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CLÁSSICOS FORENSE
EMPRESARIAL
REVISTA FORENSE
Sociedade Por Ações – Nulidade De Assembléia – Prescrição – Ação Civil E Ação Penal – Responsabilidade Dos Membros Do Conselho Fiscal – Impedimento De Perito, de Antão de Morais
Revista Forense
16/01/2025
– O perito que já expendeu opinião sôbre o objeto da causa, está impedido, porque nela tem particular interêsse.
– O legislador previu duas hipóteses de prescrição: uma referente ao dolo civil (três anos), outra referente ao dolo criminal (prescrição da ação penal).
– O juiz da ação civil, para aplicar a esta a mesma prescrição da ação penal, só tem um recurso: verificar se o ato ou fato constitui crime.
PARECER
1. O relatório que precede a consulta, está assim redigido:
“A Massa Falida da Exportadora Junqueira Meireles S.A. intentou ações contra os antigos diretores e membros do Conselho Fiscal dessa sociedade, para obter a restituição dos dividendos, percentagens da diretoria, gratificações aos empregados e impôsto de renda, distribuídos e pagos em virtude dos resultados consignados nos balanços sociais”.
“Duas foram as ações propostas: uma, referente aos exercícios de 1944, 1945, 1946 e 1947; outra, relativa aos exercícios de 1949 e 1950”.
“Em ambas alegou a autora que os balanços não espelharam a verdadeira situação da sociedade, acusando lucros, quando, na realidade, houve prejuízos. E isso ter-se-ia verificado: a) pela avaliação excessiva do café em estoque; b) pelas bases também excessivas do café em conhecimentos ferroviários; c) por lançamentos fictícios em negócios de café”.
“Oferecendo balanços falsificados, disse a autora, visaram os réus, com emprêgo de dolo e fraude, apresentar uma situação econômica e financeira de molde a iludir as bancos e a praça de Santos”.
“Quanto aos conselhos fiscais, teriam aprovado êsses balanços sem examinar livros e documentos”.
“Também a distribuição de dividendos teria sido feita sem proposta da diretoria e sem aprovação especial da assembléia geral”.
“Dizendo terem sido violados os artigos 116, § 7°, 121, § 1º, nº II, 122, 128, 131, § 1°, e 135 do dec.-lei nº 2.627, de 1940, e o art. 159 do Cód. Civil, além dos estatutos sociais, a autora concluiu pedindo a condenação solidária de todos os réus à restituição das quantias que foram distribuídas, nos exercícios mencionados, a título de dividendos, percentagens, gratificações e impôsto de renda, acrescidas de 20% para honorários de advogado, juros da mora e custas.
“2. Os réus-administradores defenderam-se alegando, além de nulidade, por violação do art. 158, nº III, do Cód. de Proc. Civil, a prescrição das ações propostas. Dois dêles argüiram, também, o impedimento do perito Farid Sayad, que funcionara na fase administrativa da falência, elaborando o laudo sôbre o qual a autora calcou o seu libelo”.
“Quanto ao mérito, disseram os administradores que os estoques de café, assim como os cafés em conhecimentos, eram sempre avaliados por funcionários habilitados e que as bases para essas avaliações dependiam da qualidade, tipos e zonas de procedência da mercadoria. Não existindo mais as amostras de cafés de todos os exercícios a que a autora se referiu, tornava-se impossível verificar agora, o valor exato de todas as partidas de café, para saber se houve, ou não, excesso nas avaliações que serviram de base para os balanços. Êstes foram elaborados de acôrdo com as boas normas e a praxe da praça de Santos, não tendo havido êrro e muito menos fraude.
“Quanto aos conselheiros fiscais, defenderam-se dizendo que cumpriram o que por lei lhes cabia fazer. A escrita da sociedade era perfeita. Nunca houvera reclamação alguma contra a contabilidade e nem contra os balanços. O café era sempre avaliado por funcionários práticos e habilitados. Por tudo isso, não lhes competia descer a minúcias, bastando verificar que a escrita era sempre comprovada por documentos ou ordens da gerência. Também não havia relação de causa e efeito entre a aprovação dos balanços e a falência da sociedade ocorrida muito tempo depois”.
“3. No despacho saneador foram repelidas as preliminares de nulidade, ilegitimidade de parte e prescrição, tenda sido interpostos agravos no auto do processo contra essa decisão”.
“4. A sentença final examinou novamente a questão de prescrição, mantendo a decisão que a repelira, por entender que os fatos alegados pela autora, objetivamente considerados, constituem crime (Cód. Penal, art. 177, § 1º, itens I e VI) e, assim, a prescrição, ao invés de ser a do corpo dos arts. 156 e 157, passa a ser a do crime, de acôrdo com o parág. único de cada um daqueles dispositivos”.
“Quanto ao mérito, entendeu o magistrado que os balanços impugnados apresentam resultados fictícios, por ter havido avaliação excessiva dos cafés em estoque e em conhecimentos. E concluiu condenando todos os réus, solidàriamente na forma do pedido da autora. Apenas com relação ao réu Dr. Celso Junqueira Meireles, e com referência ao exercício de 1949, limitou a condenação à restituição das percentagens que recebera, porque, tendo-se retirado da administração em 7 de dezembro de 1949, não tinha responsabilidade na confecção do balanço dêsse exercício”.
2. Diante do exposto, pergunta-se no primeiro quesito:
“O contador nomeado pelo síndico iam examinar a contabilidade da sociedade falida e que apresentou relatório e laudo, nos quais foram calcados os libelos das ações acima referidas, não estava impedido para funcionar como perito em ditas ações?”
Estava. O impedimento decorre da lei e da doutrina. Da lei, porque o artigo 129, parág. único, do Cód. de Processo Civil prescreve que o perito poderá per recusado pelas mesmas causas que justificam a recusa dos juízes e, testemunhas. Ora, o art. 185, nº III, estatui que se considerará fundada a suspeição de parcialidade do juiz quando “particularmente interessado na decisão da causa”.
E, quanto às testemunhas, dispõe o Cód. Civil, art. 142, nº IV, que não pode ser admitido como testemunha “o interessado no objeto do litígio”.
3. Se o inimigo capital, de que o Cód. Civil não cogita, pode entrar na vedação como interessado no objeto do litígio (CLÓVIS BEVILÁQUA, observação nº 6 do citado artigo), com tanta ou maior razão aí deve considerar-se incluído o perito que já expendeu em laudo anterior a sua opinião. E foi certamente por isso que o Cód. de Proc. Penal no art. 279, nº II, tornou expresso que não poderão ser peritos os que tiverem prestado depoimento no processo ouopinado anteriormente sôbre o objeto da perícia”.
4. Como se vê, o legislador criou aqui uma regra especial quanto ao impedimento do perito. Essa regra é clara e dispensa interpretação. O perito já tem opinião formada sôbre o assunto, manifestada em laudo anterior: está impedido, é suspeito de parcialidade, não pode funcionar. O próprio ilustre prolator da sentença reconhece que, o objeto da perícia é o mesmo, tanto que, por ser processo conexo com o da falência, foi distribuído à mesma vara e ao mesmo cartório. Êsse motivo de suspeição é tão importante que, apesar de já estar no Código de Proc. Penal, o legislador entendeu inclui-lo também como causa de suspeição dos juízes. É o que está prescrito no art. 108 do dec.-lei, n° 8.527, de 31 de dezembro de 1945:
“O juiz deve dar-se por suspeito ou impedido e, se o não fizer, poderá como tal ser recusado por qualquer das partes, nos casos do art. 185 do Cód. de Proc. Civil e dos arts. 252 a segs. do Cód. de Proc. Penal”.
É exato que êsse dispositivo não é geral, pois faz parte do Cód. de Org. Judiciária do Distrito Federal. Mas, emanando do mesmo poder que elaborou o Cód. de Proc. Civil, é natural admitir que o pensamento do legislador foi, nesse particular, incluir também o Cód. de Proc. Civil, por ser absolutamente chocante possa, na mesma circunscrição judiciária, o mesmo juiz ser suspeito ou não conforme a causa seja cível ou criminal (cf. EDUARDO ESPÍNOLA FILHO, “Código de Processo Penal”, 3ª ed., vol. 2, nº 234).
5. Mas, não há mister insistir nesse ponto, porque a doutrina mostra que o juiz (e, portanto, o perito) que já expendeu opinião sôbre o objeto da causa está impedido porque nela tem particular interêsse. LOPES DA COSTA, exímio processualista, esclarece a matéria no vol. 1, 2ª ed., nº 195, pág. 210:
“O Código não falou num motivo de suspeição que outras leis previram: o prejulgamento a manifestação do juiz, antecipadamente, sôbre o mérito da causa. O Código italiano o previu sob a forma de aconselhar a parte(“dare consiglio”, art. 116, nº 9), isto é, dar-lhe parecer, escrito ou verbal, pouco importa. No Código alemão tal motivo não está enumerado no art. 41 (causas de exclusão – “Ausschlieszung“) mas na fórmula geral do art. 42 (recusação – “Ablehnung”): fundamentos que justifiquem as suspeitas de parcialidade”.
Continua LOPES DA COSTA, achando que essa forma de parcialidade está incluída no art. 185, nº III:
“Quando o juiz houver aconselhado a parte, dúvida não há sôbre a inclusão dêsse fato como justificativo da suspeita de parcialidade no art. 185, nº III. Há mais que indícios de parcialidade (por evidente êrro o texto diz imparcialidade): há prova; o fato evidencia que o juiz tem interêsse na causa”.
Conclui LOPES DA COSTA citando MORTARA, para quem a suspeição é clara, salvo a hipótese de haver o juiz se manifestado abstratamente sôbre questão de direito:
“Há comum acôrdo em excluir a recusação, quando se trate de opinião expressa em abstrato sôbre questão de direito. A lei, entretanto, despreza um caso que era merecedor de consideração: o do magistrado que, mesmo sem dar parecer, no sentido técnico da palavra, tenha manifestado sua opinião sôbre a lide, em concreto, antes da decisão. Com as devidas e oportunas cautelas, de modo a evitar abusos, sérias razões aconselham a recusa de semelhante juiz”.
6. Ora, no caso da consulta o laudo que o perito ofereceu no inquérito judiciário serviu de base aos libelos. Êsse laudo não deixou sem exame nenhum ponto relativo ao mérito da questão. E concluiu pela inteira responsabilidade dos réus nas causas cíveis. Que isenção de ânimo podia ter êsse perito para dizer aqui o contrário do que disse ali? Êsse perito não tem interêsse em mostrar que não foi ligeiro em suas afirmações? Não teme as conseqüências de inverter o juízo já expendido? Está fora das contingências humanas, não tendo o amor próprio de seus pareceres? Pois é, justamente, com base em tais ponderações, que a doutrina declara impedido, por evidente interêsse, quem já, prejulgou a questão. RICCI, “Codice di procedura civile”, vol. 1, 2ª ed., nº 245, pág. 207, observa:
“O amor próprio age igualmente no ânimo do julgador, como o afeto, o ódio e o interêsse. A parte, portanto, ficaria exposta a perder injustamente a lide, só porque o juiz, não podendo vencer o seu amor próprio, perseverou na errônea opinião precedentemente externada”.
“O parecer dado ou a opinião externada deve respeitar à causa que se processa, e não à questão de direito considerada em abstrato. Por isso se o juiz em uma sua obra haja interpretado um ponto de direito, sôbre o qual, posteriormente, surge controvérsia perante êle, seria injurioso propor-se a recusação, porque aquêle parecer, sendo dado no interêsse da ciência, é de admitir-se que o juiz o haja dado com plena convicção de servir à verdade, e não aos interêsses de Tício antes que aos de Semprônio. O juiz que conheceu da causa em primeira instância, pode ser recusado em grau de apelação. Isto é evidente. Os juízes de apelação são chamados a corrigir ao erros dos primeiros juízes, quando os hajam cometido: não é, por isso, repugnante que um homem seja chamado a corrigir pùblicamente o seu êrro?”
7. O egrégio CUZZERI, “Procedura civile”, 2ª ed., vol. 1, nº 14, pág. 401, pondera que o parecer, para constituir impedimento, deve ser dado na causa em aprêço. É o que acontece na espécie, tanto que lhe serviu de fundamento. Mas, ouçamos a lição de CUZZERI:
“O parecer (consiglio) que torna recusável o juiz, é o que êle deu na causa. Por isso, um simples parecer emitido, seja embora em questão idêntica à que se discute na lide, mas sem relação com a mesma e sem ser consultado sôbre ela, mas como voto científico, não pode certamente constituir motivo de recusa. É o amor próprio, o interêsse que o juiz pode ter, empenhado em sustentar a tese por êle próprio propugnada na espécie em disputa que o torna suspeito. Tratando-se, ao invés, de simples opinião em abstrato, faltaria o móvel da parcialidade e, por conseguinte, a base da recusa. Se não fôsse assim, o juiz deveria abster-se de expor os resultados dos próprios estudos e de publicar obras de jurisprudência, porque disso tirariam pretexto para recusá-lo aquêles que propusessem em juízo controvérsias sôbre as quais êle discutiu e se pronunciou”.
8. E é o bastante. Não há necessidade de invocar, como seria tão fácil, outras autoridades. Cumpre apenas esclarecer o papel do perito na causa. Certo o juiz pelo art. 258 não é obrigado a aceitar o laudo. Mas, nem por isso pode nomear perito suspeito, dado que a função dêste, na parte técnica, é primacial. Fale, por todos, LOPES DA COSTA, cit., vol. 2, nº 333, pág. 344:
“O perito no relatório (visum et repertum) é perito-percipiente: conta, o que observou. Na conclusão, porém, baseando-se nos dados da perícia, tira conclusões… É então perito–judicante. E por isso se aproxima das funções de juiz. O mesmo que o juiz faz com todo complexo material probatório, êle executa com o reduzido material que lhe foi indicado pelos limites necessários e bastantes para responder aos quesitos. O mesmo processo indutivo (observação dos fatos) e o mesmo processo dedutivo. O juiz, da maior, que é a norma legal, tira, através da menor, que é a espécie dos autos, a conclusão, que sempre vem na parte decisória da sentença. Para o perito a maior é, no seu silogismo, uma regra de experiência. A diferença é apenas que a conclusão do juiz tem a mesma fôrça que a lei. A do perito, só quando perfilhada pela decisão”.
Como, assim, confiar o estudo e esclarecimento imparcial e desinteressado, a parte básica da causa a quem já a prejulgou? Essa temeridade é tão grande, que MATTIROLO entende bastar para impedimento uma simples manifestação verbal (“Trattato”, vol. 1, 5ª ed., número 1.065, pág. 952 nota 4):
“Na Itália prevalece a doutrina segundo a qual, para que se possa recusar o juiz, é mister que êle haja dado o seu parecer por escrito sôbre a questão e para a questão que é objeto da causa… Não podemos aceitar inteiramente êste ensinamento. Certo, se o juiz manifestou, precedentemente, a sua opinião sôbre a questão abstrata, julgando outra causa, exprimindo o seu parecer como escritor ou professor, não haverá, em tal caso, razão suficiente para recusá-lo; mas se lhe coube manifestar o seu parecer sôbre fato relativo à causa, não parece que o único critério para saber se se pode, ou não, propor a recusa, deva consistir na circunstância de haver sido a opinião enunciada por escrito ou verbalmente. Um parecer puramente verbal pode ser mais preciso, mais circunstanciado do que um parecer dado por escrito; e, portanto, empenhar, mais do que êste, o amor próprio de quem o dá”.
9. Passemos ao segundo quesito, assim exposto:
“O dec.-lei nº 2.627, de 1940, estabelece que prescreve em três anos, a contar da publicação da ata ou da deliberação, a ação para anular as deliberações das assembléias, eivadas de êrro, dolo, fraude ou simulação, assim como ação de responsabilidade civil contra os diretores, fiscais ou liquidantes, por atos culposos ou dolosos, ou, também, violadores da lei ou dos estatutos (arts. 158 e 157 e parág. único, respectivos, 1ª parte). Mas na 2ª parte dêsses dispositivos estatui: “quando, porém, o ato ou fato constituir crime, o prazo da prescrição da ação civil será o da ação penal”.
Pergunta-se, então:
“a) Pressupõe a lei uma distinção entre fraude e dolo de natureza civil e fraude e dolo de natureza criminal, de sorte que seja possível a existência daquelas sem que, entretanto, se configure qualquer modalidade de crime?
b) Pode dizer-se, como disse o juiz na sua sentença, que, para admissibilidade da ação, com êsse prazo mais amplo, “não importa indagar do elemento moral do crime, pois que a responsabilidade civil é independente da responsabilidade penal”?
c) Sendo a prescrição matéria de mérito, ainda, que apreciada como preliminar, tem apoio no direito o fundamento da sentença, de que para admitir a prescrição estabelecida na lei penal (prescrição mais ampla) basta atender “ao fato em si, objetivamente considerado”? Ou será mister que e autor prove e caracterize perfeitamente o crime alegado, para que a prescrição se amplie?”
O que, portanto, se deseja saber é se a ação civil está prescrita pelo decurso do prazo de três anos, previsto nos artigos 156 e 157 do dec.-lei nº 2.627, de 26 de setembro de 1940. A veneranda sentença decidiu que não, em têrmos que convém reproduzir:
“Quanto ao prazo da prescrição, a disposição a aplicar-se ao caso dos autos é a do art. 157, parág. único, última alínea, da Lei das Sociedades por Ações:
“Prescreve em três anos a ação de responsabilidade civil contra os fundadores, diretores, fiscais ou liquidantes por atos culposos ou dolosos ou violadores da lei ou dos estatutos. Quando, porém, o ato ou fato constituir crime, o prazo da prescrição da ação civil será o da ação penal”.
“Ora, o que a autora imputa aos réus é a afirmação falsa sôbre as condições econômicas da sociedade, por êles feita através de balanços incorretos e de pareceres afirmativos de sua exatidão, em conseqüência dos quais foram pagos dividendos, comissões gratificações e impostos indevidos. O fato em si, objetivamente considerado, constitui o crime definido pelo Cód. Penal no art. 177, § 1º, itens I e VI. Portanto, a ação que tenha por fundamento êsse fato só prescreve no prazo de oito anos uma vez que a pena máxima cominada a êsse crime não excede de quatro anos de reclusão. Para admissibilidade da ação não importa indagar do elemento moral do crime, pois que a responsabilidade civil é independente da responsabilidade penal (Cód. Civil, art. 1.525; Cód. de Proc. Penal, arts. 64, 66 e 67). A existência ou não do fato imputado aos réus e suas circunstâncias caracterizadoras já são, já constituem o mérito da controvérsia”.
Dispõe o art. 157 e seu parág. único:
“Prescreve em três anos a ação de responsabilidade civil… por atos culposos ou dolosos ou violadores da lei ou dos estatutos”.
A prescrição, portanto é de três anos contar de quando o legislador determinou. Todavia, acrescentou-se:
“Quando, porém, o ato ou fato constituir crime, o prazo da prescrição da ação civil será o da ação penal”.
No corpo do artigo visaram-se, portanto, os atos culposos, dolosos e os violadores da lei e dos estatutos. Até aí foram encarados apenas sob a face civil. Mas, como êsses atos poderiam constituir crime, o legislador, no parágrafo, declarou que, nesse caso, o prazo da prescrição da ação civil seria o da ação penal. Fica assim, respondida a primeira parte do quesito (letra a): o legislador previu duas hipóteses. Uma referente ao dolo civil (prescrição de três anos); outra referente ao dolo criminal (prescrição da ação penal).
10. A segunda parte do quesito diz com o tópico, da sentença que convém retranscrever:
“Para admissibilidade da ação não importa indagar do elemento moral do crime, pois que a responsabilidade civil é independente da responsabilidade penal”.
Evidentemente êste raciocínio é defeituoso. Tanto, no caso, a responsabilidade civil não é independente da responsabilidade penal, que a prescrição aplicável não é a da lei civil mas a da lei penal. Porventura mais inaceitável é ainda a outra afirmativa: que não importa Indagar do elemento moral do crime. Mas, isto é o contrário do que está escrito na lei. Se esta só manda aplicar a prescrição da ação penal se o ato ou fato constituir crime, como dispensar a prova do elemento moral? Então um ato ou fato pode constituircrime só com o seu elemento material, dispensando-se o elemento moral?
11. Os escritores franceses e belgas, em cujos países há disposições semelhantes, explicam a razão do dispositivo. E que seria deplorável apurar-se na ação civil um crime já prescrito. DEMANTE et COLMET DE SANTERRE, 2ª ed., t. 5, nº 364-bis, pág. 660, em poucas palavras elucidam a questão:
“Compreende-se, aliás, que o legislador haja submetido a prescrição da ação civil, que nasce de um delito previsto no Cód. Penal, às mesmas condições da prescrição da ação pública, porque quis interessar as partes lesadas a provocar suas ações em tempo útil, e porque temeu o efeito deplorável que produziria a verificação judiciária de uma infração à lei penal que os tribunais seriam obrigados a deixar impune”.
12. BAUDRY et TISSIER, “Prescription”, ns. 626 e segs., estudam pormenorizadamente a matéria da prescrição da ação civil oriunda de um delito. E ensinam que prescrita a ação penal prescrita também está a ação civil, por ser a prescrição desta, seja pelo Cód. de Instrução Criminal, seja pelos arts. 9 e 10 do Código de 3 brumário do ano IV, a mesma da prescrição penal. O que importa, todavia, é verificar se o juiz da ação civil pode e deve qualificar o crime, para verificar se tem aplicação a prescrição da ação penal, ou se basta, desprezando o conteúdo subjetivo, fixar-se apenas no conteúdo objetivo. É certo que o art. 109 do Cód. Penal manda considerar a pena in abstracto, para efeito de extinguir a ação penal antes da condenação. Mas é coisa diferente. Aí, como resulta do artigo 41 do Cód. de Proc. Penal, já se conhece, pela denúncia ou queixa, o fato criminoso com tôdas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado e a classificação do crime. Aí o juiz já fêz um exame sumário da questão para os fins do art. 43 do Cód. de Proc. Penal. Entretanto, nem assim é essa a melhor solução. Em bom direito, o juiz deve apreciar tôdas as circunstâncias do fato, tal como exposto na denúncia ou queixa e tal como consta dos documentos que a instruem, para avaliar a pena in concreto. É o que ensina COSTA E SILVA (vol. 2, pág. 418):
“Se atendermos às razões que servem de fundamento ao instituto da prescrição criminal, teremos de convir em que com elas mais se harmoniza a opinião que manda fazer in concreto, tomando-se em consideração tôdas as circunstâncias objetivas e subjetivas do crime, a determinação dos prazos”.
13. Ora, isto se oferece inconvenientes na determinação do prazo de prescrição da ação penal, é de rigor ser observado no interpretar uma disposição que sujeita a prescrição da ação civil à da ação penal se o ato ou fato constituir crime. Para verificar se o ato ou fato constitui crime não há como deixar de analisar o conteúdo objetivo e subjetivo do ato ou fato. No caso, não se apreciou o elemento moral, pois o eminente julgador declarou que, “para a admissibilidade da ação, não importa indagar do elemento moral do crime”. E quanto ao elemento material tampouco o apreciou devidamente, pois se referiu “à existência ou não do fato imputado” como mérito da controvérsia. Entretanto, o fato imputado, tal como descrito na petição inicial, não constitui crime: trata-se de pura e simples ação civil de indenização. Como considerá-lo mérito de controvérsia criminal, quando não é disso que trata a inicial? Esta tem os característicos de queixa ou denúncia de um crime? Não tem. Como então basear-se nela, objetivamente, para sujeitar a ação civil já prescrita, ao maior prazo da ação penal?
14. O fato é que a respeitável sentença se afastou da boa doutrina. Cabia-lhe o exame aprofundado dos fatos narrados no libelo para extrair dêles, se possível, a figura de um crime. Não o fêz. Contudo, impedia-lhe fazê-lo. Não houve ação criminal. Não houve, portanto, estudo e classificação criminal do fato. O juiz da ação civil, para aplicar a esta, a mesma prescrição da ação penal, só tem um recurso: fazer o que ainda não se fêz, isto é, verificar se o ato ou fato constitui crime. É o que nos ensinam BAUDRY et TISSIER, loc. cit., nº 832:
“A hipótese diretamente prevista pelos textos do Cód. de Instrução Criminal é aquela em que o fato punido pela lei penal não deu lugar a nenhuma perseguição repressiva; êle não foi, por conseguinte, qualificado e caracterizado por um juiz criminal. É forçoso decidir que o tribunal civil tem a missão de determinar-lhe o caráter delituoso para concluir daí que a prescrição a aplicar é a prescrição estabelecida pela lei penal”.
No mesmo sentido: SOURDAT, “Responsabilité”, 8ª ed., t. 1, nº 378, páginas 385 a 368.
15. Na Bélgica, HENRI DE PAGE explica da mesma maneira o motivo de se unificar a prescrição da ação civil com a da ação penal: é para evitar o escândalo de se verificar na ação civil a existência de um crime que não pode ser punido por estar prescrito (“Traité”, t. 7, nº 1.359, pág. 1.210):
“E por que a ação civil cai sob a prescrição abreviada da ação penal? Primeiramente, e sobretudo; paia evitar o escândalo que resultaria de uma condenação civil contra um culpado reconhecido; contra uma pessoa que deveria ser castigada, mas que não mais pode sê-lo… Em uma palavra: não se pode admitir que uma ação civil revele que um crime não foi punido (“il ne faut pas qu’une action civile fasse apparaître qu’une infraction a échappé à la répression”)”.
16. Pode dar-se, porém, o caso, como na hipótese da consulta, em que o prazo da prescrição da ação civil seja menor do que o prazo da ação penal, consoante a classificação da sentença. Nessa hipótese desaparece a razão da lei para unificar as prescrições, podendo-se aceitar e adotar a seguinte lição:
“Il n’y a plus, en effet”, dizem BAUDRY et TISSIER, nº 636, “a craindre le scandale de la découverte d’un ocupable qu’on no peut plus punir”.
E, por isso, acrescenta HENRI DE PAGE, nº 1.380:
“Pode acontecer que a ação civil seja submetida a um prazo de prescrição mais curto que o da ação penal. Em tal caso, nenhuma razão existe para prolongá-lo(“En ce cas il n’y a aucune raison de le prolonger”)”.
Não obstante, a veneranda sentença prolongou.
17. Uma última observação. Trata-se de restituir dividendos. Dispõe o artigo 158:
“Prescreve em três anos a ação contra os acionistas para a restituição dos dividendos por êles recebidos de má-fé (art. 131, § 2º). O prazo da prescrição começa a correr da data em que foi anunciada a distribuição dos dividendos”.
Onde está aqui a regra de que essa prescrição se regula pelo prazo da prescrição da ação penal? Não existe. Logo, o disposto no parág. único do art. 157 não se aplica à restituição de dividendos, a qual se rege por dispositivo próprio. É evidente que os diretores receberam os dividendos como acionistas e não como diretores. O seu caso regula-se, portanto, pela disposição especial do art. 158.
18. Respondidas, assim, as outras duas partes do quesito, vejamos o terceiro quesito:
“A Sociedade Exportadora Junqueira Meireles S.A. tinha estoques de café, e nos seus balanços atribuía-lhes um determinado valor. Os peritos ignoram qual o tipo e qual a qualidade dos cafés componentes dos mesmos estoques, porque não existem mais as respectivas amostras. Podem considerar a avaliação dos ditos estoques, nos balanços, como excessiva, tendo apenas em conta a cotação de Bôlsa para o tipo 4 mole? Não parece temerária a afirmação dos peritos, principalmente tendo-se em consideração que êles ignoram, totalmente, se os estoques referidos eram constituídos por cafés melhores que os do tipo 4 mole?”
Ler o quesito é dar a resposta. Os peritos não foram chamados a emitir parecer sôbre o valor dos estoques, constantes do balanço, tendo em vista o valor de Bôlsa. Êsse valor, em regra, representa o tipo médio da mercadoria. GOLDSCHMIDT assim definiu o preço na Bôlsa (CARVALHO DE MENDONÇA, vol. 6, parte 3, nº 1.621, nota 2);
“O preço na Bôlsa é aquêle que para uma coisa de certa espécie e de qualidade determinada persiste na Bôlsa como preçomédio durante certo tempo”.
Ora, a cotação, que os peritas consideraram, referia-se a um certo tipo de café. O preço constante do balanço era dêsse mesmo tipo, ou era preço de café superior? É uma dúvida que só as amostras podiam resolver. Mas, as amostras não foram encontradas. Que concluir-se daí? Que os peritos podiam aceitar como adequado o preço da Bôlsa? É claro que não, porque o Cód. de Processo (art. 255, número III) não admite perícia quando a verificação fôr impraticável, em razão da natureza transitória do fato. A inexistência das amostras tornou, ela mesma razão, impraticável a perícia. Como podiam os peritos ver, examinar, verificar e concluir, sem as amostras, inutilizadas pelo decurso do tempo, que o café, cujo preço vem mencionado no balanço, era idêntico ao da cotação da Bôlsa? Por que não admitir que os cafés referidos no balanço figuraram por preço superior ao da Bôlsa, porque eram de qualidade melhor? O preço médio da Bôlsa afina com todo o gênero, ou diz apenas, como afirmou GOLDSCHMIDT, com certa espécie e determinada qualidade? O café, mencionado no balanço, era da espécie e da qualidade do que foi avaliado na Bôlsa? Não se ficou sabendo, porque as amostras não foram encontradas. Diante dessa dúvida não há senão aceitar-se como verdade o que consta do balanço, porque a falsidade e o dolo não se presumem.
19. Acresce que, não se, pode negar ao dono da emprêsa o direito de avaliar a sua mercadoria por critério próprio. Se daí resultar êrro, só uma prova fundada poderá ver nesse êrro um intuito fraudulento. É absolutamente certo que, sem prova de dolo, uma avaliação imperfeita não pode servir de base, só por ser imperfeita, para se concluir pela existência de má-fé. A não ser assim, nenhum balanço poderia ser elaborado sem formalidades judiciais: Ouçamos, a propósito, BRUNETTI, “Società”, vol. 2, número 705, pág. 457:
“Julgamos oportuno abandonar o preceito da verdade, não porque ela não deva, ser uma aspiração constante mas porque na elaboração dos balanços de sociedades é um ideal muitas vêzes inatingível. Os elementos do balanço são em grande parte de avaliação e em tôda a avaliação domina o critério subjetivo. O verdadeiro valor nunca se obtém com segurança. A avaliação, escreve WIELAND, não é um ensaio de aritmética lógica, mas a resultante de um juízo estimativo e como tal depende da opinião mais ou menos livre do empresário honesto, que pondera as experiências do passado e as possibilidades indeterminadas do futuro. Não se deve suscitar nêle a sensação angustiosa de estar sempre na dúvida entre o perigo de uma avaliação muito alta ou muito baixa”.
20. Sem dúvida o subjetivismo de apreciação dos dirigentes da sociedade não é ilimitado. Impende-lhes observar algumas regras que a lei impõe. Contudo, entre estas há uma que permite adotar o preço corrente no mercado (decreto-lei nº 2.627, art. 129, letra b). Ora, existe prova de que o estoque, cujo preço se impugna, não era o corrente no mercado? Não existe. Os peritos apegaram-se apenas à cotação da Bôlsa. Ainda assim, como vimos, indevidamente, porque não identificaram com essa cotação o café a que se refere o preço impugnado.
21. O quarto quesito indaga:
“Ainda que os balanços não estivessem exatos, por ter sido seguido um critério errado na avaliação do café, é razoável e justo, só por isso, dizer-se que os diretores praticaram o crime do art. 177, § 1º, nº VI, do Cód. Penal?”
Já vimos que não; e o próprio libelo, cingindo-se à ação civil, reconhece a inexistência de crime. Escreve NÉLSON HUNGRIA (“Comentários ao Código Penal”, ed. “REVISTA FORENSE”, vol. 7, pág. 285):
“No caso de balanço falso, porém, é preciso distinguir entre a hipótese de falsidade intencional e a de inexatidão por êrro de avaliação ou contabilidade”.
Nesta última hipótese, conclui o ilustre mestre, que nenhum crime poderá ser reconhecido. Mas, no caso dos autos, não se provou nada disso: nem falsidadeintencional nem inexatidão. Na resposta ao quesito anterior a matéria ficou esclarecida. O próprio julgador, na sentença, afirmou que não importava indagar do elemento moral do crime. Portanto, nenhuma falsidade intencional foi reconhecida.
22. Examinemos o quinto quesito:
“Os contratos de compra e venda de cafés, com faturamento dos preços apenas na chegada da mercadoria a Santos, são efetuados por correspondência. O comerciante, por carta, devidamente confirmada, compra um café, para pagar por ocasião de sua chegada. A seguir, com os conhecimentos no seu poder, revende, por carta, também confirmada, êsse café, com lucro, obrigando-se o comprador a pagar êste novo preço (em que o lucro está incluído) quando da chegada do café e mediante faturamento nessa ocasião. Êste lucro, decorrente do maior preço conseguido na revenda, sendo conseguido em um determinado exercício, constitui lucro dêsse exercício e pode ser incorporado ao balanço dêsse exercício, de modo a influir na distribuição dos lucros? Ou apenas pode ser considerado lucro do exercício imediato, se só nesse exercício imediato é o lucro apurado em dinheiro? Sendo a operação provada por carta e concluída com firma idônea, o seu lucro representa, em realidade, lucro do ano em que a operação é efetuada?”.
Portanto: 1º) a compra do café, para ser pago quando chegar a Santos, é feita por correspondência; 2º) de posse dos conhecimentos, o comprador revende a mercadoria, com o lucro ajustado incluído no preço, sendo a compra e venda confirmada por correspondência, na qual se individualiza o café mediante a relação circunstanciada dos respectivos conhecimentos; 3°) o recomprador do café se obriga a pagá-lo quando lhe fôr entregue, sendo então, para todos os efeitos, redigida a fatura do negócio.
23. Como se vê, compra e venda perfeita e acabada, que se integra, em tôdas as suas partes, no art. 191 do Cód. Comercial:
“O contrato de compra e venda mercantil é perfeitoe acabado logo que o comprador e o vendedor se acordam na coisa, no preço e nas condições; e desde êsse momento nenhuma das partes pode arrepender-se sem consentimento da outra, ainda que a coisa se não ache entregue nem o preço pago”.
É contrato puro e simples sem nenhuma condição. Apenas a sua execução, isto é, o pagamento, é que fica diferido: quanto ao primeiro vendedor, só, será pago quando o café chegar a Santos; o recomprador só pagará quando a mercadoria lhe fôr entregue. Mais nada. Tanto é contrato puro e simples, sem qualquer cláusula adjeta, que qualquer das partes, que não o cumpra, pagará à outra as perdas e danos correspondentes.
24. Em tais condições, surge a questão de saber se êsse contrato deve ser escriturado e se o lucro, dêle resultante, deve ser considerado lucro do exercício para o eleito de ser incluído na verba destinada a dividendos e percentagens. Quanto à escrituração, nenhuma dúvida pode ser levantada. Trata-se de uma operação de comércio e o Cód. Comercial exige, no art. 12, que tôdas as operações de comércio constem do “Diário”, bem como tôda a correspondência do “Copiador”.
Em tais condições; não é possível deixar de contabilizar o contrato na data em que foi concluído. Entretanto, se foi contabilizado, não pode deixar de constar do balanço. Quem o diz é uma grande autoridade, DE GREGORIO, “Bilanci delle società anonime”, 2ª ed., pág. 229: “pois que o balanço tem a finalidade de expor com exatidão a situação do patrimônio social e dêle fazem parte tôdas as obrigações de conteúdo patrimonial, nêle devem ser compreendidas e avaliadas também as derivantes das operações de execução diferida”.
Nem o contrário disso, afirmou DE GREGORIO, quando escreveu à pág. 227, nota 2, explicando a expressão lucros realmente conseguidos da lei italiana, no tocante às execuções diferidas:
“Não são ainda realmente conseguidos não porque não estejam ainda recebidos, porque esta condição, como veremos, não é imposta pela lei nos citados arts. 176 e 181, mas porque, podendo a sociedade dispor só no futuro das mercadorias adquiridas, não pode considerar como conseguido o lucro derivante da diferença entre o seu preço de custo e o seu valor atual… dado que falece a possibilidade de realizar no momento do balanço tal diferença, a qual pode ter desaparecido de todo quando “as mercadorias forem consignadas”.
Ficou, assim bem claro que DE GREGORIO tratou de hipótese diferente da que consta da consulta, pois explanou o caso em que a sociedade só efetue a venda no futuro, Isto é, só após o recebimento da mercadoria. Entretanto, no caso da consulta, a venda é feita antes do recebimento da mercadoria, possibilidade que ninguém contesta, uma vez que o revendedor tem contrato concluído, que lhe assegure a entrega da coisa comprada e revendida. Em tal caso, DE GREGORIO admite que a diferença possa ser contabilizada, como se vê da mesma passagem no tônico entre parênteses que ora reproduzo: “concedido que ela pode considerar como conseguido o lucro referido nos casos em que se trate de avaliar as mercadorias de que já pode dispor como proprietária”.
25. COPPER ROYER, “Sociétés Anonymes”, 3ª ed. t. 1, nº 265, tratando dos créditos que podem e devem figurar no balanço divide os devedores em três classes: bons, duvidosos, maus. Bons devedores, diz êle, são os que, segundo tôdas as probabilidades, pagarão integralmente o que devem no dia em que o crédito, que a sociedade possui contra êles, se tornar exigível. Ora, o contrato de que se trata é de vencimento breve e celebrado com firma idônea. Tem todos os característicos de contrato seguro; podendo, sem qualquer sombra de irregularidade, figurar no balanço do exercício em que foi feito e contribuir para a distribuição de lucros. Não seria difícil enumerar várias autoridades, o que concorria para delongar, sem necessidade, êste estudo. Basta ouvir um clássico na matéria (FOLLIET, “Le bilan dans les sociétés anonymes”, 3ª ed., pág. 230):
“Só os ganhos realizados podem ser distribuídos: isto é bem natural, porque um lucro futuro, eventual, não lograria formar senão um dividendo fictício. Mas, que se deve entender por ganhos realizados, por lucros adquiridos? Deve-se admitir, como DALLOZ, que: “se o ativo não estiver recebido (“encaissé“), se há cobranças a fazer, não pode ter lugar uma distribuição de dividendos”? Evidentemente, não. Não se pode impor semelhante restrição à distribuição de dividendos. É necessário, sem dúvida, que os lucros estejam realizados, mas há diferença fundamental, do ponto de vista contábil e jurídico, entre as palavras recebidos e realizados. Consideram-se como realizados os lucros produzidos por vendas a crédito, mesmo que nenhum recebimento haja tido lugar. Se, se exigisse que o lucro seja recebido, dever-se-ia refundir inteiramente todos os balanços atuais. Suponhamos que uma sociedade haja vendido, por 200.000, francos mercadorias a crédito, só tendo recebido 50.000 francos. Admitindo-se um lucro de 10% sôbre as vendas, ela realizou, portanto, um lucro de 20.000 francos. Contudo, segando esta teoria, ela não poderia distribuir senão 5.000 francos, pois foi esta a porção de lucros que recebeu. Nada disto, está na lei e nunca tal passou pela mente do legislador. O lucro é representado pelo excedente do ativo sôbre o passivo real e fictício. Ora, a lei diz, expressamente, que no ativo devem figurar também os créditos da sociedade. Se não fôr assim, cumpriria eliminar do ativo todos os devedores, e abranger, nas mercadorias armazenadas, as vendidas a crédito. Nenhum balanço contém tais distinções. Que a sociedade constitua reservas para os devedores duvidosos, estamos de acôrdo, mas que não possa distribuir o lucro realizado de vendas feitas a devedores solventes antes que hajam pago, isto, ainda uma vez, é inadmissível”.
26. Acrescentar alguma coisa a isto é descrer da inteligência alheia. Limito-me, portanto, a dizer que nossa lei admite, perfeitamente, a teoria exposta (GUDESTEU PIRES, “Manual das Sociedades Anônimas”, nº 191).
27. Estudemos o sexto quesito:
“Atendendo a que os conselheiros fiscais, assim como os diretores, recebiam balancetes mensais, pelos quais verificavam a situação da sociedade; e considerando que está mantinha o serviço de contabilidade em ordem, com livros revestidos das formalidades legais e escrituração perfeita, como os peritos verificaram não é lícito presumir que aquêles conselheiros, aprovando os balanços, tinham conhecimento do estado dos negócios sociais e da exatidão das contas?”
Certamente. Em tais condições, nenhuma responsabilidade cabe aos conselheiros fiscais. O que geralmente se pratica, êles praticaram. Bem dizem HOUPIN et BOSVIEUX, vol. 2, 7ª ed., nº 1.464, pág. 730:
“Nenhuma culpa poderá irrogar-se aos membros do conselho de vigilância, se êles cumpriram a missão, de que estavam encarregados, na medida compatível com a sua natureza e com o mecanismo das operações da sociedade, sobretudo quando a aparente regularidade e a concordância dos lançamentos não lhes permitiam descobrir os erros cometidos pelo gerente”.
É de inteira aplicação ao caso o seguinte excerto de RESTEAU, “Sociétés Anonymes”, 2ª ed., vol. 2, nº 1.123, página 245:
“Cumpre, evidentemente, entender razoàvelmente êste dever de vigilância e não exigir que se exerça em todos os instantes da vida, da sociedade, porque isso seria fazer renascer os inconvenientes que a lei quis evitar, autorizando o conselho a delegar uma parte de seus poderes”.
28. Mas, especialmente sôbre os membros do conselho fiscal, o professor DE GREGORIO, “I bilanci”, já citado, tem claro e oportuno ensinamento. Diz êle, nº 29, pág. 85:
“Todavia se, os síndicos não podem em nenhum caso omitir o que seja necessário para êsse escopo, não se deve, de outro lado, esquecer que a sua é uma função de “controlo complessivo” da contabilidade, e não de “controlo” sôbre cada particular registro contábil. Não se pode pretender deles o que razoàvelmente não se pode pretender. Também aqui, como sempre, a norma jurídica deve regular as relações econômicas e não lhes violentar a natureza. Basta, também uma superficial observação da complexa atividade das emprêsas comerciais e dos complicados, minuciosos e numerosos lançamentos a que dá lugar, para nos convencermos de que só é possível a empregados, ocupados permanentemente juntei à emprêsa, controlar um por um êsses lançamentos. Ora, o síndico não é um empregado social, êle não dá, nem pode dar – nem a lei o pretende – trabalho ininterrupto à emprêsa. A lei não o pretende, porque dizendo, no art. 184; nº 2, que os síndicos devem examinar ao menos em cada trimestre os livros sociais, demonstra que não julgou essencial à tarefa deles um exame contínuo da contabilidade social. A lei não o pretende, por que diz imediatamente, no mesmo artigo 184, nº 2, que o exame dos livros visa verificar a bondade do método de escrituração. Estas palavras denotam, evidentemente, um “controlo complessivo” e não um exame minucioso de todos os lançamentos contábeis”.
29. Deduz-se, ainda da lição do eminente professor DE GREGORIO, que o quando haja suspeita de fraude, de ordens ou irregularidades, ou quando circunstâncias de fato o determinem, só então, caberão indagações mais minuciosas (loc. cit., pág. 87):
“De modo que, coordenando as várias exigências impostas pela lei para cumprimento da tarefa dos síndicos, creio se possa com segurança concluir: que os síndicos são em qualquer caso obrigados a rever trimestralmente os livros sociais para verificar a bondade do método de escrituração; que são durante o exercício obrigados às mais minuciosas indagações contábeis se isso seja exigido por suspeita de fraudes, desordens e irregularidades; que são obrigados, no fim do exercício, a fazer as indagações contábeis necessárias para julgar com conhecimento de causa da exatidão do balanço. E também, nesta última obrigação, a exigência de uma mais ou menos minuciosa perquirição dependerá das várias circunstâncias de fato: das condições da emprêsa, da maior ou menor vigilância exercida precedentemente pelos mesmos síndicos sôbre a contabilidade social, da dúvida de que se possa ter cometido irregularidade, da natureza de algumas rubricas (pense-se em certas rubricas sibilinas ou demasiado genéricas das quais se não possa apreciar o alcance sem remontar às contas a que se referem), e assim por diante”.
Melhor resposta para o quesito não era possível encontrar. Pelo que nêle se expôs, à luz da lição do sábio professor italiano; nada há que se possa increpar aos membros do conselho fiscal.
30. E ficam assim respondidos os quesitos propostos. O eminente julgador foi por demais severo no apreciar os textos legais aplicáveis à espécie. Entretanto, não é isso que os autores recomendam. Fale, por exemplo, SPENCER VAMPRÉ, “Tratado”, vol. 2, pág. 282:
“No apreciá-la deve o juiz agir com tôda a prudência e eqüidade, fundando sua sentença nos fatos e elementos da causa, e tendo sempre em vista que a lei não atribuiu aos administradores o caráter de garantes, ou abonadores, das operações sociais, relativamente aos acionistas, ou à sociedade, nem lhes impôs responsabilidades tão pesadas, que dificultassem o preenchimento do cargo, por quem é cioso de sua reputação e “tranqüilidade”.
Não se deve jamais atribuir aos administradores obrigações que a lei não lhes impôs, quanto à obrigação de vigilância, pois esta não passa, segundo DE GREGORIO (cit., pág. 81), de uma “generica funzione”, que não abrange, nem pode abranger, obrigações próprias de funcionários da emprêsa. Ao apreciar, por exemplo, a prescrição, cumpre encará-la como um benefício criado em favor do administrador, como bem salienta o professor belga LOUIS FREDERICQ, “Droit Commercial Belge”, t. 5, nº 767, pág. 1.077:
“Oriundas das necessidades econômicas, considerações de interêsse geral “justificam a curta prescrição. O legislador quis liberar o patrimônio dos mandatários sociais em um prazo razoável. Êstes não devem ficar por muito tempo sob a ameaça de perseguições eventuais. Poucas pessoas sérias consentirão em aceitar a missão que se lhes oferece se durante 30 anos, puderem ser inquietadas, correndo o risco de se verem demandadas em uma época em que desapareceu a lembrança dos próprios fatos que se lhes imputam”.
31. VIVANTE salienta da mesma forma a necessidade da breve prescrição (vol. 2, nº 575):
“Os sócios não são obrigados a restituir os dividendos recebidos de boa-fé, na conformidade do balanço aprovado. Se ficassem expostos ao perigo de restituí-los, provàvelmente depois de já havê-los gasto nas despesas cotidianas, ninguém quereria aventurar os seus capitais em uma sociedade por ações”.
32. Quanto à responsabilidade solidária, cumpre não esquecer que ela só deve atingir o administrador culpado. É o que diz VIVANTE (nº 630): “la solidarietà sussiste solo fra gli ammnistratori colpevoli… Senza colpa non v’ha solidarietà, altrimenti si colpirebbero quelli che fecero il loro dovere, quelli che al pari degli azionisti furono vittime innocenti delle frodi e delle colpe di altri amministratori”.
O clássico SARDEGNA, “Società anonime”, nº 373 também ensina que “la solidarietà sussiste per la colpa degli amministratori, ma tra quelli soltanto che resulterà siano stati in colha”. E mais recentemente, os insignes professôres de Madri, GARRIGUES e URIA, em seu “Comentario a la Ley de Sociedades Anónimas”, t. 2 pág. 137, ensinam que “las leyes que hablan de solidariedad de los administradores se refieren exclusivamente, aunque no lo digan, a la solidariedad de loa administradores culpables”.
33. Para finalizar, convém meditar no seguinte fragmento de uma preciosa nota do professor LUIGI LORDI, publicada na “Rev. del Diritto Commerciale”, vol. 35, parte 2, pág. 422:
“De qualquer modo cumpre ter presente que quase sempre ao lado de administradores verdadeiramente culpados” (quero dizer, que pecaram por malícia) “há administradores honestos, mas culpados por não terem sabido vigilar. Êstes administradores, moralmente mais escusáveis, são habitualmente perseguidos com maior tenacidade: porque quase sempre são os mais ricos”.
São Paulo, 23 de maio de 1956. – Antão de Morais, desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo.
LEIA TAMBÉM O PRIMEIRO VOLUME DA REVISTA FORENSE
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 1
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