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FINANCEIRO E ECONÔMICO
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A Cláusula “Rebus Sic Stantibus” E O Surto Inflacionário, de José Campos
Revista Forense
29/05/2024
SUMÁRIO: Origem da cláusula rebus sic stantibus. O advento do Cód. Napoleão. A influência da guerra de 1914-1918. A revivescência da cláusula. Evolução doutrinária e jurisprudencial. Teoria da imprevisão. Missão do juiz. Efeitos da inflação. Cláusula móvel de preços. Conclusão.
O povo romano criou e aperfeiçoou institutos jurídicos tão adiantados para a época que só o seu gênio ou sentimento inato para o direito o pode justificar.
Ainda nos tempos modernos, muitas vêzes princípios de direito e cláusulas obrigacionais oriundas daquele povo, caídas no olvido, são rebuscadas àvidamente e tornadas em vigor ou adaptadas aos casos que surgem na complexidade da vida de hoje. Não resta dúvida de que o direito, como tôdas as demais ciências, se encontra num constante evolver, exigindo novos institutos, novas fórmulas para a resolução de intrincados casos e fatos que as mutações sociais e econômicas e a própria civilização vêm criando. Mas a fonte dos princípios imutáveis, cheia de sabedoria, aonde se vai abeberar para aplicar essas modernas fórmulas, tem sido e será sempre o Direito Romano. Para comprová-lo, aí está o caso da cláusula rebus sic stantibus que, votada desde muito tempo ao esquecimento com a promulgação do Cód. Napoleão, está sendo atualmente invocada e posta em vigor com relação a casos que foram previstos pelas nossas leis positivas.
Origem da cláusula rebus sic stantibus
BÁRTOLO dizia que era necessário supor em todos os contratos a cláusula rebus sic stantibus, isto é, supor que as partes não combinaram manter o contrato senão no caso de as circunstâncias não mudarem.
Essa cláusula já existia até mesmo no tempo de CÍCERO (“De officiis”), mas tomou incremento com os canonistas da Idade Média que, apoiados em SANTO AGOSTINHO (“Sermões ao Povo”, nº 133), em GRACIANO (“Decretais II, causa 22, questão II) e em SANTO TOMÁS DE AQUINO (“Suma Teológica, II, 110, 3) não só condenavam veementemente todo o enriquecimento por parte de um dos contratantes em detrimento do outro, mas também o resultante das circunstâncias alteradas com o decurso do tempo, diferentes daquelas em cuja ocasião o contrato se formou ou deu origem ao vínculo jurídico.1
Êsse repúdio os levou a julgarem existente ou imanente em todos os contratos uma cláusula – a de rebus sic stantibus -, mediante a qual as obrigações ou os contratos ficavam subordinados à manutenção das condições de fato reinantes no momento em que o contrato se celebrou: “Contractus qui habente tractum successivum et dependentiam de futurum, rebus sic stantibus intelliguntur”.
O advento do Cód. Napoleão
Com o surgimento da teorianominalista, em que se não permite cogitar das desigualdades, iniqüidades ou injustiças que possam surgir com o decurso do tempo em que estiver em viger o contrato, e em que se leva em consideração apenas o valor nominal, de origem; ou a do pacta sunt servanda, em que a vontade livremente manifestada vincula o seu emissor, irrevogável, assim, por qualquer circunstância que possa surgir no futuro; ou a da autonomia da vontade, em que a nossa vontade de ontem dirige, sem cessar, de modo inalterável, a nossa vontade de hoje, foi, então, posta de lado a referida cláusula, principalmente com o advento do Cód. Napoleão, que adotou êsses princípios. E a teoria da autonomia da vontade começou então a ser aplicada com tal rigor que atingia às raias do absurdo, como o caso em que a Côrte de Cassação da França ao examinar, em 1876, um pedido de aumento de renda fixada no século XVI para a conservação de canais de irrigação, declarou que, em hipótese nenhuma, não poderiam os tribunais tomar em consideração o tempo e as circunstâncias sobrevindas para modificarem as convenções livremente realizadas entre as partes!2
A influência da guerra de 1914-1918
Em virtude da guerra de 1914-1918, a mutabilidade das condições sociais e econômicas da França produziram tão grandes desequilíbrios naquele país, que impossível se tornou o cumprimento de determinadas cláusulas obrigacionais realizadas no anteguerra. Daí o motivo da promulgação da lei denominada Faillot (1918), em que se autorizava a rescisão dos contratos, a pedido de qualquer das partes contratantes, quando as circunstâncias produzidas pela guerra tornavam impossível o cumprimento do contrato pelo modo inicialmente pactuado. Isso não foi senão o emprêgo da cláusula rebus sic stantibus, uma vez que se mandou aplicar nos contratos uma cláusula a que se referia sem que ela estivesse estipulada nêles, com flagrante infração, pois, dos princípios adotados no Cód. Napoleão.
A aplicação dessa cláusula na França tem encontrado muitos opositores ainda apegados à autonomia da vontade e ao Cód. Napoleão. Na Itália, pelo contrário, vem sendo invocada amiudadas vêzes.3
GABRIEL ENKIRE, secretário-geral da Sociedade dos Estudos Árabes, com relação aos tratados internacionais, sustenta que a aplicação dessa cláusula é, hoje, princípio incontestável:
Evolução doutrinária e jurisprudencial
“Desde que se produza uma evolução, desde que os tratados tropecem em acontecimentos novos, impõe-se o seu corretivo e, se na realidade não foram denunciados, devem, ao menos, ser readaptados às condições novas dos contratantes. Rebussicstantibus. Êsse princípio de direito é incontestável”.4
Na Alemanha, a desvalorização do marco, 1920 a 1923, desceu a tanto que se viu na contingência de dar origem à sanção de leis relativas à forma de cumprimento das obrigações contratuais, e o Tribunal do Império passou a admitir a rescisão de contratos pela impossibilidadeeconômica equiparada à impossibilidadematerial, e decidiu ainda que o juiz podia modificar as contraprestações pactuadas, de forma tal que fôssem repartidos eqüitativamente entre as partes os prejuízos sofridos.5
E já se tornou realidade, hoje, o abandono dos princípios do individualismo, da teoria da vontade e de suas conseqüências, como a liberdade contratual e a imutabilidade dos convênios. A revisão dos contratos e sua resolução, em condições e situações inadmissíveis, constituem nos tempos modernos uma regra que, excepcional a princípio, se tornou comum e permanente em todos ou quase todos os negócios jurídicos.6
A revivescência da cláusula
A revivescência dessa cláusula vem sendo reconhecida não só pela doutrina, mas também pela jurisprudência pátrias:
“A guerra mundial que assolou o mundo civilizado de 1914 a 1918 e que, hoje, por fôrça da repetição dêsse flagelo em maior escala é conhecida como a primeira grande guerra, entre os fenômenos jurídicos que determinou, trouxe consigo a revivescência da velha doutrina da cláusula rebus sic stantibus, nos têrmos da qual as obrigações estipuladas em um contrato se entendiam vinculadas à permanência das condições que vigoravam ao tempo de sua celebração e, alteradas estas, modificavam-se correlatamente os encargos contratuais”.7
A cláusula rebussicstantibus já está definitivamente consagrada pelo nosso Supremo Tribunal Federal, que vem admitindo a revisão jurisprudencial dos contratos e com afirmação de que tal cláusula não é contrária a texto expresso da lei nacional.8
Mas sustentam muitos que o nosso direito está lastreado na pacta sun servanda e que essa cláusula não pode ser assim invocada, a não ser mediante lei expressa que autorize a sua publicação. Outros asseveram que não, porquanto está ela implìcitamente contida nos artigos 85 e 1.058 do Cód. Civil. Mas nem um, nem outro desses artigos podem acudir às variadas alterações econômicas e sociais que, no curso do tempo, surgem, afetando ìntimamente os contratos, impossibilitando ou dificultando o cumprimento de suas cláusulas.
O art. 85 é mais um dispositivo de interpretação dos dizeres de um ato jurídico, de seu conteúdo, da intenção que suas próprias palavras encerram, e não visando à continuação do statoquo, da não-alteração das cláusulas nêle estabelecidas por condições provocadas pela instabilidade econômica e social.
Teoria da imprevisão
Novas correntes, porém; estão surgindo no sentido de, partindo da velha cláusula rebussicstantibus, aplicarem a teoria da imprevisão, no caso de superveniência de condições imprevistas que alterem, de modo radical, o ambiente objetivo existente ao tempo de sua formação. Mas a teoria da imprevisão não se confunde com a cláusula rebus sic stantibus. Esta permite variar as condições do cumprimento das obrigações pactuadas de tractumsuccessivumetdependentiamdefuturum e ainda alcançar a sua resolução, quando as circunstâncias atuais alterem substancialmente as condições tidas em conta ao celebrar-se o contrato. A teoria da imprevisão, ao contrário, encara o único pressuposto de um acontecimento anormal e transitório, alheio à vontade das partes, que torna excepcionalmente oneroso o cumprimento da obrigação, permitindo-se, então, a uma delas reclamar da outra um aumento, ou uma indenização, que equilibre a quebra ocasionadora do cumprimento da obrigação, porém, nunca a sua resolução.9 Como exempla, temos o caso de uma grande enchente que destrói parcial ou totalmente a obra tomada por empreitada, a peste geral ou endemia, etc.
Para os romanos, o caso fortuito era caracterizado pela impossibilidade de ser previsto – “nullum humanum consilium proevidere potest” – e a fôrça maior pela impossibilidade de ser vencida “vis cui resisti non potest”. Ao dano que de uma e outra resultava denominavam dano fatal. O caso fortuito é mais lato que a fôrça maior e a compreende como o gênero compreende a espécie.10 Como muito bem diz EDMOND PICARD:
“O caso fortuito é a expressão das calamidades que o homem deve fatalmente supor sem que as possa atribuir a um de seus companheiros de miséria terrestre”.11
Por essas definições se vê que a imprevisão se assenta na fatalidade, num acontecimento passageiro, anormal, que podia ser previsto em tese, mas que rigorosamente seria impossível determinar.
Já a cláusula rebus sic stantibus repousa, como na imprevisão, em acontecimento sobrevindos à feitura do contrato, os quais vêm alterá-lo parcial ou completamente, mas de modo muitas vêzes duradouro, permanente, sem que o seja em virtude de calamidades, como a inflação, a escassez da matéria-prima ou o seu encarecimento excessivo, a falta de elemento humano, a fixação legal de salários altos ou o encarecimento exagerado da mão-de-obra, de modo que o cumprimento da obrigação se torne sumamente oneroso ao devedor e benéfico para o credor. É necessário, assim, que a prestação seja excessivamente onerosa para uma das partes, condição sine qua non.
Daí a razão por que não é possível, em muitos casos surgidos no curso do contrato e que os vêm alterar substancialmente, nos valer do art. 1.058 do Cód. Civil, salvo se se lhe quiser dar uma interpretação ampla, que o histórico de seu conteúdo não comporta.
GEORGES RIPERT entende que, se se pudesse introduzir nas leis positivas regra mediante a qual fôsse possível atender a êsses casos, o faria da seguinte maneira:
Missão do juiz
“O juiz pode ordenar a anulação ou a revisão do contrato primitivo quando, em virtude de circunstâncias que não podiam ser previstas, o devedor viesse a sofrer um prejuízo considerável e a credor tirar um proveito injusto dum contrato não inspirado por um fim de especulação”.
Conclui afirmando que, se se consentisse nesta regra ou noutra equivalente parece que ficaria consagrada na medida do possível a lei moral que proíbe o credor de se enriquecer injustamente à custa do leu devedor.12
Afirma o professor CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA13 que, pelo menos para promover a adaptação dos créditos pecuniários, não é possível à autoridade judiciária fazê-lo sem um dispositivo legal que o autorize.
RAFAEL BIELSA14 também é de opinião que a teoria da imprevisão não pode ser aplicada sem prévia autorização legislativa.
Mas, perguntamos, poderá o juiz ver, impassível, arruinar-se o devedor para obter as mercadorias ou matérias-primas de que carece para o cumprimento do contrato? A viúva sexagenária, que vive do aluguel, pedir esmolas, em face da vertiginosa depreciação de nossa moeda, por ser obrigada a ficar adstrita a um contrato antiga de locação? O construtor de grande obra ficar na miséria em virtude da desmonetização? O concessionário de serviços públicos ir à falência, por não lhe ser possível cumprir o contrato? O credor recebendo uma dívida que não valha a centésima parte do que emprestou? O compromitente-vendedor entregando um imóvel ao outorgado-comprador, com cujo preço não mais poderá adquirir outro igual, a não ser pagando 10 ou mais vezes a importância que recebeu? Não, não é possível, respondemos, uma vez que a função do juiz é exatamente fazer que reine a equanimidade, a justiça, a tranqüilidade, nos casos em que é chamado a intervir; é acudir aos reclamos, aos apelos daqueles que se encontram sofrendo, ou ria iminência de sofrer prejuízos incalculáveis ou no caminho de se arruinarem em prol do enriquecimento de outros, sem justa cauta. O juiz, pois, não pode assistir, como simples espectador, a êsses dramas pungentes que se desenrolam quotidianamente no meio da sociedade e provocados ou ocasionados na maioria das vêzes pela inépcia, por culpa do próprio Estado na administração da coisa pública.15
Se o fizesse, seria falhar à própria missão de que está encarregado. Nem se invoque, para deixar de aplicar tal cláusula, o art. 1.246 do Cód. Civil, porquanto foi êste promulgado num tempo em que se encontrava estabilizada a nossa moeda, em que não havia o curso forçado tal como a vemos hoje, em que se não podia pensar, pois, que os preços fôssem suscetíveis de alteração e o encarecimento do bens de utilidade geral levado, ao auge pelo surto inflacionário no país. Ali só poderia pressupor-se a onerosidade normal e não a excessiva. Além disso tal dispositivo teve como uma de suas principais fontes o art. 1.793 do Cód. Napoleão que, no seu sistema, levou em consideração sempre o caráter irretratável do vínculo jurídico formado. Como acontece na geologia, no sistema legal de um povo há também dispositivos que se estratificam por superposição de causas e coisas que impedem o seu vigoramento, que os põem em estado de inércia, sem fôrça, assim atualizante. Depois, havendo choque entre um princípio geral imanente, tal como é a cláusula rebussicstantibus, e um dispositivo, num mesmo sistema de direito, que brigam entre si quanto à intenção, é lógico que aquêle, por sua própria qualidade, terá a fôrça suficiente de revogar êste. Tal dispositivo, pois, não constitui, nem pode constituir, impedimento à aplicação da cláusula em aprêço.
Nem por não haver dispositivo expresso de lei que o autorize, como querem alguns, porquanto dispõe o art. 4º da Lei de Introdução ao Cód. Civil:
“Quando a lei fôr omissa, o juiz decidirá o caso de acôrdo, com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”.
Disposição idêntica, porém melhor, encontra-se no art. 10 do Cód. Civil suíço:
“A défaut d’une disposition légale applicable, le juge prononce selon le droit coutumier et à défaut d’une coutume, selon les règles qu’il établirait s’il avait acte de législateur”.
Proíbe-se, pois, que o juiz deixe de decidir certos casos por omissão da lei, facultando-lhe até, para que o não faça, a invocação dos princípios gerais do direito.
Razão por que, como princípios gerais de direito, não poderá deixar de invocar e aplicar, pondo de lado a soberania de contrato, o tabu da pacta sunt servanda, a cláusula rebus sic stantibus, como um dos mais salutares, com o fim de se poderem rever os contratos e adaptá-los à realidade dos fatos, sem prejuízo para ninguém.
Não será isso afrontar a vontade contratual e negar validade ao ajuste livremente concluído, mas, sim, fazer que uma parte, ao receber uma contraprestação, não cause prejuízo à outra. Será, sim, implantar a eqüidade, a justiça, na celebração dos convênios, que é o anseio e a finalidade máxima do direito.
O nosso grande edifício econômico-jurídico se encontra profundamente corroído, fato que lhe abala os alicerces, numa ameaça de desmoronamento total.
E êsse agente corrosivo tem sido o regime inflacionário alarmante que reina no nosso país, jamais registrado nos anais de nossa história, em que os devedores se encontram enriquecendo à custa dos credores e os salários estão sofrendo um como pesadíssimo impôsto, cujo produto não está sendo entregue ao Estado, mas aos possuidores de bens, aos intermediários que se enriquecem à custa do suor dos assalariados e dos credores.
Efeitos da inflação
Estamos caminhando mesmo para a hiperinflação ou inflação galopante. Há duas casas iguais, uma ao lado da outra, em que os aluguéis variam de um para 10. Fica o proprietário de uma recebendo Cr$ 100,00 e o de outra, Cr$ 1.000,00, só porque se proíbe o aumento, ou porque se tornaram congelados os preços de locação, esquecendo-se o legislador da desvalorização da moeda. Daí os numerosos casos de despejo em, que se pede a casa para morar, comerciar ou reconstruir, para depois, passado um ano, pô-la novamente em locação, sem se importar com as conseqüências do ato ou mesmo com as despesas dêle decorrentes.
A congelação de preços é possível num país em que exista a estabilidade monetária, em que haja boa moeda, que é justamente aquela com que, no fim de 10 dias, de um mês, de cinco anos, se posa comprar mais ou menos a mesma quantidade de gêneros e mercadorias.
Estamos vendo emprêsas de eletricidade, de transportes, concessionários de serviços públicos, cujos contratos foram realizados para vigorarem par mais de 20 anos adstritos aos mesmos preços dos vigorantes na época em que se celebraram; pobres funcionários aposentados com vencimentos que lhes bastavam para viver regularmente na ocasião em que lhes foram concedidos êsses descansos e que hoje mal lhes dão para o café da manhã; construtores de grandes obras caírem na ruína por não lhes ser possível cumprirem o pacto tal e qual como prometeram; estamos vendo, afinal, que depositar dinheiro a juros no banco é ter prejuízo com êsse mesmo depósito.
Daí não nos ser possível, a nós juízes, fecharmos os olhos a tudo isso, tendo o remédio à nossa frente. Como disse o eminente ministro OROZIMBO NONATO, haveria um choque excessivamente brutal entre o direito e a justiça a eqüidade e a observância cabal das convenções, raro o jurista moderno que se não disponha a extrair da teoria da imprevisão (diríamos da cláusula rebus sic stantibus) conseqüências pelo menos atenuadas e que, em todo o caso, se representam uma restrição ao conceito clássico do contrato”.16
Cláusula móvel de preços
Aconselha-se a outorga de lei com a cláusula da escala móvel, que se vem aplicando em alguns países, e cujo conceito, segundo GEORGE HEBRECHT, é “une clause d’après laquelle le montant de la somme à verser en francs variera suivant le cours d’une monnaie étrangère, du prix d’une clenrée, ou, pius généralement, suivant l’indice dos prix”.17
Por essa escalamóvel tôda a variação fica subordinada ao preço, por exemplo, do dólar, do ouro, do trigo, do café. Variando o preço do café, automàticamente variadas, de acôrdo com êle, se tornam as prestações de diferentes serviços.
A nosso ver, a escala móvel, para poder ser aplicada, deveria apoiar-se no índice geral de preços e não em uma determinada mercadoria ou moeda.
GAEL FAIN não a acha praticável e a condena até, afirmando:
“A un stage avancé de l’inflation, l’échelle mobile apparaît comme la seule formule susceptible de protéger, dans une certaine mesure, les salaires réels. Cependant, les tentativos visant à appliquer, en période d’inflation exponentielle, le principe de l’échelle mobile, sont invariablement votées à l’échec: en premier lieu, pour simple raison que les salaires, s’ils sont ajustés en fonction dos prix, restent nécessairement à la remarque de ces derniers; en second lieu, parce que le fonctionnement de l’échellemobile tend à elargir l’écart existant entre le niveau des prix, car les détenteurs de marchandises, soucieux de ne pas vendre au-dessous de prix futur de remplacement, s’efforcent, en fixant leurs prix de vente, de tenir compte de l’incidence, que les hausses prévisibles des salaires exercent sur les prix de revient”.18
Não resta a menor dúvida de que, para os salários, a fixação dêles por meio de lei, em consonância com os níveis gerais de preços, pode ocasionar como tem ocasionado, círculo vicioso, sem virtude mesmo da inflação proveniente do aumento de salários.
Além disso, se surgir no sentido de aplicação geral, virá à tona a questão da irretroatividade das leis, arrimando-se no conceito do direito adquirido, de situação jurídica concreta, entendendo-se que não poderá atingir os efeitos do contrato:
“Les effets des contrats en cours au jour du changement de législation demeurant déterminés par la loi en vigueur au moment où ils ont formés; une loi nouvelle ne peut ni les modifier, ni les accroître, ni les diminuer”.19
Assim, se semelhante lei surgisse, ficariam sem o seu abrigo numerosos contratos ou obrigações celebrados antes dela, exatamente os que mais necessitariam de sua proteção.
O mesmo não se dará com a cláusula rebus sic stantibus, uma vez que, desde a feitura, é dela imanente em todos os contratos, sem tôdas as obrigações, não se podendo, pois, falar, com relação a ela, em conflitos de leis no espaço.
De mais a mais, sabemos como é moroso o andamento dos projetos de leis e, até que surjam devidamente concretizados, não podem ser deixados sem solução os contratos e obrigações de há muito em vigor e que necessitam de revisão.
Há tempos, por exemplo, que se encontra rolando no Congresso um projeto nesse sentido e sem solução até hoje, da lavra do deputado BILAC PINTO.
Aí estão, pois, as razões por que, no regime inflacionário cada vez mais ascensional no nosso país, numa verdadeira espiral, nós nos batemos pela aplicação da cláusula rebus sic stantibus. Ela pode visar, em certos caos, à resolução do contrato, mas a sua aplicação tem por finalidade mais a revisão dêle, a fim de adaptá-lo às condições existentes no curso de seu cumprimento. Ela, pois, fará com que reine, nas convenções, a Justiça e a Eqüidade, anseio supremo da humanidade na sua luta pela vida e pelo direito.
José Campos, desembargador do Tribunal de Justiça de Goiás.
__________
Notas:
1 LUÍS MARIA REZZONICO, “La fuerza obligatoria del contrato y la imprevisión”, página 8; MIGUEL ANGEL BERÇAITZ, “Teoría General del Contrato”, pág. 71; PLANIOL e RIPERT, “Droit Civil Français”, vol.VI, pág. 545.
2 DALLOZ, “Jurisprudence General”, 76, 1, 193.
3 O princípio tornou-se concretizado no artigo 1.467 do novo Cód. Civil italiano.
4 “O Jornal”, de 5-4-1947.
5 M. VOLKMAR, “La revisión de los contratos por el Juez en Alemania”; JAMES GOLDSCHIMIDT, “Estudios de filosofia jurídica”, página 165.
6 MIGUEL ANGEL BERÇAITZ, “Teoria General de los contratos administrativos”, pág. 76.
7 “Rev. de Direito Administrativo”, vol. 1, pág. 22; “Direito”, vol. I, pág. 34; ARNOLDO MEDEIROS DA FONSECA, “Caso Fortuito e Teoria da Imprevisão”.
8 “REVISTA FORENSE”, vol. 77, pág. 79.
9 MIGUEL ANGEL BERÇAITZ, ob. cit., pág. 334.
10 LACERDA DE ALMEIDA, “Obrigações”, § 36.
11 “O Direito Puro”, nº 94.
12 “A regra moral nas Obrigações”, pág. 161.
13 “Estabelecimento da cláusula da escala móvel nas obrigações em dinheiro”, “REVISTA FORENSE”, vol. 157, pág. 60.
14 “Derecho Administrativo”, vol. 1, pág. 410.
15 “La depreciación monetaria que determinara una excesiva onerosidad ha de considerarse razón suficiente para la demanda de resolución del contrato” (MESSINEO, “Doctrina General del Contrato”, trad. argentina, pág. 380).
16 “Boletim do Instituto dos Advogados Brasileiros”, vol. VIII, pág. 107; “REVISTA FORENSE”, vol. 56, pág. 6.
17 “Stabilisation du Franc et Valorisation des Créances”, pág. 328.
18 “La lutte contre l’inflation et la stabilisation monétaire”, pág. 46.
19 ROUBIER, “Les Conflits de Lois dans le Temps”, vol. II, nº 84.
LEIA TAMBÉM O PRIMEIRO VOLUME DA REVISTA FORENSE
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 1
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 2
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