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CLÁSSICOS FORENSE

FILOSOFIA DO DIREITO

REVISTA FORENSE

Domínio sem predomínio das escolas penais, de Carlos Xavier Pais Barreto

REVISTA FORENSE 165

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07/08/2024

SUMÁRIO: Atuação da Filosofia. Escola clássica. A Biologia contra a Filosofia. A Sociologia. Renovação filosófica. A Escola Positiva. Várias escolas. O Código brasileiro.

Nenhuma Escola de Direito Penal fracassou e nenhuma governa o ambiente jurídico penológico. As doutrinas que se entronizaram em escolas, e não entraremos na bizantina questão de investigar se tôdas merecem tal nome, dominaram o mundo criminológico, enquanto amparadas pelo prestígio das ciências que lhes serviam de alicerce. Progredindo e decrescendo, conquistando vitórias esplendentes e sofrendo derrotas formidáveis, elas chegaram, até nós, com elementos de vitalidade, mas sem hegemonia, expandindo luzes, mas sem predomínio.

Atuação da Filosofia

A primeira foi embalada, no seu berço, pela Filosofia que, carinhosamente, a defendeu contra o terrível sistema, reinante no século XVIII, em que as confissões eram monstruosamente arrancadas, para a condenação, com o ferro quente, a água bolenta, a vivicombustão, o regime das ordálias e o Juízo de Deus.

Grande foi o trabalho da Filosofia, para a humanização da pena, desde os velhos tempos dos depositários do pensamento grego. E, embora sem realizações práticas, o brado, transmitido de geração a geração, vivendo em estado latente, conseguiu infiltrar-se no tabu sagrado da religião e na moral dos povos.

Ligou-se à História, quando essa disciplina teve prestígio a ponto de determinar, com CUJACIO, BODIN, VICO e, mais tarde, SAVIGNY, a Escola Histórica, que encarava o direito como resultado da lenta evolução dos costumes.

Mas, teve, afinal, a Filosofia sua ascendência, depois de BACON, CLERES, DESCARTES, MONTAIGNE, MONTES

QUIEU, MURATTORI e dos enciclopedistas, e, por entre o ribombar das balas, levou, ao seio da Assembléia Francesa, a declaração dos direitos do homem.

O panfleto de VOLTAIRE, reverberando a injusta e bárbara condenação de Calás, em Toulouse, encontrou eco em CÉSAR BECCARIA, que escreveu “Dei pene e delle delitti”.

Foi forte a luta da Filosofia, no século XVIII, com a ciência que hoje chamamos da administração. Tinham os soberanos o arbítrio ilimitado.

Venceu a Filosofia. BECCARIA foi entendido por BUCELATTI, CARRARA, CARMIGNANI. ELENO, FEUERBACH, HEGEL, HOLTZENDORF, HOWARD, MITTERMAYER, NICOLINI, OTOLAN.

Ergueu-se a primeira Escola do Direito Penal: a Clássica, com apoio no livre arbítrio, na proporcionalidade da pena ao crime, na responsabilidade penal e na anterioridade da lei. Mas, ela, que venceu potentados e penetrou nos Códigos, encontrou adversários de mais valor no ambiente científico.

A Biologia contra a Filosofia

Todos conhecem o combate sério da Filosofia contra a Biologia no século XIX. Penetravam nos espíritos os ensinamentos de CLAUDE BERNARD, GALILEU, LAMARK, LAVOISIER, LINEU, KEPLER, QUETELET e HAECKEL, procuraram na Biologia a origem da transformação dos sêres. MOLESCHOTT elevou o materialismo, e SPENCER o evolucionismo. A sociedade foi considerada um organismo vivo. Pretenderam até riscar o nome de Deus. Venceu, na luta, a Biologia e, em Direito Penal, iniciou o movimento CÉSAR LOMBROSO, opondo o determinismo ao livre arbítrio. O criminoso foi visto como um doente a necessitar de tratamento.

As idéias lombrosianas nasceram viçosas e foram, devotadamente, seguidas por BENEDIK, ESMERALDINO, FERRI, FIORETI, GAROFALO, JÚLIO DE MATOS, PUGLIA e SERGI. Mas a Biologia, embora dominando, não pôde resolver todos os problemas.

Os fatôres psíquicos e sociais tiveram de ser chamados. Estabeleceu-se a dissenção no próprio grupo. FERRI e LOMBROSO tinham idéias diversas sôbre os elementos determinantes, como HAMON e GAROFALO sôbre os fenômenos da. criminalidade, BENEDIK e FERRI a respeito da neurastenia, e LOMBROSO e TARDIEU sôbre o cérebro. LOMBROSO corrigiu LOMBROSO, quebrando a unidade do tipo, para classificar. Enxertos foram feitos na árvore que começou a dar frutos diferentes.

A Sociologia

É que não fôra consultada senão depois de FERRI, a Sociologia, não obstante ser o direito um fenômeno social: Nem o determinismo pode ser absoluto nem o livre arbítrio. O homem é determinado, mas pode evitar ou neutralizar os efeitos dos fatôres. Já ARISTÓTELES dizia que se não pode encontrar nos extremos a verdade nem a justiça. Surgiu o NaturalismoCrítico com ALIMENA, CARNEVALE, LACASSAGNE, LISTZ, TARDE, TAINE, PRINS, e começou a influir nos Códigos, apesar dos apodos de doutrina tímida. Mas o naturalismo sentiu dificuldades na adaptação das mesmas regras em países diversos.

É que faltava a Geografia e lei alguma perduraria sem ela.

Constituições há que não se puderam manter por falta de Geografia, matéria de que se não esqueceu a Carta Política brasileira.

A Geografia, porém, não era bastante. A Economia Política reclamou o seu lugar, independente de critério escolástico.

Ela já, em alguns Estados, se elevara a primado. Nós, no Brasil, criamos um Conselho de Economia e, entre outros casos, prescrevemos a punição da usura e dos atentados contra a economia privada.

As Escolas, já sem o contrôle de comando, tiveram de pedir conselhos mais freqüentes à Psicologia e o juiz, acima do jurista, viu-se muitas vêzes obrigado a ser psicólogo e ter de estudar as faculdades de aquisição, conservação e elaboração do indivíduo, os fenômenos de sua vida ativa e afetiva, para apurar o dolo, a culpa, a vontade, a liberdade e os elementos que agravam, diminuem ou excluem a criminalidade.

Da Psicologia desmembrou-se a Psicanálise, para obrigar o julgador a tirar a máscara da face do criminoso, percorrer a consciência, descer à subconsciência e ir até a inconsciência, analisar os complexos recalcados e reconstituir a luta da censura contra a tendência. Mas, em tudo, mister se fazia retirar os exageros do sonho e do pansexualismo.

Renovação filosófica

Novas pedras surgiram no caminho das escolas.

A Filosofia que a Biologia retirara da Criminologia, e foi considerada como gás asfixiante, voltou a retomar o espaço perdido, através de PHILIPS, na Inglaterra. BINDING, na Alemanha, DEL VECCHIO, MAGGIORI e OLGEATO, na Itália,

A Moral que tantos contragolpes sofrera da Escola Positiva, veio a ter relêvo predominante nos Códigos, não pelos círculos tangentes, nem pelas linhas paralelas, mas pelos círculos secantes.

A Biologia voltou a ter influência decisiva, por intermédio da endocrinologia, mostrando o desormonismo como fator da criminalidade, vendo, nas glândulas de secreção interna, o relógio da vida e não enxergando pureza de sexo, porquanto todo homem tem hormônios de mulher e vice-versa.

A Política fêz a humanidade tomar novos rumos ou melhor, perder os rumos, e os princípios escolásticos viveram em um maremagnum, onde as Escolas tiveram, para não morrerem, de aceitar princípios que combatiam ou desistir de preceitos anteriormente adotados. Entretanto, os vanguardeiros não as deixaram sucumbir.

 Escola Positiva

A Escola Clássica sofreu embates de tôda sorte e, quando os adversários supunham-na extinta, ela reaparecia, forte, embora sem o prestígio dos outros tempos.

FERRI afirmou respeita-la apenas pelo elemento histórico, mas reconheceu o valor sistemático e, na organização do seu projeto, recorreu a PESSINA e a CARRARA.

ASÚA achou que sòmente ela vivia pela sua contradição com a Escola Positiva. Mas confessou que novas vigas estavam a sustenta-la.

Não morreu a Escola Clássica, com o apogeu da Positiva. Esperou que se arrefecessem os entusiasmos dos primeiros dias e procurou ambientar-se. O livre arbítrio era um obstáculo. Fêz concessões e, com ROMAGNOSI, aceitou favores. A proporcionalidade da pena ao crime constituía outra barreira. Atendeu, com ROSSI, às circunstâncias agravantes e atenuantes. E, hoje com novos trajes, apareceu, em vários Códigos, através de idéias isoladas.

A Escola Positiva, ao contrário, teve de despir-se dos trajes de inverno. Na bifurcação do caminho, rumos diferentes tomaram os sectários.

Hoje GANCHEI, ROUX, MANZINI querem negar-lhe existência; GORING dá-lhe atestado de óbito. PRIZZOLINI ri-se de LOMBROSO. Mas, LUCA, FLORIAN, GRISPIGNI robusteceram-lhe os princípios.

O naturalismo crítico tomou formas diferentes.

O dogmatismo adaptou-se ao fascismo com PAOLI e MANZINI; o idealismo atualístico, com CROCE, se levantou. O humanismo se ergueu com LANZA e TALCHI, o pragmatismo surgiu com JAMES e SALDARA, e o unitarismo foi negado por SABATINI.

Por outro lado: a temibilidade, pregada por LOMBROSO se transformou em periculosidade. CALÓN substituiu-a pela inadaptabilidade. Hoje o estado de perigo domina na Rússia.

HAMON estabeleceu a teoria de que o honesto é o anormal. Tomaram aspectos diferentes a receptação, a ignorância da lei e a sua anterioridade. MAGGIORI quis que a ética penal aparecesse.

A culpa está, por forte corrente, considerada tão perigosa como o dolo. A cumplicidade se equiparou à autoria. A eugenia cresceu de importância. O amor foi sendo controlado. Certos crimes tornaram-se mais severamente punidos, como o político. Outros surgiram, como o de contaminação. Alguns revestiam-se de aspectos diferentes, como o adultério e a honra sexual. Castigos penais surgiram, como a esterilização e a castração. KANTOROWICZ pregou o direito livre. O direito cientifico teve sectários. como EHRLICH, BULOW, JUNG, GERNY.

A pena desvalorizou-se. VIEITAS propôs o código protetor dos criminosos. DORADO MONTERO imaginou a repressão qual como um remédio que os próprios criminosos pediriam. A pena de morte, refutada por PECO, FILANGIERE, PALACIO e HERRERA, aceita por SARANDO e ROCCO, foi adotada nos Estados pontifícios e hoje perde terreno na Inglaterra. Vem sendo executada pelo degolamento na França; fuzilamento na Rússia, Japão e Itália; eletrocussão em Estados da América do Norte. Não penetrou no Brasil, apesar de sua inclusão na Constituição de 1937.

O mundo abandonou postulados que: representavam conquistas da civilização e; pela lei de retôrno, voltou a aceitar preceitos já relegados. O direito natural teve a sua renascença, defendido por BEAUSSISE, JANET, BOISTEL, DEL VECCHIO, BIAVERCHE, BRIERLY.

Vieram então os Códigos sem preocupação escolástica: antes um programa político. Na Alemanha, acima da moral e do direito comum, surgiu o de necessidade e o direito supremo do povo. A guerra não constituiu, apenas, a extrema razão, mas o único meio de ter razão. Ela é tida como santa e moralmente sublime para FREITSCHKE.

O fascismo não aceitou o livre arbítrio nem o determinismo, mas a capacidade de entender e querer, entrelaçando, no tecnicismo jurídico, tôdas as escolas. A Alemanha tomou o direito como revelação, através de HITLER; o Sovietismo, como instrumento. O Egito adotou a periculosidade pré-delitual. O Brasil vai se afastando de todo valor escolástico.

O Código brasileiro

O Código, diz o ministro CAMPOS, não se ligou a nenhuma Escola, nem modêlo estabelecido, credo filosófico ou ortodoxia doutrinária. Dêle foram excluídos os crimes de legislação especial.

Nesse fervetopus é impossível aceitar escolas. O alicerce do Direito Penal deve ser procurado fora delas.

Nenhuma Escola fracassou, mas em Escola alguma encontrar-se-iam diretrizes capazes de conduzir-nos à verdade e à justiça.

Não poderemos, juristas, legisladores, magistrados, desconhecer-lhes as regras nem segui-las, como o crente junto ao altar ou o soldado na caserna. É imprescindível colhêr, dentro delas, subsídios para resolver fora de qualquer orientação escolástica.

Autor: Carlos Xavier Pais Barreto, Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Espírito Santo

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