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Faseamento Jurídico do Investimento Empresarial

07/03/2025
O faseamento do investimento empresarial é uma tecnologia que pode se mostrar extremamente útil no âmbito da estruturação jurídica de empresas. Trata-se de uma ferramenta preciosa e precisa constar do repertório de empresarialistas e societaristas pois, em alguns casos, é fator viabilizador da implantação do empreendimento, assim como, noutros casos, pode traduzir e oferecer um conforto de capital para os investidores (a incluir potenciais investidores, estimulando a adesão). Em oposição, o modelo de uso corrente na grande maioria das sociedades empresariais brasileiras, contratuais ou estatutárias, é o mesmo: uma definição do capital social que se quantifica no total necessário para o investimento, com subscrição e integralização no ato da constituição da sociedade. Não há dúvida de que a simplicidade da fórmula corriqueira atende a um universo representativo de sociedades empresárias que não envolvem valores expressivos e, ademais, têm estabelecimentos de instalação imediata, não dilargada no tempo.
No mor das vezes, são empresas cujo estabelecimento, desenvolvimento e, mesmo, atuação é compreendido como ato único. Monta-se o bar ou restaurante, monta-se a padaria ou a loja, a oficina de consertos, a sede da agência de viagem. E passa-se a funcionar. Ademais, eventuais decisões de expansão resolvem-se, em qualquer momento futuro, exercitando a faculdade legal de aumentar o capital social por meio de alteração do ato constitutivo. Como se só não bastasse, como denunciamos em “Estruturação Jurídica de Empresas” (Editora Atlas, 2024), é próprio de nossa cultura mercantil trocar o investimento pelo financiamento (tomar empréstimos), com todos os riscos e custos decorrentes. E isso sem o conforto da assessoria técnica de intermediadores de crédito, sobre os quais falamos neste blog: “Engenharia de Capital e Intermediação de Crédito” (https://blog.grupogen.com.br/juridico/areas-de-interesse/empresarial/engenharia-de-capital-e-intermediacao-de-credito/)
O advogado deve estar preparado, contudo, para situações e cenários diversos. É proveitoso entender o tempo: como elemento que pode compor as equações corporativas, o que principia por uma tecnologia ainda mais simples que o faseamento: o parcelamento. É uma forma mais simples de usar o tempo: prever que a integralização se fará em datas (termos) ou prazos determinados, oferecendo um conforto no desembolso. Essa opção pode mesmo basear-se num faseamento implícito: faz-se uma estimativa dos momentos de implantação da azienda empresarial e, a partir disso, definem-se as parcelas. É uma operação simples e a redação da respectiva norma (cláusula ou artigo) no ato constitutivo é simples, como fizemos constar do “Manual de Redação de Contratos Sociais, Estatutos e Acordos de Sócios” (8.ed. Editoa Atlas, 2024).
Mas pode-se ir além. Ajustar que o investimento se dará em parcelas que correspondam a fases previamente ajustadas, usando, para tanto, de pactos laterais firmados pelos partícipes, o que pautará a elevação de capital. É medida que agrada muito a investidores profissionais, cuja atuação escora-se em planejamento econômico-financeiro mais minucioso. Por razões que nos parecem óbvias, muitos são avessos aos custos elevados do capital financeiro e mostram-se pouco dispostos ao oferecimento de garantias pessoais (aval, fiança, garantia solidária). Quando muito, aceitam-se operações que sejam garantidas pelo próprio empreendimento, algo próprio, aliás, do projeto de financiamento (Project Finance); mas a oferta de tais financiamentos não é comezinha. Detalhe: projetos de financiamentos são, eles próprios, calçados na mesma tecnologia jurídica e de engenharia de capital: o faseamento.
Estipular o aporte de capital em fases pode ser mais complicado do que prever parcelas em tempo certo (termos ou prazos). Afinal, será preciso haver uma qualificação contratual dos momentos que, assim, assumem-se como condições suspensivas; a imprecisão sempre trabalhará contra o ajustamento, permitindo exegeses trêfegas: ardilosas, astutas, manhosas; senão interpretações buliçosas: arruaceiras, travessas, desordenadoras; em ambos os casos, pretensões que, encontrando licenças hermenêuticas, tentam tirar uma vantagem iníqua qualquer. Não é raro, infelizmente. Há quem só consiga se fazer grande assim: na perfídia e na traquinagem. E isso desde sempre; talvez seja um gene ainda a identificar. Há outros tantos na fila da ciência, alguns com igual repercussão jurídica. Mas a observação vai por pilheria e jamais como proposta de uma eugenia contratual, é claro [risos].
O faseamento mais sofisticado vai além. Pode mesmo estabelecer, para além das fases em que os aportes deverão se fazer, parâmetros de eficiência, tempo mínimo e/ou máximo de realização (com respectivas consequências), prêmios de risco ou de oportunidade, avaliações e/ou deliberações, alternativas de projeto, entre outras regras. A leitura de alguns instrumentos de contrato, quando se tem a oportunidade de os ter à mão, é um verdadeiro curso de possibilidades jurídicas; para quem não é do ramo, não são páginas que se leiam, mas que devem ser estudadas. Por exemplo, na implantação de empreendimentos de capital intensivo (aqueles que demandam investimentos elevadíssimos), esse clausulamento mais agigantado é comum, designadamente quando estão presentes investidores qualificados, como fundos de investimento, agências internacionais etc. Se bem que nada impede sejam adotados em empreendimentos menores (a exemplo de startups): basta haver advogados que dominem a respectiva tecnologia.
Se nos permitem uma metáfora rica, é possível construir máquinas jurídicas fantásticas, montadas para fazer o negócio funcionar e, mais do que isso, preocupadas com que não sejam sacados coelhos das cartolas: previsibilidade e segurança; tecnicidade. A vantagem de tais regramentos mais exaustivos é evitar arbítrio na definição do que é importante/relevante, do que deveria ser importante/relevante; o ajuste diz o que é importante: afastam-se subjetividades (e sua carga eminentemente explosiva), substituídas por objetividades. É o bom combate que se atribui a todo advogado nessas relações contratuais: negociar a redação do instrumento de contrato em moldes a evitar que seu cliente, à míngua das promessas de reinar, esteja a afiar e lubrificar a própria guilhotina. Não é uma tragédia rara, infelizmente. Antes pelo contrário, para ser exato. E Deus nos livre e guarde. Amém.
Em muitas situações, as estratégias de faseamento são o fator determinante para o sinalagma e, a partir dele, a constituição da corporação (ou do empreendimento) como expressão de um investimento comum. Levar essa tecnologia para empreendimentos menores, quando o seu processo de estabelecimento possa ser razoavelmente dilargado ao longo do tempo (investimento e implantação) é oferecer um benefício, uma vantagem. Antes de mais nada, por atender ao par possibilidade/necessidade de investimento; é meio para evitar dispêndios desnecessários, ampliando o custo de capital. Mas, reiteramos, o faseamento aplica-se a um tipo específico de empresa e de empreendimento, a permitir que o estabelecimento se realize em fases. Estruturações pensadas como processo: fases que se sucedem, somando avanços em direção a metas (e outros elementos) corretamente definidos).
Faseamento não implica capital vultoso. Mas é estratégia mais comum nesse ambiente em função de um agir advocatício que usa mais tecnologia jurídica, colocando sobre a mesa uma gama maior de alternativas para atender aos clientes. Mas pode atender ao pequeno capital, por igual. Uma história irá aclarar. Um grupo de professores universitários de cursos diversos encontrava-se às quartas para uns comes & bebes de lei (a bem da verdade, ainda se encontram). Numa dessas prosas, comentou-se de certa casa ali perto, caindo aos pedaços, vendida a preço de banana. Daria um boteco melhor que aquele, quiçá um bistrô; o professor de Engenharia falou em “reforma barata”: retrofit, área cheia de oportunidades, disse. Nasceu assim uma sociedade empresária; capital inicial? Suficiente para a primeira fase: compra do imóvel. Fase seguinte? Feitos os projetos de reforma, aprovações, foi definido um cronograma e acordado o faseamento: capitalização em conformidade com o binômio necessidade/possibilidade.
A casa foi reformada para ser alugada, mas acabou sendo vendida. O sobrevalor alterou os planos, deliberando os sócios pela alienação. Deliberou-se pela aquisição de outro imóvel e reinvestimento; o valor da venda se tornou fundo contábil para tocar o novo projeto: dinheiro da sociedade, sem demandar faseamento de investimento por parte dos sócios. Mas não está descartado caso se faça necessário em razão de alguma oportunidade. Querem dar corpo à corporação. O faseamento de capital (investimento) e execução está no DNA corporativo; seja pela incorporação de lucros, seja por novos aportes pactuados em acordo de sócios. Vê? Não é estratégia apenas para gente grande. É alternativa para gente que pensa grande. Parece simples e é simples, pensado no conceito primário. Mas há muita tecnologia, jurídica e de outras ciências, que pode ser envolvida nessa história. A sociedade não nasceu para ser proprietária de um imóvel. Desde o início, almejava-se que ela fosse titular de outros ativos similiares. Comprar depreciado, reformar/modernizar com racionalidade para aferir um sobrevalor da operação. Alugar para fazer receita mas, se houver proposta muito boa, vender: realizar. Por isso não se partiu de um condomínio para uma sociedade: implicações tributárias. A necessidade de estar aberto a bons negócios recomendava que as aquisições fossem feitas pela corporação. Dois sócios são professores de Direito e há várias plataformas normativas regrando diversos aspectos, como retirada e eventual dissolução [total] da sociedade, com a constituição de condomínio sobre o(s) bem(ns). Muito recentemente, a proposta de constituírem, eles próprios, um bar num imóvel a reformar foi recusada pela reunião de sócios; isso ocorreu numa quarta-feira. Entre os demais sócios, há gente da Administração de Empresas, da Contabilidade, do Direito e outras áreas. Não nasceu negócio de milhões, mas de algumas centenas de milhares de reais; mas já é superior ao milhão. Bem mais.
Em suma isso: faseamento é uma estratégia focada na eficiência do investimento. E serve para iniciativas pequenas, como para grandes empreendimentos, nas quais seu emprego é corriqueiro. Grandes investidores e seus assessores jurídicos têm consciência do caminho e de todos os seus requisitos. E, ademais, há mercados complexos para os quais o faseamento é quase uma imposição. É o caso de atividades negociais que devem atender a procedimentos administrativos mais demorados para se estabelecerem, o que, por si só, define uma limitação; uma imposição de faseamento. Exemplo? Atividades minerárias, da percepção da possibilidade (requerimento do direito de pesquisa) até o efetivo início da produção. Um longo e dispendioso processo que parte da licença de pesquisa e avança por várias fases, em geral dispendiosa. Aqueles que lidam com Direito Empresarial Minerário experimentam no faseamento uma realidade cotidiana. Nesse e em outros casos, um investimento abaixo do necessário implica atraso de cronograma e pode impactar as equações de retorno para o investimento que, na fase de estudos, orientaram a engenharia de capital utilizada. Operações profissionais deveriam evitar isso, pois há impactos negativos; há casos em que toda a equação precisa ser refeita; é fundamental caminhar na direção correta e, mais do que isso, de forma correta. Não é raro que, desandando a operação de estabelecimento, surjam despesas e custos que têm impacto negativo sobre a rentabilidade global da iniciativa empresarial, para não falar da perda de janelas mercantis.
Não é apenas uma questão de custo de capital e, assim, de uma integralização parcelada do capital social. Esse tipo de faseamento é o mais básico e a ele corresponde tecnologia jurídica baixa, quiçá simplória. Tanto agora, tanto adiante, tanto além. Maior tecnologia jurídica faz-se necessária quando o faseamento não se limita ao aporte de capital, mas ao próprio desenvolvimento do agir empresarial. Há casos de empreendimentos em que, para uma maior proteção dos investidores/sócios, são firmados pactos parassociais regrando instrumentos de controle de custos, redução de desperdício, parâmetros de negociação com terceiros, relatórios de prestação de contas etc. Mesmo travas para evitar fraudes podem ser criadas pelo acordo de sócios. Afinal, são elementos que podem impactar negativamente o estabelecimento da empresa, por vezes drasticamente, dificultando ou inviabilizando sua [boa] progressão. Em muitos casos, os custos verificados criam uma sobredemanda de capital que ultrapassa a possibilidade de pequenos investidores. Bons diplomas desse tipo incluem instrumentos fiscalizatórios e cânones para proteger tais investidores menores contra práticas abusivas por parte de majoritários. E isso pode avançar, inclusive, sobre compromissos relacionados a eventuais expansões.
Como se vê, nos moldes que desenvolvemos em “Estruturação Jurídica de Empresas” (Editora Atlas, 2024), as implicações jurídicas são mais amplas, senão viscerais, neste tipo de abordagem, deixando claro que o papel do advogado como redator das normas (e das plataformas normativas) que, firmadas pelos envolvidos, definirão a marcha negocial. Detalhe: em muitos casos, tais documentos sequer se apresentam como acordos de sócios, mas como atas que, firmadas pelos sócios, vinculam-nos. Daí a importância da redação jurídica de boa qualidade e, mais do que isso, da assessoria adequada, chamando atenção para pontos que podem ser relevantes. O bom regramento trabalha para que o faseamento funcione melhor. E há até variações curiosas. Há pouco mais de década, deliberou-se o início de uma ousada operação mercantil faseada, em termos bem interessantes. O ajuste das empresas que se uniram no empreendimento (tornaram-se sócias) baseou-se num estudo técnico que traçou cenários alternativos para o estabelecimento de um equipamento logístico que seria usado por todas e, ademais, disponibilizado para terceiros. Do mais simples ao mais completo, o fator viabilizador determinante seria o volume de operações. Atingidas as metas de cada fase, haveria necessidade de mais recursos para avançar para as seguintes. Houve compromisso dos sócios – em sua condição de coinvestidores – com o aporte do capital necessário para a constituição do estabelecimento e o giro das atividades para cada fase e, somente diante do sucesso objetivo (alcance das metas), compromisso de novo aporte.
Não se perca de vista que o faseamento pode ser ajustado entre os sócios de uma corporação já estabelecida como via para superação de um quadro delicado: uma capitalização da pessoa jurídica que, é usual, seja acompanhada de outras medidas que, sim, podem (senão devem) ser objeto de acordo firmado pelos envolvidos. Poucos percebem, mas uma reengenharia empresarial pode ver seus esforços reduzidos a pacto parassocial, com a participação benfazeja de advogados em suas tratativas, redução das deliberações a termo, vale dizer, cláusulas de um acordo societário (plataforma normativa acessória) firmado pelos sócios (quotistas ou acionistas), quando não merece a intervenção de terceiros. A partir dessa plataforma normativa secundária, passa-se às fases que foram previstas e os esforços programados para a viabilização econômica da empresa, o que pode incluir medidas diversas: renegociação de dívidas, otimização dos ativos produtivos (incluindo adequação de estrutura, uso maior de tecnologia), redução de custos (o que pode envolver estabelecimento formal de mecanismos de controle interno; redução de redundâncias, combate ao desperdício e fraudes, definição de parâmetros de eficiência operacional), revisão de pessoal, revisão dos contratos (e mesmo dos modelos de contratação habitualmente empregados), reengenharia de capital e/ou da gestão econômico-financeira da empresa (exemplo: formação obrigatória de reservas, fundos ou provisões), quando não seja mais ousado, a incluir reposicionamento mercantil. Temos notícia de um caso em que a previsão de capitalização pelos sócios (foram contratados quatro aportes anuais), se fez simultaneamente a uma previsão de redução nos níveis de alavancagem corporativa, obrigação assumida pela administração societária (no caso, uma diretoria). Detalhe: não se pode olvidar que quaisquer uma dessas medidas exemplificadas acima (de cada uma a todas) podem ser deliberadas em reunião ou assembleia de sócios, atendidos os quóruns do ato constitutivos (ou, no silêncio, o quórum legal), devendo ser respeitado pela corporação.
Sem equação única. O advogado empresarialista deve mostrar-se flexível para amoldar sua atuação ao que se apresente. É fundamental assimilar a mecânica do agir empresarial pretendido pelas partes envolvidas, regrando-a para além da simples segmentação dos dispêndios de cada sócio. Veja que, em muitos casos, vai-se além, disciplinando (regulando) matérias que posteriores ao período formativo do estabelecimento, ou seja, a fase pré-operacional. A prévia contratação de parâmetros para a fase operacional pode traduzir parâmetros de boa governança, avançar sobre questões como performance, gestão de custos, eficiência. Outro ponto para se atentar é a eventual existência de sinergias entre a empresa em que se está investindo e os negócios de um ou mais ou mesmo todos os sócios. Há um grande desafio aí. Numa primeira vista, parece uma benção, considerando as possibilidades de parceria, compartilhamento de investimentos, conexão de atividades, cooperação em pesquisa e inovação, compras e/ou vendas conjuntas, assistência mútua, comunhão de estruturas etc. No entanto, o saldo pode ser negativo; em lugar de comunhão de interesses, a realidade pode revelar conflitos de interesse, o que é não é raro, infelizmente. E a lacuna no regramento favorece o conflito e à judicialização.
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