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Economia movida a dados

DADOS PESSOAIS

Ana Frazão

Ana Frazão

15/09/2025

Já faz alguns anos que nos acostumamos com a ideia de dados pessoais como “novo petróleo”[1], ou seja, como insumos ou motores da economia. Entretanto, tal visão é consideravelmente reducionista, uma vez que os dados pessoais, muito mais do que meras matérias-primas, são também grandes fontes de poder social, político, econômico e informacional.

O Poder dos Dados Pessoais

Nesse contexto, não seria exagero dizer que, mais do que “novo petróleo”, os dados pessoais podem ser vistos também como o “novo plutônio”. A depender da finalidade que se lhes atribua, os resultados negativos daí decorrentes podem ser tão amplos como os benefícios que decorreriam da sua adequada utilização.

O potencial – e o perigo – dos dados pessoais decorre da circunstância de que são fontes preciosas de informação. Isolados, agregados ou combinados, podem oferecer importantes conteúdos sobre as pessoas e o seu comportamento, o que é bastante útil para agentes econômicos que pretendem antecipar ou mesmo direcionar decisões e ações dos consumidores e de outros agentes econômicos. Com a crescente utilização de inteligência artificial com fins preditivos, é cada vez mais fácil antever o comportamento das pessoas.

A rigor, a economia sempre dependeu de informação e sempre foi movida por informação, que é o que determina as escolhas dos agentes econômicos e os cálculos de riscos. O que muda na atualidade é que nunca tivemos tanta informação, nunca tivemos tanto acesso à informação e nunca tivemos tanta capacidade de processamento da informação, especialmente diante de sistemas de inteligência artificial cada vez mais potentes. Da mesma maneira, nunca tivemos tanta concentração de dados e informação nas mãos de poucos agentes.

Dados e os Pressupostos do Capitalismo

É nesse contexto que o atual cenário desafia alguns dos pressupostos do regime capitalista, muitos dos quais explorados pela teoria econômica. Dentre eles, encontra-se a premissa de que, em maior ou menor grau, todos os agentes econômicos enfrentam o problema da informação incompleta e fazem seus cálculos de risco a partir de aproximações e estimativas.

Na realidade atual, certos agentes têm acesso a todas as informações sobre determinados mercados e sobre os demais agentes econômicos, de forma que podem agir sob o pressuposto da certeza, antecipando o comportamento dos demais agentes. É o que aponta Shoshana Zuboff, ao salientar que, nessas circunstâncias, o contrato deixa de ser propriamente um instrumento de alocação de riscos para o agente poderoso, o que coloca em xeque as premissas da teoria contratual[2].

Manipulação e Risco à Autonomia

Além da capacidade preditiva que decorre dos dados, alguns agentes, mais do que se antecipar ao movimento de consumidores e outros agentes econômicos, podem, a partir dos dados pessoais, alterar o comportamento destes a partir de diversas estratégias de manipulação, como a informacional. Afinal, corrompendo intencionalmente a base informacional do agente econômico, para o fim de enviesá-lo ou induzi-lo a erro, impede-se ou dificulta-se a tomada de decisões racionais, pois estas dependem de informação fidedigna.

Para além da manipulação informacional, ainda há as diversas hipóteses de manipulação direta, em que, por meio de múltiplas técnicas, cada vez mais sofisticadas e que inclusive trabalham com o subconsciente, se busca subverter o processo decisório e a autonomia que lhe deve ser inerente. Não é sem razão que hoje já se fala em neurocapitalismo e na necessidade de se proteger o livre arbítrio das pessoas[3].

Com o avanço da tecnologia, surgem novas formas de manipulação. Chatbots de inteligência artificial generativa, por exemplo, têm se mostrado mais eficientes do que os próprios seres humanos no convencimento[4], capacidade que pode ser facilmente utilizada para todas as formas de manipulação.

O próprio design ou arquitetura do mundo digital pode ser determinante para a subversão dos processos decisórios, como é o caso dos padrões obscuros, que vêm implementando novas formas de erro e dolo nos contratos e manipulações que subvertem por completo o mecanismo de preços[5].

Impactos na Economia de Dados

Esses aspectos são importantes porque todos os negócios da economia movida a dados baseiam-se em algum tipo de gestão da informação e mesmo os negócios do mundo real têm sido cada vez mais conectados a negócios da economia movida a dados. Assim, a influência dos grandes agentes detentores de dados torna-se cada vez mais intensa e abrangente sobre a economia como um todo.

Fato é que todas essas transformações abalam diversos dos pressupostos do capitalismo, na medida em que:

  • mudam a definição de mercado e a sua forma de funcionamento, pois, de espaços de interação entre agentes que exercem o livre arbítrio na tomada de decisões, os mercados passam a ser ocupados por agentes que têm seus movimentos mapeados, previstos, antecipados ou até indevidamente modificados e manipulados por agentes poderosos;
  • mudam a definição e os pressupostos dos contratos, que deixam de ser um instrumento de alocação de riscos para ambas as partes e passam a ser instrumento de dominação pela parte que tem todas as informações sobre a outra e age na premissa de certeza;
  • mudam a definição de rivalidade e dinâmica competitiva, já que agentes poderosos em razão da concentração de dados podem controlar o mercado como um todo, exercer sua dominância e até mesmo dificultar ou impedir entradas.

Logo, a economia movida a dados tem colocado em xeque os pilares do capitalismo: livres mercados, livres contratos e competição. E tudo isso tem ocorrido por meio de um regime de extração maciça e ilícita de dados pessoais, muitas vezes sem o conhecimento e sem o consentimento dos titulares de dados.

Desafios e Soluções Regulatórias

É necessário, portanto, que pensemos em soluções regulatórias que não apenas impeçam os dados pessoais de se tornarem o novo plutônio, como também possibilite a sua utilização responsável, de forma a assegurar inovação e prosperidade com respeito a direitos fundamentais e a valores fundamentais como a democracia.

Mais do que isso, é fundamental que pensemos em soluções regulatórias que possam manter os pilares do capitalismo e a competição pelo mérito, os quais estão fortemente abalados pela atual economia movida a dados.

Fonte: Jota

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NOTAS

[1]https://www.economist.com/leaders/2017/05/06/the-worlds-most-valuable-resource-is-no-longer-oil-but-data

[2]https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/constituicao-empresa-e-mercado/liberdade-de-contratar-e-alocacao-de-riscos

[3]https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/constituicao-empresa-e-mercado/neurocapitalismo-e-o-negocio-de-dados-cerebrais

[4]https://www.cnnbrasil.com.br/tecnologia/chatgpt-pode-ser-mais-persuasivo-do-que-humanos-em-discussoes-diz-estudo/#goog_rewarded

[5]https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/constituicao-empresa-e-mercado/como-conter-as-dark-patterns ; https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/constituicao-empresa-e-mercado/o-que-sao-dark-patterns

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