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AGRONEGÓCIO
CLÁSSICOS FORENSE
EMPRESARIAL
REVISTA FORENSE
Intervenção do Estado na Ordem Econômica – Fixação de preço do açúcar
Revista Forense
21/01/2022
REVISTA FORENSE – VOLUME 147
MAIO-JUNHO DE 1953
Semestral
ISSN 0102-8413
FUNDADA EM 1904
PUBLICAÇÃO NACIONAL DE DOUTRINA, JURISPRUDÊNCIA E LEGISLAÇÃO
FUNDADORES
Francisco Mendes Pimentel
Estevão L. de Magalhães Pinto
Abreviaturas e siglas usadas
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SUMÁRIO REVISTA FORENSE – VOLUME 147
CRÔNICA
DOUTRINA
- Alguns problemas municipais em face da Constituição – Vítor Nunes Leal
- O Município na estrutura política do Brasil – Orlando M. Carvalho
- O poder regulamentar no direito comparado – Carlos Medeiros Silva
- O direito de construir e a vizinhança – J. C. Costa Sena
- A empreitada de construção e os danos causados a terceiros, inclusive vizinhos, durante o período de obras – Alfredo de Almeida Paiva
- Da sub-rogação legal em favor do segurador terrestre, no direito civil comparado – Moacir Lôbo da Costa
- Institutos do Direito Comum no processo civil brasileiro – Enrico Tullio Liebman
PARECERES
- Instituto do açúcar e do álcool – Fixação de preços – Contrôle da economia açucareira – Francisco Campos
- Intervenção do Estado na Ordem Econômica – Fixação de preço do açúcar – M. Seabra Fagundes
- Compra e venda de imóvel – Arrependimento – Execução compulsória – Antão de Morais
- Locação para fins comerciais – Sublocação – Renovação – Pontes de Miranda
- Depósito bancário – Conta conjunta – Doação entre cônjuges casados com separação de bens – Arnoldo Medeiros da Fonseca
- Juiz do trabalho – Nomeação – Promoção – Transferência – Remoção – Osvaldo Aranha Bandeira de Melo
- Conflito de leis no espaço e no tempo – Alteração, após o casamento, do respectivo regime de bens – Jorge Alberto Romeiro
NOTAS E COMENTÁRIOS
- A uniformidade da legislação relativa à cooperação internacional no direito processual – Relatório da Comissão Jurídica Interamericana – George H. Owen; Osvaldo Vial; José Joaquín Caicedo Castilla; Francisco A Ursúa; Francisco Campos; Mariano Ibarico
- Constituinte, Constituição, leis constitucionais – Inconstitucionalidade de leis e atos – A. Machado Paupério
- Responsabilidade civil dos preponentes pela atuação de seus prepostos – Paulo Carneiro Maia
- A nota promissória como instrumento da fraude – Wagner Barreira
- Locação comercial – Pedro de Buone
- Da representação do menor sob pátrio poder – Abelardo Barreto do Rosário
- Direito ao sossêgo – Oscar de Aragão
BIBLIOGRAFIA
JURISPRUDÊNCIA
- Jurisprudência Civil e Comercial
- Jurisprudência Criminal
- Jurisprudência do Trabalho
LEGISLAÇÃO
LEIA:
Sobre o autor
M. Seabra Fagundes, advogado no Distrito Federal.
PARECERES
Intervenção do Estado na Ordem Econômica – Fixação de preço do açúcar
– A fiação de preços de mercadorias pelo Estado, sendo uma das modalidades de sua intervenção no domínio da economia privada, encontra base constitucional, desde que satisfeitas as exigências de interêsse público, de legislação especial e de respeito aos direitos fundamentais.
– A incorporação de certas parcelas da propriedade ao patrimônio público é, às vêzes, uma conseqüência virtual do processo mesmo de intervenção.
– Desde que o Estado chama a si controlar um setor da economia privada, a disparidade de preços só se pode explicar pela disparidade de custo de produção, ou pelas especiais condições de tratamento que certas zonas devam merecer.
PARECER
O preço de venda do açúcar cristal, nos têrmos do dec.-lei nº 4.189, de 17 de julho de 1942, é fixado periòdicamente pelo Instituto do Açúcar e do Álcool, mediante resoluções de sua Comissão Executiva, após inquéritos de custo de produção.
Apurado êste, o I.A.A., na composição da tabela, tomava por base o preço do açúcar nas usinas do nordeste (Alagoas, Pernambuco e Sergipe), centros tradicionalmente exportadores do produto, e daí partia para a fixação dos preços nos demais centros.
A adoção dêsse sistema tem possibilitado às usinas de São Paulo, Santa Catarina, Paraná e Minas Gerais, para o açúcar de sua produção, a obtenção de um sobre-valor excedente ao lucro normal, representado o mesmo sobre-valor no frete e demais despesas necessárias à colocação do produto originário do nordeste nos citados centros consumidores. Assim é que, calculado o custo médio de produção nos Estados do nordeste, que chamaremos P, e apuradas as despesas de frete, seguros e correlatas, para a condição C.I.F., capital de São Paulo, que chamaremos F, o preço do produto, para as usinas de São Paulo, estaria acrescido daquele sobre-valor, representado justamente, pela margem F, acima indicada.
Assim teremos:
Preço do açúcar nas usinas dos Estados do nordeste …… = P
Valor de frete, seguros, etc. (condição C. I. F. )……. = F
Preço do açúcar nas usinas de São Paulo …………. = P + F
De onde vantagem extra proporcionada aos produtores do sul em detrimento dos interêsses da coletividade açucareira, em cujo benefício, justamente, se instituiu a defesa da produção pelo Instituto do Açúcar e do Álcool, nos têrmos dos decretos ns° 22.789 e 22.981, ambos de 1933.
Tal situação de desigualdade impressionou vivamente o Sr. presidente da República, que, em despacho de 28 de dezembro de 51 (anexo n° 1), determinou ao I.A.A, reexaminasse o caso, a fim de que, quando da fixação das novas tabelas, providenciasse “na implantação de uma nova política de preços, de forma a assegurar a todos os produtores de açúcar de usina no país o mesmo preço de liquidação na fábrica”.
Uma providência desta natureza tinha evidentemente em vista corrigir a contradição entre a política de preços até então seguida e o sistema de contingentamento da produção açucareira, que visou, em sua origem, à sobrevivência desta no nordeste. Amparada, inicialmente, ali, essa produção se vê agora ameaçada de perecimento pela subversão da técnica que se vinha adotando, em face das tabelas de preço de açúcar cristal, permissivas de um sobre-valor em relação aos usineiros do sul do país.
Dando cumprimento àquele memorável despacho, o Instituto do Açúcar e do Álcool baixou, em obediência às determinações presidenciais, a resolução nº 619-51, de 29 de dezembro de 1951 (anexo nº 2), pela qual fixou, para tôdas as usinas do país, o preço de liquidação, oficial e certo, de Cr$ 187,30, devendo ser recolhidas ao Banco do Brasil, em conta especial, à disposição do I.A.A., as diferenças verificadas entre os preços de faturamento e o de liquidação, conforme previsto nos arts. 1°, 2° e 3° da resolução n° 619-51. Pelo novo sistema instituído na resolução n° 619-51, tôdas as usinas do país obterão, na venda do produto, o preço uniforme de Cr$ 187,30, recolhendo-se ao I.A.A. as diferenças a maior, nos casos em que as condições do abastecimento exijam a fixação de um preço de faturamento superior.
Sobre as diferenças no faturamento
As diferenças verificadas entre os preços de faturamento e o de liquidação, recolhidas ao Banco do Brasil, à disposição do I.A.A., terão a seguinte aplicação:
“a) na compensação de fretes para permitir a equivalência dos preços dos diversos centros consumidores, qualquer que seja a procedência do açúcar;
b) no financiamento e ampliação do parque açucareiro e alcooleiro;
c) no desenvolvimento do serviço de tratoragem e ampliação da prática de adubação e irrigação e assistência técnica em geral à cultura da cana, em cooperação com o Ministério da Agricultura;
d) no financiamento da instalação e ampliação das indústrias de fertilizantes;
e) no amparo e estímulo aos estudos relacionados com a indústria da borracha sintética, com o emprêgo de álcool proveniente da cana de açúcar, e na cooperação para o financiamento de instalação da referida indústria”.
Quesitos a serem respondidos
III. Assim exposta a matéria, formulam-se quesitos que, a seguir, vêm transcritos e respondidos.
Primeiro quesito: A fixação de preço uniforme do açúcar para tôdas as usinas do país, tendo em vista igual tratamento a todos os produtores, atenta contra direito ou fere disposição legal ou constitucional?
A fixação de um preço uniforme de açúcar para tôdas as usinas do país, desde que apurado ser idêntico em tôdas elas o custo de produção, ou pela uniformidade de preço de matéria-prima, de mão-de-obra, etc., ou por se compensarem, de umas regiões para outras, nas diferenças de custo, os diversos fatôres do fabrico, é medida inatacável na sua juridicidade. Não lesa direitos subjetivos dos produtores de açúcar, nem atenta contra textos do direito positivo.
Para que tal acontecesse, era mister que textos legais ou constitucionais autorizassem o produtor fixar, livremente, o preço das mercadorias da sua produção. Entretanto, o que sucede é o contrário disso.
A Constituição federal, longe de resguardar, na sua inteireza, a liberdade de comércio, autoriza a União a intervir, de modo amplo, no domínio econômico. E condiciona, essa intervenção à, satisfação apenas de três requisitos: existência de interêsse público – não será possível intervir para favorecer interêsse privado; legislação especial – só através de legislação direta e especificamente relacionada com o contrôle da economia privada pode o Estado interferir na vida econômica; e respeito aos direitos fundamentais, que nela própria vêm assegurados – a intervenção há de se fazer sem ferir êsses direitos.
A fixação de preços de mercadorias pelo Estado, sendo uma das modalidades da sua intervenção no domínio da economia privada, encontra, portanto, base constitucional, desde que obediente a essas exigências fundamentais.
E na espécie elas se somam.
Estabilidade da economia açucareira
Há um interêsse público evidente a atender: o da estabilidade da economia açucareira, que tem na uniformidade do preço um dos seus fatôres, pois a competição entre produtores pode arrastá-la à crise, com sacrifício até, conforme as proporções dessa competição, do parque açucareiro de regiões cujas condições econômicas não permitam enfrentar uma guerra de preços duradoura.
A lei especial existe, que é o dec.-lei n° 4.189, de 17 de março de 1942, com o objetivo estrito de cometer ao Instituto do Açúcar e do Álcool a fixação, em todo o território do país, do preço do açúcar cristal.
Aliás, diga-se de passagem, quando a Constituição alude a lei especial, não exige lei elaborada adrede para cada caso, que, se assim fôra, o legislador como que se substituiria ao administrador, deixando de lado as soluções genéricas, para chamar a si, pelo menos em parte, as de cunho individual. A finalidade da expressão utilizada pelo legislador constituinte – “mediante lei especial” – é evitar que providência de tal relevância se insinue incidentemente, sem o devido estudo, no texto de leis atinentes a outros assuntos. É impedir que a intervenção estatal, considerada uma exceção no campo das atividades econômicas (a liberdade de iniciativa é dos postulados básicos da ordem econômica, instituída pela Constituição vigente, artigo 145), se improvise na simples emenda a uma lei precìpuamente destinada a regular matéria diversa.
E, finalmente, nenhum direito fundamental, dos que a Constituição contempla, surge afetado pela medida. O único que se poderia supor atingido seria o de propriedade (art. 141, § 16). Mas êste é preservado constitucionalmente apenas contra a expropriação, e na fixação de preço, ainda quando nela se traduza uma restrição ao lucro possível de obter no mercado livre, há, tão-sòmente, disciplinamento do uso da propriedade. O Estado, ao fixar preços, apenas delimita a valorização da mercadoria para o efeito de venda. Restringe-se a condicionar o seu uso, como objeto de comércio, a padrões de troca preestabelecidos.
Enquanto isto, há textos outros da Constituição que fazem ter como realmente acertada a política de igual tratamento, pela imposição da igualdade de preço de mercadorias com igual custo de produção.
O princípio de igualdade civil (art. 141, § 1°), que obriga o Estado a dispensar, na aplicação da lei, tratamento igual a situações iguais, está a indicar, na sua generalidade abrangedora, que se devem tratar em pé de igualdade situações e relações econômicas idênticas, postas sob o contrôle de um ente público.
Ainda, a recomendação de que, na organização da ordem econômica, se tenha em conta a valorização do trabalho humano (art. 145), leva a que não se desprestigie o esfôrço de produtores de igual condição pela inferioridade do preço atribuído ao produto de alguns dêles.
Deixando-se de parte o estrito teor dos textos e considerando-se a intervenção estatal como um sistema de política econômica, acolhido pelo legislador constituinte, não se alcançará conclusão diferente. Uma das razões de ser do contrôle do Estado sôbre relações econômicas de certa ordem é, precisamente, impor condições que equilibrem os interêsses e afastem a competição nociva entre os interessados. Ora, se assim é, seria uma negação do I.A.A., nos seus objetivos essenciais, e, mais que isto, uma negação da própria capacidade intervencionista do Estado, recusar a êsse órgão o poder de instituir preço uniforme, em todo o país, para açúcares de igual custo de produção. Pois, a ser assim, o contrôle estatal da economia açucareira falharia num dos seus aspectos mais importantes, senão no mais importante, que é o da realização do equilíbrio dos preços, com o conseqüente equilíbrio do organismo econômico de produção, pela exclusão das competições regionais no todo nacional.
Segundo quesito: resolução nº 619-51
Segundo quesito: A resolução nº 619-51; do I.A.A. (arts. 1° a 3°), visando a realizar o preço uniforme de que trata o quesito anterior, podia legalmente dispor, como fêz, que as diferenças verificadas entre os preços oficiais de faturamento e de liquidação sejam recolhidas ao Banco do Brasil, em conta, do mesmo Instituto, para os fins específicos a que alude o art. 3º daquela resolução, fins êstes do interêsse direto e imediato da própria indústria açucareira?
A intervenção estatal, no domínio da economia privada, ocorre quando, por determinadas circunstâncias, caindo em crise a produção, a distribuição ou o consumo de algum produto da lavoura ou da indústria, se tem como indispensável, a remover os sintomas da crise e a corrigi-la nas suas causas, a interferência do Estado, em maior ou menor escala, no campo das atividades afetadas. E porque ditada na sua intensidade pela importância das circunstâncias a enfrentar, e porque, ainda, enfrentando circunstâncias de diferentes naturezas, é essencialmente empírica. Ou, como diz FELIPE PEREZ, mais incisivamente, “empírica e realista” (“La Economia Nueva y la Crisis del Liberalismo”, 1937, pág. 191). Atua na medida em que os fenômenos econômicos sugerem que atue, e se traduz no uso de fórmulas as mais diversas. Não tem lógica, nem obedece à rigidez de normas preestabelecidas. Inflete para um lado ou para outro, em função do imprevisto e do particular dos fenômenos econômicos. O que importa, na sua condução, é dominar êsses fenômenos para atingir certa finalidade. Intervindo no dinamismo da vida econômica, o Estado foge, em rigor, às linhas teóricas preestabelecidas de qualquer planificação (sem embargo de até qualificar-se o sistema intervencionista de economia planificada), obrigado que é a encarar cada situação como cada situação se apresenta, nas suas mais singulares peculiaridades, e a oscilar nos processos de atuação segundo as reações que a sua própria intervenção vá gradativamente suscitando.
Daí assinalar HAROLD LASKY que, na política da intervenção estatal, a realidade supera sempre as hipóteses prefiguradas, tudo afinal se cingindo em fixar os “métodos mais adequados para conseguir os máximos benefícios” (“El Estado Moderno”, versão espanhola de GONZALEZ GARCIA, vol. II, págs. 246-247).
Não foi senão por isso que se pôde dizer, considerada a grande obra intervencionista do govêrno Roosevelt – decerto a de maior repercussão em nosso tempo, tanto pelo clima de arraigado individualismo que enfrentou, como pelos resultados positivos alcançados, – que, longe de assentar na coerência de regras prèviamente definidas, se realizou com apêlo a processos de tipos diferentes, variando de uns para outros sempre que tal se afigurava útil para atingir o propósito fundamental – êste, sim, sempre o mesmo – de soerguer a economia do país abatida pela, depressão da produção e dos negócios (CARR, MORRISON, BERNSTEIN e SNYDER, “American Democracy in Theory and Practice”, 1951, pág. 738).
A medida adotada pela resolução nº 619-51 não foi senão um processo de que se socorreu o I.A.A., dentro dêsse empirismo peculiar à economia dirigida, para atingir um dos fins inspiradores da sua instituição – o equilíbrio econômico, em têrmos nacionais, da indústria açucareira dispersa por muitos dos Estados brasileiros, – através da igualdade do lucro, por unidade do produto, entre os produtores das diversas regiões do país, para os quais o custo de fabricação é o mesmo, porém as condições de colocação nos centros consumidores são diferentes. E com êsse caráter é que tem de ser entendida.
Incumbido por lei – dec.-lei número 4.189, de 17 de março de 1942, art. 1°, – de fixar o preço do açúcar cristal para refinação em todo o território brasileiro, e tendo diante de si o problema de conduzir ao equilíbrio os interêsses regionais, o I.A.A, foi levado à adoção de um sistema complexo, do qual pudesse resultar a retribuição do produto ao mesmo tempo justa e igual para todos. E, então, ao lado do valor pago ao usineiro por unidade do seu produto (preço de liquidação), situou um outro, o valor do produto, também por unidade, para entrega ao revendedor (preço de faturamento), impondo ao vendedor recolher a diferença entre os dois valores ao Banco do Brasil, à disposição dêle I.A.A.
Com essa tricotomia de elementos preço de liquidação, preço de faturamento e obrigação de recolheras diferenças entre um e outro, – logrou, fixando o preço, equilibrar os interêsses dos produtores em competição.
Poderá parecer que tal sistema, pela sua complexidade, exorbita da competência outorgada naquele decreto-lei. Afigura-se-nos, entretanto, que a atribuição de fixar preços, mormente quando outorgada tendo em vista o equilíbrio de uma indústria de âmbito nacional e de variáveis condições regionais de produção, distribuição e consumo, como no caso, não se há de exercer, necessàriamente, através da simples organização de uma tabela de valores. Um processo complexo, no qual se levam em conta fatôres diversos com influência sôbre a produção e a circulação da mercadoria, no qual se procura regular o seu lançamento no mercado em condições de igualdade entre produtores, para, afinal, deferir a êstes a justa retribuição do seu produto, é, também, uma forma de fixação de preço.
Se fôsse mister exemplicar com algum precedente, poderíamos aludir ao chamado parity price previsto para os produtos agrícolas, nos Estados Unidos, pelo Agricultural Adjustment Act de 1933. O órgão administrativo disso incumbido (a Agricultural Adjustment Administration) fixava-o mediante complicado sistema, no qual se consideravam, de um lado, os preços a serem recebidos em um dado ano, bem como num período-base, por êsses produtos, e, de outro, os preços pagos em um dado ano, bem como num período-base, por produtos não agrícolas indispensáveis à lavoura e à subsistência dos moradores rurais (KIEKHOFER, “Economics Principles, Problems and Policies”, 1951, págs. 479-480).
Vem a propósito aqui a lição de BRESCIANI-TURRONI, segundo a qual, quando a autoridade intervém para fixar um preto de equilíbrio entre produtores e as condições naturais existentes não permitem estabelecê-lo, o que lhe cumpre fazer é criar condições novas que permitam lograr aquêle objetivo (“Corso di Economia Política”, 1949, vol. I, pág. 108). No caso, estas foram alcançadas pela superarão do ônus do frete, incidente, de modo particularmente desfavorável, sôbre o açúcar de certas regiões, por meio da estipulação de um valor uniforme de entrega da mercadoria pelas usinas ao comércio grossista, com a obrigação de recolhimento, a um fundo comum, da diferença entre êsse valor e o preço efetivamente pago ao produtor (preço de liquidação).
Aliás, nada de estranho há nessa articulação da economia nacional como um todo, a exigir, pela adoção de medidas gerais, a cooperação de umas regiões em prol da sobrevivência econômica de outras (da sobrevivência, que é de interêsse nacional, e não do seu unilateral enriquecimento, o que seria iníquo e odioso), pois ela se manifesta em muitos outros setores da produção e do comércio, afetando até maiores massas de população, embora sem a forma evidente por que surge no caso do açúcar. Aí estão as tarifas protecionistas em favor de tecidos, calçados, comestíveis, e mesmo de medicamentos, impondo aos consumidores de todos os Estados o sacrifício da aquisição do artigo nacional a preço mais elevado que o do similar estrangeiro, para que centros industriais, de apenas alguns Estados, possam encontrar mercados asseguradores da sua sobrevivência.
Nem o recolhimento das diferenças do preço se traduz num confisco de valores privados, num atentado, em suma, ao direito individual de propriedade, protegido pela Constituição contra a incorporação sumária ao patrimônio público (art. 141, § 16).
Tal poderá parecer se se tomar em consideração apenas o texto da Lei Suprema, que define o direito de propriedade como um dos direitos individuais. Desde, porém, que se articule êsse texto com os demais que alcançam o direito de propriedade, definindo-o e limitando-o, e desde que se considere o recolhimento das diferenças de preço dentro do sistema criado pela resolução nº 619-51, constatar-se-á a inexistência de atentado à propriedade.
Em verdade, e dentro do sistema adotado pelo I.A.A., só existe um preço, como expressão, em moeda, do valor, por unidade de açúcar alienado. É o preço de liquidação, uniforme para tôdas as usinas do país e correspondente ao custo de produção mais uma, margem de lucro arbitrada. O chamado preço de faturamento, variável de uns Estados para outros, não é senão uma ficção de que se valeu o Instituto para tornar pràticamente possível a entrega, ao comércio grossista de tôdas as praças do país, em igualdade de condições de revenda, do açúcar produzido em qualquer Estado. Instituiu-se o que se chamou de preço de faturamento (ao lado do preço de liquidação) não como um segundo valor de retribuição ao fabricante da mercadoria comprada pelo comércio grossista, e sim como um meio, uma forma, um expediente, afinal, capaz de igualar, no ato de colocação no mercado de qualquer Estado, o custo do açúcar produzido nas diferentes regiões açucareiras. O usineiro aparece aqui em dupla posição: pessoalmente, como credor do preço de liquidação, e no desempenho de um mister que o poder público lhe comete, ao faturar a mercadoria por êsse preço e mais um sobrevalor variável. Não é credor dêste sobrevalor, que não corresponde ao custo e remuneração do seu produto, mas apenas grava-o, como um meio de que se vale o Estado intervencionista, para colocar em situação de igualdade todos os revendedores, no que diz com as condições de aquisição da mercadoria, seja ela de que procedência fôr. Porque sòmente fazendo que os açúcares de tôdas as procedências sejam adquiridos pelo comércio em grosso por um valor uniforme, é possível evitar a competição entre produtores de regiões mais próximas e mais distantes dos centros consumidores.
Por outro lado, a intervenção estatal na economia privada supõe, quase sempre, um jôgo de interêsses, com sacrifícios e vantagens, recìprocamente compensados. A incorporação de certas parcelas da propriedade privada ao patrimônio público é às vezes, uma conseqüência virtual do processo mesmo de intervenção. E, assim sendo, a ressalva do art. 146, segunda parte, da Lei Suprema – “A intervenção terá por base o interêsse público e por limites os direitos fundamentais assegurados nesta Constituição” – nem sempre se pode entender à letra.
Já tivemos na cota de equilíbrio ou cota de sacrifício, imposta aos cafeicultores pelo Departamento Nacional do Café, um processo crucio pela necessidade de equilibrar a oferta e a procura, de modo a manter o preço da mercadoria exportável em nível satisfatório para as economias privadas e públicas. A cota era transferida pelo lavrador ao D.N.C., por um preço que oscilava entre Cr$ 2,00 e Cr$ 5,00. Preço meramente simbólico, em face do valor real da mercadoria, de sorte que da operação resultava a incorporação compulsória ao patrimônio público (só se libertavam as cotas de exportação mediante a entrega das cotas de sacrifício correspondentes) de valores de patrimônios individuais não retribuídos devidamente. Dir-se-ia, tanto quanto no caso que nos ocupa, ocorrer um confisco. A distinção entre os dois casos, sob o ponto de vista da incorporação de um valor privado ao patrimônio do Estado (se no recolhimento se quisesse ver uma apropriação, quando em verdade o que há, como procuramos demonstrar, é a entrega ao I.A.A. de uma parcela alheia ao preço efetivo da mercadoria), seria tão-sòmente de quantidade e no modo indireto de retribuição do valor incorporado. No caso do recolhimento, haveria apropriação do valor acrescido ao preço de liquidação, sem contraprestação imediata; no caso da cota de sacrifício, haveria apropriação de cafés mediante um pagamento ínfimo em face do seu valor real. No caso do recolhimento, a retribuição indireta da limitação de lucro imposta ao usineiro seria feita pelo financiamento às indústrias do açúcar e de fertilizantes, pela assistência à lavoura canavieira, pelo estudo da fabricação de borracha sintética com emprêgo de álcool, etc.; no caso da cota de equilíbrio, far-se-ia através das providências gerais destinadas a assegurar a estabilidade dos preços.
Ora, a cota de sacrifício, assim assemelhável, como processo de intervenção do Estado na economia privada e nas suas repercussões sôbre esta, à obrigação de recolhimento das diferenças de preço, foi havida, pelo Supremo Tribunal, como perfeitamente compatível com o princípio de intangibilidade da propriedade particular, salvo expropiação com prévia e justa indenização.
Há, portanto, um precedente qualificado que, nas suas linhas mestras, abona o critério adotado pelo Instituto.
Terceiro quesito: legitimidade da venda
Terceiro quesito: É legítimo ao produtor, em face da citada resolução, vender a sua produção abaixo do preço oficialmente estatuído, em prejuízo de sua comunidade, ou, quando realize direta ou indiretamente êsse preço, auferir a respectiva diferença em seu proveito próprio, comprometendo aquela uniformidade de preços e os fins a que tal diferença se destina (arts. 1º a 3º da resolução nº 619-51)?
A resposta dos dois quesitos anteriores antecipa a dêste. Se é legítima a estipulação de um preço uniforme para o açúcar em todo o país (preço de liquidação), se é também legítimo o processo adotado para tornar pràticamente atuante essa uniformidade (recolhimento da diferença entre o chamado preço de faturamento e o preço de liquidação), torna-se evidente que ao produtor não é lícito rebelar-se contra o preço-padrão, nem locupletar-se com valores que deva recolher à disposição do I.A.A.
Reconhecer-lhe a possibilidade de uma ou de outra dessas atitudes, equivaleria a negar qualquer sentido objetivo ao sistema estatal de contrôle dos preços do açúcar.
O fato do produtor realizar o preço de faturamento por si mesmo, isto é, substituindo-se ao comerciante grossista, excluindo-o, afinal, por operar diretamente no comércio do açúcar, não afasta a obrigação de recolher a diferença referida na resolução n° 619-51, entre os preços de liquidação e de faturamento. Se êste, como já tivemos oportunidade de dizer, é apenas um preço fictício, aparente, mero expediente através do qual se põe o mecanismo da prática do comércio (aludindo-se a dois preços – um real, o de liquidação, outro fictício, o de entrega da coisa ao revendedor) a serviço do propósito de igualar, na competição mercantil, todos os produtores, tanto o é quando lançado o açúcar no mercado, indiretamente, por intermédio de comerciante grossista, como quando lançado diretamente pelo fabricante.
Quarto quesito: tratamento discriminativo
Quarto quesito: Estando as relações jurídico-econômicas, concernindo à indústria açucareira, governadas por uma autarquia, que é o Instituto do Açúcar e do álcool, merecendo, por essa condição, a proteção do Estado, porque se distribuem ônus e proveitos aos que vivem da mesma indústria, pergunta-se: representa ou não tratamento discriminativo a desigualdade de tratamento, por vantagens de que se valeriam produtores de determinadas regiões, em prejuízo não sòmente da economia açucareira, senão também do equilíbrio social, econômico e político que motivaram a instituição da mesma autarquia e lhe justificam a atualidade?
o regime de economia livre, é natural, e fatal mesmo, que os preços variem de região para região, e até de uma localidade para outra, pois êles se formam à base da competição entre produtores, como entre comerciantes, sofredo os reflexos da lei da oferta e da procura.
Desde, porém, que o Estado chama a si controlar um setor da economia privada, a disparidade de preços só se pode explicar pela disparidade de custo de produção, ou pelas especiais condições de tratamento que certas zonas devam merecer (proteção à indústria local, por exemplo, permitindo-lhe preços mais altos, desde que o próprio mercado onde esteja situada será forçado ao consumo dos seus produtos, dadas as facilidades de com êles se abastecer). Inexistente uma dessas razões, tudo induz, quer do ponto de vista econômico, quer do jurídico, a colocar no mesmo nível os preços de todos os produtos de igual qualidade. Agir doutro modo importará (aspecto econômico) discriminar entre produtores, desfavorecendo uns e beneficiando outros, em contradição com os propósitos mesmos da intervenção estatal, que são sempre os de defender a economia nacional como um todo, pelo amparo aos elementos individuais que concorrem à sua formação. Como importará (aspecto jurídico) discriminar entre situações econômicamente idênticas, contrariando os princípios constitucionais da igualdade civil (art. 141, § 1º) e da valorização do trabalho humano (artigo 145). Êste impondo igual tratamento para igual esfôrço, aquêle impondo igual valorização para igual mercadoria.
É o que nos parece.
Rio, 5 de maio de 1952.
LEIA TAMBÉM O PRIMEIRO VOLUME DA REVISTA FORENSE
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 1
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 2
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 3
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 4
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 5
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 6
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Os textos serão avaliados previamente pela Comissão Editorial da Revista Forense, que verificará a compatibilidade do conteúdo com a proposta da publicação, bem como a adequação quanto às normas técnicas para a formatação do trabalho. Os artigos que não estiverem de acordo com o regulamento serão devolvidos, com possibilidade de reapresentação nas próximas edições.
Os artigos aprovados na primeira etapa serão apreciados pelos membros da Equipe Editorial da Revista Forense, com sistema de avaliação Double Blind Peer Review, preservando a identidade de autores e avaliadores e garantindo a impessoalidade e o rigor científico necessários para a avaliação de um artigo.
Os membros da Equipe Editorial opinarão pela aceitação, com ou sem ressalvas, ou rejeição do artigo e observarão os seguintes critérios:
- adequação à linha editorial;
- contribuição do trabalho para o conhecimento científico;
- qualidade da abordagem;
- qualidade do texto;
- qualidade da pesquisa;
- consistência dos resultados e conclusões apresentadas no artigo;
- caráter inovador do artigo científico apresentado.
Observações gerais:
- A Revista Forense se reserva o direito de efetuar, nos originais, alterações de ordem normativa, ortográfica e gramatical, com vistas a manter o padrão culto da língua, respeitando, porém, o estilo dos autores.
- Os autores assumem a responsabilidade das informações e dos dados apresentados nos manuscritos.
- As opiniões emitidas pelos autores dos artigos são de sua exclusiva responsabilidade.
- Uma vez aprovados os artigos, a Revista Forense fica autorizada a proceder à publicação. Para tanto, os autores cedem, a título gratuito e em caráter definitivo, os direitos autorais patrimoniais decorrentes da publicação.
- Em caso de negativa de publicação, a Revista Forense enviará uma carta aos autores, explicando os motivos da rejeição.
- A Comissão Editorial da Revista Forense não se compromete a devolver as colaborações recebidas.
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