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Política Corporativa de Atuação Negocial para empresas e holdings

25/06/2025
Recentemente, tivemos uma experiência profissional fascinante. Trabalhamos na redação de um regulamento corporativo; uma plataforma normativa terciária, nos termos que demonstramos em “Estruturação Jurídica de Empresas” (Editora Atlas, 2024). Algo diverso do comum: Política Corporativa de Atuação Negocial. E para que serve isso? – muitos perguntarão. Estranho! – outros dirão. É sim algo inusual na rotina de escritórios de advocacia. Habitualmente as bancas estão dedicadas a processos judiciais e arbitrais. Mas há clientes que trazem o cansaço dos museus, uma náusea do comum, um horror dos demônios da mesmice. Por sorte há. Há quem estranhe a falta de estranheza nos outros, quem não aceita repetições monótonas. Há clientes que desejam entrar em todas as salas, da primeira à última. Não é só. Há advogados que trazem nos dedos esse mesmo formigamento, querendo abarcar o Direito no seu incomum, no seu diverso fascinante. Doudos – dirão alguns. Talvez. E não se esqueça: doudos e doidos são a mesma cousa. Como louras e loiras. Há mesmo toiros, não sabe? O vernáculo é delicioso, ainda que tropicar seja comum: está na conta.
O cliente? Uma holding familiar. Não dessas que se organizam apenas para evitar o pagamento de impostos sobre transmissão de bens em herança. O que mais temos são familiares incautos que, aderindo a fórmulas vendidas em baciadas, empurram-nos à insólita condição de sócios de uma pessoa jurídica inútil, titular de um ou alguns bens indivisíveis, improdutivos, sem eira ou beira, sem quê ou porquê, sem receita, mas com as obrigações de manutenção. Como deixamos bem claro nas últimas edições de “Holding Familiar e suas Vantagens” (Editora Atlas, 2025), essas sociedades servem à organização do patrimônio e dos investimentos. É indispensável alertar os clientes que, com a holding, familiares se tornam sócios; é fundamental explicar o que se passará: direitos e deveres. Daí ser preciso estar tudo muito bem regulado para evitar que a holding se torne um problema, em lugar de uma solução. A maioria das holdings, contudo, são como sombras que passam na janela: um quase nada; como coisas que acontecem sem razão, senão contra a razão.
– Eu tenho uma holding!
– Está bem… e daí? Nós temos um pug; chama-se Winston Churchill. Ele nos faz companhia. Para que serve a sua holding?
Infelizmente, muitas holdings servem apenas para fazer companhia e… bem… cachorrinhos e gatos são melhores para isso. Holdings raramente se amoldam a tal experiência do vazio, embora haja casos, ainda que raros, específicos; exemplo? Há holdings de estoque, sabia? Exemplo? Sociedades cuja função é estocar bens, como propriedades imobiliárias (para incorporação, para preservação, para uso futuro planejado); pessoas jurídicas constituídas pela vontade consciente do vazio, com uma função econômica específica. Nada parecido com a submissão ao vazio inconsequente da má constituição, do equívoco: holdings que só serviram para driblar o fisco, sem pensar nas implicações de longo prazo. E o melhor direito mira o futuro, almeja ganhos sustentáveis, estáveis, significativos, considerando todos os reflexos. Nada que se pareça com essas sociedades patrimoniais estanques, largadas por ali, como quem pede desculpas por continuar existindo. E são muitas.
Há uma urgência de recolocar o mecanismo jurídico da holding (familiar ou não) em trilhos corretos, limpando-a das pejas que resultam do seu mau uso, nesse modismo recente de rematada tolice. Houve quem entrou nessa por ter ouvido falar que era bom; entrou em busca de ganhar também, sem entender direito do que se tratava e quais eram as implicações. Um absurdo. Só vendo para crer. Gente que, alfim e ao cabo, deixou herdeiros rangendo os dentes de raiva, quando não carreguem os olhos marejados. Olhos que imploram caminho, solução, senão socorro e/ou salvação. Planejamentos sucessórios mal pensados ou, como diria um amigo baiano, atoleimados. Parvoíce, concordaria alguém de além-mar. Há gente que, se pudesse voltar atrás, pagaria o imposto de bom grado, “bocas abertas em riso alvar e feliz” (isso é Jorge Amado), só para não ter que viver os tormentos de uma holding constituída equivocadamente.
Não se assustem com essa coragem tranquila com que trazemos à tona afirmações assim desagradáveis. Ser autores de um livro intitulado “Holding Familiar e suas Vantagens” pode não ser confortável quando se observa os absurdos que se praticam por meio do uso inadequado da figura. E escrevemos e atualizamos novas edições do livro por saber dessas sociedades, quando utilizadas nas hipóteses corretas. Chega de holdings estropiadas (e há tantas!). Já é hora de recuperar uma compreensão consistente da holding (familiar ou não). É tempo de tudo se tornar comum como antes, sem a invasão de propostas distorcidas e mirabolantes que apontam para soluções que implicam aceitar o inaceitável. Chega desse jeitinho que foge à aplicação do direito e que, no universo de uma plutocracia em que todos tentam o mesmo, ainda que em campos diversos, acaba sendo apenas mais uma rota de fuga, entre tantas outras; nenhuma delas limpa, contudo. Nessa área do Direito, a grande inovação talvez seja deixar de urdir operações que são meras réplicas do que deveriam ser.
Quando não se possa fazer outra coisa, desfazer, liquidar, dissolver, dar baixa. Mas é preciso seguir o rito ou tudo vai para os diabos. Há um rito e justo para isso existem advogados: para dar ao processo de dissolução o encadeamento devido. Infelizmente, muitos não o têm feito e assim ampliam suas agruras; a pessoa jurídica foi criada; não dá para deixar para lá, fazer de conta que não é conosco; há cuidados próprios, cautelas de estilo, contábeis, fiscais, registrais. O convencionalismo de sempre (a justificar, entre outros, o ofício advocatício, repetimos). Não calha dar volta ao assunto, esquecer, esperando que o tempo liquide a questão por desgaste e esquecimento. Não dá para fazer de conta que não existe. Criada a holding, há tratos a lhe dar até a baixa no registro. Mas se há condições mínimas de adequação, são possíveis práticas de melhoramento jurídico para conservar a pessoa jurídica, recuperando suas funções apropriadas, mercadológicas e jurídicas: ser um instrumento de investimento. Reestruturar para que produza resultados a bem de seus sócios. É melhor quando as coisas acontecem assim, não? Pode haver uma história de lucro dentro do planejamento patrimonial e/ou sucessório. Em Direito, mesmo em planejamento jurídico, serve a máxima unicuique quod suum est: a cada um o que lhe é próprio. No caso narrado no começo deste ensaio, a família – ou, melhor: os sócios da holding [familiar] – identificaram uma oportunidade negocial; para sermos exatos, perceberam um nicho de mercado que lhes era viável e revelava perspectivas promissoras.
Para avançar nas demandas por bons negócios e explorar toda a potencialidade econômico-financeira de sua holding, os clientes decidiram enunciar uma principiologia negocial: um retrato jurídico (sob a forma de plataforma normativa secundária) do que são. Quem se posiciona no mercado como investidor, como um ator que procura parceiros, precisa demonstrar que é capaz de garantir sucesso, a incluir transparência na atuação, nos projetos, nos objetivos e nos meios para alcança-los. Afinal, no caso de que falamos, não se trata de um patrimônio vasto, permitindo investimentos de valor elevado; pelo contrário, gente que se qualifica como classe média, embora a holding lhes permita preservar a força de um montante unitário, não fracionado, entre irmãos e primos. Por isso a preocupação em fugir de empreendimentos de capital intensivo e trabalhar com oportunidades específicas. Não é incomum. Conhecemos outros casos; de pessoas que investiram em produção de árvores cultiváveis (eucalipto para celulose; mogno etc), incorporação imobiliária, retrofit, franquias empresariais, importação de determinados bens, reciclagem. Os casos são múltiplos. Em muitos exemplos, verificam-se modelos contratuais não comezinhos, permitindo acomodar melhor os parceiros, para não falar de operações mais complexas, de longo prazo, combinando contratos e parceiros diversos (inclusive sócios que não são parentes). O dinamismo do Direito Empresarial é proporcional ao dinamismo do mercado em si. E daí resultam oportunidades e mais oportunidades. A agenda de descarbonização é um exemplo. Na Amazônia, agricultores descobrem que alimentos tradicionais (cajá, bacuri, cupuaçu) despertam interesse do mercado internacional de nutrição funcional. Também ali, o principal resíduo do extrativismo do açaí, o caroço, permitiu criar uma indústria de carvão para churrasco, produto que ganha mercado por emitir menos fumaça, ideal para ambientes domésticos. Há vários outros exemplos, embora essas sejam questões que dizem respeito aos clientes (os sócios) e seus consultores empresariais. Advogados devem estar prontos a oferecer o arcabouço jurídico para que dê certo. Mas veja: ao se enterrar na terra, a semente traz em si a árvore que será. Há mercadinhos de interior que se tornam redes de supermercado (e os casos são muitos), como há mercadinhos de interior que seguem sendo mercadinhos de interior, para não falar dos tantos que quebram. Em alguns casos, nada mais do que jogadas do destino, venturosas ou não; na maioria, contudo, uma questão química: ácido desoxirribonucleico, ou seja, DNA. E isso inclui mesmo aspectos jurídicos; não apenas, é claro; talvez nem preponderantemente; mas jamais desprezível. São vastas as prateleiras com histórias de empresas que viram seu caminho obstado por ingenuidades jurídicas quase indizíveis. Gente que julgou que isso ou aquilo era óbvio e acabou se vendo vítima da ignorância corriqueira. A opinião pública jurídica é habitualmente marcada por grandes erros e daí nascem ilícitos por desconhecimentos que, sabemos, não salvam a ninguém; nada diferente do que ocorre com os erros sobre a medicina, a engenharia, a contabilidade etc. Em todos os casos, há profissionais para assessorar as pessoas (naturais ou jurídicas). Agora, há bons e maus profissionais e nisso há um desafio.
Isso não é tudo. Isso não é nada, aliás. Ficar no elementar não basta, principalmente no âmbito do Direito Empresarial; é quase um sair antes de chegar. A simplicidade técnica do elementar empresarial é como um passo de dança: não mais do que um parêntese no que pode – e deve ser – uma coreografia. É baixa tecnologia jurídica, não obstante socialmente relevante; e muito! A popularização da tecnologia empresarialista básica é um desafio que o Estado brasileiro ainda não conseguiu resolver e que teria impactos diretos sobre o cumprimento dos objetivos fundamentais da República (artigo 3º da Constituição). Só assim, do mais simples se pode chegar ao maior: a pequena semente de angelim-vermelho, uma árvore que pode superar 20 metros de altura (na Floresta Amazônica, bem mais). Como dissemos em “Estruturação Jurídica de Empresas” (Editora Atlas, 2024), na criação de uma pequena sociedade empresária pode estar o projeto jurídico de uma grande corporação. Daí a encomenda que nos foi feita: um diploma normativo por meio do qual a corporação apresentasse suas metas, assumisse responsabilidade compartilhada por suas ações, exibisse qualidades para a parceria. Um exemplo entre as normas do diploma. Claro: “Art. 4º – A sociedademanterá atenção para os valores ambientais, sociais e de bom governo corporativo, trabalhando pelo estabelecimento de uma agenda empresarial que se referencie pelo desenvolvimento sustentável.” Outro? Tudo bem: “Art. 6º – A sociedade divulgará, a seus sócios e parceiros relatórios, informações não-estratégicas, que não estejam protegidas por confidencialidade, demonstrando sua aderência aos princípios formulados neste diploma e nas demais plataformas normativas que pautem suas postura e atuação corporativa. Essa transparência e acessibilidade deverá atender às deliberações da reunião de sócios, evitando a divulgação de informações que possam implicar à renúncia de vantagens competitivas legítimas.” As regras da Política Corporativa de Atuação Negocial, como já dito, expressam um compromisso com a comunhão de esforços para o partilhamento de resultados. E será levado ao registro público, como parte de uma deliberação de sócios.
Confiança deve ser embalada com cuidado. Isso começa na definição de parâmetros – o que o regramento faz – e avança por relatórios que comprovam a atenção aos indicadores empresariais, proporcionando elementos concretos para orientar a decisão de parceiros, entre sócios, financiadores, fornecedores, consumidores, entre outros. Uma sociedade empresária que propõe e documenta uma excelência mercadológica que aponta para o sucesso. Não apenas discursos, mas normas que fundam processos estruturantes, calçados em informações rastreáveis. Nada que seja estranho a corporações européias; nada que seja estranho às companhias abertas brasileiras; nada que seja estranho a grandes empresas brasileiras; nada que seja estranho às startups mais promissoras. Porém, somando todos dessa lista, chega-se a um resultado pífio. Talvez 1% das empresas brasileiras estão nesse nível, o que demonstra um forte atraso; vivemos em degradação corporativa e isso é um problema jurídico.
Mesmo empresas pequenas e médias ganham ao demonstrarem um bom caráter corporativo, regulando suas atividades, dando-lhes qualidade. Oportunidades chegam como uma rajada de vento inesperada e, nessas horas, convém estar arrumadinho. Virar tudo pelo avesso, de uma hora para outra, querendo que vejam um outro lado de sua empresa, que se fiem na sua afirmação de que é diversa e especial, geralmente não dá em nada. É mais do mesmo: o comezinho. Alguns poucos se preparam antes pela chance de encontrar oportunidades; algum itinerário com melhores ares; uma dessas jogadas bonitas do destino, denunciadas por lua boa. Alguns poucos trabalham por identidade, atuam para se diferenciar e, vai daí, conseguem abandonar a vulgaridade corriqueira em que todos se parecem iguais. Quase indizivelmente, há corporações que dão mostras de serem parênteses fora do ordinário. Não esperamos uma aceitação displicente para as ponderações acima. Sabemos que a maioria do empresariado não tem visão conforme a essa. Sejamos sinceros: a maioria dos advogados também acha isso tudo uma baboseira: uma tendência ingênua de acreditar que tais balizas podem ser reais e efetivamente desempenhar algum papel positivo. Não há chaves ou passagens para outras dimensões, dirão. Pode ser. Então, tome o texto como uma lorota desagradável e abandone-se à reflexão sobre o tema. Confira os sites das companhias abertas; dê uma olha em seus regulamentos; leia sobre fundos de investimento, sobre startups, sobre compromissos empresariais. Leia sobre esses assuntos e se pergunte: se serve para grandes corporações e serve para jovens negócios promissores startups), por que não serviria para milhões de empresas médias que por aí há? Estão fadadas a se arrastar pela vida, levando tantos riscos sobre os ombros e sem atingir patamares aceitáveis de qualidade jurídica? Não é o que acreditamos; não é o que orienta nosso trabalho. Para nós, advogado não é custo, é investimento. E o melhor investimento é feito em que lhe dá estruturas jurídicas sofisticadas. Pense nisso.
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