proporcional e, segundo SERRIGNY, “il portait sur le revenu…” (FOURNIER DE FLAIX: “L’impôt dans les diverses civilisations”, 1897, 1° vol., pág. 213).
Vê-se, pois, que a patente da França evolveu no sentido dum impôsto de renda. do tipo rudimentar indiciário, como o da Inglaterra na primeira metade do século IX, descrito nas diferentes etapas por SELIGMAN, em sua obra clássica sôbre êsse último gravame.
Isso, aliás, não era novidade na França, que, nos séculos anteriores à Revolução, conhecia impostos pessoais sôbre as profissões grosseiramente assentadas na renda de cada uma delas.
A famigerada tailleroyale medieval, exigida de quantos não pertencessem à nobreza nem ao clero, dividia-se em réelle (sôbre imóveis rurais) e personnelle (sôbre profissões). “La taille personnelle”, escreveu COURCELLE SENEUIL, “étaitdanstoutelaforceduterme, unimpôtdurevenu“. A história dêsse tributo é sumariada por ALLIX e LECERCLÉ no “Impôt sur revenu” (1926, vol. 1, págs. 58 e segs.). Sem que ela desaparecesse, surgiu ainda no ancienrégime o impôsto de capitação graduado, por necessidade de financiar a guerra, atingindo até os nobres e os eclesiásticos.
Pela declaração real de 28 de janeiro de 1695, abrangia 22 classes, numa escala que ia de 1 libra até 2.000. O delfim, herdeiro do trono, não estava isento e pagava nessa última classe, da qual era o único contribuinte. Em 1701, essa taille graduada foi restabelecida e majorada de 1/3.
Era afinal a mesma taille plebéia, mas batizada com outro nome; para evitar melindres das classes até então privilegiadas.
NECKER reconhecia, em 1781, que “la capitation tailleble ne fait qu’une seule et même chose avec la taille”. Da mesma opinião, participam dois especialistas modernos do impôsto de renda: “C’etait (a taille personnelle) un impôt général sur le revenu, que frappait donc non les terres spécialement, mais les personnes, dont elle devait saisir toutes les facultés imposables, aussi bien mobilières qu’immobilières” (ALLIX e LECERCLÉ, ob. cit., vol. I, pàg. 62).
A Revolução, influenciada pelos fisiocratas, dos quais um dêles, DUPONT DE NEMOURS, teve assento na Constituinte, quis simplificar o sistema fiscal, reduzindo os vários tributos a pouquíssimos, dentre os quais “la partie essentielle de la combinaison, à savoir une taxe sur les revenus d’industrie et les richesses mobilières” (1/20 ou 5% do rendimento, isto é, 1 sou por libra, podendo elevar-se a 1/18). Como isso exigisse uma técnica bem complicada para a época, veio, então, o sistema simples das patentes de 1791 (ALLIX e LECERCLE, ob. cit., págs. 89 e 90).
Um festejado financista alemão encontrou vestígios de impôsto sôbre as profissões no Egito dos Ptolemeus, quando já, eram tributados tintureiros, ourives, curtidores, etc., assim como tal gravame em proveito das corporações de classes em Bizâncio. Mas êle reconhece que, no curso do tempo, êsse Gewerbesteur, pelo agigantamento e diversificação das emprêsas, tende a caracterizar-se como um impôsto sôbre a renda (Einkommensteur) (GERLOFF, “Die öffentliche Finanzwirtschaft”, Francforte, 1948, vol. 2º, páginas 36-37).
Em Portugal, quando metrópole do Brasil, existia também e aplicava-se aqui o impôsto direto e pessoal muito semelhante à taille e à capitação graduada da antiga França. Eram as fintas, que, como êsses impostos franceses, eram decretados a cada necessidade extraordinária (guerra, terremoto, dote de princesa, etc.), mas cobravam-se durante dezenas de anos.
Pagavam as fintas tôdas as profissões, exceto a eclesiástica, o que irritava muito os contribuintes. Dentro de cada atividade, escolhiam-se os que deviam lançar os seus pares. Eram os “fintadores”.
O Brasil, em diferentes ocasiões, pagou fintas e, portanto, conheceu, desde colônia, impostos diretos e pessoais sôbre indústrias e profissões.
Tudo leva a crer, pois, que foi no velho direito reinol, e não na Revolução Francesa, que o legislador buscou inspiração para cobrar um tributo ao comércio, à indústria e mais atividades.
AMARO CAVALCÂNTI, que conhecia profundamente a evolução fiscal do Brasil no século XIX e a descreveu, nunca filiou o impôsto de indústrias e profissões às patentes de 1791.
Sabe-se que o alvará de 12 de outubro de 1808 criou o primeiro Banco do Brasil e, como os resultados não se apresentassem desde logo animadores, foi seguido pelo alvará de 20 de outubro de 1812 que, para cobrir o valor das obrigações do Real Erário como acionista daquele estabelecimento, decretou com essa aplicação especial o impôsto de 12$800 sôbre lojas, armazéns ou sobrados em que se vendessem por grosso, atacado, retalho ou varejo, quaisquer fazendas, secos e molhados, ferragens; louças, vidros, etc., assim como oficinas de ourives, lapidários, funileiros, latoneiros, boticários, botequins, tavernas etc. Assim nasceu o que chamamos, hoje, “impôsto de indústrias e profissões”, mas que, naquele remoto comêço do século XIX o povo batizou de “impôsto do Banco” (AMARO CAVALCÂNTI, “Elementos de Finanças”, 1898, pág. 247).
Não há, portanto, qualquer notícia idônea de que, em 1812, o príncipe real, e seus conselheiros fazendários estivessem a copiar as contributionsde patentes de França em 1791 e reformas posteriores.
Pelo contrário, contamos com o depoimento mais do que idôneo e bem informado de BERNARDO PEREIRA DE VASCONCELOS, ex-magistrado e estadista, que, em 1832, com a responsabilidade de ministro da Fazenda, explicou ao Parlamento e à posteridade:
“Em geral o nosso sistema de impostos é consideràvelmente vicioso, constando de uma multidão de minuciosas taxas trazidas de Portugal nos malfadados tempos coloniais, ou lançados aqui sem conhecimentos dos princípios da ciência, quando aparecia ou sefingia aparecer necessidades de aumento de renda. A penúria atual do Tesouro deve-se muito mais atribuir às dificuldades, que sofre a sua cobrança, do que à falta de meios dos contribuintes”.
Não havia cursos de Finanças, nem é provável que, àquela época, alguém acompanhasse, a evolução dos sistemas fiscais estrangeiros. Só em, 1831, apareceu a “Sintetologia”, de PEREIRA BORGES, primeiro livro de Finanças Públicas, que portuguêses e brasileiros leram. Nesse livro não há uma palavra sôbre as patentes francesas.
Note-se que, em 1842, já o Brasil conhecia uma “contribuição extraordinária”, segundo escala progressiva de 2 a 10%, sôbre quantos recebessem vencimentos públicos, o que prova já a êsse tempo a tendência democrática à graduação dos tributos pela capacidade do contribuinte, hoje consagrada pelo art. 202 da Constituição de 1946.
Em 1836, o “impôsto do Banco” foi modificado, passando a ter o nome oficial de “impôsto sôbre lojas”, à base de 10% do valor locativo, estendendo-se a escritórios, advogados, tabeliães, cambistas, etc. Só a partir de 1842 é que o legislador brasileiro introduz a “patente” no impôsto de lojas (CASTRO CARREIRA, “História Financeira do Brasil”, Rio, 1889, pág. 238).
Mas já era antes composto de parte fixa e parte proporcional, levando-se em conta elementos indiciários de personalização, como a natureza e a classe das profissões, importância da cidade ou vila, o valor locativo etc. Esses aperfeiçoamentos o aproximaram das patentes francesas, que, aliás, como vimos, já nasceram proporcionais. Em 1857, tomou o nome de “indústrias e profissões”, e em 1860 substituiu com êsse nome o “impôsto de lojas”, havendo engano dos constitucionalistas que citam a lei de 1867 (cf. com CASTRO CARREIRA, ob. cit., pág. 346).
Logo, êsse esbôço histórico prova que, no Brasil, o comércio e a indústria (esta ainda em fase artesanal) sofreram tributação fixa e indiscriminada de comêço, desde o período colonial, aperfeiçoando-se os métodos no sentido da proporcionalidade e da personalização, como nos sistemas rudimentares e indiciários que caracterizaram o primitivo impôsto de renda, quando era estimado pelo aluguel da casa, o número de criados, pianos, etc.
O reparo foi feito, no fim do século passado, por AMARO CAVALCÂNTI, que, na época, só em RUI BARBOSA encontrava êmulo no conhecimento de Finanças Públicas:
“A procedência destas razões manifesta-se no fato de que o impôsto de indústrias e profissões é hoje comum às legislações fiscais dos diversos Estados, ainda que diversifiquem nas formas e práticas adotadas; convindo, a propósito, observar que os impostos, denominados da renda, podem também ser considerados, como outras tantas espécies do impôsto de indústrias e profissões; coisa aliás fácil de admitir, à vista das próprias cédulas, em que as rendas são classificadas ou divididas para os fins do impôsto”.
“No Brasil o atual impôsto de indústrias e profissões é devido por todos os que, individualmente ou em companhia, sociedade anônima ou comercial, exercem indústria ou profissão, arte ou ofício, desde que não estiverem compreendidos nas isenções legais” (dec. nº 9.870, de 22-2-1888).
“O impôsto compõe-se de taxas fixas e proporcionais: as primeiras têm por base a natureza e classe das indústrias e profissões, a importância comercial das praças e lugares, em que forem exercidas, e, tratando-se de estabelecimentos industriais, o número de operários, as máquinas, utensílios e outros meios de produção; as segundas têm por base o valor locativo do prédio, ou o local, onde se exercita a indústria ou profissões” (ob. cit., pág. 244).
Quando AFONSO CELSO, em 1879, promoveu um inquérito, entre pessoas entendidas, acêrca da conveniência do impôsto de renda, JOÃO AFONSO DE CARVALHO, que o defendeu, considerou modalidade dêste o predial e o de indústrias e profissões, razão pela qual deveriam ser tributadas também outras manifestações ou sinais de rendimentos (trecho citado no “Relatório” de RUI BARBOSA, Imprensa Nacional, 1891, pág. 215). Êsse modo de ver as coisas, anos depois, é testemunhado pela circunstância de RUI ter sugerido que o impôsto de renda sôbre lucros comerciais e industriais tomasse como base “o lançamento do impôsto de indústrias e profissões” (“Relatório”, citado, pág. 243).
E tanto estavam certos êsses primeiros estudiosos de Finanças no Brasil que, hoje, os modernos e mais autorizados autores reconhecem êsse parentesco entre aquêles dois tributos, como o fêz, por exemplo, RUBENS GOMES DE SOUSA (“Estudos de Direito Tributário”, São Paulo, 1950, pág. 55).
A razão repousa na velha observação de que os impostos, em última análise, recaem sempre sôbre a renda, verdade já aceita ao tempo de ADAM SMITH, segundo palavras dêste:
“The private revenue of inlividuals, it has been shown in the first book of this inquiry, arises ultimately from three different sources: Rent, Profit, and Wages. Every tax must finally be paid from some one or other of those three different sorts of revenue, or from all of them indifferently. I shall endeavor to give the best account I can, first, of those taxes which it is intended should fall upon rent; secondly, of those which it is intended should fall upon profit; thirdly, of those which it is intended should fall upon wages; and fourthly, of those which it is intended should fall indifferently upon all those three different sources or private revenue” (“Wealth of Nations”, livro V, cap. II)
A Constituição de 1934, no art. 6°, I, c, e no art. 13, § 2º, nº II, reconhecia essa identidade e considerava os impostos predial e territorial urbano como “forma de décima ou cédula de renda”.
Não foi outro o motivo pelo qual muitos contribuintes, entre 1923 e 1930, impugnaram perante os tribunais o Impôsto de renda recém-criado, alegando bitributação relativamente aos impostos predial e de indústrias e profissões.
Enorme é a dificuldade de traçar-se conceito econômico de renda, a despeito de vasta literatura especializada sôbre êsse assunto, que continua controvertido e levou ilustre mestre patrício à desconsoladora e realística afirmação de que o jurista a constrói sem muito aprêço às teorias dos economistas: “comme les soldats de la ballade de TENNYSON, qui obéissent aveuglement à l’ordre reçu et partent à la charge contre les canons, il n’appartient pas au juriste de raisonner la foi, mais de l’exécuter” (RUBENS GOMES DE SOUSA, “L’évolution de la notion de revenu imposable”, no “Archivio Finanziario”, vol. II, 1951, pág. 127).
II. A coincidência com outros impostos. A perspectiva histórica não ampara, pois, qualquer veleidade de atribuir-se ao impôsto de indústrias e profissões fisionomia própria e inconfundível com certos tipos remotos de impôsto de renda, aquêles que assentam sôbre créditos brutos segundo elementos indiciários ou sinais externos. Pelo contrário, a evolução daquele tributo no Brasil, assim como a de “contribuição de patentes” na França, processa-se no sentido de maior afinidade e identificação com o impôsto de renda.
Na França, LAUFENBURGER registra que a contribution des patentes, se tinha, originàriamente, o caráter de “licença”, mudou de feição: “bien que l’assiette de la patente soit dégagée a l’aide de certains critères et signes extérieurs, c’est sur le revenu professionnel (commerçants, industriels sauf les artisans, professions libérales) que la contribution locale est perçue, et ainsi les départements et les communes se ressentent forcement de l’amputation préalable que ce revenu subit directement, pour le compte de l’Etat, au titre de l’impôt sur le revenu des personnes physiques et de l’impôt sur les sociétés” (“Economie du systême fiscal français”, Paris, 1954, pág. 105).
No Brasil, o impôsto de indústrias e profissões não se pode reduzir a simples e fixo impôsto de licença, com caracteres de poder de polícia, como a primitiva patente de 1791 ou como as licenças que, nos Estados Unidos e Canadá, cobram os governos locais. Não podem ser confundidos, porque o constituinte os distinguiu dentro da própria competência municipal, fazendo da licença um impôsto específico (Constituição, art. 29, alínea II), que, em relação a comerciantes e industriais, os Municípios cobram pelo alvará de abertura, localização e funcionamento dos estabelecimentos, escritórios, depósitos, etc.
Ora, verificado o parentesco congênito dos impostos de indústrias e profissões com o de renda, cumpre reconhecer-se que, no direito positivo brasileiro, êsse último tributo tem adotado, em certos casos, como elemento indiciário do crédito comercial, o giro comercial ou movimento global das vendas. Já o regulamento SOUSA REIS, de 1926, previa o coeficiente de 6% sôbre o total das vendas mercantis como índice de rendimento comercial presumido (art. 57, § 2º, do regulamento nº 17.390, e reformas posteriores). E até hoje sobrevive o “Lucro presumido” das firmas comerciais, em certos casos, por meio de coeficiente sobre o total das receitas, vendas ou outras operações, ex vi do art. 40 do regulamento em vigor.
Em 30 anos de execução dessas regras de Direito Fiscal, os tribunais e doutrinadores nunca puseram em dúvida a constitucionalidade do impôsto de renda, na forma de lucros presumidos por meio de coeficientes sôbre o total de operações, muito, embora o volume global de vendas servisse de base ao cálculo. Ninguém viu nessa técnica uma coincidência com o impôsto estadual sôbre vendas e consignações.
Em relação ao pequeno comerciante sem livros comerciais, e ainda quando êstes livros se mostram inidôneos ou em atraso de escrituração, ou o legislador admitiria a impossibilidade de apurar as rendas, limitando-se à multa, ou teria de recorrer ao expediente de aplicar elementos indiciários à base do volume total de negócios, sejam vendas, sejam outras transações.
O valor locativo do imóvel ocupado por negócio, critério adotado ainda hoje na França (onde é muito criticado) e em alguns Municípios brasileiros, pode servir também de elemento indiciário. Os que o defendem esquecem-se de que, se fôsse relevante a impugnação ao giro comercial, sob pretexto de que coincide com a base do impôsto estadual de vendas, também o argumento condenaria o valor locativo por ser base de outro impôsto dos Municípios – o predial.
Há cêrca de 20 anos, escrevendo sob o regime da Carta de 1937, dávamos conta dessa impossibilidade prática de estabelecer-se sistema tributário indene a essas superposições sôbre as mesmas fontes:
“O sistema tributário brasileiro, como aliás o de todos os países, está longe de obedecer a critério rigorosamente científico e de evitar a interferência de certos tributos. Até mesmo pelo fato de ter conservado velhos impostos de mais de século ao lado de impostos modernos que atingiam as mesmas atividades, é incontestável que não quis estabelecer um sistema de tributações em compartimentos estanques, o que, aliás, é quase impossível de obter-se na prática. Destarte não se pode sustentar ad instar do artigo 24 da Constituição, proibitivo das bitributações através dos impostos que de futuro foram criados, um princípio rigoroso e inflexível a ser aplicado aos efeitos práticos dos impostos estabelecidos nos arts. 20, 23 e 28 da mesma Carta Política (1937). Assim, em que pêse à opinião de AMARO CAVALCÂNTI, EDMUNDO LINS e outros, entre os quais pretendem que esteja RUI BARBOSA, o impôsto cedular de renda sôbre vencimentos, ordenados e remunerações não pode ser considerado o mesmo impôsto de indústrias e profissões, atribuído aos Estados (vide longa sustentação da tese contrária pelo ministro EDMUNDO LINS, no acórdão do Supremo Tribunal Federal, de 4-1-929, in “Rev. de Direito”, vol. 96, pág. 344). Basta lembrar que o impôsto de indústrias e profissões incide sôbre o contribuinte pelo simples fato de exercer ou se propor a exercer tal ou qual atividade profissional, quer tenha ou não auferido proveitos dela, ao passo que o impôsto de renda atinge sòmente os rendimentos real e efetivamente percebidos pelo contribuinte na mesma atividade, considerados em conjunto com quaisquer outros rendimentos, depois de abatidas as despesas indispensáveis à obtenção dêsses proventos.
Além disso, pela sua própria natureza, o impôsto de renda é um tributo de superposição, com o qual, segundo o consenso dos escritores, os países procuram corrigir as injustiças dos vários impostos pertencentes aos respectivos sistemas tributários. Logo, pressupõe a existência dêsses outros impostos, cuja existência não o exclui sôbre a mesma fonte de proveitos, contanto que a atinja sòmentesôbreo aspecto da renda” (“Impôsto sôbre a Renda”, 1938, págs. 65-66).
Inevitàvelmente, impôsto predial acotovela a cédula do impôsto de rendimentos imobiliários; impôsto de renda por meio de coeficientes sôbre o volume global de transações atrita-se com o impôsto estadual de vendas e consignações; êste se aproxima do impôsto de indústrias e profissões em se tratando de atividades comerciais; o impôsto de transmissão intervivos sofre dentro de suas fronteiras a invasão do impôsto de renda sôbre os lucros das pessoas físicas em operações imobiliárias; o impôsto de consumo, não raro, coincide com o de vendas, etc.
E os exemplos poderiam ser multiplicados, a despeito de distinções sutis em tôrno do fato gerador de cada tributo.
III. Os caracteres do impôsto de indústrias e profissões. O legislador, para decretar a obrigação de pagamento do impôsto de indústrias e profissões, está adstrito apenas. à verificação, em caso concreto, do fato gerador dêsse tributo, isto é, o exercício de profissão ou Indústria. Entender-se-á como profissão o efetivo exercício de atividade material ou intelectual com objetivo econômico ou seja o de obter remuneração ou qualquer proveito.
Não basta que o indivíduo esteja habilitado oficialmente ao desempenho da profissão ou use os títulos, como “Dr.”, “Eng.” “Prof.”, “Bacharel”, etc., a ela inerentes. Há que praticar os atos da profissão, para colocar-se na posição de contribuinte pela existência de fato gerador. E não exerce atividade econômica quem trabalha gratuitamente por filantropia. Ad instar do art. 31, nº V, b, há de chegar-se a essa conclusão. Mas, a despeito de valiosas opiniões em contrário, como a de VEIGA FILHO (“Manual de C. Finanças”, 4ª ed., São Paulo, 1923, págs. 146-147), não nos parece que o fato gerador dêsse impôsto só se realiza quando o exercício da profissão ou a exploração da indústria é habitual.
Em nosso sistema constitucional de rendas, o legislador ordinário está comandado pelo art. 202 da Carta de 1946, que o obriga a considerar a capacidade econômica e, quando possível, as condições do contribuinte. Ora, seria absurdo que o impôsto atingisse o quitandeiro que moureja de 1° de janeiro a 31 de dezembro para ganhar menos de Cr$ …… 120.000,00, e, sob pretexto de que não comercia habitualmente, deixasse de tributar o especulador que, com a importação astuta de um ou dois “Cadillacs” apenas, realizou proveitos de um milhão. Inúmeras atividades econômicas compensadoras são esporádicas por sua natureza ou pela conveniência pessoal de quem as exerce.
Por outro lado, o fato gerador do impôsto é pura e simplesmente o exercício da profissão ou o funcionamento da emprêsa de comércio ou indústria; independentemente do bom ou mau sucesso econômico desta ou daquela atividade. Ninguém se pode eximir de satisfazer o tributo porque os clientes lhe não pagaram ou porque os fregueses ariscos deixaram apodrecer nas vitrinas e prateleiras as mercadorias perecíveis. Nesse ponto, o impôsto de indústrias é profissões diferencia-se do impôsto de renda, porque à cobrança dêste, na generalidade das casas, o contribuinte pode apor o malôgro do rendimento ou proveito esperado, desde que êle tenha cumprido seus deveres legais de escriturar livros mercantis e fiscais na forma devida ou, em alguns casos, se prova perda extraordinária.
Mas na imposição de indústrias e profissões, a lei pode ignorar a existência de provento ou de perda por parte do profissional, para atentar apenas ao exercício da atividade com intuito econômico.
Isso diferencia ambos os tributos, porque o de renda após evolução secular se tornou impôsto sôbre o crédito líquido e cada vez mais pessoal, bem diverso daquela tímida e tôsca experiência nos tempos de PITT e de ADDINGTON, a ponto de reivindicar-se para êste, em detrimento. do anterior, a glória de ter inventado o moderno gravame sôbre os rendimentos.
The system of taxing incorre introduced by PITT in 1799 was so imperfect, both in its execution and its results, that is was never revived after its repeal in 1802 when a brief peace was established between Great Britain and France” (A. FARNSWORTH, “Addington, author of the modern income tax”, 1951, pág. 1).
“PITT’s income tax had been unpopular and resented from its very inception; the mildest terms applied to it had been “oppressive”, “vexatious”, “inquisitorial”, “un constitutional” and “tyrannical” (idem, pág. 33).
Logo, há de reconhecer-se a dupla verdade de que:
a) o impôsto de indústrias e Profissões jaz dentro de sua natureza e normalidade, quando, verificado o fato gerador do exercício da atividade com móvel econômico, toma qualquer critério razoável, inclusive o do volume dos negócios, para medir a capacidade tributária e prescinde da apuração da efetividade do provento líquido;
b) o impôsto de renda afasta-se de seu conceito contemporâneo, fruto de evolução e aperfeiçoamento seculares, quando assenta sôbre a renda bruta ou se serve de coeficientes presuntivos calculados sôbre o movimento global das vendas ou das transações (por exemplo, art. 41 e parágrafos do regulamento aprovado pelo dec. nº 40.702, de 31-12-958).
IV. A técnica do impôsto de indústrias e profissões. Se legisladores, tribunais, tratadistas e contribuintes, há 30 anos aceitam pacìficamente a técnica pela qual o impôsto de renda, em certos casos, toma como base o volume global de vendas ou transações outras do comerciante, sem eiva de bitributação ou coincidência com o impôsto de vendas e consignações, não há por que impugnar-se técnica semelhante, mas não igual, no cálculo do impôsto afim de indústrias e profissões.
É mais tolerável que o faça êste tributo pelo fato mesmo de identificar-se com os antigos impostos sôbre a renda bruta, de caráter semipessoal, ao passo que o moderno impôsto de renda se requintou nas formas voltadas para o rendimento líquido em caráter rigorosamente pessoal e discriminado.
Medite-se bem essa técnica do impôsto de renda, no Brasil, para os pequenos negociantes de receita entre Cr$ 150.000,00 e Cr$ 500.000,00.
Segundo o art. 40 do regulamento, o coeficiente é de 8% sôbre o total das operações, atendendo-se ao seguinte:
“Art. 41. A comprovação da receita bruta das operações de conta própria será feita segundo os elementos relativos ao registro das vendas realizadas durante o ano civil imediatamente anterior ao exercício em que o impôsto fôr devido e com os lançamentos registrados pela firma ou sociedade em sua escrituração no mesmo ano (lei nº 2.354, art. 20)”.
Temos, pois, que a aplicação duma alíquota ou percentagem sôbre o movimento econômico, apurado pelo total das vendas, é uma técnica administrativa que não está adstrita ao uso do legislador estadual para o impôsto do art. 19, nº IV, da Constituição, isto é, sôbre o negócio jurídico da compra e venda, ou consignação, mas que o federal também aproveitou para o impôsto de renda.
E, igualmente, para o de consumo, como veremos.
De comêço, êsse último tributo era arrecadado apenas por autolançamento, mediante estampilhas coladas às mercadorias. Mais tarde, o legislador federal recorreu à diversificação de métodos, aproximando-se daqueles processos já utilizados pelo impôsto de vendas:
“O impôsto será calculado… sôbre o preço da venda da fábrica constante da nota fiscal, deduzidos descontos, diferenças, etc.” (Regulamento do Impôsto de Consumo, dec. nº 25.149, de 8 de janeiro de 1949, tabela A, obs. 1ª, a).
A técnica de cobrança do impôsto de consumo ad valorem, cada vez mais ampliada, é a mesma, em essência, do impôsto de vendas: uma percentagem sôbre o preço e, portanto, sôbre um elemento do negócio jurídico que serve de fato gerador ao tributo do art. 19, nº IV, da Constituição.
Há, é verdade, mínimas diferenças de técnica, desde que os Estados utilizam, para o impôsto de vendas, o estampilhamento nas duplicatas ou no livro em que o contribuinte as registra, ao passo que o impôsto de consumo ad valorem, embora calculado sôbre o preço da venda, é recolhido por meio de guia com depósito prévio.
Mas essas diferenças de técnica também existem entre os impostos estaduais de venda e o impôsto de indústrias e profissões que Pôrto Alegre exige à base do giro econômico. O Município da capital gaúcha não usa do estampilhamento de documentos ou de livros, mas recorre à técnica da declaração do próprio contribuinte, que não é praticada pelas Estados em relação ao impôsto de vendas e consignações.
No assentamento, arrecadação e contrôle dêsse último gravame, os Estados, por lei federal, em regra; consideram cada negócio jurídico de per si e obrigam o contribuinte a apor estampilhas em cada duplicata ou conta assinada representativa da operação. Só as vendas de balcão são escrituradas dia a dia e seladas pelo total da quinzena. Já Pôrto Alegre mede a capacidade contributiva de quem exerce comércio ou indústria pelo volume anual das vendas, sem deter-se em cada negócio jurídico de per si, ao contrário do que ocorre com a estampilhagem de cada duplicata por autolançamento.
Muito mais semelhança há no cálculo do impôsto de consumo ad valorem em cada “nota fiscal”, como parcela a ser somada ao preço da venda, e o cálculo do impôsto estadual de vendas em cada duplicata, que também adiciona a parcela dos selos à quantia correspondente à compra do freguês.
Por isso mesmo, RUBENS GOMES DE SOUSA, acompanhando a classificação econômica de PAUL STUDENSKI à base dos vários estágios da renda, admite que, a essa luz, não há diferença entre os impostos de consumo e de venda: um e outro são tributos sôbre a renda consumida. Econômicamente – e não jurìdicamente – isso é verdade em relação aos dois e também aos direitos aduaneiros. Mas o legislador pode eleger e elegeu fato gerador diferente para cada um dêles: a) a entrada no território nacional para a mercadoria estrangeira sujeita ao direito alfandegário; b) o negócio jurídico da compra e venda para o impôsto estadual do art. 19, n° IV, da Constituição; c) a saída da fábrica ou da alfândega para a mercadoria sujeita ao impôsto de consumo.
Note-se bem êste último caso: juridicamente, o impôsto alfandegário não se confunde com o de consumo, porque, para êste, não se exige a condição de mercadoria proveniente do estrangeiro. Mas a técnica escolhida pelo legislador foi a mesma para ambos os tributos: a saída da alfândega. O despacho aduaneiro não se completa sem o recolhimento do impôsto de consumo. Se alguém retira um automóvel das docas, paga por intermédio do despachante aduaneiro não só os direitos da Tarifa Alfandegária mas também os 15% ad valorem a título de impôsto de consumo. Nunca foi posta em dúvida a legitimidade dessa técnica.
Não há exagêro na afirmação de que impostos diversos, entregues à competência constitucional diferente, quase sempre usam, em certos casos, da mesma técnica de cálculo ou de arrecadação.
Vejamos, em abono dessa observação, outros exemplos do direito fiscal brasileiro, além dos já expostos:
a) Sob a subdenominação de “patente de registro”, o impôsto de consumo, desde o império até hoje (arts. 9° e 45 das Normas Gerais da Consolidação do Impôsto de Consumo, dec. nº 26.149) assume o aspecto de verdadeiro “impôsto de licença”, da competência dos Municípios, (art. 29, nº II, da Constituição). RUBENS GOMES DE SOUSA já o comentou: “A chamada patente de registro é, na realidade, um impôsto diverso do de consumo… Participa da natureza dos impostos de licença” (“Compêndio de Leg. Tribut.”, 2ª ed., nº 86, pág. 183). Não foi negada por nenhum acórdão até hoje, ao que saibamos, a constitucionalidade dessa técnica.
b) Sob a subdenominação de “impôsto sôbre os lucros da pessoa física em operações imobiliárias”, o impôsto federal de renda se utiliza da técnica do impôsto estadual de transmissão inter vivos, levando o ministro CUNHA VASCONCELOS a declarar: “Considerei, e continuo considerando, o impôsto de que se trata, verdadeiramente o impôsto de transmissão de propriedade e, como tal, vedado à União” (acórdão do Tribunal Federal de Recursos, de 3-10-1952, na apelação cível nº 2.179, in “Revista de Direito Administrativo”, vol. 34, pág. 69). E o ministro e professor JOÃO JOSÉ DE QUEIRÓS comentou: “Diz o dispositivo do dec.-lei nº 9.330, de 1946, aliás, com infelicidade, que o tributo se cobra por ocasião da venda feita pelo proprietário…” (acórdão cit., “Rev. de Direito Administrativo”, vol. 34, pág. 69).
c) Numa distorção do conceito de impôsto, a lei nº 2.004, de 3 de outubro de 1953, instituiu contribuição dos donos de automóveis para o capital da “Petrobrás” e adotou a mesmíssima técnica da cobrança do impôsto e taxas “licença” para emplacamento, estranhos à competência federal, porque da competência municipal. Não obstante, por unanimidade de votos, o Tribunal Federal de Recursos aceitou a constitucionalidade daquela prática tributária sui generis que também foi convalidada pelo Supremo Tribunal Federal (acórdão de 1-4-1954, no mandado de segurança nº 3.205, in “REVISTA FORENSE”, vol. 164, págs. 190 e seg.; acórdão de 1-4-1954, no mandado de segurança n° 3.247; in “REVISTA FORENSE”, vol. 164, págs. 190 e seg.; acórdão de 1-4-1954, no mandado de segurança nº 3.247, in rev. e vol. cits., páginas 200 e segs.; e mandado de segurança nº 3.198, in rev. e vol. cits., página 183; acórdão do Supremo Tribunal Federal Pleno, de 9-11-1956, no recurso de mandado de segurança nº 2.898, no apenso nº 91, pág. 1.163 do “Diário da Justiça” (D. F.) de 22-4-1957).
d) O Estado de Minas Gerais, pela lei local nº 228, de 1948, criou sob o nome de “taxa hospitalar” impôsto de aplicação especial ao custeio de serviços de seus hospitais, arrecadando-a de comerciantes, etc., em técnica peculiar aos impostos de renda e de indústrias e profissões. Convalidou-a, reputando-a compatível com a Constituição, o Supremo Tribunal Federal em decisão unânime do plenário (acórdão de 15-10-1952, no mandado de segurança nº 1.774, “REVISTA FORENSE”, vol. 165, pág. 121).
e) Com o nome de impôsto sob lotação de cartórios e fundamento do artigo 19, nº VI, da Constituição federal, o Estado de São Paulo tributou tabeliães sob a mesma técnica dos impostos de renda e de indústrias e profissões, isto é, o rendimento aproximativamente calculado dos respectivos ofícios. O Supremo Tribunal Federal, confirmando julgados da Côrte paulista, proclamou, em plenário, unânimemente; a constitucionalidade dêsse processo de cálculo e arrecadação (acórdão de 31-1-1952, no recurso extraordinário nº 19.011, in “REVISTA FORENSE”, vol. 158, págs. 159 e segs.; idem, no recurso extraordinário n° 18.135, in rev. e vol. cits., pág. 157).
f) Embora a Constituição reserve ao impôsto único de seu art. 15, nº III, e § 2º, “a distribuição, comércio e consumo” de combustíveis e lubrificantes, nem seja duvidoso o objetivo que inspirou o constituinte” o Supremo Tribunal Federal, numa tese que ainda não nos convenceu, tem julgado constitucional o impôsto de indústrias e profissões que se funda, como fato gerador, no exercício dêsse comércio (acórdão em plenário, por maioria de votos, de 6-7-1954, no mandado de segurança nº 2.327, in “REVISTA FORENSE”, vol. 164, págs. 130 e segs.).
g) O Tribunal de São Paulo reconheceu a constitucionalidade da pacifica prática de todos os Estados que calculam e arrecadam o impôsto de venda dos produtos embarcados para o exterior com a mesma técnica e na mesma oportunidade do impôsto de exportação mediante despacho no embarque. Todavia, o eminente Prof. FRANCISCO CAMPOS fulminou essa decisão (parecer na “REVISTA FORENSE”, vol. 156, pág. 69, ou na “Revista de Direito Administrativo”, vol. 37, pág. 480).
Êsses e outros exemplos colhidos na recente jurisprudência provam à saciedade que, em nosso direito positivo, como o placet dos tribunais, não é pela técnica de cálculo, liquidação e cobrança que se caracterizam os impostos. Embora de competência diversa e diferente índole, êles, não raro, adotam o mesmo processo de fixação da alíquota sôbre igual base econômica de outros.
A quase totalidade das profissões do comércio e da indústria exerce sua atividade através da prática de vendas de mercadorias. Vender, efetuar negócios jurídicos de compra e venda, constitui a maior parte dos atos de comércio dos negociantes e, portanto, o fato gerador do impôsto de indústrias e profissões decretado sôbre essas atividades econômicas.
Verificada a realidade dêsse fato gerador, a lei poderia tomar quaisquer critérios desde as quantias fixas dos businesslicence taxas de vários Estados norte-americanos com severa crítica dos escritores (por exemplo, SHULTZ e HARRISS, “American Public Finance”, 1947, páginas 465-468), até o aluguel do edifício ou total do stock adquirido durante o ano, volume de vendas, etc., calculando-se por um sistema de coeficientes a parcela a ser recolhida ao Município.
Mas, à exceção do lucro bruto ou líquido, mas adequado ao impôsto sôbre a renda, nenhuma técnica é menos propícia a erros e iniqüidades do que o cálculo à base do giro anual dos negócios, seja o total das vendas, seja o das transações de qualquer natureza.
Pagará mais quem tiver vendido ou negociado mais e, presuntivamente, houver lucrado mais. Por outro lado, do ponto de vista do contribuinte dejure, êsse critério permite medir matemàticamente o quantum do impôsto na formação dos preços. Se deverá pagar 0,6 ou 0,5%, não estará sujeito à álea. E sobretudo escapará à loteria do método do impôsto assentado no aluguel ou valor locativo do edifício ou área dêste ocupada pelo estabelecimento.
Diversos Municípios, dentre os mais importantes ou mais racionalmente dirigidos, adotam o giro comercial, constituído sobretudo pelo movimento global de vendas, como base única ou principal da imposição de indústrias e profissões.
A cidade de São Paulo, cuja administração já atingiu alto padrão governamental, superior talvez ao do Rio, recorre ao movimento econômico das vendas sem prejuízo de outros elementos paralelos. O Distrito Federal ainda conserva parcialmente em vigor a lei de RODRIGUES ALVES e LEOPOLDO BULHÕES, velha de mais de 50 anos, quando a União arrecadava êsse tributo (dec. nº 5.142, de 27-2-1904), mas a lei nº 746, de 26 de novembro de 1952, no art. 3°, alínea 3ª, estabeleceu a proporcionalidade ao “valor do movimento econômico” em relação a bancos, seguros, capitalização e distribuidoras de filmes cinematográficos.
O Município de Salvador, em esfôrço meritório, elaborou moderno Cód. Tributário (lei n° 744, de 1956), cujos arts. 199 e segs. regulam o impôsto de indústrias e profissões. “A parte proporcional do impôsto será calculada com base no movimento econômico declarado e apurado, segundo a natureza da atividade, consideradas em conjunto ou isoladamente os elementos seguintes: I, operações registradas na escrita mercantil e fiscal; II, volume das operações tributadas pelos impostos de consumo, vendas e consignações, diversões públicas e outras fontes; III, elementos constantes da inscrição no cadastro fiscal; IV, valor locativo e outras despesas; V, capital, estoque, instalações, móveis e utensílios e outros elementos” (artigo 212).
Já era adotada essa “base do giro comercial declarado e apurado” na escrita mercantil, volume de operações tributadas pelos impostos de consumo, vendas, etc., no art. 131 do Cód. Tributário anterior (lei nº 242, de 4-12-1951). Antes da Constituição de 1946, o Estado da Bahia já adotava a base do giro, em duas classes A e B, sendo a primeira calcada no movimento de vendas sujeitas ao impôsto de vendas e consignações, conforme declaração do contribuinte e verificação de sua contabilidade mercantil (dec-lei estadual nº 473, de 10-3-1946, arts. 17 e 21).
O pequeno e novo Município de Volta Redonda (Estado do Rio), que se organizou sob a assistência técnica da Escola de Administração do D. A. S. P., também seguiu o exemplo baiano.
Vários Estados já antes de 1946 também calculavam o impôsto de indústrias e profissões pela técnica, de alíquotas sôbre o movimento, ora em critério uniforme, ora discriminadamente, conforme o ramo do negócio. Eram, além da Bahia, os de Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Goiás, Rio Grande do Norte, Maranhão, Piauí, Ceará, Sergipe e Municípios de Espírito Santo e Pará, inclusive o de Belém (cf. GERSON SILVA, “Sistema Tributário Brasileiro”, 1948, págs. 263 e segs.). Em geral, os Municípios daqueles Estados conservam a mesma técnica.
Essa evolução de tabelas fixas para as proporcionais ou ad valorem, sôbre o movimento global das transações, ocorreu em vários países que direta ou indiretamente copiaram as “contribuições de patentes” da França. Na Argentina, em 1898, já era classificado em 45 categorias de 5 a 20.000 pesos … “hasta que se iniciaron las reformas impositivas de 1930, transformandose en el gravame sobre los réditos y las utilidades de comercio” (SALVADOR ORIA, “Finanzas”, Buenos Aires, 1948, vol. II, págs. 34 e 35). No Chile, as patentes profesionales, industriales y comerciales “varian, también, en relación con la importancia del establecimiento o del giro contribuyente en la comuna(art. 47)”, segundo depõem NEMA VERGARA e E. C. DAHUD (“Manual de Derecho Financiero”, Santiago, 1954, vol. II, pág. 383). Na Espanha as patentes passaram o valor locativo a tabelas sôbre as utilidades ou rendas brutas, como resumem DEXEUS e BELTRAN FLOREZ, nas anotações a EHEBERG (“Principios de Hacienda”, trad. espanhola, Barcelona, 1944, págs. 214 e segs.).
“Nos Estados alemães foi-se tomando, cada vez mais como base do cálculo, além do produto, o capital de fundação e o de exploração. Dêsse modo, o impôsto é uma combinação de um gravame sôbre as rendas da indústria e de metro sôbre o patrimônio da mesma” (EHEBERG, ob. cit., pág. 201). No Canadá, embora subsistam businesstaxes, à base do valor locativo, área em pés quadrados dos estabelecimentos, etc., já Quebec e as Províncias do litoral adotam o critério da receita bruta (grossrevenuetaxes“), segundo escreve J. H. PERRY (“Taxation in Canada”, Un. Toronto, 1951, pág. 283). Proporcional é, também (com um mínimo isento), o Gewerbesteur dos Municípios austríacos sôbre indústrias, profissões e ofícios manuais, conforme resumo de R. KERSCHAGL (“Das oesterreichische Steursystem der Gegenwart”, no “Archivio Finanziario”, 1950, vol. I, págs. 177-178).
Na Itália, a patente é um impôsto local semelhante ao nosso de licença, enquanto corresponde ao nosso de indústrias e profissões – “l’imposte sulle industrie, i commerci, le arti e le professioni”, com caracteres de superposição ou adicional sôbre os impostos cedulares de renda e, portanto, proporcionais (2,40%, 3%, 3,60 etc.), como explica GIANNINI (“Istituz. di Diritto Tribut.”, 7ª ed., 1956, págs. 500 e 501).
É que constitui lei histórica, ou de tendência universal, há século e meio, essa evolução da tributação fixa para a proporcional e desta para a progressiva, à medida que a divisão do trabalho multiplica e diversifica as profissões e os padrões de rendas e patrimônios. O Brasil não poderia escapar à fôrça dessa evolução mundial. Os livros de Finanças aparecidos nos últimos anos, em nosso País, registram que o impôsto de indústrias e profissões vem sendo aplicado, em muitos Estados até 1946 e depois nos Municípios, segundo o giro comercial, inclusive o movimento de vendas (cf. RUBENS GOMES DE SOUSA, “Compêndio”, cit., 2ª ed., pág. 399; GÉRSON SILVA, “Sistema”, cit., págs. 263 e segs.; G. ULHOA CANTO, citando “exposição de motivos” do Conselho Nacional do Petróleo, em “Temas do Direito Tributário”, 1955, página 156; BALEEIRO, “Introdução à Ciência das Finanças”, 1955, 2º vol., número 401, pág. 577).
Não erraram os Estados e Municípios q»e assim procederam, pois o projeto de Cód. Tributário, obra de um douto, consagrou aquela orientação da prática:
“Art. 40, § 2º O impôsto (de indústrias e profissões) é de lançamento anual e graduado em função do movimento econômico da atividade tributada, da respectiva natureza, das características materiais de seu exercício, ou da combinação de quaisquer dêsses critérios”.
É incontroversa a regra de que “cumpre ao legislador e ao juiz, ao invés da ânsia de revelar inconstitucionalidades, mostrar solicitude no sentido de enquadrar na letra do texto antigo o instituto moderno. Só assim é possível perdurar 140 anos uma Constituição como a americana…” (C. MAXIMILIANO, “Hermenêutica”, 3ª ed., 1941, número 344, págs. 368-369), porque “l’interprete avrà modo di apprezzare l’estensione e l’efficacia di tutto quelle consuetudine praeterlegem che si sono venute formando, e che se non possono avere l’autorità di fonte giuridica, devono, certo; considerarsi come uno dei mezzi più autorevole d’interpretazione, sia per adattare le antiche leggi a nuove esigenze della pratica, dando loro una orientazione e una portata diverse da quelle che ebbero al tempo della formazione, che performare la disciplina giuridica di nuovi rapporti, sorti da condizioni di fatto e da manifestazioni dell’atività umana, non prevedute, e forse nemmeno prevedibili, all’epoca in cui la legge si formava” (F. DEGNI, “L’interpretazione della legge”, 1909, n° 156, pág. 334).
V. O método do valor locativo e a Constituição. Os que meditaram e redigiram os dispositivos financeiros da Constituição de 1946, dentre os quais um ministro da Fazenda e um governador amadurecidos por 11 anos de experiência nos respectivos cargos, não pensavam de outro modo e deixaram intencionalmente, no texto, larga dose de flexibilidade aos legisladores ordinários do futuro:
“Seria, portanto, temerário traçar linhas inflexíveis à reforma do sistema fiscal, na vã suposição de que as próximas legislaturas e, sobretudo, as gerações… emprestem adesão estreita à fórmula intangível por acaso adotada. Buscou a Comissão, apenas, indicar os rumos gerais e refletir as tendências do momento, encorajando as que lhe pareceram mais justas, abrindo-lhes válvulas de expansão que a lei ordinária e sobretudo a política acentuarão, segundo o matiz cambiante das representações parlamentares”.
“Assim procedendo, inspirou-se no conceito proclamado de que as Constituições devem revestir-se do aspecto de túnicas amplas, que se modelam pelas formas e relêvo do corpo social, e não camisas de fôrça com que se reduzem à impotência, sem os curar, os doentes agitados, até que as rasguem no desespêro extremo” (“Relatório da Subcomissão de Discriminação das Rendas”, nos Anis da Comissão da Constituição de 1946, vol. “Pareceres e Relatórios das Subcomissões”, 1948, pág. 12).
Não pretendiam, pois, acorrentar o legislador ordinário à época da Constituição, nem muito menos ao passado. Armaram de tributos a União, Estados e Municípios como instrumentos para realização de suas tarefas de civilização, progresso e bem-estar, sem aquela desconfiança sistemática, que levou o constituinte de 1934 a fixar o teto de 20%, cada ano, para as futuras majorações de impôsto. Se o regime é democrático, tributem-se os cidadãos a si mesmos através de seus representantes e são êles os responsáveis pela má escolha do porta-voz.
Quando julgou prudente, em casos excepcionais, restringir o arbítrio do legislador ordinário na elaboração do conceito do fato gerador, do limite ou de técnica de algum tributo, a Constituição o fêz clara e expressamente. Assim foi que condicionou ao máximo de 5%, ordinàriamente, ou a 10% com licença do Senado, o impôsto de exportação (art. 19, nº V); subordinou a dois tetos rígidos e definiu a contribuição de melhoria (artigo 31 e parág. único); condicionou à indiscriminação os impostos sôbre vencimentos de funcionários e apólices da dívida pública (arts. 15, § 3°, e 19, § 4º), etc.
Não escapou à Constituição de 1946, que é mais minuciosa em matéria fiscal do que qualquer outra do mundo, a contingência irremovível de categorias jurídicas de impostos distribuídos à União, Estados e Municípios assentarem, muitas vêzes, sôbre a mesma substância econômica, dados que todos são pagos com a renda. Em certos casos, ela o vedou, para que uma das competências dispusesse até a exaustão da fonte fiscal. Entregando, por exemplo, a transmissão intervivos e a venda de mercadorias ao Estado, a Carta Magna deixou expresso que a União seria excluída dêsses fatos econômicos sob a forma de atos ou instrumentos jurídicos passíveis de sêlo (artigo 15, § 5°), porque regulados em lei federal civil ou comercial.
Necessária e inevitàvelmente, por exemplo, o impôsto de exportação haverá de superpor-se ao de vendas, óbvio que negociantes, salvo em raríssimos casos, não exportam para dar presentes aos estrangeiros. Por isso mesmo, o Supremo Tribunal Federal, em plenário, repeliu a tese da bitributação com violação do teto constitucional na acumulação dêsses dois tributos arrecadados pela mesma técnica e na mesma oportunidade (acórdão de 1-10-1952, no mandado de segurança número 1.719, “Rev. de Direito Administrativo”, vol. 44, págs. 89 e segs.).
Necessária, e inevitàvelmente, o impôsto municipal sôbre a profissão de comerciante ou de industrial há de superpor-se ao conteúdo econômica dessa atividade, que é a de vender mercadorias, praticando o ato jurídico que serve de fato gerador ao impôsto estadual do artigo 19, nº IV.
Se a Constituição quisesse evitar essa superposição fatal, pela natureza das coisas, teria excluído do impôsto de indústrias e profissões os comerciantes e industriais, como expressou várias limitações ao poder de limitar. Mas que restaria de substância econômica às atividades profissionais, se delas fôssem afastados os indivíduos que produzem e circulam a quase totalidade da riqueza do País? Só a insanidade explicaria o ato do legislador que exonerasse do sacrifício fiscal exatamente os mais aptos a suportá-lo pelo princípio da capacidade contributiva.
Ora, êsse princípio básico de tôda a ciência financeira foi expresso no art. 202, mais tarde copiado pelo art. 53 da Constituição republicana da Itália, e ainda se percebe subjacente noutros dispositivos, como o § 1º do art. 15; o § 1º do artigo 19; a cláusula in fine do art. 19, alínea IV, etc.
“Os tributos terão caráter pessoal sempre que isso fôr possível, e serão graduados conforme a capacidade econômica do contribuinte”. Aí está o cânon programático endereçado pela Constituição aos legisladores, aplicadores e intérpretes”.
Em algumas de suas sábias decisões, o Supremo Tribunal Federal proclamou que não prevalece o implícito contra a regra expressa. Por sutis e especiosas inferências, contra a natureza das coisas, pretendem alguns contribuintes, segundo a consulta, que o impôsto de indústrias e profissões não pode ser regulado à base do movimento comercial e advogam o critério obsoleto e falível do valor locativo. Mas o art. 202 da Constituição ordena ao legislador que personalize o impôsto sempre que possível e o gradue pela capacidade econômica do contribuinte.
Ora, a personalização é difìcilmente compatível com os critérios indiciários, que, quase sempre, são elementos reais e não pessoais. Para medir-se a capacidade econômica dum homem de negócios ou duma sociedade comercial, salvo a apreciação de seu capital conjugado à de sua renda, o melhor elemento é o volume anual ou global de suas transações, sejam as de vendas, se é atacadista ou retalhista; sejam os saldos de contas de descontos e empréstimos, se é banqueiro, etc.
Nenhum prejuízo potencial ou efetivo daí decorre para o contribuinte de jure. Pelo contrário, forra-se êle à álea de outros métodos de determinação da matéria tributável, como o velho expediente de considerá-lo um múltiplo do valor locativo da área ocupada pela emprêsa ou calcular o impôsto como percentagem dêsse valor.
Quando as mercadorias ainda não haviam atingido ao rol de vários milhares das tarifas aduaneiras modernas, por efeito das invenções tecnológicas e descobertas da ciência, havia pequenas diferenças entre os estabelecimentos comerciais, como ainda hoje ocorre nas cidades sertanejas. Mas é fato de observação cotidiana que armazéns e lojas necessitam de grande área, porque vendem mercadorias de muito volume e pêso, mas de pequeno valor por unidade. Em contraste, os bancos, joalherias, escritórios de exportadores etc. podem movimentar dezenas de milhões no espaço de 30 m2, sem maiores exigências de cubagem ou de área. Um cofre de menos de 1 m3 pode conter centenas de milhões em papéis bancários, títulos públicos ou jóias, diamantes e pedras preciosas, ao passo que estoques de tecidos populares, sapatos e alimentos exigem todo um edifício de alguns andares.
O mais expressivo, porém, é que, sob o regime das Leis de Luvas e do Inquilinato, os aluguéis perderam qualquer correspondência com a importância do negócio. As firmas antigas, prósperas e sólidas estão garantidas por contratos a preço vil, ao passo que os principiantes arcam com aluguéis esmagadores, que lhes pesam nas despesas gerais e os tolhem em sua expansão. Se o Fisco aceitar essa desproporção estridente, somará iniqüidade nova às iniqüidades velhas oriundas de leis de emergência ou filhas da habilidade e prestígio dos “grupos de pressão” da riqueza mobiliária, contra a decadente propriedade imóvel. Já ALBERTO DEODATO comentou irônicamente: “A confusão dêsses artigos é digna de lástima. E, por cúmulo, para o efeito de cobrança do impôsto de advogado e de médico, classifica-os em advogados e médicos com escritório de grande e de pouco movimento”.
“O critério é dos mais ingênuos. Consultório de grande movimento… são êsses, talvez, o que menos rendem. Vivem apinhados de tomadores de injeções. Os operadores, entretanto, têm pouco movimento e ganham fortunas. Êsses pagarão menos impostos” (“Manual C. Fin.”, 5ª ed., 1954, págs. 246-247).
Ora, nos vários países, principalmente nos Estados Unidos, o Estado ampara a pequena, contra a grande emprêsa. A França, enquanto isentava pequenos negociantes, sobrecarregou com o dôbro e o triplo das patentes, em caráter progressivo, os magazins que acumulam vários ramos mercantis, a fim de que pudesse sobreviver o comerciante modesto (JÈZE, “Cours Elém. Sc. Finances”, 5ª ed., 1912, págs. 904, 908 e 911). Para proteção do smallbusiness o govêrno federal americano criou repartição especializada, enquanto fêz recair o impôsto de renda pesadamente sôbre as corporations ou sociedades anônimas.
A luz das observações recolhidas nos autores franceses, que sempre o profligaram, o critério do valor locativo para medir-se a capacidade contributiva dos comerciantes, industriais e profissionais de qualquer espécie é dos mais irracionais. Verifique-se a opinião do maior financista, ao mesmo tempo grande publicista, de França, na primeira metade dêste século:
“De signe extérieur en signe extérieur, la loi française est arrivée a une complication extraordinaire qui, non seulement rend le calcul de l’impôt très dificile, mais três souvent aboutit à des résultats choquants”.
L’impôt des patentes ne pourra jamais arriver a être juste, tant qu’il consacrera le système indiciaire (présomptions résultant des signes extérieurs). C’est ce que prouve l’expérience: l’impót des patentes a été l’objet de remaniements incessants et impuissants” (JÈZE, ob. e ed. cits., pág. 905).
O economista YVES GUYOT, autor de magistral relatório sôbre o sistema tributário da França, em nome da Comissão de Orçamento da Câmara daquele país, que desejava instituir o impôsto sôbre a renda, escreveu há 70 anos, a propósito da contributionde patentes:
“On a dit, non sans raison, qu’il était aussi difficile d’établir la proportionnalité de cette taxe que de résoudre la quadrature du cercle” (Y. GUYOT, “L’impôt sur le revenu – Rapport etc.”, 1887, página 75).
No Brasil, envolve forte incongruência condenar-se a base do movimento de vendas, sob color de ser esta a base da determinação do impôsto estadual que as atinge, e, do mesmo passo, recomendar-se o valor locativo, que serve de base ao impôsto predial dos Municípios. Em têrmos lógicos, se aquela técnica fôsse inadequada ou repugnante à índole do impôsto, êste não o seria menos.
Ambas são perfeitamente compatíveis com a Constituição, porque não é lícito confundir-se o fato gerador do impôsto, visado pelo texto supremo, com a técnica de determinação ou base de cálculo do mesmo.
Está fora de qualquer controvérsia que quando a Constituição quer os fins e concede atribuições, também outorga todos os meios adequados e que ela expressa ou implìcitamente não vedou. Se o Município, pelo art. 29, está investido do poder de decretar impostos que lhe são reservados exclusivamente, sem nenhuma dúvida pode fixar o quantum, a técnica administrativa de determinação da matéria tributável, a exigência ou não de declaração, o modo de lançamento, a época da arrecadação, a fiscalização e tudo mais que torne efetiva a obtenção das receitas. Assim sempre se entendeu, assim sempre se praticou, assim tem sido reconhecido o poder dos Municípios por tribunais e doutôres. “A prática constitucional longa e uniformemente aceita pelo Legislativo ou belo Executivo tem mais valor para o intérprete do que as especulações engenhosas dos espíritos concentrados” (C. MAXIMILIANO, citando COOLEY, ob. cit., nº 378, pág. 389).
No caso da consulta, o Município está investido no poder de regular a forma, o tempo, o modo, o quantum e os demais pormenores dos impostos de sua competência, até onde lho não vedem as limitações ao poder de tributar estabelecidas na Constituição federal. Em nosso entender, a esta repugnam as limitações das Constituições estaduais (teto de 20%, por exemplo) ao poder tributário atribuído aos Municípios, embora êstes se achem vinculados à lei federal, enquanto ela se contiver nas lindes de “normas gerais de direito financeiro”, arts. 5°, nº XV, b, e 6° da Carta de 1948.
Nenhuma “norma geral de direito financeiro” em vigor impede ou embaraça a reforma que Pôrto Alegre realizou pela lei n° 1.857, de 1958, adotando critérios racionais já pacìficamente praticados por Estados e Municípios desde vários anos, como reconhece RUBENS GOMES DE SOUSA:
“Seja como fôr, não é possível ignorar que a grande maioria das legislações positivas adota como base de cálculo do impôsto de indústrias e profissões o movimento econômico, seja isoladamente, seja em combinação com outros fatôres, como o valor locativo, o capital investido, o número de empregados ou operários, etc.; como também é certo que essa maneira de proceder já foi placitada pela jurisprudência. Nesses condições, a fim de não retirar ao presente estudo o seu caráter prático, e até mesmo para enfrentar o problema nos têrmos em que êle se apresenta, admitiremos, sem embargo da nossa opinião exposta dejureoptimo, que o movimento econômico seja realmente a base adequada para o cálculo do impôsto de indústrias e profissões” (“REVISTA FORENSE”, vol. 149, pág. 119).
Assim procedendo o legislador da capital sul-riograndense conformou-se com o preceito do art. 202 da Constituição. Pouco importa o sentido programático dêsse dispositivo, como pondera o ilustre catedrático de Direito Constitucional da Faculdade do Pará em erudita monografia:
“COOLEY lembra ainda a questão das disposições que não são auto-exeqüíveis (self–executing, self–enforcing). Embora não se possam tornar obrigatórias aos particulares, por decisões do Judiciário, elas são sempre mandatárias, porque constituem uma ordem à legislatura. Esta não se pode furtar à elaboração da lei própria que regule a matéria” (ORLANDO BITAR, “A Lei e a Constituição”, 1951, pág. 84).
Não se furtar à elaboração, nem muito menos legislar contra o sentido da norma programática.
VI. As bases de cálculo da lei nº 1.657. Como o “movimento econômico” assume diferentes formas, conforme a diversa natureza da atividade tributada, a lei nº 1.857, de 1956, de Pôrto Alegre, estabeleceu diversas bases de cálculo. Para estabelecimentos comerciais e industriais, elegeu o montante das vendas à vista e a prazo ou o total da receita bruta realizada pela emprêsa. Já analisamos longamente êsse critério (art. 92, § 2º).
Para os bancos e casas bancárias, a lei citada tomou a média mensal dos saldos das contas: títulos descontados, empréstimos em contas-correntes e empréstimos hipotecários. Erigiu, portanto, como base para aplicação das alíquotas, os valores positivos do ativo, aliás não todos. Com essa diretriz, livrou-se da crítica que o Prof. RUBENS GOMES DE SOUSA fêz à lei nº 746, de 28 de novembro de 1952, do Distrito Federal, porque êste preferiu os elementos do passivo, isto é, o saldo dos depósitos à vista e a prazo. Embora êsse último critério não nos pareça inconstitucional, não há dúvida de que o da lei de Pôrto Alegre – os saldos de descontos e empréstimos – aproxima-se muito mais da regra de capacidade contributiva traçada pelo art. 202 da Constituição.
Para as emprêsas de seguro e de capitalização, a base de cálculo da lei número 1.857 foi a receita líquida de prêmios e contribuições arrecadadas. É tal receita modalidade de ingresso bruto, que só não seria admissível como base do cálculo do impôsto de indústrias e profissões se a Prefeitura houvesse exagerado de tal modo as alíquotas, a ponto de tornar impossível ou não remuneradora a atividade, o que parece não ter sido alegado. Aliás, a jurisprudência mais categorizada só fulmina o impôsto excessivo quando destrói a atividade econômica e não apenas quando, imodesto, a onera, com desusado vigor (acórdãos do Supremo Tribunal Federal, de 21-9-1951, no recurso extraordinário nº 18.331, in “Revista de Direito Administrativo”, vol. 34, pág. 132; de 27-10-1952, no recurso extraordinário nº 18.720, in “Rev. de Direito Administrativo”, vol. 44, pág. 135; Supremo Tribunal Federal, acórdão de 2-10-1952, no recurso extraordinário número 18.978, in “Rev. de Direito Administrativo”, vol. 41, pág. 79).
Pela própria suavidade da tarifa da lei de Pôrto Alegre, isto é, 1% da receita de prêmios, e contribuições das emprêsas de seguro e capitalização, evidentemente a atividade das mesmas não ficaria comprometida. Em qualquer caso seria matéria de fato e de prova, que não se amolda ao conceito de direito certo a ser reconhecido expeditamente por via de mandado de segurança.
Em nenhuma hipótese, as tabelas da lei nº 1.657 sôbre os saldos de empréstimos dos bancos e prêmios ou contribuições de seguradores e emprêsas de capitalização interferem com o impôsto de vendas e consignações, que, segando a consulta, seria o argumento constitucional dos contribuintes inconformados. Êsse impôsto estadual não atinge negócios de seguro e capitalização.
O ótimo seria que o impôsto de Indústrias e profissões, no Brasil, por obediência ao art. 202 da Constituição, evolvesse no sentido da personalização e da capacidade contributiva até quase as fronteiras da renda líquida, opinião que já manifestamos antes, sem a consideração de qualquer caso concreto (“Introdução à Ciência das Finanças”, 2º vol., página 578). Numa etapa intermediária a receita bruta constitui critério mais adequado ao impôsto de indústrias e profissões do que ao de renda, pois êste, em princípio, deve assentar sôbre os créditos líquidos.”
Portugal, ao regular a “contribuição industrial, que atinge as atividades comerciais e industriais, preferiu calculá-la sôbre o “rendimento normal”, isto é, presumido, pelo temor à fraude na apuração do “rendimento real” (VASCO FORTUNA, “La technique de l’imposition des bénéfices industriels et commerciaux au Portugal” no livro coletivo “Enquête sur l’imposition des revenus ind., commerc. et professionnels”, dirigido por MORSELLI, 1954, pág. 423). E êsse método logrou elogios do Prof. MORSELLI ao cotejar e relatar os resultados do inquérito sôbre êsse problema em 20 países (ob. cit., pág. XXIV). O mesmo escritor italiano, ao salientar que as atividades comerciais e industriais, no mundo contemporâneo, são as principais fontes do Fisco, registra que vários impostos, além do de renda, sôbre elas se superpõem:
“Et celà surtout si l’on considère que ces mêmes sources servent non seulement à l’imposition des revenus, mais aussi à d’autres nombreuses taxations, qui sont la conséquence logique des formes et d’oblets différents de la fiscalité moderne”.
“La science peut rechercher et indiquer des solutions idéales, mais toutes les solutions idéales ne sont pas bonnes pour diriger l’action pratique” (MORSELLI, “Enquéte”, cit., pág. IX).
Não há técnicas fiscais perfeitas, nem impostos que não tenham um mínimo irredutível de injustiça. POPE o proclamou há dois séculos e JEZE o confirmou contemporâneamente. O legislador, sem embargo de aproximar-se do ideal inacessível, há de contentar-se com o possível dentro da realidade de cada estrutura econômica. Foi o que fêz o Município de Pôrto Alegre, tornando mais racional e adequado à capacidade econômica dos contribuintes o velho impôsto, de indústrias e profissões.
Adotando a receita bruta para base de cálculo do impôsto de indústrias e profissões, o Município de Pôrto Alegre serviu-se apenas da renda como critério auxiliar indireto, para usar das palavras do eminente ministro e Prof. HAHNEMANN GUIMARÃES, num dos acórdãos em que o Supremo Tribunal Federal repeliu a pecha de bitributação atirada ao impôsto paulista de cartórios calculado pela renda, e que os tabeliães argüiam de coincidir com o impôsto sôbre esta ou o municipal sôbre profissões (acórdão unânime do plenário do Supremo Tribunal Federal, de 21-1-1952; no recurso extraordinário nº 19.011, in “Rev. de Direito Administrativo”, vol. 37, pág. 184).
VII. Locupletamento indébito pela repercussão. Não é despiciendo ponderar-se que a pretendida exclusão dêsse tributo para as emprêsas rebeldes à lei nº 1.857 viria locupleta-las indébita e imerecidamente, porque, calculado à base do movimento econômico (total de vendas, etc.), o ônus do impôsto já foi transferido, através da formação dos custos e preços, aos consumidores e clientes dos contribuintes de jure, que apenas o anteciparam às burras públicas. E enquanto dure o processo inflacionário, que mantém o mercado favorável ao vendedor, tornando rígida a procura de tôdas as mercadorias, êsse fenômeno de repercussão do ônus fiscal dos ombros dos negociantes e industriais para os compradores, fregueses e consumidores será a regra na imensa generalidade dos casos. Então, será lícito indagar-se se têm os industriais e os negociantes o interêsse jurídico, – moral e econômico – do art. 78 do Cód. Civil, também aplicável ao Direito Tributário, para livrarem-se do impôsto que econômicamente não suportaram, porque transferiram nos preços, e que, portanto, se fôr cancelado, irá levar-lhes enorme locupletamento indevido e com jactura da coletividade representada pelo Município.
VIII. O sigilo dos livros comerciais. Não oferece préstimo jurídico, ou sequer lógico, o argumento de que o impôsto de indústrias e profissões, à base do movimento de vendas, cotas bancárias de empréstimos, receita de prêmios de seguros e capitalizações, viria a violar o sigilo dos livros mercantis.
Êsse segrêdo não é absoluto, porque vários textos legais, a começar pelo próprio Cód. Comercial e inclusive os de ordem tributária, estabelecem condições para exibição integral ou parcial dos livros dos comerciantes. A jurisprudência, desde muito tempo, vem admitindo que terceiros com legítimos interêsses possam recorrer a provas dessa contabilidade. Esta não teria fomento de utilidade e justiça se viesse à luz apenas quando conviesse ao proprietário de tais livros e, pela ocultação, lhe servisse para sonegar impostos e mascarara falsificação ideológica, de declarações ou quaisquer documentos para fins fiscais. O Direito não, protege o crime nem o ilícito fiscal.
Se o Direito cerca o crédito tributário de garantias e privilégios erga omnes, dando-lhe preferências sôbre a hipoteca, assegurando-o por processos judiciais expeditos, etc., seria absurdo que contra o interêsse da coletividade, em nome da qual é exercido o poder fiscal, fôsse permitido ao indivíduo subtrair ao conhecimento da verdade sôbre sua indelicadeza para o Fisco uma prova instituída com finalidade pública. Basta recordar-se a lição de GOLDSCHMIDT que o mestre excelso do nosso Direito Comercial transcreveu:
“Die Buchführung liegt im eigenen Interesse des Kaufmanns, seiner Glaübiger und Schuldner, des Staats”, ou, literalmente: “A manutenção dos livros repousa no interêsse dos próprios negociantes, seus credores, devedores e do Estado” (CARVALHO DE MENDONÇA, “Tratado”, 2ª ed., 1933, vol. II, nº 218, pág. 187 e nota 3).
Pela lei nº 1.657, de 1956, Pôrto Alegre exige, como é seu legitimo direito fazê-lo declarações dos contribuintes. É, aliás, a técnica moderna de todos os países civilizados, que convidam o contribuinte a indicar á quantidade, qualidade e valor da matéria tributável, ressalvado o contrôle da veracidade por todos os meios de prova.
O contribuinte honesto nada têm a temer. Ao Fisco estadual, é obrigado a comunicar tôdas as suas vendas, escriturando-as dia a dia, assim como as duplicatas que saca contra os clientes e quis são confiadas, em geral, aos bancos. Ao Fisco federal, é obrigado a apresentar seu balanço e sua conta de lucros e perdas, além de manter os livros fiscais resultantes do impôsto de consumo. O movimento de seus negócios, fora mesmo do caso de sociedades anônimas, sujeitas à publicidade, é devassado sistemàticamente pela União, Estados, Institutos e outros órgãos. Nenhum prejuízo novo lhe advirá da comunicação ao Município, que lhe pode impor não só êsse dever, mas também o de registrar suas operações em livros fiscais especiais.
O problema só existe para o contribuinte que cometer o crime de falsidade ideológica. Inscrevendo declarações não verdadeiras, nos atos e papéis que deva apresentar ao coletor municipal.
Além de passível de repressão penal, êle é obrigado a comprovar a exatidão de suas declarações, e, sendo negociante, claro que a limpeza e probidade dos livros comerciais e fiscais serão elementos básicos para livre convicção do juiz. Interessa mais a êle de que ao Fisco a exibição da contabilidade, porque nas condições contemporâneas da economia, é sempre possível a uma repartição fazendária bem organizada provar, pelas mercadorias desembaraçadas por mar, terra ou ar, despesas com empregados, aluguéis, informações dos vendedores, etc., o provável movimento do comerciante, arbitrando-o aproximativamente.
Se, por exemplo, uma padaria recebeu dos moinhos 12 milhões de cruzeiros de farinha e de outros fornecedores um milhão de açúcar, manteiga, sal, etc., tendo pago dois milhões de aluguéis e salários, é óbvio que não poderá ter vendido menos de 15 milhões e mais uns 20%, pelo menos, de lucros e despesas gerais. Se declarar menos, a sonegação está à mostra, salvo prova de, anormalidade, ônus êsse que compete ao próprio contribuinte e não ao Fisco.
O argumento do sigilo da contabilidade mercantil nada tem de constitucional, porque interessa apenas à matéria de prova e de fato, e nesta o Direito Fiscal não está adstrito a quaisquer limitações do Direito Comum, por força mesma de sua autonomia, ad instar do art. 5°, XV, b, da Constituição.
Não se contesta à pessoa de Direito Público Interno investida de poder fiscal o direito de inspecionar a matéria tributável, investigar a veracidade das declarações do contribuinte, obriga-lo a documentos, registros, escriturações, licenças, seios na mercadoria ou em papéis, uso de aparelhos de medição, como os densímetros que a legislação do impôsto de consumo exigiu de alambiques, etc., etc. E quem pode tributar, pode estabelecer multas aos sonegadores e morosos. Em alguns países, as disposições de direito penal fiscal e de polícia tributária são compendiadas em lei sistemática, como a italiana de 7 de janeiro de 1929, que estabelece as “norme generali per la repressione delle violazione delle leggi finanziarie”, admitindo, subsidiàriamente, a aplicação do Cód. de Proc. Penal (art. 44), inclusive para a prova.
Um clássico do Direito Financeiro, o barão MYRBACH VON RHEINFELD, escrevia no comêço dêste século que “a parte mais importante e também a mais difícil da legislação financeira era a determinação daquilo que deve ser tributado, ou mais exatamente a medida na qual os impostos devem ser exigidos dos indivíduos, porque, em última análise, cada um há de ser gravado proporcionalmente às suas faculdades” (“Précis de Droit Financier”, trad. francesa, 1910, pág. 184). Por isso, continua o jurista austríaco, “a legislação estabelece ainda multidão de instituições destinadas a combater a tendência, muito difundida, de subtração às prestações legalmente exigidas, e a facilitar e tornar mais eficaz o contrôle do procedimento dos contribuintes” (idem, página 27).
E êle menciona os selos de chumbo ou de cêra em volumes, os peso-líquidos, termômetros e outros aparelhos físicos do tipo indicado ou vendido pelo Estado, pinturas em côres predeterminadas pela autoridade, “a obrigação de ter escriturações, quer para os contribuintes, quer para quem tenha de reter o impôsto”, etc., etc. (págs. 275-277).
Nunca ninguém contestou à União, aos Estados e aos Municípios, no Brasil, o direito de contrôle amplo, inerente ao poder de tributar. Em qualquer caso, a medida dêsse contrôle através da contabilidade mercantil não é objeto que envolva o problema da constitucionalidade da base de impôsto, pois a Constituição só erige o sigilo em garantia individual quando se trata do caso restrito de correspondência, inviolável por fôrça do artigo 141, § 6° Isso, aliás, não impediu que ilustre jurista pátrio afirmasse que êsse artigo não é desobedecido quando agentes fiscais obtém do Telégrafo autógrafos de telegramas de negociantes, porque êstes são lealmente obrigados a transcreve-los em seus copiadores registrados, para segurança jurídica própria e de terceiros, inclusive o Fisco (CARLOS MEDEIROS, na “REVISTA FORENSE”, vol. 152, pág. 73). E em abono da tese, lembra ter, o Supremo Tribunal Federal decidido que “os bancos não se podem eximir de ministrar informações, no interêsse público, para o esclarecimento da verdade, essenciais e indispensáveis ao julgamento e desenlace das demandas submetidas ao Poder Judiciário” (Supremo Tribunal Federal, acórdão de 6-9-1949, recurso em mandado de segurança nº 1.047, in “REVISTA FORENSE”, vol. 143, pág. 154).
IX. Respostas. A primeira pergunta:
R. Não há razões histórias, nem jurídico-constitucionais ou técnico-financeiras, pelas quais deva ser regulado por tabelas fixas, ou calculado segundo o valor locativo, o impôsto de indústrias e profissões:
a) se fôsse fixo, confundir-se-ia com o impôsto de licença (art. 29, nº II, da Constituição);
b) històricamente, êle proveio de impostos proporcionais, embora estimado por uma complicada série de sinais exteriores apreciados em conjunto, simultânea ou alternativamente;
c) “A grande maioria das legislações positivas adota como base do cálculo de impôsto de indústrias e profissões o movimento econômico” (RUBENS GOMES DE SOUSA). Sua evolução, em face do crescimento econômico e diversificação das emprêsas, afasta-o cada vez mais do tipo de impostos indiciários e aproxima-o dos impostos sôbre a renda (Einkommensteur), segundo GERLOFF;
d) desde que o impôsto de indústrias e profissões atinge a profissão, independente do bom ou mau resultado econômico do exercício dela, o assentamento do impôsto sôbre a receita bruta (total das vendas, prêmios, empréstimos, etc.) corresponde ao resultado potencial em face do movimento da emprêsa, pouco importando que se malogre a expectativa otimista do contribuinte. O impôsto de renda é que deve recair sôbre o crédito líquido, efetivo e positivo, caráter êsse que o exclui em caso de malôgro do provento visado.
À segunda pergunta:
R. É compatível com as Constituições federal e do Estado do Rio Grande do Sul o método adotado pela Prefeitura de Pôrto Alegre, no art. 92 da lei municipal nº 1.657, de 13 de novembro de 1956, à base do movimento econômico:
a) o cálculo pelo volume global das vendas, além de conformar-se com o artigo 202 da Constituição, é aspecto econômico independente do negócio jurídico de cada venda e consignação efetuada por comerciantes e produtores, inclusive industriais, tomado como o fato gerador do impôsto do art. 19, nº IV, da Constituição, que é arrecadada pelo sistema da aposição de estampilhas às duplicatas ou ao livro fiscal de vendas à vista. O volume global de vendas serve de base de cálculo a êsse tributo estadual, mas também ao federal de renda no caso dos artigos 40 e 341 do regulamento dêste tributo; ao de consumo, nos casos de aplicação ad valorem; ao de exportação, nas mercadorias remetidas para o estrangeiro. Em todos êsses casos, nenhum julgado, ao que saibamos, viu inconstitucionalidade. Não há por que não adotá-lo e adaptá-lo também ao impôsto de indústrias e profissões, como “critério auxiliar e indireto” (ministro HAHNEMANN GUIMARÃES, “Rev. de Direito Administrativo”, vol. 37, pág. 184), pois “pouco importa que os elementos do cálculo para tributação sejam os mesmos, se as características e finalidades são diversas” (ministro AFRÂNIO COSTA, Supremo Tribunal Federal, de 21-9-1951, in “REVISTA FORENSE”, vol. 167, pág. 176);
b) a lei nº 1.657, embora utilize a base do volume de vedas ou da receita bruta, adotou o sistema da declaração do contribuinte, com arrecadação, direta, sem estampilhagem de cada título correspondente a uma venda a prazo e à partida quinzenal ou mensal de vendas à vista;
c) o art. 19, nº IV, da Constituição, exige a profissão de vendedor (comerciantes e produtores, inclusive industriais), como condição sine qua non para ser tributável a venda ou consignação: isso ainda mais justifica a eleição da mesma técnica para determinação da base de cálculo de ambos os impostos, porque vender mercadorias é a essência da profissão do comerciante;
d) diferentemente doutros casos em que expressou limitações ao poder de tributar (como, por exemplo, nos arts. 15, §§ 3° e 5°, e 19, ns. IV e V, §§ 1°, 4° e 5°), a Constituição nenhuma restrição fêz ao impôsto de indústrias e profissões, ou à sua base de aplicação, embora pela própria natureza econômica desta houvesse superposição da matéria tributável com a venda de mercadorias por profissionais do comércio e com os proveitos ou rendas daí decorrentes;
e) não incidindo o impôsto de vendas sôbre negócios de seguro e capitalização, é óbvio que não pode haver coincidência entre êsse tributo e o impôsto de indústrias e profissões calculado pelos prêmios e contribuições arrecadadas;
j) nada há na Constituição do Rio Grande do Sul que impeça a medição do impôsto de indústrias e profissões pelo movimento econômico, isto é, pelo volume de vendas e receitas brutas. Mas, a nosso ver, a Constituição do Estado não pode estabelecer limitações ao poder de tributar que os Municípios gozam por fôrça da Constituição federal.
À terceira pergunta:
R. O sigilo garantido pelo Cód. Comercial nos livros dos negociantes, fora dos casos legais de exibição integral ou parcial, não constitui argumento de qualquer préstimo para opor-se à constitucionalidade do art. 92 da lei municipal número 1.657, de Pôrto Alegre. Poderá ser, quando muito, matéria de fato e de prova, a ser apreciada em caso concreto de declaração incompleta ou fraudulenta do contribuinte.
À quarta pergunta:
R. Mantemos, acêrca da natureza jurídica, oportunidade e forma da prévia autorização orçamentária, de que trata o art. 141, § 4º, da Constituição, quanto escrevemos alhures (“Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar”, 1951, ns. 16 a 18, págs. 31 e seg.).
Em resumo, são conclusões lógicas do texto daquele dispositivo e dos institutos nêle consagrados:
a) a autorização orçamentária há de ser sempre posterior à lei que decreta o tributo ou o majora;
b) a autorização orçamentária, em nossa opinião acorde com a de vários juristas que meditaram e escreveram sôbre o assunto, não é meio constitucional e jurídico de pôr-se novamente em vigor rei cujo prazo de vigência já se esgotou, muito embora o Tribunal Federai de recursos houvesse sustentado a tese oposta com o placet do egrégio Supremo Tribunal Federal (“Rev. de Direito Administrativo”, vol. 14, pág. 134, e na “REVISTA FORENSE”, vol. 123, pág. 117);
c) o orçamento não pode criar Impôsto novo ou majorar o já existente por lei em vigor (acórdão unânime do Supremo Tribunal Federal, de 3-7-1952, no recurso extraordinário nº 17.184, in “Rev. de Direito Administrativo”, vol. 38, página 296);
d) não há fórmulas sacramentais, para a autorização orçamentária do artigo 141, § 34, que, aliás, já era praticada anteriormente a 1946, de sorte que tanto pode ser dada genérica, mas Inequivocamente, para todos os tributos das leis tributárias em vigor, quanto com remissão a quadro ou tabela das leis de receita;
e) se, porém, houver remissão a essa tabela, entender-se-á que a autorização só abrange os tributos ou as leis que forem expressamente mencionados.
À quinta pergunta:
São constitucionais, a nosso ver, os arts. 87 a 92 da lei nº 1.657, de 1956, de Pôrto Alegre, até porque, mais do que a legislação anterior, dão cumprimento ao art. 202 da Carta Política de 1946.
Subcensura.
LEIA TAMBÉM O PRIMEIRO VOLUME DA REVISTA FORENSE
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 1
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 2
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 3
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 4
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 5
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 6
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