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CLÁSSICOS FORENSE
EMPRESARIAL
REVISTA FORENSE
Participação Dos Empregados Nos Lucros Da Empresa, de Dario De Almeida Magalhães
Revista Forense
05/03/2024
SUMÁRIO: Art. 157, IV, da Constituição. Debilidade da consciência proletária. Cautela burguesa. Antecedentes históricos. A observação de LUIGI EINAUDI. Participação obrigatória e direta. Algumas dificuldades a vencer na regulamentação do preceito constitucional. Caracterização dos lucros. Conclusão.
Art. 157, IV, da Constituição
A primeira observação que me acode ao espírito se liga à demora verificada na efetivação de um direito, ou melhor, do gôzo de um direito, assegurado em têrmos peremptórios pela Constituição, que já está em vigor desde 1946. A participação dos empregados nos lucros da emprêsa não está inscrita na Constituição como um dispositivo meramente programático, como tantos outros que nela se nos deparam, ou como uma simples promessa. É mais do que isto. Ali se insere como um direito, que a Constituição assegura em têrmos imperativos, em enunciar uma ordem, uma determinação, ao legislador ordinário. É o que decorre do texto do art. 157, IV, que convém relembrar:
“A legislação do trabalho e a da previdência social obedecerão aos seguintes preceitos, além de outros que visem à melhoria da condição dos trabalhadores:…
IV) participação obrigatória e direta do trabalhador nos lucros da emprêsa, nos têrmos e pela forma que a lei determinar”.
Como se vê, há um direito assegurado, cuja fruição deve ser regulada pela lei ordinária complementar, mas, é claro, sem alterar ou frustrar o mandamento constitucional. Se êsse direito está assegurado pela Constituição desde 1946 e, até hoje, o trabalhador não o desfruta realmente, êste fato tem algum sentido, exprime alguma coisa que deve ser identificada.
Debilidade da consciência proletária
A meu ver, o que denuncia, em primeiro lugar, é a debilidade da consciência proletária no Brasil. Creio que, em qualquer outro país, a circunstância de haver a Constituição conferido um direito dessa importância e, passados nove anos, os seus destinatários ou beneficiários não o gozaram efetivamente, por inércia do legislador ordinário, provocaria movimentos de reivindicação, protestos, greves, demonstrações ruidosas, em suma, pressão crescente dos interessados sobre os órgãos políticos para tornar realidade a outorga, ainda inoperante, depois de tão prolongada espera. Sobretudo porque, como se sabe, os dispositivos constitucionais que conferem direitos ou estabelecem franquias são, em princípio, por sua natureza, auto-executáveis. Entretanto, até agora, da parte do proletariado brasileiro o que se registra é uma atitude de conformidade e paciência digna de registro e de interpretação.
Em segundo lugar, o fenômeno apontado traduz, como reverso, e também como contraprova da interpretação que nos ocorre, o sentido paternalista de que se revestiu a medida. Esta não surgiu como uma reivindicação amadurecida da massa proletária, que houvesse imposto à deliberação da Assembléia Constituinte; foi antes uma dádiva, uma concessão quase espontânea. E, ainda agora, a efetivação do benefício consignado no dispositivo constitucional não surge como um reclamo enérgico dos trabalhadores brasileiros. É um dos candidatos à Presidência da República, aliás, com os melhores títulos à investidura, e general do Exército, quem toma nas suas mãos a bandeira da participação nos lucros, fazendo da execução do mandamento constitucional um dos pontos básicos da sua plataforma eleitoral.
Cumpre observar aqui que essa atitude de desinterêsse, ou pelo menos de falta de entusiasmo, do proletariado brasileiro, em face da participação no lucro das emprêsas, reflete, talvez inconscientemente (porque não acredito que as massas proletárias brasileiras estejam politicamente amadurecidas), um fenômeno universal. Nos países de consciência social mais avançada, a idéia da participação nos lucros nunca interessou intensamente aos sindicatos ou aos grupos proletários de vanguarda; ao contrário, suscitou mesmo, em várias oportunidades, sobretudo na Inglaterra, manifestações hostis ou de desinterêsse franco, da parte dos trabalhadores, por motivos de ordem política e social que se compreendem sem dificuldade.
A participação nos lucros, associando o trabalhador ao capital, cria a ilusão de que o proletário se transforma em capitalista, e opera assim o efeito de quebrar o ardor e a unidade da frente proletária nas suas reivindicações fundamentais. Esta associação é um meio de amortecimento do espírito de luta do proletariado que passa a ser diretamente interessado na vida das emprêsas, na normalidade de seu trabalho e nos benefícios daí resultantes.
Cautela burguesa
O que se verifica, pelos testemunhos históricos, e pelas próprias condições em que se fêz tal concessão ao proletariado entre nós, é que não se trata, de forma alguma, de uma medida revolucionária. É, ao contrário, uma medida de conservação do capitalismo, no desdobramento da sua política de transigências e acomodações para garantir a sobrevivência do que nêle é essencial. Pode ser um pis aler, mais uma capitulação, no holocausto à paz social. Para o capitalismo é mais um anel que êle entrega para salvar os dedos. Mas, por isso mesmo, não é uma medida revolucionária ou subversiva da ordem social. Encontra-se ela na linha da política social da Igreja, cujos marcos básicos são as encíclicas Rerum Novarum e Quadragésimo Anno. E se se quisesse dar uma prova de que essa providência, essa concessão, nada tem de revolucionária, antes traduz uma cautela burguesa, bastaria verificar-se quais os elementos que, na Constituinte de 1946, se manifestaram com mais abundância a favor da medida. Em rápido exame que fiz nos anais dos trabalhos da “Grande Comissão Constitucional”, encontrei declarações de apoio confiante à providência, pelo seu alcance em benefício da paz social, da harmonia entre o capital e o trabalho, da parte de elementos insuspeitos, como o saudoso presidente Artur Bernardes, o deputado Eduardo Duvivier e o monsenhor Arruda Câmara e de outros da mesma coloração política – elementos conservadores, senão burgueses, destituídos de qualquer inclinação subversiva do regime social. E não houve, na realidade, oposição à idéia. O que se registrou foi a atitude discreta, em face da inovação, da parte dos representantes comunistas ou socialistas que participaram da Constituinte.
A medida não tem, pois, sentido revolucionário e se inspira antes na conservação do capitalismo que transige para sobreviver. Aos revolucionários não seduzem estas transformações parciais que amortecem a revolta e adiam a subversão do regime social. O pensamento político radical é pela expansão do capitalismo ortodoxo, inflexível, que, segundo a sua filosofia, traz em si mesmo os elementos de sua fatal autodestruição, que permitirá, então, o fim de tôdas as opressões. É um refrão de tôda a doutrina marxista, que se traduz nestas palavras de LENINE, escritas em 1905 e lembradas por ALBERT CAMUS no seu livro “L’homme revolté”:
“É um pensamento reacionário procurar a salvação da classe operária em outra coisa que não seja o desenvolvimento maciço do capitalismo”.
Meras correções ou atenuações de abusos são lenitivos: arrefecem a revolta, mas mantêm a injustiça orgânica do sistema capitalista. É esta a linha da pregação revolucionária. A sua fôrça se alimenta do seu radicalismo: é necessário que se negue tudo ao proletariado para que êle um dia tenha tudo.
O economista aprecia o problema sob outro ângulo; e é muito natural que o faça. A participação nos lucros não foi lembrada como um meio de enriquecer o país, de aumentar a sua riqueza. É uma medida de política social, destinada à melhor compreensão entre o capital e o trabalho. Inclui-se entre as concessões mais avançadas que o capitalismo pode fazer com o fito de atingir aquêle objetivo. Se o objetivo será alcançado ou não, é outro aspecto do problema, ou seja diz respeito à eficácia da providência. O que se busca é corrigir injustiças e diminuir a revolta. Em suma, associar o prole ao empresário na partilha da plus valia, que é o símbolo revolucionário de exploração do trabalhador.
Nessa linha de concessões, o capitalismo vem lutando para viver, adaptando-se. Quando acusavam ROOSEVELT de ser um revolucionário, ao opor ao individualismo americano a política do New Deal, os seus partidários replicavam: “ao contrário, ROOSEVELT é o último defensor do capitalismo, porque luta para salvá-lo. Pois sua política social objetiva conter os seus excessos, retirar do capitalismo os vícios que o conduzem às crises repetidas, que acabarão por destruí-lo”.
É compreensível que, do ponto de vista do capitalismo ortodoxo, tôdas essas concessões que se fazem às correntes reformadoras apresentam caráter subversivo. O impôsto de renda nos Estados Unidos foi considerado uma providência revolucionária, destruidora do regime e repelida como inconstitucional pela Suprema Côrte, durante muito anos. Da mesma forma, a regulamentação do trabalho das mulheres e dos menores. E, mesmo no auge da crise econômica mais dramática, a legislação do New Deal caiu sob o anátema da maioria da Suprema Corte, até que a composição desta se modificasse.
Entre nós, tôdas essas concessões não encontram maior resistência, pois a defesa capitalista se apresenta frouxa, embora, igualmente, de outro lado, a proletária se manifeste débil. Daí, dessa imprecisão de pontos de vista é de posições, a facilidade com que a demagogia toma conta do terreno, para conceder reformas nominais, outorgar benefícios aparentes, tornando infecundo ou mofino, do ponto de vista econômico e social, o sistema estabelecido on paper.
Dentro da diretriz, nem sempre retilínea e uniforme, é, adotada na Constituição de 1946, a participação nos lucros representa apenas a concessão mais avançada de tôdas que ali se encontram em matéria social, pois afina com a linha do neocapitalismo que foi seguida.
O dispositivo-chave da Constituição, nesse capítulo, é, a meu ver, o art. 148, que condena qualquer forma de abuso poder econômico. Quer dizer, o se sustenta numa posição de equilíbrio; o regime capitalista é mantido, com as restrições dos princípios básicos da legislação social, e qualquer forma de abuso de poder econômico é repelida, respeitados os direitos fundamentais que a própria Constituição assegura, como está dito no mesmo art. 148. É um capitalismo disciplinado, policiado, contido nos seus excessos e abusos, embora conservado, na sua essência, pelo resguardo do direito de propriedade e da iniciativa privada.
Os objetivos da participação nos lucros, nos vários países em que tem sido sugerida a inovação, têm sido assim indicados: obter maior cooperação entre o capital e o trabalho, incentivando a dedicação do operário à emprêsa; promover a paz social; incentivar a produtividade do trabalhador.
Evidentemente essa providência teria alcance mais profundo, mais fecundo e maior expressão social se, em vez de surgir com o caráter parternalista, traduzisse uma reivindicação real da parte do proletariado, que alcançasse impor-se à compreensão sincera, leal, da classe patronal. Através dêsse movimento, os interêsses dos dois grupos sociais se harmonizariam, cimentando a cooperação, que atenderia ao esfôrço e aos objetivos conjugados. Mas isso não aconteceu em nenhum país, de maneira duradoura; nem muito menos se verificou entre nós.
O testemunho histórico revela que, em várias épocas, têm surgido movimentos de opinião pregando essa associação entre as emprêsas e os seus trabalhadores, como uma política que se deveria realizar pelo entendimento direto entre as partes interessadas, mesmo à margem de qualquer disciplina legal. Mas essa cooperação espontânea não foi lograda, por meio da propaganda doutrinária ou política. Na França, a partir de 1848, sob a inspiração das idéias de FOURIER, muito se falou nessa participação dos empregados nos lucros! das emprêsas, já ensaiada no tempo de Napoleão. A idéia era a de constituição de fundos de assistência aos empregados. Mas não proliferou: em 1889, registravam-se 120 organizações que a haviam adotado; em 1924, êsse número se reduzira a 75. E os exemplos que hoje se indicam são esparsos, mencionando-se a adoção em alguns dos grandes magazins de Paris.
Depois da guerra de 14-18, a medida, na Europa, tornou a ter voga. Na Alemanha se citava a fábrica Zeiss como uma das grandes organizações que distribuíam parte dos seus lucros aos operários. Na Inglaterra, registraram também ensaios; mas a idéia não se difundiu, nem provocou entusiasmo. E, em 1925, em congresso das Trade Unions, o esclarecido proletariado inglês condenou francamente a participação nos lucros como uma arma capitalista empregada para desviar os trabalhadores de suas verdadeiras reivindicações.
Se a concessão da medida, como fruto de acôrdo voluntário entre patrões e empregados, não logrou êxito, as tentativas de regulamentação legal da matéria não tiveram melhor sorte, quer na Europa, quer em outras regiões. Na Nova Zelândia, por exemplo, foi ela objeto de lei, mas essa não produziu resultados e acabou sendo revogada.
Quanto aos Estados Unidos, há emprêsas que distribuem parte de seus lucros aos trabalhadores. Mas essa não é absolutamente uma prática generalizada, senão restrita, e não, desperta maior interêsse do proletariado americano, que, muito realista e objetivo nas suas reivindicações, prefere obter diretamente melhores salários e um mais alto padrão de vida sem quaisquer artifícios.
Se a idéia não tem frutificado pelo aliciamento da compreensão espontânea das partes interessadas – patrão e empregados -, a sua adoção compulsória, através de leis, de maneira geral, não passou até agora de tentativas raras e frustradas. E aos que examinaram o problema não escaparam as dificuldades da regulamentação legal.
A observação de LUIGI EINAUDI
A propósito, cumpre relembrar duas observações que faz LUIGI EINAUDI, no estudo sôbre la partecipazione ai profetti, que se encontra no seu livro “Lezioni di Politica Sociale”. A primeira é que a participação nos lucros representará um fator de paz se fôr alcançada após longa experiência e trabalhosa educação econômica. A segunda, enunciada como conclusão da sua análise do problema, está formulada nos seguintes têrmos:
“Tudo parece assim significar que a participação nos proveitos não pode ser o resultado de uma norma legislativa obrigatória, necessàriamente geral e uniforme, e provàvelmente fecunda apenas em atritos, discórdia e crescente instabilidade social; e, se se quer que seja permanente, deve ser o fruto de espírito de colaboração e de franca discussão, o qual não pode encontrar raiz senão num clima de experiência livre e voluntária”.
Entre nós, já existe entre os responsáveis plena consciência das dificuldades e dos embaraços que oferece a regulamentação legal da matéria; e dessa consciência resulta a cautela louvável com que o assunto vem sendo examinado – o que vale como escusa, pelo menos em parte, da protelação que já foi assinalada. A legislação se antecipou aos fatos, pois a concessão inscrita na lei básica não resultou de um processo evolutivo nas relações entre a classe patronal e proletária.
Mas o compromisso constitucional existe e deve ser observado para que não se desacredite a própria Constituição, o que seria de efeitos funestos. As dificuldades que o problema apresenta não podem conduzir-nos simplesmente a ignorá-lo ou desconhecê-lo, como se não existisse. Se os economistas não são presunçosos, os juristas o são; e sempre há os que se julgam capazes de decifrar o “quebra-cabeças”. E é bom que assim seja, porque, nessa altura, seria muito pouco provável que se encontrasse ambiente para emendar a
Constituição, a fim de modificá-la neste ponto; e mesmo que houvesse tal possibilidade, dever-se-ia considerar com certo temor a iniciativa pelas suas repercussões políticas e sociais, dadas as condições em que se desenvolve a nossa vida pública. A emenda daquilo que muitos supõem ter sido êrro funesto poderia resultar em efeitos mais danosos do que o suposto êrro, sobretudo quando se considera que o legislador ordinário, ao regulamentar á matéria, tem certa liberdade para cercar das necessárias cautelas a experiência que vamos tentar.
Participação obrigatória e direta
Neste ponto a Constituição de 46 foi além dos modelos constitucionais mais autorizados, assegurando a participação obrigatória e direta do trabalhador nos lucros da emprêsa. Há outras Constituições contemporâneas que garantem a participação na gestão das emprêsas e no estabelecimento dos contratos de trabalho. É o que está escrito no preâmbulo da Constituição francesa de 46, e se lê no art. 46 da Constituição italiana de 47. Parece-me mesmo que a participação na direção interessa mais ao proletariado esclareci o quanto às suas reivindicações básicas. E, a propósito, creio que, adotada a participação nos lucros, a participação na gestão virá como conseqüência inevitável dado o caráter associativo que passam a ter as relações entre patrões e empregados.
Depois dessas considerações de ordem geral, cabe enfrentar as dificuldades ou dúvidas que o nosso texto constitucional suscita no espírito do legislador ordinário, que lhe deve disciplinar a aplicação.
Desde logo, surge um problema inçado de embaraços. Será possível, através de uma única lei geral, mediante critérios uniformes, regular a participação dos empregados de tôdas as emprêsas do país nos seus lucros, sem ter em conta o tipo, a natureza, as condições múltiplas e variadas que apresentam? Há emprêsas grandes e pequenas, industriais, comerciais e agrícolas; há as que são altamente mecanizadas, ao lado das que não dispensam mão-de-obra numerosa; há as que se dedicam a negócios fartamente rendosos e há as de lucros limitados, como as emprêsas de serviços públicos; há as que exigem grandes instalações, periòdicamente substituídas ou modernizadas, e as que trabalham com modesto aparelhamento, produzindo resultados favoráveis por obra, sobretudo, dos seus gestores, como certos tipos de emprêsas de representação. Como tratar todo êsse sistema complexo e diversificado pelas mesmas normas e critérios, sem graves conseqüências, inclusive graves injustiças?
Outra indagação que me ocorre é esta: o benefício é assegurado apenas ao trabalhador industrial ou comercial, ou também ao agrícola ou rural? Parece-me que o texto, constitucional falando em trabalhador e em emprêsas, não permite qualquer exclusão. Se se pretendesse estabelecê-la, creio que seria desastrosa, pois se concederia ao trabalhador urbano mais uma vantagem estimulante do êxodo rural, agravando êste problema que reclama providências urgentes e eficazes.
A participação é nos lucros e não nas perdas. O trabalhador não adquire a condição de sócio, com todos os riscos, mas a de quase-sócio, que tem as vantagens, mas não os ônus – o que justifica cautelas especiais para assegurar a integridade do capital, a fim de permitir à emprêsa meios de recuperação dos prejuízos que ela eventualmente venha a suportar.
A participação é direta, além de obrigatória. É determinação constitucional. A meu ver, com o devido acatamento às opiniões divergentes, a participação direta nos lucros significa participação em dinheiro, na mesma espécie e condições (embora não na mesma proporção) em que o lucro é percebido pelos sócios da emprêsa. O objetivo do mandamento constitucional é realmente o de associar o trabalhador diretamente nos benefícios da emprêsa. E se os lucros se distribuem por exercício, e em dinheiro, deles devem participar, da mesma maneira, na proporção estabelecida na lei, os empresários e os trabalhadores.
Como tem sido assinalado, com inteira procedência, estar forma de participação tem muitos inconvenientes, entre os quais se indicam, como os mais graves, a dispersão, muitas vêzes em parcelas mínimas, dos lucros, com uma descapitalização das emprêsas de efeitos inflacionários e sem vantagens sensíveis para os trabalhadores aos quais ficará apenas à sensação do recebimento de uma quota adicional de salários, com o caráter de gratificação, a ser despendida sem maior proveito para o seu padrão de vida, ou de sua situação econômica. Seria preferível introduzir-se o sistema da participação através de ações de tipo especial, como tem sido sugerido, ou mesmo experimentado, em vários países. E a solução preconizada por GEORGES GURVITCH, no seu projeto de declaração de direitos sociais: um tipo de ação-trabalho, que seria nominativa, intransferível, e cujo valor o operário só poderia embolsar ao retirar-se da emprêsa, ou a sua família, no caso de sua morte.
Algumas dificuldades a vencer na regulamentação do preceito constitucional
Segundo penso, entretanto, em face do nosso texto constitucional, não será possível adotar-se essa forma de distribuição com caráter compulsório. A lei poderá oferecer opção ao trabalhador: ou receber os lucros em dinheiro no exercício, ou receber ações. Se a distribuição de ações fôr mais recomendável, do ponto de vista econômico, deve-se estimular a preferência do trabalhador por essa forma de participação nos lucros, garantindo-se-lhe, por exemplo, certos proveitos ou vantagens adicionais, em relação ao que receber a sua quota em dinheiro. E, na regulamentação da matéria, o legislador ordinário tem liberdade quanto a êsse ponto, desde que não obrigue ao recebimento da quota do benefício em ações. A Constituição garante ao trabalhador a participação direta nos lucros; não é legítimo que se transforme essa participação em participação forçada no capital. A opção deve ser livre, mas pode ser estimulada pela lei em favor da modalidade de participação através das ações.
Caracterização dos lucros
Outro ponto de maior relevância é o da definição ou caracterização dos lucros. A Constituição fala em participação nos lucros mas não caracteriza ou define o que sejam lucros, para efeito da concessão do benefício estatuído. E como a participação é concedida “nos têrmos e pela forma que a lei determina”, como está no art. 157, IV, da Lei Básica, neste ponto é larga a liberdade do legislador ordinário, que não pode ir, é claro, até ao extremo de negar, destruir ou frustrar a determinação constitucional. Dentro, porém, dos limites que não pode nem deve transpor, a lei complementar do dispositivo da Constituição pode corrigir ou evitar os inconvenientes ou riscos que se temem da sua aplicação.
Creio ser vantajoso que se adote uma definição específica do que sejam lucros para o efeito da participação dos trabalhadores. Adotar-se a definição ou caracterização estabelecida para o efeito do pagamento de impôsto de renda é baralhar e confundir questões e problemas diversos, não sem sérios inconvenientes. A definição de lucro para o efeito do cálculo do impôsto de renda obedece a finalidades tributárias; no que diz respeito à participação dos trabalhadores se liga a uma providência de política social. Confundir os dois critérios não me parece prudente nem acertado; e além de outras conseqüências, terá a de acirrar o conflito entre os empresários e os empregados.
Há lucros que as emprêsas não distribuem, para atender às suas próprias necessidades, à sua estabilidade e à sua expansão, e que, não obstante, estão sujeitos ao impôsto de renda. Haverá, forçosamente, parte dos lucros sujeita ao tributo específico que não deve ser considerada, para o efeito de distribuição aos trabalhadores. O objetivo da medida não foi, não poderia ter sido, o de enfraquecer a economia das emprêsas, depauperá-las, impedir-lhes o desenvolvimento. Se assim fôsse, ela seria contrária aos interêsses da economia nacional e, em conseqüência, contrária aos interêsses dos trabalhadores, ligados à vitalidade e ao progresso daquela.
É, assim, legítimo, senão recomendável, que ao caracterizar, especìficamente, com critérios próprios, o que sejam lucros, para efeito da participação, a lei ordinária adote as cautelas convenientes, com o objetivo de impedir a debilitação econômica das emprêsas ou o desestímulo às novas atividades. E entre as reservas que se devem deduzir dos lucros se hão de incluir as relativas á garantia de uma remuneração adequada do capital à conservação ou integridade dêste, à substituição de instalações, tendo em conta os índices de desvalorização da moeda, além de outras reservas, da mesma natureza, que devem ser excluídas dos lucros a distribuir, para a segurança econômica da emprêsa.
Além disso, é necessário diminuir as fontes de atrito entre empresários e trabalhadores. Seria perigoso transformar os operários em espiões ou fiscais das emprêsas no que se refere ao impôsto de renda. A participação nos lucros tem uma finalidade de harmonia; se se transforma em fonte de atritos, passa a ter efeito contraproducente. Daí a conveniência de se evitar a confusão dos dois problemas. Na caracterização dos lucros a primeira quota a ser separada deve ser a remuneração razoável do capital, para compensar os riscos do empreendimento.
Além dessa quota de remuneração do capital, o legislador é livre de estabelecer quaisquer outras destinadas a servir de lastro à sobrevivência normal da emprêsa e à sua expansão econômica. Essas quotas poderão ser excluídas dos lucros a serem partilhados entre os trabalhadores, porque, insistimos, a Constituição não definiu, nem podia fazê-lo, o que sejam lucros para o fim desta partilha.
Além das quotas ou reservas mencionadas, deveria ser considerada a conveniência de se fazer também uma reserva ou provisão para a garantia da distribuição de lucros, nos exercícios futuros, aos trabalhadores, como se faz provisão para os dividendos dos exercícios futuros. Pois a participação dos empregados nos benefícios, para dar resultados favoráveis e duradouros, reclama uma certa estabilidade econômica e financeira das emprêsas que, por sua vez, depende da estabilidade econômica do país. Se uma emprêsa, por exemplo, distribui parte dos seus lucros aos empregados durante dois, três, cinco anos, e depois, sobrevindo os períodos de vacas magras, suspende a distribuição, ou reduz fortemente a percentagem, o efeito psicológico que se produzirá pode ser desastroso, gerando o desestímulo, o desânimo, a desconfiança, ou a revolta, em face da emprêsa. São aspectos que a lei deve considerar. E cabe aqui lembrar um exemplo. A grande emprêsa alemã Krupp distribuía, entre os seus operários, 6% dos seus lucros; em virtude de reveses econômicos sofridos, depois de cinco anos de aplicação da medida, não pôde manter a mesma quota. Os efeitos foram tão perniciosos no seio do operariado que o resultado foi abolir-se definitivamente a participação ensaiada.
É necessário também atentar-se com respeito à caracterização dos lucros, na precisão e na clareza com que a matéria deve ser disciplinada, para o fito de afastar suspeitas da parte dos empregados que degenerarão fàcilmente em conflitos danosos. A leitura de um balanço de uma grande emprêsa não é por si só esclarecedora e a contabilidade oferece mistérios e obscuridades que o leigo não devassa ou penetra. E aqui está mais uma razão para que não se confundam os demonstrativos destinados ao impôsto de renda com os que devem servir de base à distribuição de lucros entre os empregados.
Na partilha dos lucros entre os beneficiários, várias circunstâncias devem ser atendidas. A primeira delas é o tempo mínimo de serviço na emprêsa. É uma condição que se impõe, embora deva ser disciplinada com cautela para não servir de incentivo a que as emprêsas dispensem os seus operários antes que adquiram antiguidade. A quota global pode variar conforme o tempo de serviço dos empregados. A assiduidade é outro elemento a ser considerado.
O critério mais rigoroso, já que se trata de distribuir lucros, seria aquêle que tivesse em conta a contribuição de cada operário, ou de cada setor de trabalho da emprêsa, para a produção dos lucros. Essa contribuição não é uniforme e a sua influência, numa fórmula mais eqüitativa, deveria ser considerada.
Só um critério que tivesse em conta a contribuição de cada qual para a produção do lucro serviria de estímulo direto à produção do trabalhador. É claro que isto torna o problema ainda mais complicado. Uma experiência neste sentido foi feita, com êxito, pela fábrica francesa de pneumático Michelin.
A participação do trabalhador nos lucros das emprêsas vai ser tentada entre nós como uma experiência. Como qualquer experiência oferece riscos, é preciso, porém, que patrões e operários a enfrentem com espírito de cooperação e de boa-fé, embora cada qual defenda os interêsse legítimos decorrentes da posição que ocupa. Trata-se de uma medida de harmonia e de colaboração que estará fadada a produzir efeitos contrários se, desde logo, gerar prevenções, hostilidades e conflitos.
Dario de Almeida Magalhães, advogado no Distrito Federal.
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Notas:
* N. da R.: Palestra realizada no Conselho Técnico da Confederação Nacional do Comércio (D. F., 1955).
LEIA TAMBÉM O PRIMEIRO VOLUME DA REVISTA FORENSE
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 1
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 2
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 3
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 4
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 5
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 6
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