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Gladston Mamede
Gladston Mamede

05/09/2025

É um erro comum achar que o compositor de “Matriz ou Filial, aquele samba-de-fossa que ficou famoso na voz do Jamelão (1913/2008), famosa garganta mangueirense, seria Lupicínio Rodrigues, músico gaúcho (1914/1974) a quem se atribui a criação da expressão dor-de-cotovelo. Uau! Não é pouco, hein? Criar uma expressão de uso corrente? Cáspite. Lupicínio era um monstro sagrado da música popular brasileira (a tal MPB) que, de resto, foi bedel da Faculdade de Direito da UFRGS (entre 1935 a 1947); nó! Bedel? Não sabe o que é? É o responsável por tocar o sinal (em muitos casos, literalmente um sino) para anunciar o horário de começo e encerramento das aulas. Em meados do século passado, o bedel da Faculdade de Direito da UFMG (a vetusta Casa do Conselheiro Afonso Augusto Moreira Pena), era o Samuel, mas não consta que compunha sambas como: “Você sabe o que é ter um amor, meu senhor?/ Ter loucura por uma mulher./ E depois encontrar esse amor, meu senhor/ Nos braços de um tipo qualquer?” Isso aí é Lupicínio. É bonito de um tanto… Francisco Alves gravou em 1947; Paulinho da Viola gravou em 1973, um ano antes da morte do compositor que, infelizmente, foi caminhar com Tânatos aos 59 anos de idade. Jovem, né? Mesma idade em que partiu João Guimarães Rosa (1908/1967), autor de “Grande Sertão Veredas”.

Como o estilo é o mesmo, o chamado samba-de-fossa, o povo ouve e sem engana: é Lupicínio. Não! Não é! Sabe de que música estamos falando, né? “Quem sou eu pra ter direitos exclusivos sobre ela/Se eu não posso sustentar os sonhos dela/Se nada tenho e cada um vale o que tem?/Quem sou eu pra sufocar a solidão da sua boca/Que hoje diz que é matriz e quase louca/ Se nós brigamos diz que é a filial?” Fabuloso. Dá para cantar os dois na mesma rodada; boteco cheio. Mas o compositor de “Matriz ou Filial” é o paulista Lúcio Cardim, que a vida colheu ainda mais jovem: quase 50 anos de idade (1932/1982); morreu no dia 3 de junho, faria aniversário no dia 07. Gravou um único álbum: “Obra Prima”; gravadora Chantecler, 1978. Aliás, já puxando a história para as bandas do Direito Empresarial, Lúcio Cardim era o sócio majoritário de uma sociedade empresária que, nos anos 1970, estabeleceu-se na Avenida Amaral Gurgel (que, naquela época, já estava coberta pelo Minhocão, que é de 1971). Tinha o sugestivo nome Boate Matriz ou Filial. Mas é o título do estabelecimento, é bom esclarecer; não conseguimos descobrir qual era o nome empresarial da sociedade, se firma social ou denominação. 

O que são matriz e filial no Direito Empresarial

Esse troço de matriz e filial ainda provoca uma confusão danada, como se pode verificar da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. A questão é simples, mas, por artes do diabo (só pode!), engasga aqui e acolá, razão pela qual este ensaio se recomendou aos apatacados autores que, até a sugestão, tocavam suas vidas em meio às serras alterosas. Como demonstramos em nosso “Manual de Direito Empresarial” (19ed. Editora Atlas, 2025), a ideia de filial está diretamente ligada à determinação legal de que empresários e sociedades empresárias declarem ao registro mercantil onde irão girar suas atividades. Isso começa dizendo qual é a sua sede: artigos 968, IV, e 997, II, do Código Civil, 24, I, da Lei 6.404/76. Mas não é preciso que se exerça a empresa apenas naquele lugar, pode fazê-lo em outros; o Código Civil fala em sucursal, filial ou agência (cabeça do artigo 969). Então, a base é essa: é lícito ao empresário e também à sociedade empresária instituir filiais, ou seja, girar seus negócios em estabelecimento principal (matriz) e em estabelecimento(s) secundário(s): as filiais. E as filiais precisam ser levadas a registro mercantil. Aliás, em se tratando de sucursal, filial ou agência que vá funcionar no território submetido a outra jurisdição (território de outra junta comercial), será preciso arquivar a alteração em ambas as juntas: onde está o registro principal e na Junta em cujo território funcionará o estabelecimento secundário. Note-se que, em qualquer hipótese, a filial não constitui outra pessoa jurídica: ela é parte de uma só sociedade, compõe sua estrutura e seu patrimônio. O mesmo que se passa com um dentista que atenda em dois ou três consultórios: ele continuará sendo um só dentista, uma só pessoa, embora atendendo em dois ou três locais diferentes.

CNPJ: como funciona para matriz e filial

A confusão começou com… adivinhe? Pois é… de novo! O Direito Tributário. Já havíamos embirrado com o Direito dos Tributos, por razões parecidas, noutro artigo: Empresário (Individual): o óbvio que não ulula. Estamos aqui na mesma catilinária, temendo uma interpelação de Cícero, o cônsul: Quosque tandem abutere, Catilina, patientia nostra? [Até quando, Catilina, abusarás de nossa paciência?] Todos aqueles que exercem empresa, empresários (pessoas naturais) e sociedades empresárias (pessoas jurídicas) estão obrigados a se inscreverem no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ), o que não quer dizer que sejam pessoas jurídicas, como ali explicamos. O cadastro poderia ter outro nome, para afastar confusões, mas isso não aconteceu, não acontece e, sejamos realistas, não vai acontecer, ainda que a Reforma Tributária em curso ofereça uma oportunidade de ouro para isso. Ao registro no CNPJ corresponde um número (composto por três partes: os oito primeiros dígitos identificam a pessoa (natural ou jurídica) ou ente não personalizado (condomínio, espólio etc); os quatro números após a barra, identificam a matriz (0001) ou as filiais; depois um traço e dois dígitos verificadores. A diferença após a barra não define outra pessoa jurídica, mas apenas locais diversos. Os quatro dígitos identificadores de estabelecimentos servem à Fazenda Pública para sua organização da fiscalização e da arrecadação tributária. E nisso vai uma afirmação básica que já deveria estar legada ao reino do óbvio, afastando essa confusão da moléstia que ainda campeia entre nós, cria uma arrelia arretada e tumultua os tribunais. 

Jurisprudência do STJ sobre matriz e filial

Prova desse tumulto é que foram tantos recursos especiais que, bem encadernados, foram dar no Superior Tribunal de Justiça, que foi necessário submeter a questão à dinâmica dos recursos especiais repetitivos. Nasceu, assim, o Tema Repetitivo 614. Em todos os processos, repetia-se a mesma tese: se a Fazenda Pública fosse credora tributária de uma sociedade empresária, não poderia obter o bloqueio judicial de depósitos bancários que fossem “de titularidade das filiais” quando o débito fosse da matriz. Aquela Alta Corte recusou o argumento: “É possível a penhora, pelo sistema BACEN-Jud, de valores depositados em nome das filiais em execução fiscal para cobrança de dívidas tributárias da matriz.” 

O precedente qualificado foi firmado no Recurso Especial 1.355.812/RS, onde se lê: “a filial é uma espécie de estabelecimento empresarial, fazendo parte do acervo patrimonial de uma única pessoa jurídica, partilhando dos mesmos sócios, contrato social e firma ou denominação da matriz. Nessa condição, consiste, conforme doutrina majoritária, em uma universalidade de fato, não ostentando personalidade jurídica própria, não sendo sujeito de direitos, tampouco uma pessoa distinta da sociedade empresária. Cuida-se de um instrumento de que se utiliza o empresário ou sócio para exercer suas atividades.” Dessa maneira, “a discriminação do patrimônio da empresa, mediante a criação de filiais, não afasta a unidade patrimonial da pessoa jurídica, que, na condição de devedora, deve responder com todo o ativo do patrimônio social por suas dívidas, à luz de regra de direito processual prevista no art. 591 do Código de Processo Civil, segundo a qual “o devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei”. […] A obrigação de que cada estabelecimento se inscreva com número próprio no CNPJ tem especial relevância para a atividade fiscalizatória da administração tributária, não afastando a unidade patrimonial da empresa, cabendo ressaltar que a inscrição da filial no CNPJ é derivada do CNPJ da matriz.”

Há outro precedente interessante: a sociedade empresária Comercial de Combustíveis Santa Edwiges Ltda. estava nos azeites contra a pretensão de ver todos os estabelecimentos submetidos a uma condenação que, alegava, dizia respeito a uma só unidade. Argumentou que matriz e filiais tinham títulos de estabelecimento (nomes de fantasia) próprios diferentes uns dos outros: Posto Bonitão, Posto Novo Mato Grosso, Posto Seminário. Como se não bastasse, seguiu a dizer, haveria autonomia de operações e patrimonial, razão pela qual a condenação, até por sua natureza, “deveria ser cumprida apenas pela unidade condenada e não por toda a pessoa jurídica.” O Juiz de Direito assim não entendeu, mas a sociedade não esmoreceu no argumento, conduzindo o feito ao Tribunal de Justiça do Mato Grosso; mas os desembargadores também não concordaram com o argumento, negando provimento ao recurso. E o fizeram a dizer que “matriz e a filial constituem a mesma pessoa jurídica, de modo que a primeira é o estabelecimento principal, e a segunda é um estabelecimento secundário. Portanto, a circunstância de a agravante, na condição de filial, possuir Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica – CNPJ próprio, não a torna pessoa jurídica distinta da matriz. […] Dessa forma, não se apresenta admissível excluir a filial da lide, ao fundamento de que, não está a legitimada a responder por atos da matriz e de outras filiais, porquanto, ao fim e ao cabo, a pessoa jurídica é a sociedade empresária Comercial de Combustíveis Santa Edwiges Ltda.” 

Uma enxurrada de recursos levou a questão ao exame da Primeira Turma Julgadora do Superior Tribunal de Justiça: Agravo Interno nos Embargos Declaratórios no Agravo Interno no Recurso Especial 2.112.213/MT. E a posição manteve-se ali, aboletada sobre o litígio, confirmada em três instâncias diversas: “É certo que há entre matriz e filial autonomia administrativa e operacional para fins da atividade fiscalizatória da administração tributária, todavia, a unidade patrimonial da empresa persiste.” E citou-se o que fora decidido no REsp n. 1.655.796/MT: “Ainda que possuam CNPJ diversos e autonomia administrativa e operacional, as filiais são um desdobramento da matriz por integrar a pessoa jurídica como um todo. Eventual decisão contrária à matriz por atos prejudiciais a consumidores é extensível às filiais.” Fim de papo: Brasília locuta, causa finita.

No caso que envolveu o Agravo de Instrumento no Recurso Especial 2.195.345/SP, experimentou-se uma situação inversa. A história foi a seguinte: Americanas S/A – em recuperação judicial venceu a Fazenda do Estado de São Paulo em mandado de segurança no qual se discutia matéria tributária (diferença de alíquota sobre uma mercadoria determinada entre o estado de origem da mercadoria e o de destino), mas o Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu que, “por força do princípio da autonomia dos estabelecimentos, para fins fiscais, implicando que cada estabelecimento de uma mesma pessoa jurídica se submeta às regras tributárias de forma autônoma”, não seria possível que a decisão judicial favorável, obtida pela matriz, fosse estendida de forma automática a todos os seus estabelecimentos, ou seja, a todas as suas filiais. A pretensão contrária foi encadernada e palmilhou seu caminho para o Superior Tribunal de Justiça. A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça entendeu justo o contrário: “Esta Corte adota o entendimento segundo o qual a filial é uma espécie de estabelecimento empresarial, fazendo parte do acervo patrimonial de uma única pessoa jurídica, partilhando dos mesmos sócios, contrato social e firma ou denominação da matriz. Nessa condição, consiste, conforme doutrina majoritária, em uma universalidade de fato, não ostentando personalidade jurídica própria, não sendo sujeito de direitos, tampouco uma pessoa distinta da sociedade empresária. Cuida-se de um instrumento de que se utiliza o empresário ou sócio para exercer suas atividades.” Assim, completou a Turma Julgadora, “as filiais são estabelecimentos secundários da mesma pessoa jurídica, desprovidas de personalidade jurídica e patrimônio próprio, apesar de poderem possuir domicílios em lugares diferentes e inscrições distintas no CNPJ, que lhes confere autonomia administrativa e operacional para fins fiscalizatórios, não abarcando a autonomia jurídica. Os valores a receber provenientes de pagamentos indevidos a título de tributos pertencem à sociedade como um todo, de modo que a matriz pode discutir relação jurídico-tributária, pleitear restituição ou compensação relativamente a indébitos de suas filiais. Precedentes.”

Conclusão: unidade patrimonial e segurança jurídica

Aqui e acolá, estamos roídos de vícios, mas, com empenho e dedicação, as coisas entram no jeito, aprendem-se e, enfim, aplicam-se corretamente a bem de todos. A recompensa reside no Direito em si: estudá-lo, dar-lhe correta expressão, no que vai uma grande obra. A prevalência do Estado Democrático de Direito pressupõe vencer a tirania dos equívocos, por mais arrogantes que sejam. A precisão técnica prestigia a coletividade, a segurança de todos, já que os enganos são irmãos das confusões, amigos dos arbítrios, conterrâneos das injustiças e… cáspite! O futuro vai melhor com o uso adequado da tecnologia jurídica. E vamos que vamos (e vice-versa). 

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