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O Google praticou abuso de poder de monopólio?
Ana Frazão
04/09/2024
No dia 5 de agosto, um juiz americano decidiu que o Google manteve ilegalmente o monopólio sobre seu sistema de buscas online. Concordando com os argumentos do Departamento de Justiça dos Estados Unidos, o juiz entendeu que a companhia criou um ciclo de dominância que não só impediu concorrentes de rivalizarem e trazerem inovações, como permitiu à empresa ganhos que não seriam possíveis em um contexto de livre concorrência.
No centro da disputa, estão os bilhões de dólares que o Google pagou a empresas como Apple, LG, Motorola, Samsung, AT&T, T-Mobile, Mozilla, Opera, UCWeb e Verizon para que pudesse ser o motor de busca default em equipamentos – como o iPhone – ou browsers – como o Firefox. Em outras palavras, o Google pagava para assegurar que seria o único mecanismo de buscas a ser visto pelo consumidor, de forma a estabilizar o seu monopólio nesse mercado.
É por essa razão que o argumento principal de defesa do Google – o de que a sua dominância no mercado decorreria da maior qualidade dos seus serviços – foi colocado em xeque: se assim fosse, por que o Google teria que pagar vultosas somas aos seus parceiros para assegurar a exclusividade ou prioridade dos seus serviços?
Diante desse contexto, naquela que é considerada a decisão antitruste norte-americana mais importante desde o caso Microsoft dos anos 1990, o juiz que julgou a causa entendeu que o Google é monopolista e age como tal, impedindo que concorrentes pequenos – como DuckDuckGo – e mesmo grandes – como a Microsoft – possam competir com a escala do Google.
A decisão importa por diversos fatores, a começar pelo fato de revelar que o Direito Antitruste norte-americano, depois de indevidamente adormecido pela Escola de Chicago, está de volta para mostrar os mesmos “dentes” que foram utilizados para a quebra da Standard Oil em 1911 e da American Tobacco e AT&T em 1982.
Outra razão da importância da decisão é demonstrar os ajustes que a análise antitruste precisa implementar para analisar as peculiaridades dos mercados digitais, o que exige, por exemplo, preocupações não apenas com o bem estar direto do consumidor, mas também com a proteção da própria rivalidade. Em decorrência, é fundamental um olhar atento para novas estratégias que, a exemplo das soluções default, podem ser eficientes instrumentos de fechamento de mercado.
Mesmo no que diz respeito ao consumidor, como se trata de serviço gratuito, a análise antitruste precisa se concentrar em outros aspectos que não o preço, tais como a qualidade dos serviços e a diversidade.
Além de tudo, a decisão vem despertando a atenção também no que diz respeito aos remédios que deverão ser aplicados, uma vez que, de acordo com a imprensa norte-americana, o Departamento de Justiça estaria cogitando até mesmo da quebra do Google para resolver o problema do monopólio no mecanismo de buscas.
De fato, como fica claro em reportagem do jornal The New York Times, o Departamento de Justiça e os advogados gerais estão discutindo vários cenários para remediar a dominância no mecanismo de buscas online, incluindo aí a própria quebra da empresa, a fim de desmembrar partes como o Chrome ou o Android.
Outros remédios possíveis seriam disponibilizar dados para rivais e abandonar os acordos por meio dos quais o mecanismo de buscas do Google se torna a solução default em equipamentos como o iPhone. Segundo a reportagem, o juiz chegou a solicitar que o Departamento de Justiça e o Google apresentem sugestões para contornar o problema, fixando uma audiência pública para o dia 4 de setembro.
De acordo com o jornal britânico The Guardian, o desinvestimento obrigatório poderia abranger, além do Android e do Chrome, também a venda do AdWords, conjugando tais possibilidades com o compartilhamento de dados, o que poderia assegurar certo nivelamento para os rivais.
De todos os remédios possíveis, não há dúvidas de que o mais radical e controverso é a quebra, seja pelas dificuldades inerentes a esse desmembramento, seja em razão das discussões a respeito da sua necessidade ou mesmo da sua eficiência.
Verdade seja dita que, em 2000, um juiz federal também decidiu que a Microsoft deveria ser quebrada, o que foi revertido em apelação. Para muitos, foi ótimo que a solução não tivesse sido implementada, já que, mesmo sem a quebra, a Microsoft não exerceu sua dominância sobre a indústria emergente da internet, o que criou espaço para que outras companhias, como o próprio Google, se desenvolvessem.
Entretanto, não são poucas as vozes a favor da quebra, inclusive sob a alegação de que traria grandes benefícios aos consumidores. Como aponta John Naughton, o monopólio do Google está sendo utilizado como um incentivo para a degeneração dos serviços e para sugar impiedosamente os usuários, submetendo-os a montes de anúncios antes de se chegar nos resultados orgânicos.
De toda sorte, é forçoso reconhecer que não há solução única. Na reportagem já mencionada do New York Times, ressalta-se a posição da concorrente DuckDuckGo, uma pequena companhia de buscas, que afirmou ter sido prejudicada pela dominância do Google e propõe ao governo o banimento de acordos que tornam o Google a solução default. Todavia, há a ressalva de que não há nenhuma “bala de prata” para a solução do problema, pois uma série de medidas precisariam ser tomadas sempre sob a supervisão de um corpo independente de técnicos.
Em síntese, não se está diante de um caso fácil. Todavia, por maiores que sejam os desafios decorrentes da decisão e das medidas que deverão ser adotadas, o simples fato de que estejamos discutindo a possibilidade de utilização do Direito Antitruste para contornar problemas das big techs já tem um grande significado, a exigir de toda a comunidade antitruste que acompanhe os próximos desdobramentos de perto.
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