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O que são debêntures?

GEN Jurídico
12/06/2025
A debênture, a uma primeira apreciação de sua natureza, despertaria a ideia de associá-la a uma promissória, pois, como esta, também incorpora uma declaração unilateral de vontade, consubstanciando uma promessa de pagamento em dinheiro.
Todavia, a um exame mais detido, verifica-se que ela não se identifica com nenhum outro título, sendo bastante numerosas as suas características específicas.
Trata-se de um título de massa, porquanto as debêntures são, em regra, sempre emitidas em bloco.
A relação fundamental da qual deriva a série de debêntures é quase sempre um mútuo, sendo cada debênture um título representativo de uma fração desse mútuo. Assim, embora cada debênture, per se, seja um título autônomo, há uma evidente vinculação, sob diversos ângulos, aos demais títulos da mesma série ou emissão, principalmente no que concerne a privilégios, garantias e comunhão de interesses, constituindo essa vinculação uma das suas características mais marcantes.
Ressalvados esses vínculos, os quais tendem a comprometer a literalidade do papel, pode-se afirmar que a debênture participa do gênero título de crédito, desde que corporifica e representa a obrigação nela consignada.11
No regime do Decreto nº 177-A, de 1893, a debênture tinha a sua emissão definida como um empréstimo (art. 1º), daí resultando a configuração de um título causal.22 Mas, mesmo então, essa causalidade era apenas aparente, pois, o mais das vezes, a emissão resultava não de um mútuo, mas de uma diversa relação fundamental, como, por exemplo, uma dação em pagamento ou a constituição de um penhor.
Na lei atual, nenhuma referência se faz a mútuo ou empréstimo, de modo que a debênture ganhou o sentido muito mais próprio de um título de crédito abstrato. A empresa, ao emitir uma série de debêntures, simplesmente cria papéis. Esses papéis, no comum dos casos, atuarão como um meio de tomar um empréstimo ao público. No entanto, qualquer outra finalidade legalmente admissível servirá para fundamentar a sua colocação. Uma mesma série poderá, inclusive, ter a sua colocação motivada por negócios jurídicos diversificados, destinando-se uma parte da série a uma efetiva captação de recursos para a sociedade (mútuo), outra parte a garantir obrigações da empresa (penhor) e, ainda, uma terceira parte à efetivação de doação a uma fundação de empregados.3 Dessa mesma série ainda poderia restar um saldo em carteira para qualquer eventualidade futura.
A debênture é, pois, um título abstrato de dívida que a sociedade tem a prerrogativa de criar. Dívida, vale dizer, na perspectiva do devedor, que é a sociedade emitente do papel. Para o tomador, que é o credor, assim como para o mercado em geral, o que se tem, a toda evidência, é um título de crédito.
As debêntures prestam-se, normalmente, a propiciar à empresa emitente recursos de longo prazo, destinando-se, em regra, a financiar investimento fixo. São uma alternativa para o aumento de capital, sendo indicadas nos casos em que o mercado não se encontre predisposto à absorção de ações ou, ainda, quando aos antigos acionistas não convenha aumentar o capital próprio – com isso reduzindo o lucro por ação – bem como nas hipóteses em que um lançamento vultoso de ações (excesso de oferta) seja julgado inconveniente, dados os reflexos negativos que poderia operar sobre sua cotação em bolsa de valores.
Mas não só os investimentos fixos poderão ser financiados por debêntures, servindo estas também para atender às necessidades de capital de giro da sociedade. 4 E nesse particular, através das técnicas do resgate antecipado, terá a companhia condições de fazer flutuar o volume de debêntures em circulação, segundo as suas contingências.
Em outras palavras, poder-se-ia dizer que os títulos seriam colocados ou retirados do mercado conforme as exigências do fluxo de caixa da emitente.
Apenas as sociedades anônimas e as em comandita por ações têm legitimação para emitir debêntures. As demais sociedades encontram-se impedidas de fazê-lo, inclusive a sociedade limitada (ver seção 45).5

NOTAS
1 Todos os autores que se detiveram sobre essa matéria não tiveram dúvida em ressaltar o caráter de título de crédito da debênture. José Waldecy Lucena, ao abordar o tema, mostrou-se definitivo: “A debênture é um título de crédito, asserto que conta com a unanimidade da doutrina” (2009, vol. 1, p. 530).
2 Tullio Ascarelli, ao tratar dos títulos causais, emite considerações esclarecedoras: “A causa, justamente por ser tal, deve determinar uma conexão, constante e típica, com uma típica e constante relação fundamental. Importa isso em afirmar que cada título causal, como ressalta, aliás, intuitivamente, de qualquer um dos títulos que se costumam aduzir como exemplo dessa categoria, deve corresponder a um negócio típico fundamental” (1969, p. 117).
3 Nelson Eizerik adota esse mesmo entendimento (2015, p. 356).
4 As debêntures também têm sido utilizadas em processos de securitização, vocábulo que deriva de mais um barbarismo, dentre os muitos que têm invadido a linguagem técnico-jurídica. Securitização deriva do vocábulo securitization, que por sua vez deriva de securities, palavra que significa títulos-valores em geral. Por securitização, portanto, entende-se a conversão de créditos contratuais ou dos chamados “recebíveis” em geral em títulos de crédito ou em valores mobiliários. A securitização, entre nós, encontra seus antecedentes na cédula hipotecária, a qual, tendo por fundamento um crédito hipotecário, é emitida e lançada no mercado, como meio de mobilizar e fazer circular o crédito contratual com garantia hipotecária. Sobre o assunto, remete-se o leitor à monografia A Comercializaçãoda Hipoteca, de Dora Carvalho (1970, p. 35). Todavia, a securitização, tal como é entendida atualmente, tem objetivos mais amplos do que a simples emissão de títulos fundados, de forma direta e linear, em créditos individualizados e determinados. O objetivo maior da securitização é a segregação de ativos, representativos de créditos diversificados, para reestruturá-los, reagrupando-os de acordo com certas características comuns, de forma a transformá-los em lastro para a emissão de títulos-valores (ver MARZORATI, 1997, p. 394). Com a securitização, ativos tradicionalmente ilíquidos podem ser objeto de transação nos mercados organizados de valores (ver BUSTAMANTE, 1998, p. 96). O lastro adotado nas operações de securitização poderá estar representado por créditos com garantia hipotecária ou pignoratícia, por créditos decorrentes de contratos de locação, de cartões de crédito ou de simples empréstimos, ou ainda por contas a cobrar em geral (os chamados recebíveis). Internacionalmente, os meios empregados para viabilizar a securitização vão desde a constituição de uma sociedade de propósito específico (ver a nota 15 à seção 9), que emite os títulos, normalmente debêntures, até a criação de um “fundo de créditos”, a ser administrado por uma instituição financeira, que emite e coloca no mercado, sob o modelo condominial, cotas desse fundo. Alguns países consagram ainda, para tal fim, o fideicomisso financeiro, instituto que, no direito brasileiro, encontra-se restrito ao âmbito sucessório.
5 As instituições financeiras que, nos termos do disposto no art. 3º, § 2º, da Lei nº 13.506/2017, não estão autorizadas a emitir debêntures poderão, de acordo com os arts. 37 a 43 da Lei nº 12.249/2010, emitir letras financeiras, que são títulos, sob vários aspectos, semelhantes às debêntures, mas com uma regulação própria.