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Holdings (familiares ou não) e a Inclusão Jurídica

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Holdings (familiares ou não) e a Inclusão Jurídica

Gladston Mamede
Gladston Mamede

25/06/2024

A ninguém surpreenderá a afirmação de que uma retroescavadeira serve para alguns casos, mas não para outros. Não funcionará se o necessário for uma motoniveladora, ou seja, uma patrol. Para utilizar máquinas pesadas, é preciso entender de máquinas pesadas. Pois, na mesma proporção, não deveria surpreender a ninguém a afirmação de que uma holding familiar serve para alguns casos, não para outros. E, assim, como cometerá um erro irreparável quem comprar um rolo compactador (pé-de-carneiro ou liso) para a conformação de taludes, o mesmo acontecerá a quem recorrer à holding quando não funcione para aquele caso. E boa parte das críticas que temos ouvido sobre holdings familiares são desse tipo: um equívoco em si, fruto de não dominar ferramentas jurídicas diversas.

– Mas não serve para bater pregos!

– Não. É furadeira! Serve para fazer furos. Para bater pregos, usa-se o martelo e, para apertar parafusos Phillips, usa-se uma chave cruzada.

Se exigimos tecnicidade de engenheiros, de médicos, de programadores de computador, temos que exigir de profissionais do Direito igualmente. A escalada da sociedade traz mais e mais demandas em todas as áreas, mesmo na advocacia. É preciso elevar os investimentos em atualização, evitando dependência elevada em serviços antigos, como o processo judiciário, cada vez mais frustrante e remunerando pior. A oferta dos serviços de assessoria, a incluir o planejamento jurídico, projetos de estruturação patrimonial e corporativa, mais do que uma alternativa, respondem ao crescimento da procura pelas pessoas, pressionadas pela percepção de que estará melhor quem disponha não apenas de segurança jurídica, mas da tecnologia jurídica mais eficaz, sem erros estratégicos, sem ineficiências, gargalos, rupturas indesejáveis. E a comunidade indica estar disposta a investir nessa tecnologia. A oferta de serviços pelos escritórios deve acompanhar a demanda; mas há que considerar o desafio constante do estudo. 

Para que serve uma holding familiar?

Voltemos à holding (e à holding familiar). A figura floresce na segunda metade do século XX. E nasce pela necessidade de as famílias responderem aos desafios da sucessão num ambiente de capitalismo já consolidado e desenvolvido. Nasce da percepção de que a fragmentação econômico-financeira causada pela sucessão causa mortis estava empobrecendo as pessoas, retirando sua capacidade de investimento e, assim, de retorno financeiro à altura. A holding cumpre a função (entre várias outras) de evitar os efeitos deletérios dessa fragmentação patrimonial, nomeadamente no que diz respeito à compreensão do papel que o acervo de bens e direito desempenha no contexto de capitalismo avançado. Manter a força do patrimônio é uma vantagem em si, sabem muitos. E é fácil comprová-lo contemplando o número de casos de famílias que perderam importância e projeção como resultado de uma perda de força e capacidade econômico-financeira. Daí a ideia de planejar para não perder. E planejamento jurídico, é bom frisar. Manter o poder de investir, ainda que trocando individual por coletivo (trocando eu por nós), é um benefício no presente e para o futuro; força e competitividade.

Por isso as pessoas começaram a fazer planos. Pelas carências determinadas pelas condições da atualidade. Obviamente, olhando para Roma ou para a Revolução Francesa, não se irá apurar os vetores que dão sustentação tal mecanismo societário que se oferece como alternativa ao inventário e ao testamento. Mas as situações romana e do princípio do liberalismo já estão superados. Civilistas do Direito de Família podem atestá-lo. Civilistas de outras disciplinas precisam percebê-lo, também. Advogados em geral também carecem desse novo olhar. Se não o fizerem, não conseguirão compreender e atender a movimentos como o verificado no final do ano passado: uma holding familiar húngara procurava adquirir a empresa espanhola Talgo, fabricante de carros para trens. Uma operação grande, por certo, mas que se aproveita, pela estrutura em que se manifesta, para negócios menores: a General Motors é, no Brasil, uma sociedade limitada (General Motors do Brasil Ltda); a Padaria Pampulha Ltda também. E no hiato entre uma e outra existe uma demanda por conhecimento jurídico para crescimento e desenvolvimento. Mais do que isso: existe um espaço vasto de oportunidades profissionais, mesmo no âmbito do Direito. 

Uma das grandes inovações jurídicas desse século (final do anterior) é justamente uma nova dimensão que se dá à entificação jurídica (ou, como já se tornou coloquial, à pejotijação). Uma expansão (ou extensão) do uso clássico da pessoa jurídica, nomeadamente no que se refere às sociedades empresárias (embora não só elas), fruto da transformação das relações econômicas. E nem se pense que se chegou ao máximo dessa evolução: não dá para prever um desfecho: as alterações no Direito Empresarial refletem – ou são influenciadas – pelo caminho do mercado, suas carências, suas oportunidades. O mercado é internacional, é mundializado (ou globalizado, se preferir) e, assim, cada vez mais os sistemas jurídicos dos países influenciam-se mutuamente. É um grande risco para o jurista estar defasado em meio a esse balanço, fora da pauta complexa contemporânea, como se apenas institutos (e ferramentas) do Direito Romano ainda pudessem ser usadas por cidadãos e seus advogados. Há que identificar novos ferramentas, perceber as movimentações e seus motores, perceber os impactos no sistema contemporâneo. É isso o que leva clientes a procurar agregar tais valores jurídicos ao seu patrimônio. 

Acima de tudo, é preciso considerar o contexto, atentar-se para o futuro e fazer contas. Muitas contas. No interior de Minas Gerais, o principal bem de uma família era um grande imóvel industrial vazio. Pensou-se na constituição de uma holding mas, para o contexto, não valeria a pena; a ideia era locá-lo. Mais simples e barato seria manter um condomínio entre as pessoas naturais, nomeadamente em face à sucessão. Para agregar valor jurídico à relação plurilateral, concordou-se em elaborar um documento regulando a relação dos condôminos; uma convenção, embora não se tratasse de condomínio edilício, embora não houvesse áreas privativas, senão apenas a propriedade comum. Essa convenção (que poderia ter o nome de contrato, de pacto, de regulamento, tanto faz) regeria a relação entre os condôminos e, principalmente, disciplinaria condições ideais para uma boa destinação do imóvel, cuidando de questões como destinação locativa, distribuição dos valores auferidos com aluguéis, formação de fundo de reserva para eventuais reformas etc. No entanto, houve um drible do destino: surgiu uma empresa interessada em usar o imóvel para a constituição, em parceria, de um shopping center, com estacionamento anexo cobrando tarifa, entre outros elementos. Considerando novo contexto e feitas as contas, chegou-se à conclusão de que o melhor seria a constituição de uma holding. Percebe? Não há uma fórmula inequívoca para todos os casos, nem mesmo para um só caso: é uma construção que se faz a partir do uso estratégico da tecnologia jurídica.

Nova postura jurídica

Daí afirmarmos ser necessário uma nova postura jurídica. Uma postura que, de resto, já é comum entre advogados empresarialistas que, mesmo em função de sua clientela, estão sendo constantemente desafiados a conviver com o novo. Comumente, são desafiados a serem criativos. E estamos falando de criatividade jurídica. A pauta é vasta, seja no Direito Societário, seja no Direito Contratual, avançando para outras áreas. A competitividade do mercado leva o cliente a buscar soluções, alternativas; muitos já compreendem a importância de agregar valor jurídico às suas empresas: fortalecer sua organização interna, dar melhor redação a seus atos constitutivos e, eventualmente, acordo de sócios. A partir da base sólida, avançar para atender ao mercado, procurar linhas de financiamento que valorizem qualidade corporativa, trabalhar a eventualidade de parcerias responsáveis: profissionalizar a gestão, o que não se limita ao operacional, mas alcança os aspectos e elementos jurídicos. Estamos falando de uma enorme carência nacional: inclusão jurídica. É uma enorme demanda represada. E nisso há um fator de equalização concorrencial. Não há boa empresa sem estruturação jurídica de qualidade. Vamos repeti-lo à exaustão.

A holding familiar entra nessa equação sempre que é necessário conectar a família e o mercado. É por aí que tudo começa. Não é – jamais! – por pretensões tributárias. É um mecanismo em que a família evolui (e inova) na titularização e exploração de seu patrimônio. Os familiares, tornados sócios, interligam-se para construir pontes societárias onde, no Direito de Família, não há regramentos específicos. E, assim, num ambiente societário harmônico, pode colher benefícios que a unidade e o porte lhes oferecem. Não é inevitável vender a fazenda para terceiros e deixar a agricultura ou a pecuária; não é necessário dividi-la em sítios e ter pequenas áreas plantadas. É possível manter a presença, substituindo o autor da herança por uma sociedade, por uma pessoa jurídica, ocupando os herdeiros a condição de sócios, com relações adequadamente disciplinadas em plataformas normativas (primária, secundárias e/ou terciárias), como demonstramos em Estruturação Jurídica de Empresas (Editora Atlas).

Preste atenção na expressão planejamento jurídico. Foque-se nela. E inclua o seu cliente neste trabalho: em primeiro lugar, ouvindo-o(s). Se necessário, voltando a ouvir: questionando por detalhes, aventando possibilidades preliminares. Então, passa-se aos esboços e, neste trabalho, desenhar esquemas é sempre proveitoso: ver, no desenho, o que se está pensando. Sim, é o que se convencionou chamar de design thinking. Setas (de cores diferentes) para bônus e ônus, devidamente anotados. Projeções. Enfim, selecionar os cenários que ao advogado (podendo envolver sua equipe multidisciplinar) parecem mais adequados e os apresentar, como alternativa, para o cliente, estabelecendo uma relação de responsabilidade e confiança: não é decidir por ele, mas ajudá-lo a decidir (o que pode incluir conselheiros de outras áreas). Como no exemplo acima: a fragmentação, a alienação para terceiros, o condomínio, o condomínio com regulamentação específica, a holding. O advogado é quem ajuda na compreensão do que se tem e das possibilidades jurídicas (as soluções). O(s) cliente(s) decide(m). Isso reduz as expectativas sobre o profissional: seu trabalho é apresentar alternativas e perspectivas, não decidir.

Aliás, equivoca-se quem pensa em holding familiar como um instrumento próprio para a sucessão causa mortis, ou seja, como se fosse exclusivamente um instrumento alternativo ao inventário e ao testamento. Pode servir ao planejamento sucessório, é claro, mas não há relação direta alguma. Há pouco tempo, três irmãos já velhos (talvez eles mesmos a pensar na própria sucessão), constituíram uma holding familiar para assumir alguns investimentos cuja oportunidade – com grande perspectiva de ganhos – revelou-se diante de si. Em lugar de se tornarem sócios na condição de pessoas físicas, constituíram uma sociedade empresária que assumiu a condição de sócio naquele negócio (e, depois, em outros). O cenário lhes recomendou isso; as perspectivas de ganhos, os compromissos, a formulação de um plano estratégico para atuar em novo setor, entre outros benefícios estimados. Sua presença na nova corporação se fez como família, mas por meio de uma pessoa jurídica com regras que atendiam às suas necessidades. Detalhe para ilustração: por causa de seus outros negócios, já participavam de outras sociedades holding, embora com sócios não-familiares.

Como se vê, há um número expressivo de situações mercantis que reclamam a intervenção do advogado e, para muitas delas, a holding (familiar ou não) constitui uma alternativa a ser considerada. Por isso, advogados empresarialistas – e de áreas afins, como contratualistas – têm acelerado sua presença na sociedade, impulsionados pelas alterações verificadas na economia nacional e global. E deve continuar a avançar em mesmo ritmo, podendo se ampliar se houver maior atenção para os benefícios da inclusão jurídica. Muitas entidades de classe já trabalham para estimular essa maior presença do advogado, a incluir procedimentos de mediação e conciliação. A maior profissionalização jurídica é um desafio de empresas e famílias empresárias: que já sejam empresárias ou que percebam a possibilidade de auferir vantagens de mercado com seu patrimônio. E isso pode ter impactos benéficos não só na geração de receitas, mas por agregar valor à coletividade de bens. 

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