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Sustentabilidade Jurídica: auditoria, planejamento e implantação

05/12/2025
Há uma profunda compreensão e ligação da empresa com o Direito. Não importa se uma oficina mecânica ou uma padaria, se uma agroindústria ou uma transportadora com um, dois ou dezenas… quiçá centenas de veículos. Mostramos isso em “Estruturação Jurídica de Empresas” (2.ed. Editora Atlas, 2026). O que há de comum entre todas elas? Realizam negócios, ou seja, concretizam atos jurídicos. E o fazem constante e habitualmente: empresas são atividades negociais, lembra-se? Consertam-se veículos como prestação remunerada de serviços; produzem-se pães, roscas e biscoitos para os vender. O objeto social faria caso a caso; mas em todos os casos, a atividade negocial se reitera. E isso está incluído no conceito de “exerce profissionalmente atividade econômica organizada”, inscrito no artigo 966 do Código Civil.
O exercício da atividade econômica deve ser organizado e profissional também no aspecto jurídico. A organização e a profissionalidade não se resumem à realização do objeto empresarial; vão além; alcançam a contabilidade, por força do artigo 1.179 do Código Civil. O empresário ou administrador societário cumprem esse dever por meio de profissional qualificado: o contabilista, dita o artigo 1.182 da mesma lei. Mas não é só. Deve haver organização e profissionalidade jurídicos por igual. “Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece”, estabelece o artigo 3º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro. Assim, a atividade negocial, vale dizer, essa sequência de atos jurídicos, de negócios, praticados no exercício da empresa, deve atender a normas diversas: empresariais, consumeristas, tributárias, trabalhistas etc.
Por sorte, há advogados. Estão por aí, esperando; se houver alguma coisa que possam fazer, fazem-no. Há mecânicos para consertar veículos, quando estragam; há transportadora para levar pessoas e/ou coisas, quando é preciso; há agroindústrias e padeiros e quitandeiros e outros tantos para que possamos nos alimentar todos os dias sem ter que plantar, cuidar, colher, processar. Há advogados para a defesa das posições jurídicas das pessoas, quando haja litígio, mas também para responder a dúvidas (consultas) e assessorar operações, atividades etc. É o prevê o artigo 1º da Lei 8.906/94, o Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil. Agora, tudo isso, esses nossos três parágrafos iniciais, são tolinhos a não mais poder: o óbvio sendo reiterado. Mas é bom partir daí, do óbvio, para ir adiante. Como na construção civil, os tubulões buscam a rocha para, ali, firmarem a edificação com segurança. Ter boa estrada sob os pés permite ir mais longe e, respeitadas as normas de trânsito, mais rápido.
Sustentabilidade Jurídica: Por que a Organização é Ignorada?
Se bem que, recordando Nelson Rodrigues, o que falamos pode ser óbvio, mas não ulula: não é afirmação gritada pelas ruas. De jeito maneira. Apesar de tocarem atividades jurídicas (negociais), empresários e administradores societários (tenham lá o nome que tenham: diretor-presidente, presidente, CEO – chief executive officer, para o povo que acha que as coisas são mais chiques em inglês) raramente querem saber de um advogado. Deixa qu’eu sei como faz! é a regra que, aliás, vai bem além do Direito. Agora, em maio de 2025, um prédio veio abaixo em Jaboatão dos Guararapes, Pernambuco: alguns moradores resolveram fazer mudanças em seus apartamentos, sem consultar engenheiros civis: mexeram em paredes estruturais e a edificação colapsou. E a intoxicação medicamentosa, fruto de automedicação (médico? p’ra quê?), tornou-se um dos mais graves problemas de saúde pública no Brasil. Um estudo publicado no International Journal of Advanced Engineering Research and Science relatou 596.086 casos de intoxicação por medicamentos havidos, no Brasil, no período entre 2012 e 2021.
Quer saber? Se fizessem um estudo sobre empresas juridicamente estropiadas no país, os números seriam muito maiores. A turma vai na tora; faz isso e aquilo, crente que sabe como é. Eu sei porque, eu sei como, não preciso pagar ninguém para me dizer como é que deve ser! Começa assim – ou de forma similar – e raramente tem bom destino. São raros aqueles que manifestam serenidade e inteligência para reconhecer: quer saber? melhor consultar um especialista p’ra não dar nenhuma ingrisia; vamos ligar para o advogado. Que nada. A regra geral é vamos que vamos (e vice-versa); e nisso também se explica a tão conhecida estatística de que 60% das empresas que são abertas não sobrevivem cinco anos. Falta organização, falta profissionalismo na terra em que tudo mundo acha que sabe e age segundo tal crença. Parafraseando Gabriel Garcia Marquez, são crônicas de fracassos empresariais anunciados. Empresas que nasceram para não dar certo.
Mas não vamos reincidir nessa tecla. Vamos deixar as terras esquecidas da razão e da razoabilidade para seguir adiante. Há divergentes! Há quem respeite os conhecimentos assentados, médicos, odontológicos, contabilísticos, mercalógicos e mesmo jurídicos. Há quem perceba que, na estrada do mercado, por onde deslizam as empresas, as regras constitucionais, legais e regulamentares soam e ressonam com um troar fatídico. Alguns o concluíram meditando sobre a realidade em que se inserem ou pretendiam inserir-se. Outros simplesmente observaram outros atores, perceberam as bases de seu sucesso e julgaram por bem imitá-los para tentar igual fortuna. Há também os que aprenderam com as próprias feridas, com os tombos e prejuízos, com as perdas e derrotas que não querem renovar. Tanto faz. Aprenderam. A fome tira o tatu da toca. Lobos, também.
Em meio a tudo isso, há advogados e escritórios oferecendo assessoria para a implementação de boas práticas jurídicas. Grandes bancas já fazem isso com corporações maiores, por deveres de regulamentação (principalmente companhias de capital aberto) ou por evolução empresarial. No topo da cadeia alimentar… ops! mercantil, os maiores atores negociais sabem que sustentabilidade jurídica é indispensável para manter a posição que ocupam, viabilizando seguir colhendo bons resultados. Estamos sendo subversivos por dizer que essa postura pode ser levada a médias e pequenas empresas; e que há um benefício direto nisso. A universalização da qualidade jurídica é um desafio brasileiro e, por sorte, temos profissionais em número suficiente para atender à demanda. Sim: dizer isso é subversivo, mormente em face do que é a realidade efetiva de nossos atores mercantis.
Em muitos casos, esse trabalho é constante e compõe o compliance corporativo e são desenvolvidos por diretorias jurídicas internas, quando não se recorra, para fins de independência, a auditores jurídicos independentes, figura assemelhada ao auditor contábil: esse aferindo a conformidade das escriturações, aqueles a examinar a conformidade das relações jurídicas com os parâmetros constitucionais, legais e regulamentares. Mas há advogados e escritórios que passaram a oferecer o serviço a bem de pequenas e médias empresas. Gente que vai perdendo competitividade por razões diversas, até em função de tropeços jurídicos que poderiam ser evitados. A estabilidade trabalha a bem das organizações, inclusive (e com destaque para) as empresas. Afastar as pedras do caminho é sábio; mais do que isso, prevenir tropeços implica evitar feridas. Sim, há a turma que vai na cara e na coragem, sem medo de ser feliz. Entre esses, contam-se algumas histórias felizes, vitórias estrondosas. Mas toda loteria é assim: a vitória improvável desse e ou daquele não afasta a derrota de milhões de apostadores frustrados. Contam-se histórias de pessoas que sobreviveram a ataques de tubarão; mas, no geral, o fim é outro, conhecido e trágico. Noutras palavras: dá para escolher entre ousadia ou sabedoria. Não nos parece uma escolha difícil, a bem da verdade.
Sabedoria e Sustentabilidade Jurídica: Impacto nos Resultados
Caminhando pelo plano da sabedoria, há que se reconhecer que previsibilidade e segurança jurídicas impactam as organizações e, via de consequência, podem impactar seus resultados, por igual. Práticas empresarias juridicamente sustentáveis consolidam a atividade no mercado ou, como se dizia outrora, na praça, com efeitos não apenas sobre os consumidores, mas também junto ao Estado – nomeadamente o Fisco –, fornecedores, financiadores, parceiros, colaboradores etc. É o resultado do emprego da tecnologia jurídica a bem do negócio. E isso começa com a auditoria jurídica a que nos referimos: olhar área por área, rever todas as relações, todas as práticas corporativas, conferindo se respeitam a lei e – melhor ainda! – se há alternativas jurídicas mais eficazes. Uma revisão que vai do Direito Societário (as plataformas normativas que sustentam a sociedade empresária), chegando à outra ponta: às áreas operacionais da empresa. Uma caminhada que pode ser longa, se maior é o negócio, mas que se faz passo após passo, até para permitir que as reformas sejam graduais, embora perenes.
Nem venha nos dizer que puxamos a brasa para nossa sardinha. Qual o quê! Como desenvolvido em “Estruturação Jurídica de Empresas” (2.ed. Editora Atlas, 2026), o plano empresarialista da estruturação ou reestruturação é ocupado principalmente pela plataforma normativa primária (ato constitutivo) e eventuais plataformas normativas secundárias (pactos parassociais); são ambientes mais afetos à regulação das dimensões de existência e de funcionamento da corporação. Aliás, autorregulação, já que são os próprios sócios que definem as regras, nos amplos limites facultados pela lei. Embora a terceira dimensão (de atuação) tenha espaço nesses dois planos (primário e secundário ou, preferindo-se, principal e acessório), as plataformas normativas terciárias (ou laterais) constituem a grande fronteira para o seu tratamento, ao que devem estar atentos os profissionais do Direito. Essa técnica de intervenção jurídica beneficia a todos, desde empreendimentos tradicionais a negócios inovadores.
Ferramentas da Sustentabilidade Jurídica: Auditoria Proativa
Estamos falando de trabalhos advocatícios inovadores para que empresas passem a revelar um alto nível jurídico. Pensem, por exemplo, numa auditoria trabalhista: advogados que observem e revisem a atuação de colaboradores, empregados ou terceirizatários, anotando pontos fortes e fracos (riscos), incluindo práticas e comportamentos que desrespeitem normas postas ou destoem da jurisprudência dominante. A administração societária e as gerências, de posse desse levantamento, podem fazer correções, evitando agruras e prejuízos futuros. Essa prevenção pode mesmo concretizar-se por meio de um regimento interno de trabalho, que é uma plataforma normativa terciária (ou lateral) de extrema utilidade. Noticiou-se, agora em outubro, uma decisão do TRT-4ª região que confirmou a eficácia de norma interna que proibia vigilantes de usarem barba (por questões de segurança: permitir rápida e fácil identificação dos seguranças, inclusive entre si). Tais regulamentos devem, além de tudo, trazer normas para coibir assédio moral ou sexual entre os colaboradores. E a redação de tais normas é um trabalho advocatício: não apenas argumentar (em ações, defesas e recursos), mas redigir normas. Não é um agir reativo (replicar), mas proativo (criar).
Auditorias igualmente úteis no plano do Direito do Consumidor e do Direito Tributário: está tudo sendo feito certinho? E o Direito Ambiental? A ignorância está na raiz de muitos ilícitos ambientais, alguns tipificados como crimes. Somem-se as atividades regulamentadas, como o Direito Minerário, entre outros. Em qualquer hipótese, um trabalho de regeneração jurídica das relações empresariais, ou seja, trabalhar para rever a organização e obter uma redução de riscos como autuações, para não falar de litígios entre sócios, com colaboradores (empregados ou terceirizatários), com consumidores, o Fisco e outros órgãos de Estado etc. E, mais e mais, isso inclui até capacitação jurídica dos colaboradores para que compreendam os reflexos legais de seus atos. Sim, há advogados dando cursos para administradores, gerentes, chefias setoriais, quando não para colaboradores cujos atos têm impacto direto na empresa: são prepostos.
O desafio dessa advocacia proativa é deixar de se pensar como peticionário – isto posto, espera deferimento – e compreender-se como agir profissional edificante, estruturante. É a proposta de “Estruturação Jurídica de Empresas” (2.ed. Editora Atlas, 2026). Oferecer resiliência jurídica para as empresas, adaptá-las aos avanços do Direito, destravar gargalos, agregar esforços ao seu bom desempenho, garantir atos e relações conformes, quando não for possível fazer mais: escalar atos e relações melhores. O advogado tem um papel relevante nas corporações e, para o empresário, compreender isso é uma oportunidade: diz respeito aos fundamentos do seu negócio e, portanto, ao seu futuro hígido. Sim, há muitos desafios para o abastecimento jurídico do mercado empresarial brasileiro. Não são poucas as dificuldades e as resistências. Mas somos nós os agentes dessa transformação. S’embora que há muito o que fazer, trabalho demais.
