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Sociedade de capital e indústria

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FINANCEIRO E ECONÔMICO

REVISTA FORENSE

Sociedade de capital e indústria – Patrimônio e capital – Divisão dos lucros sociais

CAPITAL SOCIAL

DA LIQUIDAÇÃO DA SOCIEDADE

PATRIMÔNIO DA SOCIEDADE

PERSONALIDADE JURÍDICA DA SOCIEDADE DE CAPITAL E INDÚSTRIA

REVISTA FORENSE

REVISTA FORENSE 149

SOCIEDADE DE CAPITAL E INDÚSTRIA

Revista Forense

Revista Forense

04/03/2022

REVISTA FORENSE – VOLUME 149
SETEMBRO-OUTUBRO DE 1953
Semestral
ISSN 0102-8413

FUNDADA EM 1904
PUBLICAÇÃO NACIONAL DE DOUTRINA, JURISPRUDÊNCIA E LEGISLAÇÃO

FUNDADORES
Francisco Mendes Pimentel
Estevão L. de Magalhães Pinto

Abreviaturas e siglas usadas
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CRÔNICA

DOUTRINA

PARECERES

NOTAS E COMENTÁRIOS

  • Autoridade do julgado civil no Juízo Criminal – Fernando de Albuquerque Prado
  • A inseminação artificial em face da moral e do direito – Armando Dias de Azevedo
  • As garantias de reparação de danos no código do ar – Floriano Aguiar Dias
  • Responsabilidade civil pelos meios de transporte – Stefan Luby
  • Cheque com endôsso falso – Edmundo Manuel de Melo Costa
  • Registro de títulos de programas radiofônicos – Aloísio Lopes Pontes
  • Ciência, teoria e doutrina econômica – Oscar Dias Correia
  • Negociação habitual por conta própria ou alheia na rescisão do contrato de trabalho – Evaristo de Morais Filho
  • Irradiação das atividades judiciárias de natureza penal – Jairo Franco

BIBLIOGRAFIA

JURISPRUDÊNCIA

  • Jurisprudência Civil e Comercial
  • Jurisprudência Criminal
  • Jurisprudência do Trabalho

LEGISLAÇÃO

Sobre o autor

João Eunápio Borges, professor da Faculdade de Direito da Universidade de Minas Gerais.

PARECERES

Sociedade de capital e indústria – Patrimônio e capital – Divisão dos lucros sociais

– Salvo acôrdo em contrário, o sócio da indústria tem direito de exigir, na liquidação da sociedade, a venda de todos os bens que constituem o seu patrimônio.

– Pagas as dívidas da sociedade e reembolsado o sócio do valor nominal de sua cota de capital, todo o excedente constitui lucro partilhável entre os sócios, na proporção estabelecida no contrato.

Parecer

O Sr. I. C. faz parte, desde 1943, como sócio de indústria, de uma sociedade mercantil, de capital e indústria, que, em Ituiutaba, neste Estado, girava sob a firma social de B. & Cia. É sócio capitalista o Sr. A. B.

Estando em liquidação a referida sociedade, consulta-me o sócio de indústria I. C. se tem direito a uma parte do acervo social, composto de imóveis, maquinários, instalações de fábricas, móveis e utensílios, mercadorias, direitos diversos etc., ou se, na liquidação final, só lhe cabe receber a parte de lucros realizados com a venda dos produtos em estoque.

Sociedade de capital e indústria

A sociedade de capital e indústria, quando formada, sob firma social, é simples modalidade da sociedade elo nome coletivo, sendo-lhe aplicáveis, nos têrmos do art. 318 do Cód. Comercial, as disposições relativas àquela saciedade.

As críticas de que é alvo tal sociedade, pelos comentadores de nosso Código, assim como pelos do argentino, que o copiou, giram em tôrno da regulamentação dela, como um tipo à parte, quando, em rigor, “não se trata de tipo especial de sociedade, porém de um modo de sua composição”.1 É assim que, apesar de disciplinada apenas em pequeno número de legislações, como tipo especial de sociedade, as demais a admitem, permitindo que a simples atividade de um ou mais sócios, o seu trabalho, a sua capacidade técnica etc., constitua a sua cota de capital.

Aliás, o dispositivo do art. 319 do nosso Cód. Comercial, que, no silêncio do contrato, atribui ao sócio de indústria uma cota nos lucros igual à que fôr estipulada a favor do sócio capitalista, de menor entrada, inspirou-se no art. 1.853 do Código Civil francês, segundo o qual “… à l’égard de celui quê n’a apporté que son industrie, sa part dans les bénéfices ou dans les pertes est réelée comme si sa anise eût été égale a celle de l’associé quê a le moins apporté”. Norma que aqui, como na França, na Itália e em tôda parte, é geralmente criticada, uma vez que a simples indústria, o trabalho, a capacidade de um sócio, posta a serviço de uma emprêsa, pode representar, e freqüentemente representa, para o êxito e para a vida da emprêsa, elemento muito mais valioso do que a maior cota de capital, em dinheiro ou em bens de qualquer espécie.

É desnecessário encarecer, porque ninguém pode ter dúvidas a respeito, que o elemento humano, as qualidades pessoais, a competência, a honradez, a capacidade técnica, a disposição para o trabalho de um sócio, superiormente dotado, sobreleva de muito qualquer contribuição em bens. Não há capital em dinheiro que se equipare a um tal sócio de indústria. Daí permitirem as legislações, que não acolheram a sociedade de capital e indústria como tipo especial de sociedade, vendo nela simples modo de constituição de capital social, que a contribuição representada pelo trabalho de um sócio seja avaliada previamente em dinheiro e se some as demais untas para a formação do capital social.

Quantas vêzes é o sócio de indústria o maior, senão o único fautor da prosperidade e do crescimento de um estabelecimento comercial, cujos sócios capitalistas não conseguiriam, sem ele, fazer frutificar o seu capital. Sem a cooperação decisiva daquele sócio, que não deu à sociedade a menor cota de capital, mas para ela entrou com coisa muito mais valiosa – a sua pessoa, a sua atividade incansável, a sua dedicação sem limites a sua vida inteira, tôda devotada, àquela sociedade – sem a cooperarão dêsse sócio os mais vultosos capitais permaneceriam, talvez estéreis, e a emprêsa estaria condenada ao insucesso e à falência.

Dizia, pois, muito bem a nossa velha Ordenação do Reino, em seu Livro 4°, título 44, § 9°, que “poderá muitas vêzes a indústria e saber de alguns dêles ser de mor valia e proveito para a mesma companhia, que o cabedal que os outros meterem, e assim será justo, que êste tal tenha mais no ganho e menos na perda”.

Se assim era, e assim se pensava e se legislava, àquele tempo que, que dizer-se hoje, em que se impõe definitivamente ao reconhecimento de todos a preeminência do trabalho humano, que se cuida, com razão e com justiça, de colocar, em relação ao capital, no lugar de honra que lhe compete?

Capital social

Atente-se no seguinte: o capital é coisa material, eminentemente fungível. Para o êxito de um empreendimento, é de todo indiferente que o dinheiro constitutivo de seu capital, venha do sócio A, do sócio B, ou que tenha sido obtido por empréstimo dêsse ou daquele banco. O trabalho de um sócio de indústria pode ser insubstituível. E tais sejam as qualidades pessoais dêsse sócio, sôbre êle exclusivamente, e em tôrno dêle, girará tôda a vida da sociedade.

Deixemos, porém, à margem essas e outras considerações, e vejamos se nosso direito positivo, menos sábio e eqüitativo do que as velhas Ordenações do Reino, deixou ao desamparo os sagrados direitos do sócio de indústria.

É coisa elementar que tôda sociedade mercantil, excetuada apenas a “em conta de participação”, tem personalidade jurídica. A sociedade de capital e indústria é também uma pessoa jurídica. Quer isso dizer que a sociedade de capital e indústria B. & Cia. “tem existência distinta de cada um de seus membros. Não sòmente existência. Também seu patrimônio. Inconfundível é êsse com o dos “sócios… Transfundem-se as parcelas dos patrimônios individuais no patrimônio comum ou societário, a pertencer exclusivamente à sociedade. Desde êsse momento, a nenhum sócio assiste mais qualquer fração dominial, nem mesmo idealmente sôbre êle… O patrimônio é, pois, da sociedade. Só e exclusivamente dela. São palavras de VALDEMAR FERREIRA.2

Perfeito, nessa parte, o ensino do ilustre professor de São Paulo, que sintetizou o que resulta da lei e o que todos os autores repetem. Constituída, a sociedade, formado o seu capital, para o qual – é de sua essência – todos os sócios contribuem “com alguma cota, ou esta consista em dinheiro ou em efeitos e qualquer sorte de bens ou em trabalho ou indústria” (artigo 237 do Cód. Comercial), o patrimônio da sociedade – o qual se identifica, a princípio, com o seu capital inicial, – o patrimônio da sociedade, o seu capital, pertence à sociedade, à nova pessoa gerada pelo contrato social, e não a qualquer dos sócios componentes.

E quando se tratar, como no caso da consulta, de sociedade, de capital e indústria, com dois sócios apenas, um de capital e outro de indústria? A solução é, evidentemente, a mesma. Nem seria possível que os bens de uma sociedade pertencessem simultâneamente a duas pessoas distintas: à sociedade e ao sócio capitalista. Ou pertencem à sociedade, como de fato pertencem. Ou, contra a lei e contra todos os princípios, pertenceria ao sócio capitalista e tal sociedade seria uma simples burla. Não teria a personalidade jurídica, que a lei lhe assegura, não teria existência distinta da pessoa do sócio capitalista, não teria patrimônio próprio, não teria nada.

Isto é, ela seria e não seria, ao mesmo tempo, uma pessoa jurídica. Ela teria e não teria, ao mesmo tempo, um patrimônio.

Claro, pois, e evidente que, constituída a sociedade, para cujo capital o sócio capitalista entrou com dinheiro ou qualquer sorte de bens, e o de indústria apenas com o seu trabalho (art. 287 do Código Comercial), tal capital passou a ser propriedade de quem? Do sócio capitalista? Não. Da sociedade, da pessoa jurídica formada pelos dois sócios. Sociedade que tem existência, própria e patrimônio próprio, inconfundível com o de qualquer dos sócios.

Personalidade jurídica da sociedade de capital e indústria

Não percamos de vista, por conseguinte, que, na sociedade de capital e indústria, como em qualquer outra, dotada de personalidade jurídica:

a) o patrimônio é da sociedade;

b) nenhum sócio – seja de capital, seja de indústria – é proprietário ou co-proprietário daquele patrimônio, que pertence exclusivamente à sociedade, e não aos sócios, ou a algum dos sócios, em condomínio.

No caso em exame, todos os bens da sociedade B. & Cia., todos, sem exceção, pertencem à, sociedade, e não ao Sr. A. B., que é o único sócio capitalista. Quem pensaria, aliás, em exigir, para a vencia de um imóvel dessa sociedade, a outorga uxória, da mulher do sócio capitalista? Tal exigência seria, no entanto, indispensável se o sócio capitalista fôsse proprietário, ou co-proprietário dos bens sociais.

Sòmente em uma hipótese, conserva o sócio, em qualquer tipo de sociedade, o domínio sôbre os bens com que contribuiu para a formação do capital social: é quando a coisa, com que entrou para a sociedade, foi conferida, não a título de propriedade, mas, simplesmente, a título de uso ou de gôzo. Porque, em tal caso, o sócio não transmitiu à sociedade a propriedade da coisa, limitando-se a conferir-lhe o direito de usá-la, e obrigando-se ela a conservá-la para, finda a sociedade, restituí-la in natura àquele sócio.

Conferida, porém, a cota a título de propriedade: “… A, a coisa, seu objeto, transfere-se à sociedade logo que esta, adquirindo personalidade jurídica, a recebe pela tradição… B, o sócio perde todo o direito sôbre a coisa conferida; não a pode reivindicar, nem exigir da sociedade. Na liquidação da sociedade, o sócio conferente não tem preferência sob esta coisa, confundida com todos os outros bens. É o saldo líquido que se partilha entre todos os sócios”.3

Relembrados tais princípios, que são elementares em direito comercial, é incompreensível e é, data venia, insustentável, o que, em parecer que figura no 1° vol. do “Compêndio das Sociedades, Mercantis”, afirma VALDEMAR FERREIRA, à pág. 478: “Não concorrendo com vintém para o capital da sociedade, senão com a sua indústria sòmente, o sócio de indústria, como sócio personalista, que é, não co-participa do acervo social, em caso de partilha. Co-participa apenas dos lucros, para cuja produção haja contribuído, por serem êles remuneratórios de seu trabalho; e nada, mais”. Isso porque “o sócio de indústria não é condômino nem co-proprietário dos bens constituintes do patrimônio social”.

Evidentemente, o que se transcreveu acima deve ser explicado por um dêsses cochilos a que não escapou nem mesmo o próprio HOMERO…

Mesmo porque, não fôsse, data venia, absolutamente imprestável, o argumento provaria demais e afastaria da partilha do acervo social todo e qualquer sócio, os de capital, inclusive. Porque, não é apenas o sócio de indústria que não é “condômino ou co-proprietário dos bens sociais”. Nenhum sócio o é como todo mundo sabe e como o afirma, superiormente, o Sr. VALDEMAR FERREIRA: “… a nenhum sócio assiste mais qualquer fração dominial, nem mesmo idealmente, sôbre êle; o patrimônio social é, pois, da sociedade. Só e exclusivamente dela”.4 Claro, pois, que, se, pelo fato de não ser condômino do patrimônio social, o sócio de indústria não pode participar do acervo social, na partilha final, pelo mesmo motivo, não o compartilharia qualquer outro sócio, capitalista ou não.

Ou, quem sabe, quis o Sr. VALDEMAR FERREIRA afirmar simplesmente que o sócio de indústria não é condômino do capital social, no sentido de que não contribuiu êle, para a sua formação, com qualquer cota em dinheiro ou em outra espécie de bens? E, por tal motivo, na partilha final, não terá nenhuma parcela do capital a retirar para si? Se é apenas isso o que quis dizer, o ilustre professor de São Paulo teria incidido no grave equívoco de confundir capital social com o patrimônio ou acervo social. Coisas absolutamente inconfundíveis, no entanto, quer jurídica quer contàbilmente.

Patrimônio da sociedade

Patrimônio da sociedade – aquilo que VIVANTE denomina de capital efetivo – é o complexo de tôdas as relações jurídicas de que ela é titular, relações de propriedade, de gôzo, de garantia, etc.

Em contraste com o capital social, nominalmente fixado, de maneira estável, por uma cifra contratual, que exprime o valor, em dinheiro, da soma de tôdas as cotas de que se formou, inicialmente, o capital da sociedade. Tal cifra, que é invariável (salvo reforma contratual ou estatutária), tem, durante a vida da sociedade, simples função contábil-jurídica, tem existência de direito e não de fato.

Enquanto o capital permanece fixo e invariável, o patrimônio – complexo de bens, direitos e obrigações da sociedade é eminentemente variável: aumenta, com a prosperidade do estabelecimentos diminui, com os prejuízos e reveses que êle sofre.5

Repita-se, pois: seria tolerável dizer que o sócio de indústria não é condômino do capital social, para significar simplesmente que êle, não havendo contribuído com qualquer parcela em bens para a sua formação, não tem a receber, finda a sociedade, nenhuma parte de capital. Mesmo porque o sócio de indústria retira sempre a parte com que contribuiu para o capital – o seu trabalho, a sua indústria – readquirindo a liberdade de que, colocando-se a serviço exclusivo da sociedade, êle estivera privado durante, a vida desta. Cada sócio, além dos lucros, retira-se com o capital com que entrou para a sociedade: uns, com dinheiro, outro, com a sua atividade, a sua indústria, o seu trabalho.

Falar-se, porém, em condomínio do patrimônio social (que é da sociedade exclusivamente) para atribuí-lo aos sócios capitalistas e negá-lo aos de indústria; e, em conseqüência, afirmar-se que sòmente aquêles, com exclusão dêstes, têm direito sôbre o acervo social, sôbre o patrimônio social, isso, data venia, é absolutamente insustentável em nosso direito, que consagra, de modo expresso, a personalidade jurídica das sociedades mercantis.

Nem chego a compreender por que motivos e sob que fundamentos se pensa em negar ao sócio de indústria a parte a que tem direito, na liquidação final de uma sociedade. Como sócio que é, devendo participar dos lucros sociais na proporção estabelecida no contrato, o sócio de indústria tem direito a:

1) receber periòdicamente, na referida proporção, sua parte nos lucros que forem apurados em balanço semestral ou anual;

2) receber, ao liquidar-se a sociedade, a parte que lhe couber, na partilha do acervo social.

Da liquidação da sociedade

E, como fazer tal liquidação?

Do mesmo modo que em qualquer outra sociedade. O processo será sempre o mesmo: “Não chegando a entendimento os interessados, inexistindo forma contratual preestabelecida, os bens vendem-se em leilão público, a fim de, com o produto, pagarem-se os credores, e partilhar-se o saldo entre os sócios… Pagos êles, primeiramente de suas respectivas cotas de capital, na proporção de seus valores, depois de seus créditos particulares, o que supera, como lucro, se distribui na proporção determinada no contrato social”.6

Apenas com a restrição de que, na partilha final, os créditos particulares dos sócios, como dívidas da sociedade, serão atendidos com prioridade sôbre as cotas de capital de cada um, está perfeita a lição acima. É ela de VALDEMAR FERREIRA.

E não existe na lei nenhum dispositivo, nem no direito nenhum princípio, que nos obrigue a distanciar-nos dela, na liquidação de uma sociedade de capital e indústria.

A regra é a mesma: vendidos os bens sociais, pagas tôdas as dívidas da sociedade, pagos de suas cotas de capital os sócios – capitalistas – o que supera… é lucro, a ser partilhado entre todos, todos os sócios na proporção prevista no contrato social.

Nem pode haver, em tôrno disso, a menor sombra de dúvida ou de divergência. Pois ninguém será, capaz de negar que o sócio de indústria tem direito aos lucros sociais. E, ao liquidar-se uma sociedade, é evidentíssimo que, depois de pagos todos os encargos e dívidas sociais, constitui lucro, simplesmente lucro, tudo aquilo que ultrapassar o valor numérico do capital.

Isso é, aliás, tão claro, tão simples e tão intuitivo que os nossos comercialistas silenciam, em geral, a respeito. Nunca pensaram que a matéria pudesse gerar dúvidas, tal a clareza dos textos e dos princípios que a disciplinam. O assunto, examinado. porém, por comercialistas de outras terras, nunca recebeu solução diferente.

Na Itália, sem discrepância, apóiam todos o ensino de VIVANTE que, examinando a coexistência, numa sociedade, de sócios de capital e sócios simplesmente de indústria, considera lucros partilháveis, “utili ripartibili”, em um balanço final, “tudo aquilo que restar depois de pagos os sócios de capital das importâncias que forneceram para a sua constituição”.7

Na França, a mesma coisa: LACOUR ET BOUTERON, sintetizando a lição uniforme de seus doutores, ensinam que, nos casos em que o ativo líquido de uma sociedade e superior ao capital inicial, o excedente que houver, depois de reembolsados os sócios capitalistas de suas cotas de capital, tal excedente constitui lucro líquido, a ser partilhado entre todos os sócios (os de indústria, inclusive), de acôrdo com as cláusulas contratuais.8

Não comporta, pois nenhuma dúvida a questão que constitui objeto dêste parecer.

Dissolvida, por qualquer motivo, amigável ou judicialmente, uma sociedade de capital e indústria, ela deverá liquidar-se como qualquer outro tipo de sociedade. Assim, se houver acôrdo entre todos os sócios, os de indústria, inclusive, que não são menos sócios do que os demais, a liquidação se fará conforma bem entenderem e combinarem. À falta de acôrdo, a solução única será, a que vimos anteriormente, na lição de VALDEMAR FERREIRA:

a) realização do ativo, isto é, a venda de todos os bens da sociedade, para a sua conversão em numerário;

b) o pagamento das dívidas sociais;

c) o pagamento aos sócios capitalistas das cotas com que entraram para a formação do capital da sociedade. (Os sócios de indústria recebem também, em rigor, a sua cota, reintegrando-se na plena liberdade e na disponibilidade de suas pessoas, de sua atividade, de sua indústria.);

d) a partilha do saldo que houver entre todos os sócios, de acôrdo com as disposições contratuais.

Mas, perguntar-se-ia ainda: há casos em que, constituída em imóveis a cota dos sócios capitalistas, verifica-se que o único lucro apurado, na liquidação da sociedade, provém da valorização daqueles imóveis. Não fôra tal valorização, e, às vêzes, não fôra a simples depreciarão da moeda, não teria havido lucros. Ou antes, a sociedade teria dado prejuízo. Será, razoável dessa hipótese, muito comum, aliás, que o sócio de indústria, “que não concorres com vintém para o capital da sociedade”, que em nada influiu também, nem para a valorização dos imóveis, nem, muito menos, para a depreciação da moeda, será razoável e será justo que êle venha a participar de tal valorização, recebendo parte dela, como se fôsse lucro da emprêsa?

A solução não se modifica, em face da lei e dos princípios aplicáveis, já exaustivamente expostos. Nem deve modificar-se, em face da justiça e da eqüidade.

A resposta é a mesma, em face da lei e dos princípios examinados; o imóvel em questão se conferido a título de propriedade pelo sócio capitalista, passou a pertencer à sociedade; não assiste mais sôbre êle, ao sócio capitalista, desde o momento da transmissão à sociedade, “qualquer fração dominial, nem mesmo idealmente”. Não é êle, nela proprietário, nem co-proprietário de tal imóvel, cujo valor, em dinheiro, por ocasião da constituição da sociedade, representa – aquêle valor e nulo o imóvel – a sua cota de capital na sociedade. Em tal hipótese, pois, como em qualquer outra (a não ser que prevista no contrato ou aceita pelos sócios, unânimemente, outra forma de liquidação), esta se fará: vendendo-se o imóvel, pagando-se tôdas as dívidas da sociedade, reembolsando-se os sócios capitalistas de seu capital inicial e… o resto é lucro, partilhável entre os sócios.

Aliás, já o vimos, o imóvel poderia ter sido conferido, pelo sócio capitalista, a título de simples gôzo ou uso, reservando-se êle, expressamente, o direito de reavê-lo, finda, a sociedade. Se não o fêz, se preferiu, para ter uma cota maior, entregá-lo a título de domínio à sociedade, sibi imputet… Ou, provàvelmente, a sociedade, em outros moldes, não teria interessado ao sócio de indústria. Seja como fôr, porém, se a sociedade se tornou proprietária do aludido imóvel, é claro que, se ele frutificou, se êle se valorizou, beneficia-se da valorização a sociedade-proprietária do imóvel e não o sócio a quem pertenceu anteriormente. Res frutificat domino.

Pense-se, aliás, na hipótese inversa, que ocorre freqüentemente em velhas e decadentes cidades do interior: a desvalorização dos imóveis. Quem suportaria o ônus da desvalorização? Evidentemente a sociedade e, pois, em conseqüência, também o sócio de indústria, cujos lucros diminuiriam ou desapareceriam totalmente, absorvidos pela desvalorização do imóvel.

A hipótese não escapou ao exame da doutrina francesa. LYON CAEN ET RENAULT a estudaram, com a habitual lucidez e penetração, para concluir que, à falta de qualquer dispositivo legal que permita levar-se em conta, em tais casos, a depreciação da moeda (e, pois, a valorização numérica dos bens), não têm os sócios de capital nenhum direito a um reajustamento de valores, nada podendo exigir além do valor numérico de sua cota.9

A solução não deve modificar-se, em face da justiça e da eqüidade: em primeiro lugar, pelas considerações expendidas inicialmente em tôrno do maior valor que tem ou pode ter, em certos casos a cota de trabalho ou de indústria, em relação às cotas de capital; em seguida, porque correndo os riscos de uma desvalorização, igualmente possível (instalações e máquinas que se tornam imprestáveis ou obsoletas, construções que se arrumam. etc.), que se refletirá, fatalmente, na liquidação final, sôbre a sua cota de lucros, nada mais razoável, nada mais justo e mais eqüitativo do que assegurar ao sócio de indústria – como o faz a nossa lei – que participe igualmente de valorização – mesmo excepcionalmente grande – de que se tenham beneficiado os imóveis conferidos, a título de propriedade, pelo sócio capitalista.

Concluindo, pois, respondo, sem a menor dívida e com a mais absoluta convicção:

1) Salvo acôrdo em contrário, o sócio tem direito de exigir, na liquidação da sociedade de que faz parte, como sócio de indústria, a venda, de todos os bens móveis e imóveis, corpóreos e incorpóreos, que constituem o patrimônio de B. & Cia. Tais bens pertencem a B. & Cia. e não a A. B.

2) Pagas as dívidas da sociedade, reembolsado o sócio A. B. do valor nominal de sua cota, de capital, todo o excedente constitui lucro partilhável entre os dois sócios, na proporção estabelecida no contrato social.

Notas

1 CARVALHO DE MENDONÇA. “Tratado de Direito Comercial Brasileiro”, 2ª ed., vol. 3º, número 763, pág. 197.

2 VALDEMAR FERREIRA, “Instituições de Direito Comercial”, 1ª ed., nº 220, pág. 267.

3 CARVALHO DE MENDONÇA, ob. e volume cits., nº 548, pág. 37.

4 VALDEMAR FERREIRA, ob., vol. e lugar cits., em nota 2.

5 VIVANTE, “Trattato di Diritto Commerciale”, 5ª ed., nº 457, pág. 192: “...In antitesi al patrimonio ou capitale efettivo essencialmente mutevole, sta il capitule nominale della società fissato stabilmente da una cifra contrattuale, che ha una funzione contabile e giuridica, un’esistenza di diritto e non di fatto… La diferenza fra il patrimonio sempre, mutevole e il capitule, cifra constante, non è accompagnata nel bilancio da alcuna variazione del capitule fisso, ma dalla variazione dei fondi accessori, delle riserve, del profitti o delle perdite, che aggiunti al capitale corrispondono all’intero patrimonio della società”.

6 VALDEMAR FERREIRA, ob. e vol. cits., nº 280, pág. 322.

7 VIVANTE, ob. e vol. cits., nº 812, pág. 513: “…Questo criterio di divisione conduce a resultati, di giusta eguaiglianza perchè se il socio d’industria ha dato il suo lavoro, l’altro ha abbandonato alla società l’interesse del suo denaro”.

8 LACCOUR ET BOUTERON, “Précis de Droit Commercial”, 3ª ed., nº 366, pág. 279.

9 LYON CAEN ET RENAULT. “Traité de Droit Commercial”, 5ª ed., tomo 2º, parte 1ª, número 422, pág. 409: … il faut décider qu’en l’absence de toute disposition légale permettant actuellement de tenir compte de la depréciation de la monnaie, la société, doit être reputée restituer a ses apporteurs la valeur des apports reçus par elle quand elle leur rectitue la somme numérique apportée. Le benéfice est, par suite, tout ce qui depasse la valeur numérique du capital. Il n’en est autrement qu’en cas d’apport en jouissance, l’anporteur reste en pareil, cas propriétaire des objets apportés par lui en société et beneficie de leur plus-value numérique…” (em nota nº 3 ao texto citado).

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