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Incorporação de Companhia Controlada

ANA FRAZÃO

FÁBIO ULHOA COELHO

LEI DAS SOCIEDADES ANÔNIMAS COMENTADA

MAURICIO MOREIRA MENEZES

RODRIGO R. M. DE CASTRO SÉRGIO CAMPINHO

GEN Jurídico

GEN Jurídico

07/11/2023

Comentários

Norma especial para operações entre sociedades sujeitas ao mesmo controle

Embora o caput e a ementa do artigo se refiram exclusivamente a uma única operação (incorporação de sociedade), a norma nele veiculada aplica-se a todas as operações envolvendo sociedades sujeitas ao mesmo controlador. Foi apenas por razões redacionais que se adotou essa técnica de escolher uma delas, para disciplinar em detalhes e prever, no §. 5o, a aplicação extensiva do dispositivo às demais.

Trata-se de norma especial sobre as operações envolvendo sociedades sujeitas ao mesmo controlador. Nessa categoria, inclui-se naturalmente as sociedades controladora e controlada. Afinal, o mesmo controlador da sociedade controladora controla indiretamente a sociedade controlada.

E por que se faz necessária uma norma especial sobre operações societárias envolvendo sociedades sujeitas ao mesmo controlador? A razão se encon- tra na proteção do minoritário relativamente ao que se convencionou chamar de “relação de troca”.

Juridicamente, não há “troca de ações” numa operação societária. Mas o mercado, ignorante dos conceitos jurídicos, habituou-se a chamar assim a substituição das ações da incorporada (ou fusionada) pelas da incorporadora (ou a resultante da fusão). O acionista da companhia que se extingue na operação (incorporada ou fusionada) não pode, claro, continuar a titular ações emitidas por ela. A extinção da pessoa jurídica conduz inevitavelmente à das ações representativas de seu capital social. Esse acionista terá as suas ações substituídas por emitidas pela incorporadora (ou resultante da fusão). Não há juridicamente nenhuma troca, mas algo certamente parecido com uma, no plano simbólico.

A “relação de troca” diz respeito à quantidade de ações da companhia extinta correspondente à quantidade de ações da que remanescerá ou resultará da operação. Essa relação é definida em função dos valores atribuíveis a umas e outras. Embora tais valores sejam resultantes de uma avaliação técnica, os critérios e ajustes nela adotados, bem como a escolha do avaliador, são negociados pelas partes envolvidas na operação. De qualquer modo, se uma parte não concordar com as avaliações das socieda des envolvidas (e consequentemente com a “relação de troca”), ela simplesmente não dará prosseguimento à operação. Em suma, malgrado deva assentar-se num laudo de avaliação técnica das sociedades envolvidas, a operação será fundamentalmente uma negociação entre os respectivos administradores. As avaliações técnicas, enquanto não aceitas por eles, servem de parâmetro às negociações e, ao cabo desta, haverão de retratar o contratado.

Quando as sociedades envolvidas estão sujeitas a controladores diferentes, a defesa dos interesses dos minoritários de cada uma delas está resguardada, pelo menos em tese. Presume-se que nenhum administrador negociaria uma “relação de troca” desfavorável ao controlador da sociedade que administra. E, defendendo os interesses do controlador na negociação da “relação de troca”, estará também simultaneamente defendendo os dos acionistas minoritários.

Essa presunção, ressalte-se, não se pode afirmar quando as sociedades envolvidas estão sujeitas ao mesmo controlador. A “relação de troca” não é negociada entre partes independentes; há o risco de ela beneficiar indevidamente os acionistas de uma das sociedades, em detrimento dos da outra. O que o controlador “perde” numa delas pode ser mais que compensado com o que “ganha” na outra. Imagine que o controlador titule 90% do capital social da controladora incorporadora e esta, por sua vez, titule 51% do da controlada incorporada. Uma “relação de troca” desfavorável aos acionistas desta última seria muito benéfica ao controlador e aos minoritários da incorporadora; e extremamente prejudicial aos minoritários da incorporada.

A impossibilidade de se estabelecer, nas operações entre sociedades sujeitas ao mesmo controle, aquela mesma presunção característica das realizadas entre sociedades sob controles independentes é que justifica o tratamento por norma especial da primeira hipótese.

E essa norma especial consiste, basicamente, em assegurar aos acionistas minoritários titulares de direito de recesso a possibilidade de optarem pelo reembolso calculado pelo valor patrimonial “real” das ações.

2 – Valor patrimonial “real”

A única hipótese em que o acionista tem seu direito societário exercitável por meio do valor patrimonial “real” das ações é a estabelecida no art. 264 da LSA; ou seja, no cálculo do reembolso pelo exercício do direito de retirada, quando admissível no contexto de operação envolvendo sociedades sujeitas ao mesmo controlador.

O valor patrimonial é sempre o resultado da divisão do patrimônio líquido da companhia pelo número de ações por ela emitidas. O divisor (número de ações) é extraído de cláusula estatutária, geralmente a do capital social. Deste modo, é formal e, portanto, geralmente incontroverso. Mas o dividendo (Patrimônio líquido) se extrai do balanço patrimonial e, consequentemente, varia de acordo com a época do levantamento do documento contábil e dos critérios adotados em sua elaboração.

Classifica-se o valor patrimonial, em vista disso, em três espécies: contábil, a data presente ou real.

O valor patrimonial contábil tem por dividendo o patrimônio líquido (PL) indicado no balanço ordinário. É o levantado no último dia do exercício social (LSA, art. 176, I). Seu critério básico de elaboração é o da apropriação dos valores dos elementos ativos e passivos pelo custo de aquisição. O valor patrimonial a data presente toma por base o PL constante do balanço especial de que cuida o art. 45, § 2o, da LSA. Este demonstrativo contábil pode ter por base qualquer dia do exercício social exceto o último. Mas deve adotar necessariamente os mesmos critérios do balanço ordinário, ou seja, principalmente o de apropriação pelo custo de aquisição.

Quando o art. 264, caput, fala em avaliação “a preços de mercado”, está fazendo referência à terceira espécie de valor patrimonial, calculado em função de PL encontrado num balanço feito por critérios distintos dos dois anteriores. Na jurisprudência construída em torno da apuração de haveres das sociedades limitadas, convencionou-se chamar esse terceiro tipo de balanço pela expressão “de determinação”. Ele é elaborado apenas para fins societários (a exemplo do especial) e, por isso, não produz efeitos sobre a contabilidade da sociedade. Ao levantar o balanço ordinário seguinte ao de determinação, o contador deve desconsiderá-lo inteiramente. Por exemplo, se o balanço de determinação, levantado para os fins do art. 246, teve que inserir no ativo uma tecnologia de titularidade da companhia, que não estava escriturada na contabilidade (e nem deveria estar, porque não havia sido “adquirida”, mas sim “desenvolvida”), esse intangível voltará a ser ignorado no balanço ordinário subsequente.

O balanço de determinação adota critério d-e apropriação contábil diverso dos balanços ordinário ou especial. Seu levantamento pressupõe a prévia avaliação ou reavaliação dos ativos e passivos da companhia, a preço de saída (valor de mercado) e não mais pelo custo de aquisição. A avaliação ou reavaliação é feita pelos profissionais aptos ao trabalho, não necessariamente pelo contador. A esse cabe, a partir dos laudos dos especialistas, elaborar o balanço de determinação e apontar o valor do PL, que servirá ao cálculo do valor patrimonial real das ações das companhias envolvidas na operação.

Evidentemente, os balanços de determinação apresentados aos acionistas para os fins do art. 246 (direito dos dissidentes de escolherem o reembolso pelo valor patrimonial real) estão sujeitos ao escrutínio do Judiciário. Cada item do ativo ou do passivo reavaliado de cada sociedade envolvida na operação, inclusive aquela da qual não participa, pode ser objeto de questionamento judicial pelo minoritário que discordar do valor atribuído pelo balanço de determinação. É, porém, ônus de prova dele, minoritário, a demonstração da incorreção do demonstrativo contábil.

Não cabe, contudo, paralisar-se a operação societária em curso, ainda que existam elementos que ponham em dúvida a consistência de um ou dos dois balanços de determinação. Afinal, antes das deliberações assembleares, não se sabe sequer se haverá dissidência de minoritário, tampouco se o dissidente optará pelo valor patrimonial real. Ademais, trata-se de questão passível de plena resolução por meio de futura indenização dos minoritários, cujos direitos societários tiverem sido lesados.

3 – A questão dos intangíveis

Como visto no comentário anterior, o valor patrimonial real é calculado a partir do PL constante de um balanço de determinação. Esse instrumento contábil foi, na verdade, uma criação da jurisprudência societária e não da contabilidade. Na verdade, os contabilistas tiveram até mesmo que criar modelos contábeis próprios para os fins específicos de viabilizar a execução de condenações judiciais. Estas, inicialmente, falavam de modo vago em “valor atual”, “econômico” ou “verdadeiro” da empresa; mas o que todos tinham claro era a injustiça de se calcular o valor a que o sócio teria direito apenas com base na contabilidade ordinária da companhia (salvo se assim previsto no ato constitutivo). Mas ainda não havia, para além disso, nenhuma reflexão acumulada, no direito ou na contabilidade, que orientasse o trabalho do perito na apuração de haveres.

Pois bem. Nesse longo percurso, uma das questões mais discutidas disse respeito aos intangíveis da companhia, como marcas, patentes, direitos autorais ou tecnologia protegida por segredo empresarial. Na dissolução parcial de sociedade limitada, hoje, não há mais dúvidas quanto à obrigatoriedade de o balanço de determinação contemplar esse elemento do ativo avaliado a preço de mercado, em vista do art. 606 do CPC.

A inclusão de intangíveis no balanço de determinação pelos respectivos valores de mercado, quando os têm, justifica-se porque a apuração de haveres simula a liquidação da sociedade. O exercente do direito de retirada ou recesso deve receber da sociedade, a título de reembolso, o mesmo valor que receberia caso estivesse recebendo o seu quinhão na partilha do acervo líquido da sociedade. Nem mais, nem menos – salvo se contratado ou previsto critério diverso no ato constitutivo.

No balanço de determinação levantado para os fins do art. 246 devem ser também computados os intangíveis? A resposta é afirmativa. A única finalidade desse levantamento contábil consiste em quantificar o valor patrimonial real das ações, para que o minoritário titular de direito de recesso possa comparar a “relação de troca” por esse critéo com a proposta na justificação da operação e decidir qual prefere. E o reembolso pelo exercício do dirrieito de recesso deve espelhar o valor da participação deste mesmo acionista numa hipotética dissolução total da companhia.

Se o intangível tem valor de mercado, ele deve ser considerado no balanço de determinação levantado para os fins do art. 264, porque, numa hipotética liquidação da companhia, esse ativo seria realizado e impactaria o valor da partilha. Do mesmo modo, se determinado intangível não possui valor de mercado, ele não deve ser apropriado no balanço de determinação. Nesse caso, com efeito, numa hipotética liquidação, ele não conseguiria ser alienado e, consequentemente, não afetaria o valor de partilha que o minoritário iria receber.

4 – A questão da cisão

O § 4o do art. 264 não listou a cisão, entre as operações sujeitas a essa disposição especial sobre o direito de recesso. Mas a norma comporta aplicação extensiva, até mesmo para não se incorrer em transgressão ao princípio constitucional da igualdade.

A razão de ser da norma especial, como visto, é a impossibilidade de se presumir, nas operações societárias envolvendo sociedades sujeitas ao mesmo controlador, a inexorável simultaneidade da proteção dos interesses tanto do controlador quanto dos minoritários na negociação da relação de substituição das ações. Ora, a impossibilidade dessa presunção se encontra na cisão em absolutamente igual medida em que é encontrada nas demais operações referidas no § 4o. A interpretação desse dispositivo conforme a Constituição, em decorrência, leva forçosamente à sua aplicação extensiva para alcançar também a cisão.

Não custa relembrar que, sendo a cisão com versão de patrimônio para sociedade existente, a aplicação das regras da incorporação é explicitada no art. 229, § 3o, da LSA, alcançando também a incorporação de controlada nos termos tratados pelo art. Nessa hipótese (receptora existente), há norma expressa, portanto, de que se extrai a aplicação do art. 264, quando a cisão envolve sociedades sujeitas ao mesmo controle. A interpretação extensiva conforme a Constituição fundamenta a aplicação desse dispositivo à cisão com receptora simultaneamente criada; uma hipótese, aliás, rara de acontecer, em vista das sérias dificuldades operacionais ligadas ao interregno temporal em que a cindida não mais existe e a receptora ainda não existe.

5 – Acionista com direito à opção do reembolso pelo valor patrimonial real

O art. 246 não criou nenhuma hipótese nova de direito de recesso. Apenas abriu ao titular desse direito uma alternativa quanto ao valor do reembolso, sempre que a operação envolver sociedades sujeitas ao mesmo controlador. Deste modo, o acionista que não for titular direito de recesso na mesma operação, caso envolvesse sociedades sujeitas a diferentes controles, igualmente não é titular desse direito na hipótese de controle unitário.

Deste modo, não se beneficia do art. 246 da LSA o minoritário da companhia incorporadora. Também não o pode invocar o titular de ações facilmente negociáveis no mercado, por atenderem aos requisitos de liquidez e dispersão (art. 137, II). Se foi cisão a operação, o acionista somente terá direito à opção pelo reembolso pelo valor patrimonial real das ações se participava da cindida e passou a participar de sociedade receptora com objeto diferente, dividendos mínimos inferiores ou filiação a grupo de sociedades de direito ou a grupo de sociedades de direito diverso.

6 – Companhia abertas

Quatro observações cabem relativamente à aplicação do art. 246 às companhias abertas.

Primeira. A CVM pode determinar que o cálculo do reembolso por valor alternativo não decorra dos critérios de apuração do valor patrimonial real, mas de outro, “aceito” pela autarquia. Não há, ainda, norma da CVM sobre o assunto, de modo que a comparação exigida para as companhias abertas é atualmente idêntica à imposta às fechadas. E, a rigor, não há razões para diferenciá-las no tratamento desse assunto.

Segunda. A CVM orienta que as sociedades sob o mesmo controle a adotarem, em caso de operação societária que a envolvam, providências que separem os interesses de cada uma delas. Devem-se criar, assim, duas equipes independentes para “negociarem a relação de troca”, num expediente conhecido como Muralha da China (Chinese wall).2258

Terceira. O § 5o exclui do direito à escolha do reembolso pelo valor patrimonial real os que titulam ações adquiridas em pregão da bolsa de valores ou em oferta pública. Deste modo, nas companhias abertas somente os acionistas minoritários fundadores, os que subscreveram suas ações em aumento de capital feito fora do mercado de valores mobiliários (numa emissão privada) ou os que converteram em ações outros valores mobiliários (emitidos pública ou privadamente) é que titulam o direito ao reembolso alternativo. Não se compreende bem a razão da discriminação legal, restando duvidosa a constitucionalidade da exclusão.

Quarta. A relação de substituição de ações deve ser igual para o controlador e minoritários. Vez por outra, sabe-se de substituição em relações diferentes, a pretexto de se levar em conta a diferença entre os valores das ações (de controle ou não). Aparentemente, essa diferenciação não tem sentido. O prêmio de controle só pode ser considerado para diferenciar relações de substituição de ação, quando, na operação societária, ocorrer a alienação do controle; isto é, o controlador de uma das sociedades envolvidas acabar, no fim, deixando de a controlar. De algum modo, o novo titular do controle há de pagar-lhe o prêmio correspondente, o que pode perfeitamente ser viabilizado pela adoção de uma relação de substituição maior para o antigo controlador, do que o reservado aos minoritários. Mas, quando a operação está sujeita ao art. 264, não há esse cenário: o controlador perde o controle direto da incorporada, mas continua a ser o seu controlador indireto. Atenta a essa incongruência, a CVM considera existir conflito de interesses impedindo o controlador de votar a operação em Assembleia Geral, sempre que importar uma “relação de troca” que o favoreça, em desfavor de minoritários.2259

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