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Revista Forense
CLÁSSICOS FORENSE
FILOSOFIA DO DIREITO
REVISTA FORENSE
Questão de Fato, Questão de Direito
Revista Forense
24/11/2022
REVISTA FORENSE – VOLUME 155
SETEMBRO-OUTUBRO DE 1954
Semestral
ISSN 0102-8413
FUNDADA EM 1904
PUBLICAÇÃO NACIONAL DE DOUTRINA, JURISPRUDÊNCIA E LEGISLAÇÃO
FUNDADORES
Francisco Mendes Pimentel
Estevão L. de Magalhães Pinto,
Abreviaturas e siglas usadas
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SUMÁRIO REVISTA FORENSE – VOLUME 155
CRÔNICA
DOUTRINA
- A organização e o funcionamento do Poder Judiciário, M. Seabra Fagundes
- Autarquias estaduais e municipais, Carlos Medeiros Silva
- Normas gerais de direito financeiro, Rubens Gomes De Sousa
- As transformações do Direito de família, Lino De Morais Leme
- Nulidades no Direito contratual do Trabalho, Orlando Gomes
- Pressupostos processuais, Ademar Raimundo Da Silva
- A evolução do desvio de poder na jurisprudência administrativa, Roger Vidal
PARECERES
- Mandado de Segurança Contra a Lei em Tese – Ato Normativo – Requisição de Aguardente pelo Instituto do Açúcar e do Álcool, Francisco Campos
- Fideicomisso e Usufruto – Distinção, Carlos Medeiros Silva
- Impôstos – Arrecadação Estadual – Excesso a ser entregue aos Municípios, Aliomar Baleeiro
- Imposto de Renda – Pessoa Jurídica Domiciliada no Estrangeiro – Convenção de Royalties, Rui Barbosa Nogueira
- Contrato Administrativo – Revisão de Preço – Teoria da Imprevisão, Caio Tácito
- Contrato por Correspondência com Firma Estrangeira – Nota Promissória – Requisitos Essenciais, Afrânio de Carvalho
- Advogado – Retirada de Autos de Cartório – Processos Criminais, Evandro Lins e Silva
NOTAS E COMENTÁRIOS
- A conclusão de atos internacionais no Brasil, Hildebrando Accioly
- O Federalismo e a Universidade Regional, Orlando M. Carvalho
- Inelegibilidade por Convicção Política, Osni Duarte Pereira
- Embargos do Executado, Martins de Andrade
- Questão de Fato, Questão de Direito, João de Oliveira Filho
- Fantasia e Realidade Constitucional, Alcino Pinto Falcão
- Da Composição da Firma Individual, Justino de Vasconcelos
- A Indivisibilidade da Herança, Gastão Grossé Saraiva
- O Novo Consultor Geral da República, A. Gonçalves de Oliveira
- Desembargador João Maria Furtado, João Maria Furtado
JURISPRUDÊNCIA
LEIA:
Sobre o autor
João de Oliveira Filho, advogado no Distrito Federal.
NOTAS E COMENTÁRIOS
Questão de Fato, Questão de Direito
Necessidade de ter conceitos claros sobre questão de fato e questão de direito
Muito se fala sôbre questão de fato, sôbre questão de direito; todavia, não encontramos, em nossos tratadistas e em nossa jurisprudência, conceitos claros sôbre essas duas noções.
Entretanto, nada de mais necessário.
A Constituição instituiu o recurso extraordinário para o Supremo Tribunal Federal para julgar novamente as questões decididas em única e última Instância pelos outros tribunais, quando a decisão fôr contrária a dispositivo da Constituição ou a letra de tratado ou lei federal, e quando, na decisão recorrida, a interpretação da lei federal invocada fôr diversa da que lhe haja dado qualquer dos outros tribunais, ou o próprio Supremo Tribunal Federal.
Nega-se, porém, o Supremo Tribunal Federal a tomar conhecimento de recursos extraordinários em que exista sòmente questão de fato. Toma conhecimento ùnicamente dos recursos baseados em questão de direito.
Quando a sentença se abaliza com resolver simples quaestio facti, sem ofensa de qualquer lei, caso não é de recurso extraordinário com fundamento na letra a, nº III, do art. 101 da Constituição, decidiu o Supremo Tribunal Federal (acórdão in “Jurisprudência”, Imprensa Nacional, vol. XIII, pág. 210).
Tratava-se de se saber se a morte proviera do acidente que o operário sofrera.
O juiz resolvera que não, sem negar aplicação a qualquer lei federal, baseado em perícias médicas fundamentadas e concludentes.
Outro acórdão do Supremo Tribunal Federal decidiu que questão de fato está fora do alcance do recurso extraordinário, luas sua qualificação jurídica em contrário à lei ou à jurisprudência justifica o conhecimento de tal recurso.
Certo dia chuvoso, um entregador de mercadorias adquiriu pneumonia, que degenerou em tuberculose e de curso rápido, vindo a falecer. Discutiu-se se a tuberculose conseqüente à pneumonia adquirida no trabalho seria doença, profissional. Conheceu-se do recurso, negou-se-lhe, porém, provimento (“Jurisprudência Cível”, 1947, vol. III, pág. 98).
Conhecimento do recurso extraordinário
2. O eminente PEDRO LESSA dava critério objetivo para o conhecimento do recurso extraordinário.
Costuma, dizia êle, o Supremo Tribunal Federal, sempre que se alega que de qualquer modo não foi aplicada uma lei federal, tomar conhecimento do mesmo, e negar-lhe provimento, quando verifica, ao julgar de meritis, que bem resolvida foi a questão pela Justiça local.
Por essa jurisprudência, a simples alegação de que não se aplicou a lei federal, sem nenhum fundamento, sem nenhuma prova, sem ter cabimento algum o recurso, faz que a forma do julgamento seja – conhecer do recurso e negar-lhe provimento o que parecia ao eminente juiz que estava de pleno acôrdo com a lógica jurídica.
Desde que o recorrente alegou que uma lei federal não foi aplicada, ao Tribunal Superior cumpre estudar a matéria e averiguar se, realmente, se realizou a hipótese alegada, ao passo que, se o próprio recorrente, ao fundamentar o recurso, em vez de alegar a não aplicação de uma lei federal, declara, por exemplo, que a sentença recorrida é injusta, porque apreciou mal a prova, ou julgou provado o que não o está, a forma do julgamento é não tomar conhecimento do recurso, por não ser caso dêsse remédio judicial extraordinário (“Do Poder Judiciário”, páginas 121-122).
Aplicação da lei, sendo em espécie, supõe os têrmos processuais da questão
3. Por sua vez, o eminente ministro CASTRO NUNES considera que a aplicação da lei, sendo em espécie, supõe os têrmos processuais da questão.
Quando se diz que o Supremo Tribunal, no julgamento do recurso extraordinário, não julga questões de fato nem aprecia provas, expressa-se uma verdade, um postulado da teoria dêsse recurso.
Mas, cumpre entender em têrmos, observa, – essa abstenção: o Tribunal Supremo não julga os fatos, não julga das provas produzidas, aceita estas como aquêles, nos têrmos em que o pós o julgado recorrido.
Não se abstrai dêsses elementos quando a regra legal assenta num pressuposto de fato, reconhecido como provado, ou não controvertido nos autos.
Em tais casos, não é possível declarar o direito sem o fato que o condiciona.
Se o julgado local não teve como provado o fato, por ausência ou defeito de prova, falta ao direito invocado um pressuposto que ao Supremo Tribunal não cabe apreciar nem estabelecer, porque soberana é, nessa parte, a Justiça local.
Mas, se acêrca do fato não se controverteu ou se o julgado local liquidou a controvérsia, não há como deixar de julgar a questão de direito porque esta envolva um pressuposto do fato (“Teoria e Prática do Poder Judiciário”, 1ª ed., páginas 357-358).
4. Num caso, citado pelo eminente CASTRO NUNES (ob. e loc. cits.), em que, com fundamento no art. 567 do Código Civil, a Justiça local não teve por alodial um terreno que, na ausência de prova do domínio direto, teria de ser havido como tal, entendeu o Supremo Tribunal não caber o recurso extraordinário fundado no inciso a, dizendo: “A questão é de prova e de interpretação de regras de direito, e, em apreciar aquela e buscar a inteligência desta, soberana é a autoridade das justiças locais”.
5. Em muitos julgados o Supremo Tribunal Federal tem manifestado seu pressuposto.
Mera questão de prova apreciada pela Justiça local não dá motivo ao recurso extraordinário (“REVISTA FORENSE”, volume 88, pág. 140).
Não comporta recurso extraordinário o julgamento que se limita a interpretar cláusula contratual, para dizer, por exemplo, que ela incide na censura legal do art. 115 do Cód. Civil, por subordinar um dos contratantes à vontade imperativa do outro (“REVISTA FORENSE”, vol. 92, página 696).
A apreciação da prova é defesa ao Tribunal no conhecimento do recurso extraordinário (“Arq. Judiciário”, volume 73, pág. 10).
Não se conhece do recurso extraordinário quando o Tribunal local, limitando-se a simples exame dos fatos e apreciação das provas, decidiu pela procedência da ação possessória (“Arquivo Judiciário”, vol. 73, pág. 437).
Exame da prova
6. Confina, porém, com êsse assunto do exame da prova o da qualificação legal que se dê a um fato.
Pressuposto o fato, muitas vêzes, da aplicação ou da interpretação da lei da mesma forma que não deve ser admitida a interpretação que anule a lei, que diga o contrário do que o legislador estatuiu, que leve o intérprete a não reconhecer a um dos contendores judiciais o direito que a lei federal lhe concede (PEDRO LESSA, ob. cit., pág. 11), assim também a decisão judicial de única ou última instância não pode relegar o fato, sem cuja admissão a lei fica anulada, sem cuja fixação a sentença dirá o contrário do que a lei estatuiu, sem cuja verificação o juiz é levado a não reconhecer a um dos contendores judiciais o direito que a lei federal lhe concede.
Tem, outrossim, que, ser atendida a observação do ministro CASTRO NUNES (ob. cit., pág. 384), adotada em acórdão, que citamos, do Supremo Tribunal Federal.
Os fatos são recebidos pelo Supremo Tribunal Federal conforme os apresenta a decisão recorrida. Mas as deduções jurídicas dos fatos assim fixados não lhe ficam defesas em dadas hipóteses.
Êsse entendimento é pacífico na jurisprudência’ da Côrte de Cassação, em França.
É a qualificação legal dos fatos, na hipótese do recurso por violação da lei.
Também lá a Côrte não examina os fatos e provas, nem interpreta convenções ou testamentos.
Mas admite o recurso (pourvoi) “dès qu’il s’agit d’apprécier le caractère legal de ces faits et d’en tirer les consequences de droit qu’ils contiennent”.
Defeito de base legal e defeito de motivo
7. Conforme FABREGUETTES, não se deve confundir defeito de base legal com defeito de motivo (“L’art de jugés”, página 336).
Havia uma fórmula antiga para o defeito de base legal, – “n’a pas donné de base légal à sa décision”, hoje substituída por outra mais justa, no sentir de FABREGUETTES – “n’a pas légalement justifiée sa décision”.
Em 10 hipóteses diferentes de falta de base legal, que são outras tantas hipóteses de questões de direito, podemos apreciar aquela distinção:
a) Os fatos expostos pelo juiz não apresentam o caráter legal que permite a aplicação do texto da lei.
b) A decisão atacada negligenciou em dar ao fato, que ela expõe, uma precisão suficiente para permitir contrastear a aplicação feita da lei.
c) Foi dado motivo inoperante, que deixa subsistir a questão em litígio, seja que haja êrro do juiz, que mal a compreendeu, seja que o juiz tenha julgado o exame inútil, em virtude da solução que deu, baseado em outro ponto.
d) Os motivos da decisão atacada são concebidos em têrmos muito gerais ou muito vagos, para permitir à Côrte de Cassação de exercer seu contrôle.
e) A decisão atacada omitiu de se explicar sôbre uma alegação de fato que, reconhecida verdadeira, teria sido de natureza a mudar a decisão.
f) A complexidade do motivo determinante da decisão não permite de distinguir se o juiz se pronunciou sôbre fato ou sôbre direito.
g) As disposições legislativas visadas não são as únicas à luz das quais os fatos provados pudessem ser apreciados.
h) A disposição ou as disposições visadas não são as disposições legislativas aplicáveis aos fatos constatados.
i) Atribui-se errôneamente autoridade de coisa julgada a um despacho interlocutório.
j) A decisão se apóia sôbre um fato que declara estar no laudo do perito, sem nêle se achar.
Em todos êsses casos há uma questão de direito.
O direito está nas realidades, não está nas palavras.
Não podem as palavras se permitir, em nenhum caso, de deformar as realidades (HENRIQUE PAGE, “Traité Elémentaire de Droit Civil”, tomo II, nº 468).
É tão grave a deturpação do fato para a lesão do direito, como a defeituosa interpretação do texto para a sobrevivência da lei.
Em todo raciocínio do juiz a lei é um dos têrmos do silogismo, diz DUPIN, citado por FABREGUETTES.
O outro têrmo é o fato.
A interpretação que anula a lei, a que diz o contrário do que o legislador estatuiu, a interpretação que leva o intérprete a não reconhecer a um dos contendor judiciais o direito que a lei federal lhe concede, é igual, nos seus efeitos, à impressão que o juiz dê ao fato, tirando-lhe o caráter legal, que êle tenha, não lhe dando precisão bastante para permitir à instância superior de controlar a aplicação que foi feita da lei, não lhe permitindo distinguir se o juiz decidiu de fato ou de direito.
8. Entende-se como questão de fato, escreve SEABRA FAGUNDES (“Dos Recursos Ordinários em Matéria Civil”, página 293), aquela que diz respeito à constituição material do que se afirma ou se nega.
Considera, em nota, que não é fácil extremar as questões de fato das de direito.
Quase sempre os elementos “fato” (ocorrência material) e “direito” (norma aplicável) se entrelaçam sutil e imperceptivelmente, embaraçando o intérprete (CLARENCE MORRIS, “Law and Fact”, em “Harvard Law Review”, vol. 53, páginas 1.313 e 1.314).
Haja vista as dificuldades a que o recurso extraordinário tem dado ensejo ao formular-se a distinção entre matéria meramente de fato e matéria de direito.
Confusão entre questões de fato e questões de direito
Dividem-se as opiniões e não raro se consideram questões de fato aquelas a que muitos classificariam como de direito e vice-versa.
Continuando, o eminente SEABRA FAGUNDES acentua que a questão de fato assenta necessàriamente na prova.
Entretanto, observa, deve ressaltar-se que, se tôda questão de fato assenta na prova, a recíproca não é verdadeira, isto é, nem tôda questão que assenta na prova é de fato.
Há questões de direito também pertinentes à prova.
Tais as em que se discute a validade jurídica do instrumento como meio probatório, pela significação legal dos defeitos que revista, quanto às formalidades, vícios da vontade, etc.
9. A Constituição do Império do Brasil, estabelecendo que o poder judicial seria composto de juízes e jurados, determinou que os jurados se pronunciariam sôbre o fato e os juízes aplicariam o direito.
PIMENTA BUENO comentou que em todo julgamento há, sem dúvida, duas operações, duas questões distintas, a do fato e a do direito.
A primeira é uma contestação pura e simples, que não demanda senão o bom senso e a sincera expressão da convicção pessoal; a segunda demanda conhecimentos profissionais, a ciência e inteligência das leis, o reconhecimento da disposição, do direito que, literal ou implicitamente, previu a hipótese dada.
São apreciações de ordem diversa e é uma grande vantagem o separar o seu pronunciamento.
O abuso é fácil desde que a apreciação dessas duas questões venha a depender da inteligência e vontade de um mesmo indivíduo; pelo contrário, quando o juiz tiver de dirigir-se e aplicar a lei por modo conseqüente com a decisão preliminar, seu poder nada terá de temível. As questões de fato, em matéria cível, são muitas vêzes complexas e difíceis; em matéria criminal porém, não há êsse inconveniente, e esta é a parte que ainda mais interessa à sociedade.
Em conclusão, dizia o MARQUÊS DE SÃO VICENTE, a nossa sábia Lei Fundamental delegou o poder judiciário aos juízes e jurados, e nisso procedeu com alta inteligência, justiça e previsão; seria germe abençoado que algum dia daria abundantes e salutares frutos. Essas previsões, porém, do preclaro PIMENTA BUENO ainda não se realizaram.
Na Justiça Trabalhista, paritária, teria sido possível.
A confusão, porém, já se estabeleceu.
É no crime, só para alguns delitos, que o juiz de fato, o júri, permaneceu separado do juiz de direito, o magistrado; nos outros, o juiz de fato e o juiz de direito ficaram concentrados em uma só pessoa, o juiz criminal.
10. Aquêle desejo de PIMENTA BUENO correspondia ao desejo que, na Roma antiga, os romanos manifestavam, quando reclamavam mudança no regime das legis actiones.
A extrema sutileza dessas legis actiones, o seu excessivo formalismo, os seus perigos, tornaram-nas universalmente odiosas (SERAFINI, “Istituzioni di Diritto Romano”, 2ª ed., vol. I, pág. 224).
Abolidas pela lei Aebutia e pelas duas leis Júlias, introduziu-se o processo formulário ou per formulae.
O magistrado, em princípio o rei, depois o pretor, redigia a “fórmula”, em seguida à exposição e pedido das partes, a fim de que servisse de guia e de instrução para o juiz encarregado do exame e da decisão da controvérsia. Nas “Institutas” de GAIO são referidas fórmulas, na redação das quais havia cuidado extremo.
Nelas figuram Aulo Agério e Numério Negídio.
São os nomes esquemáticos em lugar de autor e réu; o primeiro é tirado de altere, o outro de negare.
Aulo Agério vende a Numério Negídio um escravo por 10.000 sestércios.
Não querendo N. Negídio pagar o preço, A. Agério cita N. Negídio para comparecer diante do pretor, ao qual expõe sua demanda.
O pretor, ouvidas as razões de Agério e as exceções de Negídio, envia-o ao juiz Lúcio Tício, com a seguinte fórmula: “Lúcio Tício será juiz. Pôsto que Numério Negídio comprou de Aulo Agério um escravo, em tudo quanto parecer Numério Negídio deva dar ou fazer em seguida a tal contrato a Aulo Agério, inclusive a boa-fé, condena Numério Negídio em favor de Aulo Agério; porém se nada lhe parecer dever Numério Negídio absolva-o”.
“Lucius Ticius judex esto. Quod Aulus Agerius Numerio Negidio hominem vendidit, quidquid ob eam rem N. Negidium A. Agerio dure facere oportet ex fide bona, tanti index N. Negidium A. Agerio condemna, si non paret, absolvito”.
Fórmulas
11. Ora, duas grandes divisões de fórmulas foram encontradas nos antigos, diz MAYNZ, e que na legislação de JUSTINIANO já não vieram oferecer senão um interêsse histórico, ou sejam, as formulae in jus, ou in factum conceptae, e as formulae vulgares, e as non vulgaris.
GAIO limita-se a dizer que as primeiras in ius são aquelas in quibus de jure agitur e que tôdas as outras são in factum conceptae.
Nas primeiras, o demandista fundava sua demanda sôbre aquilo que lhe competia em virtude do ius civile, e o juiz tinha que examinar se as condições exigidas para êsse fim se encontravam reunidas na espécie (MAYNZ, “Droit Romain”, tomo I, pág. 503).
A fórmula assim instituía o juiz, determinava as questões que tinha êle de resolver e os princípios de direito que deveria aplicar; traçava hipotèticamente a condenação que devia ser pronunciada e conferia, para êste fim, ao juiz os poderes, ora limitados, ora ilimitados; enfim era, à uma, instrução destinada a guiar o juiz na procura da verdade e uma verdadeira sentença subordinada à verificação do ponto de fato e do ponto de direito a esclarecer (BONJEAN, “Institutes de Justinien”, tomo 2, pág. 674).
12. As partes de uma fórmula eram a demonstratio, a intentio, a adjudicatio e a condemnatio.
A adjudicatio aparecia quando o juiz deveria, dadas as condições, atribuir a propriedade de uma coisa ao demandista.
Tomando-se para exemplo uma ação de depósito, Aulus Agerius demanda a Numerius Negidius uma mesa de prata que lhe confiou em depósito, e, na falta de restituição, uma indenização pecuniária.
Vamos ver as duas fórmulas, a de direito e a de fato.
Fórmula in ius concepta: “Judex esto. Demonstratio: Quod Aulus Agerius apud Numerium Negidium mensam argenteam deposit, quod de re agitur. Intentio: Quidquid ob eam rem Numerium Negidium Aulo Agerio dare facere opertet ex fide bona ejus. Condenatio: Id judex Numerium Negidium Aulo Agerio condemnato; si non paret absolvito”.
A fórmula in factum concepta sôbre essa demanda é outra: “Judex esto. “Demonstratio” e “intentio” fundidas: “Si paret Aulum Agerium apud Numerium Negidium mensam argenteam deposuisse eamque dolo Numeri Negidii Aulo Agerio redditam non esse. Condemnatio: “Quanti ea res arit, tantam pecuniam judex Numerium Negidium Aulo Agerio condemnato, si non parit, absolvito”.
Nas segundas, isto é, na fórmula factum concepta, a condenação era fundada sôbre a eqüidade resultante dos fatos da causa.
O magistrado não ordenava que, se ao juiz parecesse, condenasse, mas condenasse, se os fatos alegados fôssem verdadeiros.
13. São, portanto, transladações do processo formulário do direito romano as expressões quaestio facti e quaestio juris, retiradas das fórmulas in ius ou in factum conceptae, para serem aplicadas como índices para o não conhecimento do recurso extraordinário (quaestio facti) ou para o seu conhecimento (quaestio juris).
14 Mr. “Justice” BRANDEIS, da Côrte Suprema dos Estados Unidos, dizia que: “The supremacy of law demands that there shall be opportunity to have some court decide whether an erroneous rule of law was applied; and whether the proceeding in which facts were adjudicated was conducted regularly” (Concurring in St. Joseph Stoctk Yards Co. v. United States, 298 U. S. 2T, 84; SAMUEL J. KONEFSKY, “The Constitutional World of Mr. Justice Frankfurter”, pág. 303).
Essa Côrte, tanto nos Estados Unidos, como no Brasil, é a mais alta do país; lá, a Suprema Côrte; aqui, o Supremo Tribunal Federal; lá, por meio do writ of error, que é uma espécie do nosso agravo de instrumento; aqui, por meio do “recurso extraordinário”, que é uma forma de apelação para terceira instância.
Verifica quando uma regra de direito é errôneamente aplicada, e constata se a verificação dos fatos foi feita regularmente.
Questões de direito
São questões de direito.
Suponhamos o fato da despedida injusta de um empregado.
Verificará, como questão de direito, o Supremo Tribunal Federal, se os elementos da despedida foram regularmente verificados.
Verificará a carta de despedida, se houve.
Verificará a despedida, se foi referida por testemunhas.
A questão que se levante sôbre a autenticidade da carta ou sôbre a idoneidade das testemunhas, é questão de direito. Não havendo nenhuma questão sôbre êsse assunto, a conclusão do juiz – ter sido despedido o empregado, é questão de fato.
É questão, outrossim, de direito qualificar a prova.
Não se contesta nenhum documento apresentado.
Não se contesta nenhum testemunho trazido para os autos.
Um tribunal qualifica a prova de despedida.
A parte qualifica a prova de sucessão de propriedade da emprêsa.
É uma questão de direito.
Trata-se da qualificação jurídica de um fato.
Numa ação de investigação de paternidade, o juiz qualifica a prova de incompleta para o conceito de concubinato.
O Tribunal Superior resolverá a questão de direito do conceito de concubinato que esteja caracterizado nos elementos da prova.
Duas testemunhas são contestes quanto a um fato; o juiz, porém, entende que duas testemunhas não bastam; temos aí uma questão de direito, não uma questão de fato.
O juiz expõe sua convicção de acôrdo com elementos do seu conhecimento, não existentes, porém, nos autos; a parte levanta a questão de saber se o juiz pode formar sua convicção de acôrdo com elementos extrínsecos ao processo, ou se de acôrdo com os fatos e circunstâncias constantes do processo, ainda que não alegados pela parte; é questão de direito, não é questão de fato.
O juiz condena o réu a pagar certa quantia a despeito de recibo de plena e geral quitação, que exibe; a parte condenada reclama e sua reclamação trata de questão de direito, saber qual o efeito da expressão “plena e geral quitação”.
O critério de BRANDEIS é muito esclarecedor e tem suas raízes romanísticas nos conceitos da quaestio facti e da quaestio juris.
Questões de fato
15. Se, porém, procurarmos verificar em que casos, de ordinário, ocorre o caso de questão de fato e de questão de direito vamos ver que se dá naqueles em que o direito positivo usa de um têrmo geral, para cujo conceito são necessários diversos elementos. Procurar-se nos autos êsses elementos, é questão de direito. Por outras palavras, verificar-se se na sentença êsses elementos foram tidos por provados, é questão de direito. Pesquisar-se nos autos a prova de cada um dêsses elementos, é questão de fato. Não é questão de fato procurar-se na sentença se os pressupostos para o direito estão provados. Examinar, porém, a prova feita de cada um dêsses elementos, para se concluir por sua existência, é questão de fato.
Corramos um pouco o Cód. Civil para algumas hipóteses esclarecedoras da proposição.
O nascimento com vida é um fato, cuja conseqüência jurídica é a aquisição pelo homem da personalidade civil.
Há os fatos que constituem o nascimento.
Há os fatos que constituem a vida.
Provam-se todos os fatos do nascimento, – expulsão do feto do útero, saída do corpo da criança para fora do corpo da mãe.
Provam-se todos os fatos da vida. Ingestão de ar nos pulmões. Modificação do sangue. Ossificação de alguns pontos do esqueleto.
Êsses fatos precisam de provas.
Julgar que êles estão provados, é uma coisa.
É a quaestio facti.
Julgar que êsses fatos deram a personalidade civil, é outra.
É a quaestio juris.
Se os fatos não são contestados, se êsses fatos em conjunto são a vida, não há como retirar do homem nascido a sua qualificação jurídica, – a personalidade civil.
Os atos de transmissão gratuita de bens, quando os pratique o devedor insolvente, poderão ser anulados pelos credores quirografários como lesivos dos seus direitos.
Há um documento de transmissão gratuita de bens.
É um fato.
Dizer que uma transmissão gratuita de bens não o seja, isto é, julgar que é uma transmissão onerosa, não é uma questão de fato, mas de direito.
Trata-se de definição jurídica do que seja transmissão gratuita em contraposição à transmissão onerosa.
É lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver.
No registro de casamento êles declaram que o regime é da separação de bens.
Julga-se, porém, que o regime é o da comunhão, porque não se realizou por escritura pública.
Não é uma questão de fato, é uma questão de direito, isto é, trata-se de saber o que se entenda por escritura pública, se é sòmente o ato lavrado por tabelião, ou se será também escritura pública o ato lavrado pelo oficial de registro civil.
A doação verbal será válida se, versando sôbre bens imóveis e de pequeno valor, se lhe seguir in continenti a tradição.
Uma pessoa faz doação a outra de certo bem e no ato lhe faz entrega.
A donatária, porém, deixa aquela coisa na casa do doador.
Falece o doador.
O donatário vai buscar a coisa, negando-se-lhe, porém, a entrega.
Os fatos ficam provados.
Finalpag. 505
Não se trata de questão de fato.
Trata-se de questão de direito, saber o que seja tradição.
Seria questão de fato saber se o bem era de pequeno valor.
Seria questão de fato indagar-se se foi feita a entrega.
A qualificação jurídica dessa entrega é questão de direito.
É nulo o título, em que o signatário, ou emissor, se obrigue, sem autorização de lei federal, a pagar, ao portador, quantia certa em dinheiro.
Certa pessoa apresenta um “vale”, dêsses comuns de retirada de caixa, – “vale a importância de tantos cruzeiros”.
Será questão de fato apurar-se a autoria dêsse “vale”.
Será questão de direito decidir-se se êle é um título em que o emissor se tivesse obrigado a pagar ao portador certa quantia em dinheiro.
Assim com o conceito de sucessão de emprêsa.
Há um documento de venda dos móveis ou aviamentos de um colégio.
Há um documento de locação do imóvel para funcionamento do colégio.
Há documento em que o comprador dos móveis e locatário do prédio faz contrato com outro colégio para ali manter um estabelecimento de ensino.
Há documentos que mostram que os alunos, os empregados, os professôres ficaram os mesmos.
Provar cada qual dêsses fatos, são questões de fato.
Decidir-se, porém, que êsses fatos se qualificam com a figura de sucessão, não é questão de fato, é questão de direito.
Importa em saber o que em direito se entende por sucessão, isto é, em saber quais em direito os fatos que, reunidos, significam sucessão.
16. A qualificação jurídica dos fatos é que forma a quaestio juris.
Decidir se um fato está ou não provado, questão de fato é; decidir se êsse fato tem esta ou aquela qualificação, questão de direito é, não questão de fato.
O pretor romano, nas questões de fato, ou nas fórmulas quaestio facti, mandava que, apurado o fato, qual constava na fórmula, a condenação fôsse dada nos têrmos da fórmula.
Nas questões de direito, isto é, nas formulae quaestio juris, fixava o princípio de direito, em que existia um fato como pressuposto, mandando que, de acôrdo com êsse princípio, o fato produzisse o resultado constante da condemnatio da fórmula.
17. A Constituição estabelece que o Supremo Tribunal Federal julgará em recurso extraordinário as causas decididas em única ou última instância por outros tribunais ou juízes.
Julgar em recurso extraordinário significa devolver-se a êsse Tribunal o pleno conhecimento da causa, se o pressuposto para a sua admissão fôr aceito pelo Tribunal.
O Tribunal aceita, ou recebe, ou conhece, o recurso extraordinário. Passou a ter jurisdição para julgar a causa em sua integralidade.
Na vigência da Constituição de 1891 o Supremo Tribunal Federal não tinha competência para julgar a causa decidida em única ou última instância pelos outros tribunais ou juízes.
Das sentenças das justiças dos Estados em última instância haveria recurso para o Supremo Tribunal Federal quando se questionasse sôbre a validade ou a aplicação de tratados e leis federais e a decisão do Tribunal do Estado fôsse contra ela; quando se contestasse a validade de leis ou de atos dos governos dos Estados em face da Constituição, ou de leis federais, e a decisão do Tribunal do Estado considerasse válidos êsses atos ou essas leis impugnadas.
Com a reforma de 1926, o sistema da Constituição permaneceu o mesmo, ajuntando-se algumas outras hipóteses.
Com a Constituição de 1934, entretanto, já o Supremo Tribunal passou a ter competência para julgar a causa.
Não se tratava mais, como na Constituição de 1891, de julgar a questão federal.
A questão federal era o motivo da entrada da causa para a jurisdição do Supremo Tribunal.
A causa passava então a ser julgada em sua plenitude. Êsse o sistema da Constituição de 1946.
Correta, conseqüentemente, a doutrina de que, uma vez conhecido o recurso extraordinário, o Supremo Tribunal torna-se instância julgadora da causa sem limitação da questão federal. Julga a causa como em apelação.
A questão federal é um pressuposto da abertura dessa jurisdição, como pressuposto da jurisdição da segunda instância é que a parte tenha recorrido em tempo.
Sob a Constituição de 1891 seria exata a impressão dada pelo eminente FRANCISCO CAMPOS.
“Limitada a jurisdição”, dizia êle (“Direito Constitucional”, pág. 228), “da
Côrte Suprema, nas causas de competência da Justiça local, apenas à questão de direito, sob algumas das espécies precisamente definidas pelo art. 76, 2°, nº III, da Constituição federal, a sua decisão deve restringir-se exclusivamente ao julgamento da questão de direito, não podendo envolver quaisquer outras questões suscitadas na causa e, portanto, as questões de fato”. “Estas, com efeito”, dizia o jurista, “não são questões federais”.
De acôrdo com essa opinião, estavam certas as decisões que o jurisconsulto citara.
“Escapam por completo à sua competência, rigorosamente estabelecida pela Constituição federal, o exame da prova e da interpretação do verdadeiro sentido dos documentos exibidos pelas partes”, julgou o Supremo Tribunal Federal, como julgou, outrossim, que sua missão ficaria “circunscrita a averiguar se a lei federal foi desprezada ou deixou de ser aplicada pela Justiça local, não lhe cabendo decidir se a prova foi bem apreciada pelos juízes regionais”.
Hoje, porém, sob a Constituição de 1946, que estabelece a questão federal ùnicamente como preliminar para se fixar a jurisdição do Supremo Tribunal Federal para julgar a causa decidida em última ou única instância pelos outros tribunais, a impressão exata é a do ministro OROZIMBO NONATO, manifestada em diversos acórdãos, sintelizada, porém, com bastante precisão no rec. ext. número 14.893, de São Paulo.
Referira-se o ministro ROCHA LAGOA, votando nesse recurso, à opinião de FRANCISCO CAMPOS. Achara que não poderia o Supremo Tribunal Federal entrar no julgamento da questão.
Esclarecera-lhe então o ministro OROZIMBO NONATO, em palavras precisas, a nova situação criada pela Constituição de 1946.
“Entendo”, disse S. Ex.ª, “que, conhecido o recurso e superada a preliminar, impossível é destacar a quaestio facti da quaestio juris”.
Uma vez que a preliminar é vencida, o Tribunal tem, pela letra da lei constitucional, de julgar a causa e impossível é o julgamento da causa sem o exame de fato, de que nasce o direito: ex facto jus oritur.
Referindo-se à opinião do ministro ROCHA LAGOA, disse que a opinião de S. Ex.ª estaria de acôrdo com a de FRANCISCO CAMPOS e, ainda, com a de CASTRO NUNES. “Não me acurvando a êsse douto ensinamento, tenho que o julgamento da causa impõe, ainda no recurso extraordinário, o exame de fato”.
18. Muito se fala de que o nosso recurso extraordinário. é igual ao writ of error americano.
A Constituição americana, porém, não deu à Suprema Côrte a jurisdição que a nossa, desde 1891, vem dando ao Supremo Tribunal Federal.
No art. III, Seção 2, a Constituição americana declarou que a jurisdição que a Suprema Côrte teria nos casos em que não era de primeiro grau, seria de apelação, tanto de direito como de fato, com as exceções e regulamentos que ao Congresso aprouver estabelecer.
“In all the other Cases before mentioned, the Supreme Court shall have appellate jurisdiction, both as to Law and Fact, with such Exceptions, and under such Regulations as the Congresso shall make”.
A nossa Constituição foi de diferente parecer.
O Supremo Tribunal Federal teria a sua competência fixada pela Constituição.
Nenhuma lei do Congresso poderia estendê-la ou encurtá-la.
Nem poderia estabelecer que a lei desse ao Supremo Tribunal Federal, para uns casos, julgamento de direito, e, para outros, julgamento de fato.
A Constituição de 1891 deu jurisdição para os julgamentos das questões federais que enumerava.
A Constituição de 1934, seguida pelas Constituições de 1937 e 1946, deu jurisdição para julgar as causas em que as questões federais enumeradas devolvessem ao Supremo Tribunal Federal a jurisdição plena sôbre as causas decididas em única ou última instância pelos outros tribunais.
Há de se notar que nos Estados Unidos há distinção entre o julgamento do fato e o julgamento do direito.
A aproximação dêsse sistema do sistema formulário romano é notável.
Fazendo uma análise das funções das Côrtes de Justiça, W. F. WILLOUGHBY (“Principles of Judicial Administration”, pág. 211) coloca as seguintes em primeiro lugar, “I. Investigate and determine facts, 2. Apply the law to the facts as thus determined”.
Para isso existem côrtes ou tribunais para investigação e acertamento dos fatos e côrtes ou tribunais para a aplicação da lei aos fatos acertados.
É de primeira importância, diz WILLOUGHBY, distinguir entre o trabalho feito pelas côrtes, investigando e determinando os fatos e o trabalho feito interpretando e aplicando as leis aos fatos.
“It is of prime importance to and determinating fact and that donc interpreting and applying the law to these facts”.
Os fatos, uma vez determinados, começa então a função de outra côrte ou tribunal, a aplicação de leis existentes a tais fatos: “In them the courts decide what is the application of existing law to the facst” (ob. cit., pág. 214).
O Judiciary Act, que organizou o Poder Judiciário nos Estados Unidos, não deu à Suprema Côrte a jurisdição para julgar os fatos.
Os fatos seriam, como são, acertados pelos tribunais de apelação.
Por isso, a Suprema Côrte repele o conhecimento dos fatos.
“Findings of facts are conclusive upon the Supreme Court of the United States on writ of error to a State Court”.
“The decisions of state courts upon questions of fact are not reviewable by writ of error to those courts from the Supreme Court of the United States”.
Citamos duas decisões para identificar a situação distintiva entre julgamento de direito, que pertence a certas côrtes, e julgamento de fato, que pertence a outras.
Mas, deve-se prestar atenção que na hipótese em que a questão federal esteja envolvida na questão de fato, torna-se a jurisdição da Suprema Côrte extensiva ao julgamento do fato.
“In actions at law this court had jurisdiction to revise the decision of the highest court of a state upon a jure question of fact, although a federal question might arise if the questions of fact were decided in a particular way”.
19. No Brasil, o recurso que tinha relação com o writ of error americano era o recurso de revista, que a Constituição do Império criara no art. 164, § 1º.
Ficara da competência do Supremo Tribunal de Justiça conceder ou denegar revista nas causas e pela maneira que a lei determinasse.
Estabelecera-se como regra fundamental a ser observada que o Supremo Tribunal de Justiça não julgaria os fatos, o fundo da causa, sim as sentenças, e só na relação delas com a lei (PIMENTA BUENO, “Direito Público”, pág. 371).
Pela lei, ficara claro que o Supremo Tribunal de Justiça não fôra instituído como uma terceira instância, dizia PIMENTA BUENO, para estudar os fatos, ou para apreciar as provas, sim e só para manter o império da lei, a sua plena observância, a unidade de seus preceitos, a uniformidade da jurisprudência.
Trabalharia só no império da lei e não no domínio material das questões privadas, julgando da inteligência dela na sua região pura, geral e abstrata e sem consideração aos fatos; quanto a êstes, os tribunais de segunda instância tinham jurisdição exclusiva e soberana.
Em conseqüência, o Supremo Tribunal de Justiça aceitaria os fatos e as provar tais quais fôssem apreciados pelos tribunais de que se recorre; seu exame consistiria em verificar se a tese da lei foi respeitada e conseqüentemente aplicada como devia ser aos fatos assim, e tais quais qualificados (PIMENTA BUENO, ob. cit., página 372).
O writ of error é uma ordem para fazer subir ao Tribunal Superior um processo no qual deva ser feito um exame de certos erros alegados e que tenham sido cometidos.
É originário da common law e era usado para rever alegados erros de direito (“BLACK’s Law Dictionnary”, verbis “Writ of error”).
Na Constituição de 1946, segundo tradição da primeira Constituição republicana, não se estabeleceu o recurso de revista para o Supremo Tribunal Federal, e se, pela Constituição de 1891, o Supremo Tribunal Federal só tinha jurisdição para o julgamento da questão federal, pela de 1946, seguindo o estabelecido pelas Constituições de 1934 e 1937, devolveu-se o julgamento das causas ao Supremo Tribunal Federal nos casos em que a sua jurisdição ficasse estabelecida pelos casos nela especificados.
20. Conhecido um recurso extraordinário, não há lugar para se dizer que uma alegação de sucessão de emprêsa não envolva apreciação de aspecto jurídico relevante, capaz de merecer a intervenção da instância do Supremo Tribunal Federal.
Prender-se-ia a solução dêsse ponto a fatos e documentos, que o julgador teria considerado com a amplitude de ação que lhe seria própria, sem vulneração de preceito legal.
Sucessão
Conhecido um recurso extraordinário, em que não foram postos em dúvida os fatos de venda dos móveis ou do aviamento de um colégio, da locação do prédio em que êsse colégio funcionava, da locação dos móveis e da sublocação do mesmo prédio a um outro colégio, da continuação do curso no mesmo local, com os mesmos alunos, os mesmos professôres, os mesmos empregados, de ter o govêrno federal autorizado a continuação dos cursos sem exigir inspeção prévia necessária para colégio novo, de ter o govêrno federal autorizado a mudança do nome do colégio sucessor pelo colégio sucedido, a jurisdição do Supremo Tribunal Federal passou para julgar se êsses fatos caracterizam ou não uma sucessão.
Pura questão de direito.
Que é sucessão?
Que fatos caracterizam a sucessão?
Sucessão é um conceito jurídico.
É a transmissão de bens e direitos.
Na sucessão causa mortis, o domínio e a posse da herança transmitem-se aos herdeiros com a morte do autor da herança.
Na sucessão inter vivos, há a transmissão do título para os bens imóveis; há a tradição para os bens móveis.
Sucessão de emprêsas que é?
No Direito Comercial já se conhecia a sucessão de firmas.
Na Constituição de 1937 aparece uma figura de sucessão legal de contratos de trabalho, a mudança de proprietário da emprêsa.
Nas emprêsas de trabalho contínuo, estabelecia aquela Constituição (art. 137, letra g) que a mudança de proprietário não rescindiria o contrato de trabalho, conservando os empregados, para com o novo empregador, os direitos que tinham em relação ao antigo.
Não entrando êsse dispositivo na Constituição de 1946, ficou na Consolidação das Leis do Trabalho (art. 448).
A mudança na propriedade ou na estrutura jurídica da emprêsa não afetará os contratos de trabalho dos respectivos empregados.
Que é mudança de propriedade da emprêsa?
Que é mudança da estrutura jurídica da emprêsa?
Que fatos são pressupostos para a caracterização de mudança de propriedade da emprêsa?
Que fatos são pressupostos da mudança da estrutura jurídica da emprêsa?
São questões jurídicas.
Não são questões de fato.
Questões de fato seriam as que concernissem à prova de cada um dos fatos arrolados.
A conseqüência jurídica, a qualificação jurídica, a significação jurídica dêsses fatos, são questões de direito da mais acentuada evidência. É a construção jurídica do conceito de emprêsa, baseado na transferência do seu objeto ou da sua finalidade, que nasce. O reg. nº 737, de, 25 de novembro de 1850, referia-se, no artigo 19, § 3°, às emprêsas de fábricas, de comissões, de depósito, de expedição, consignação e transporte de mercadorias; de espetáculos públicos.
Emprêsa seria a organização técnico-econômica que se proporia a produzir, mediante a combinação dos diversos elementos, natureza, trabalho e capital, bens ou serviços destinados à troca (venda) com esperança de realizar lucros, correndo os riscos por conta do empresário, isto é, daquele que reúne, coordena e dirige êsses elementos sob a sua responsabilidade.
Êsse conceito de CARVALHO DE MENDONÇA (“Tratado de Direito Comercial”, vol. 1º, nº 345) já não é o atual de empresa.
É isso, e é mais alguma coisa.
É uma “formation complexe de repports, les uns contractuels, les autres paracontractuels, ou pseudocontractuels”, como diz SAVATIER (“Les Métamorphoses économiques et sociais du Droit Civil d’Aujourd’hul”, 1948, pág. 16).
A emprêsa se emancipa dos atos jurídicos dos quais nasceu.
“L’institution, l’entreprise, doit durer et se manifester d’une manière autonome. Un état de droit a été établi, l’usine a été fondée, l’entreprise fonctionne, elle continuera à fonctionner, presque par une sorte de déterminisme. Il n’est pas admissible qu’elle s’arrête; tout sera organisé de manière à ce qu’elle continue, au besoin, sans nouveaux contrats, c’est-à-dire, sans que les rapports de droit qu’elle suppose, exigent de libres accords de volonté. Elle se maintiendra par la force des choses et de la loi. La liberté humaine, contractuelle sera étouffée sous l’entreprise; car l’entreprise, à la difference du contrat, n’en appellera plus au consentement des parties. Les memores de l’équipe courrent le péril, en quelque sorte, d’être engrénés dans l’entreprise. Après n’avoir été, dans le nouveau contrat, que des pions, ils risquent de ne plus devenir, dans l’entreprise, que des rouages”.
Emprêsa, hoje, é uma unidade econômico-jurídica (MÁRIO DE LA CUEVA, “Derecho Mexicano del Trabajo”, vol. I, pág. 789). Sua transferência ou transpasse é uma novação subjetiva pela persistência do objeto (EUGENIO PEREZ BOTIJA, “Curso del Derecho del Trabajo”, nº 201). O contrato de trabalho é com a emprêsa, não com o empregador (PAULO DURAND et ANDRÉ VITO, “Traité de Droit du Travail”, vol. II, pág. 789).
Sem alterar a finalidade anterior, não há opção entre perceber indenização ou continuar trabalhando, quando ocorre a sucessão (acórdão do Supremo Tribunal Federal, “Diário da Justiça” de 10-11-1948, relator ministro LAFAYETTE DE ANDRADA).
21. A interpretação do art. 101, nº II, da Constituição, – “ao Supremo Tribunal Federal compete julgar em curso extraordinário as causas decididas em única ou última instância por outros tribunal ou juízes” – não é de que o Supremo Tribunal Federal vá nelas julgar a questão federal, que abre na causa a jurisdição do mais alto Tribunal do país.
Sob a jurisdição plena para julgamento é a causa transportada à instância do Supremo Tribunal Federal, quer nela exista uma questão federal de ter sido a decisão contrária a dispositivo da Constituição ou à letra de tratado ou lei federal; quer a questão federal se cifre em se ter questionado sôbre a validade de lei federal em face da Constituição, e a decisão recorrida negar aplicação à lei impugnada; quer a questão federal consista em se ter contestado a validade da lei ou ato do govêrno local em face da Constituição ou de lei federal e a decisão recorrida julgar válida a lei ou o ato; quer a questão federal seja de que na decisão recorrida a interpretação da lei federal invocada veio a ser diversa da que lhe haja dado qualquer dos outros tribunais ou o próprio Supremo Tribunal Federal.
Dada a existência de uma dessas questões, o Supremo Tribunal Federal se torna competente para julgar a causa sem nenhuma limitação.
Da mesma sorte que a apelação devolverá à superior instância o conhecimento integral das questões suscitadas e discutidas na ação, o conhecimento do recurso extraordinário devolve ao Supremo Tribunal Federal o julgamento da causa.
É sugestivo o confronto entre o texto da Constituição de 1891, onde não se diz que o Supremo Tribunal Federal julgará, mas que “das sentenças das justiças dos Estados em última instância haverá recurso para o Supremo Tribunal Federal”, e a Constituição de 1946, onde se diz que “ao Supremo Tribunal Federal compete julgar em recurso extraordinário as causas decididas em única ou última instância por outros tribunais ou juízes”.
Não devemos, portanto, nos prender, na interpretação do art. 101, nº III, da Constituição de 1946, ao sistema da Constituição de 1891, em que o Supremo Tribunal Federal tinha jurisdição para decidir questão federal como tal definida na Constituição.
Sob a Constituição de 1946, vencida a preliminar da existência, para o conhecimento do recurso extraordinário, da questão federal, que é uma questão de direito, o Supremo Tribunal Federal tem, pela letra da Constituição, de julgar a causa integralmente, como terceira instância.
No recurso extraordinário, a quaestio juris constitucional está na preliminar, para seu conhecimento, passando a quaestio juris e a quaestio facti da causa ao pleno julgamento do Supremo Tribunal Federal.
22. Para se compreender bem a distinção entre questão de fato e questão de direito tem-se que tomar em consideração os têrmos da lei. Os têrmos da lei podem ser descritivos, como podem ser complexivos. Há têrmos, por exemplo, como ordem pública, boa-fé, bons costumes, obrigação de agir como bom-pai-de-família, concubinato, mora, má-fé, fraude, abuso de direito, caso fortuito, dolo, coação, êrro, posse, e tantos outros, que são complexivos, vale dizer que sòmente ficam definidos quando uma série de fatos concorrem para a sua configuração. Concubinato, por exemplo, é um têrmo que não tem definição senão depois que os fatos que nêle entram sejam verificados. Ver, portanto, na: autos, se os fatos que concorrem para a noção de concubinato estão provados, não é realmente questão de fato, embora aparentemente possa parecer que se trata de questão de fato. É questão de direito. É questão de direito procurar nos autos os elementos daqueles diversos standards jurídicos, dêsses têrmos que sòmente se integram quando diversos elementos ou diversos fatos concorrem para a sua existência.
Muitas vêzes, como vemos, os autores denominam essa operação de qualificação legal dos fatos.
Diante de tais têrmos o juiz fica justamente naquela situação psicológica descrita por DEMOGUE, no prefácio do livro “Le Standard Juridique”, de MARCIEL O. STATI, ou seja, o poder com que êle fica de constatar os fatos, de pesar os seus valores para ver, de que lado deve fazer pender a balança no processo.
Por standard jurídico se entende, diz STATI, o processo que prescreve ao juiz de tornar em consideração o tipo médio de conduta social correta para a categoria de atos que se trata de julgar.
Para isso, muitas vêzes, diz STATI, o legislador usa de têrmos, na expressão de SALEILLES (“Le Code Civil et la méthode historique”, pág. 126), para fazer do juiz o intérprete da consciência social coletivava nas differentes fases de sua evolução, “l’interpréte de la conscience sociale collective aux différentes phases de son évolution”.
Questão de direito é assim aquela que tem por fim verificar o sentido da lei, como, outrossim, é aquela que tem por fim verificar se foram considerados na sentença diversos fatos que sòmente em concorrência caracterizam certo standard jurídico.
Questão de fato consiste em se verificar se a prova foi suficiente para levar à consciência do juiz a convicção de ter o fato acontecido como foi relatado pela parte.
Pela questão de direito o juiz verifica quais são os elementos que a parte trouxe para integrar o standard jurídico que invoca. Por exemplo, tratando-se de concubinato, a questão de direito consiste em se verificar quais são os elementos que devem ser tomados em consideração para a integração do conceito, se vida em estado de casado, se fidelidade mútua ou sòmente da mulher, se manutenção, se continuidade de relações sexuais, e verificar-se nos autos se os elementos, que se entendem integrar o conceito, estão especificados. Questão de fato será verificar se nos autos a prova de cada um dêsses requisitos foi bastante.
A questão de direito é objetiva, a questão de fato é subjetiva.
Questão de direito significa definir-se o standard jurídico ou têrmo geral que a lei usou e ver se na sentença os elementos dessa definição foram considerados provados.
Questão de fato será verificar-se nos autos se alguns ou se todos os elementos constitutivos do standard jurídico ou têrmo geral usado pela lei foram devidamente provados.
Questão de direito é a verificação objetiva na sentença dos elementos que significam o standard jurídico ou o têrmo geral usado pela lei.
Questão de fato é a verificação subjetiva nos autos do efeito da prova sôbre a convicção do juiz para concluir pela ocorrência dos fatos que constituem a definição do têrmo de direito invocado.
João de Oliveira Filho, advogado no Distrito Federal.
LEIA TAMBÉM O PRIMEIRO VOLUME DA REVISTA FORENSE
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 1
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