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A Força dos Pactos Parassociais: plataformas normativas secundárias (acessórias)

ADVOCACIA SOCIETÁRIA

DIREITO EMPRESARIAL

PACTOS PARASSOCIAIS

Gladston Mamede
Gladston Mamede

06/10/2025

Não se exerce a advocacia apenas tonitruando razões persuasivas num júri ou numa sustentação oral. A advocacia não pressupõe um julgador, seja juiz ou árbitro. Há uma advocacia que se exerce apesar dos julgadores, que não trabalha sobre o litígio, que não vive de controvérsias e duelos, que não nos torna perpétuos atores de embates e pedintes de requerimento: “isto posto, pede requerimento”. Já se vê por aqui quem, desesperado, suplique ao menos pela leitura da peça e, mui provavelmente, não obteve. Isso para não falar de arrazoados “lidos” por inteligência artificial. A advocacia contenciosa anda a demandar uma carteira de virtudes raras; paciência, resiliência, exames cardíacos frequentes; ou, quando muito, um “dane-se” por postura psicológica. 

Advocacia societária e tecnologia jurídica

Pessoalmente, temos a sorte de uma advocacia sem fóruns e tribunais. Trabalhamos com planejamento jurídico, estruturação de operações (tratativas negociais e formulação de contratos) e de empresas, o que abarca todos os efeitos colaterais; podemos dizer que exercemos uma advocacia confortável e, como testemunho da alternativa, temos escrito sobre ela: “Manual de Direito Empresarial” (19ed. Atlas, 2025), “Manual de Redação de Contratos Sociais, Estatutos e Acordos de Sócios” (8ed. Atlas, 2024), “Holding Familiar e suas Vantagens” (17ed. Atlas, 2025), entre outros. Trabalhar construindo caminhos, soluções, alternativas é uma graça perceptível e estamos totalmente satisfeitos. Por sorte, o trabalho dessa advocacia já bate nos tribunais (sim! há quem viva de demandas, mesmo aqui!) e ali encontra eco positivo: reconhece-se a regularidade do uso de tecnologia jurídica para uma ordenação mais sofisticada das organizações e de outros sistemas.

O caso da exclusão extrajudicial de sócio na Cals Ltda.

Vamos trazer um exemplo: uma sociedade constituída no Distrito Federal. Mui engenhosamente, o advogado, para além de um arranjo elementar, disposto no ato constitutivo (a plataforma normativa primária de toda corporação), lançou mão de uma plataforma normativa secundária (um pacto parassocial que, no caso, recebeu o nome de “estatuto”) e tinha por função reger a convivência entre os sócios, incluindo a possibilidade de exclusão por comportamentos considerados graves e que foram cuidadosamente definidos nas normas deste diploma. Supimpa! Mais do que isso, em função de se tratar de matéria sensível, optou-se por não registrar esse pacto; afastou-se o disclosure e seus sobre o mercado. Aquilo era assunto interna corporis: o código de disciplina ajustado unanimemente entre os sócios. É isso o que chamamos de tecnologia sofisticada. Mas vamos à história.

O sócio extrajudicialmente excluído de uma sociedade limitada ajuizou uma ação anulatória combinada com indenizatória por lucros cessantes. Qual o nome do sócio? Qual o nome da sociedade? Não sabemos! O processo correu em segredo judiciário e, assim, restaram-nos as iniciais. O sócio que pretendeu anular sua exclusão extrajudicial era RFJ; vamos de Rafael Felipe Júnior; afinal, diz-se por aí que Rafael é o nome mais comum com R e, como se não bastasse, Felipe é o mais comum com F. Fez-se um critério e critérios são essenciais para fazer ciência; dadas as razões da atribuição nominativa, o ensaio pode fluir normalmente. Ah! Tem o nome da sociedade: C DE A DO L S LTDA. Isso dá CALS. Dá para tocar a história assim, não dá? Cals Ltda; aliás, foi o nome usado pelos ministros do Superior Tribunal de Justiça. E, só para constar, os outros sócios também participaram do feito: R V H, R A B L, M A A F, L E P DE S, F A B e M C C G.

A batalha judicial de Rafael Felipe

Rafael Felipe argumentou, na petição inicial de sua ação, que não poderia ter sido excluído extrajudicialmente da Cals Ltda pois não haveria previsão de exclusão extrajudicial de sócio no contrato social. Ainda assim, os demais sócios reuniram-se em julho de 2023 e deliberaram excluí-lo, formalizando a decisão por meio de alteração do contrato social; depois, arquivaram-na, essa alteração (a 4ª), na Junta Comercial do Distrito Federal. Argumentou que nada em sua vida pessoal colocou em risco o andamento da sociedade, asseverando que não cometeu nenhum ato grave, tampouco ficou desaparecido. Como se não bastasse, a decisão se baseou num tal “estatuto” que, apesar de aprovado pelos sócios, sequer fora arquivado na Junta Comercial. Vai daí que sua exclusão seria nula, requerendo “em antecipação de tutela, sua reinclusão nas escalas de trabalho da clínica, além da declaração de nulidade da sua exclusão extrajudicial, bem como da 4ª (quarta) alteração do contrato social, registrada na Junta Comercial em 30.8.2021, e a condenação dos réus ao pagamento de lucros cessantes.”

Eita! Já sabemos que a Cals Ltda. é uma clínica e que Rafael Felipe é médico. Foi o acórdão do Superior Tribunal de Justiça quem deixou escapulir tal informação. Isso, um pouco antes de também contar que o juiz julgou a ação improcedente. Mas isso não esmoreceu o Rafa: apelou ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios; mas tomou outra traulitada: a Primeira Turma Cível, por unanimidade, negou provimento à apelação: “2. Para que haja a exclusão extrajudicial de sócio de sociedade limitada, é necessária a concorrência dos seguintes requisitos: previsão no contrato social da possibilidade de exclusão extrajudicial por justa causa, a prática de atos de inegável gravidade que ponham em risco a continuidade da empresa, a concordância de maioria dos sócios representativa de mais da metade do capital social, e a realização de reunião ou assembleia especialmente convocada para esse fim, com ciência do acusado para exercício do direito de defesa. 3. Os pactos separados do contrato social e não levados a registro na Junta Comercial são válidos e eficazes entre os sócios, embora sejam inoponíveis perante terceiros. 3.1. O fato de os sócios terem disposto sobre matérias próprias do contrato social em documento próprio apartado deste e não levado a registro não se mostra suficiente para acarretar a invalidade ou ineficácia do negócio jurídico subjacente. 3.2. Havendo negócio jurídico válido e eficaz firmado pelos sócios, expresso em documento que, embora traga a denominação de “estatuto”, claramente tem o intuito de complementar o contrato social, há que se considerar preenchido o requisito de previsão expressa da possibilidade de exclusão extrajudicial de sócio. 4. Caracterizada a prática de condutas graves, que excedem a esfera da vida privada do sócio e podem acarretar prejuízo em potencial às atividades profissionais desempenhadas na sociedade, e constatado o desaparecimento da affectio societatis, restam preenchidos os requisitos para exclusão do sócio por justa causa.”

O Dr. Rafael Felipe não se conformava, de jeito maneira, com a dupla derrota. Como assim? O artigo 1.085 do Código Civil é expresso: a previsão de exclusão extrajudicial de sócio por justa causa precisa estar prevista no contrato social, isto é, no ato constitutivo da sociedade; seria, disse, uma exigência incontornável. O documento apartado, mais especificamente um acordo de sócios, não registrado na Junta Comercial, não teria o condão de substituir o contrato social. Justamente por isso, completava, também seria preciso respeitar o artigo 166, V, do Código Civil: é nulo o negócio jurídico que omite alguma formalidade legal para sua validade. Ora, se o contrato social vigente na época dos fatos apenas previa a dissolução parcial da sociedade em situações de falecimento ou retirada de sócio por outros motivos, sem mencionar a possibilidade de exclusão de sócio por deliberação da maioria em determinadas circunstâncias, isso seria suficiente para concluir pela invalidade do ato de exclusão. E disse mais: embora ele tenha assinado o “Estatuto da CALS”, para que fosse considerado um acordo de sócios e pudesse produzir efeitos, haveria de ser arquivado na Junta Comercial, já que afetaria diretamente interesses de terceiros e da própria sociedade, argumentou.

O posicionamento do STJ sobre contratos sociais e pactos parassociais

O Recurso Especial 2.170.665/DF foi distribuído para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça e, para desgosto de Rafael Felipe, sua pretensão foi vencida mais uma vez: unanimidade. Os julgadores começaram assim: “não há dúvida de que o contrato social pode ser aditado, modificado ou resilido pela vontade dos sócios (distrato). Para tanto, é necessário que se respeitem as mesmas formalidades que cercam a lavratura do contrato inicial (artigo 472 do Código Civil).  Nos termos do artigo 997 do Código Civil, a sociedade se constitui por contrato escrito, particular ou público, que deve conter as informações previstas nos incisos, além “de cláusulas estipuladas pelas partes”.  Assim, para se fazer um aditamento ao contrato de sociedade, os sócios devem obedecer às mesmas formalidades, redigindo um contrato escrito, particular ou público. Na hipótese dos autos, logo após a constituição da sociedade, foi lavrado um documento que se reveste de todas as mencionadas formalidades, tendo sido assinado por todos os sócios, com o quórum necessário, portanto, para alterar até mesmo as cláusulas essenciais, previstas no artigo 997 do Código Civil.” Nos termos que usamos em “Estruturação Jurídica de Empresas” (2.ed. Atlas, 2025): uma plataforma normativa secundária: um pacto parassocial cuja função jurídica é tratar de questões acessórias, evitando que o ato constitutivo se alargue excessivamente. 

A validade de estatutos e plataformas normativas secundárias

Uma estratégia jurídica válida e eficaz, defendemos; e a sentença, na primeira instância, o reconheceu: “No caso em análise, verifica-se que em curto interregno de tempo após a elaboração do contrato social, os sócios da empresa ré assinaram outro documento, o estatuto, com inclusão de firma que previa expressamente os casos de exclusão extrajudicial, conforme acima citado. Não é norma que fora feita ad doc, ou seja, após os acontecimentos, mas sim preceito normativo privado haurido entre os sócios, previamente ajustados, em valida manifestação de vontade. Não há dúvida da validade do Estatuto de Id. 167658620, que representa vontade coletiva dos sócios na condução da pessoa jurídica”. Matéria que poderia estar disciplinada no contrato social, agigantando-o, mas que se reserva para uma plataforma normativa secundária, firmada por todos. Então, concluíram os ministros: “É necessário consignar que a previsão de exclusão de sócio não interessa diretamente a terceiros, ressalvado o caso de futuros sócios. Quanto ao mais, o interesse está circunscrito às consequências da efetiva exclusão.”

Em suma, somente é necessário levar a registro público, aquilo que se deseja ou se precisa dar conhecimento a todos, beneficiando-se da presunção de ciência (ou ciência ficta), a produzir efeitos jurídicos específicos. Há, sim, um espaço para que direitos e faculdades societárias sejam regulados validamente entre os sócios, sendo válidos e eficazes entre eles, sem que, pelo registro mercantil, se tornem públicos. E isso é precioso em muitos casos, como em sociedades familiares, aplicado o princípio “roupa suja se lava em casa” (vestes sordidae domi laventur). A publicização pelo registro implica dar ciência a qualquer um sobre o que foi disposto (disclosure) e nem sempre isso corresponde aos interesses da coletividade de sócios e, alfim, da própria corporação. Mas isso não foi afirmado pelo Superior Tribunal de Justiça; é o que desenvolvemos em “Estruturação Jurídica de Empresas” (2.ed. Atlas, 2025), sendo mais ousados que o próprio acórdão, embora festejando-o por suas implicações. Basta recordar do Pacto Regulatório de Dissolução Societária, do qual falamos no livro. Um bom pacto parassocial desses é como um regulamento de dissolução, abordando todos os temas direta e indiretamente envolvidos, podendo mesmo dispor sobre o procedimento a ser adotado (artigo 190 do Código de Processo Civil); colocá-lo no ato constitutivo seria tornar assustadora obeso o contrato social ou estatuto social, o que não é de bom estilo. Ademais, pode incluir matéria sensível que não se quer em bocas de Matildes, como temia uma personagem de Jô Soares, ao final do século passado (tempus fugit!).

“Nesse contexto – voltamos ao acórdão– não não há como afastar a conclusão de que o ‘estatuto da CALS’ deve ser admitido como um aditamento ao contrato social, no qual inserida a possibilidade de  exclusão extrajudicial de sócio, o que afasta, ademais, a alegada nulidade por ter sido preterida alguma solenidade que a lei entende como essencial para o ato.” Como explicamos em “Estruturação Jurídica de Empresas” (2.ed. Atlas, 2025), plataformas acessórias que são, os pactos parassociais servem para que os sócios (quotistas ou acionistas) contratem as faculdades jurídicas que resultam da lei e do ato constitutivo (plataforma normativa primária), constituindo estratégia jurídica e empresarial publicizá-lo pelo registro (disclosure) ou não. E o que disse o acórdão a respeito? “Vale acrescentar que a exclusão do recorrente, com a respectiva alteração do contrato social e redução do capital foi levada a registro (relação sócio e sociedade), estando, com isso, protegidos eventuais direitos de terceiros que venham a fazer negócios com a sociedade.” Corretíssimo.

Pactos parassociais e sua eficácia no Direito Societário

Foram além os ministros. “O termo parassocial abarca os contratos que dependem para ter validade e eficácia da existência do contrato de sociedade. Podem cuidar de diversos assuntos, havendo previsão legislativa somente do acordo de acionistas (artigo 118 da Lei nº 6.404/1976 – LSA). […] Os acordos de sócios atípicos têm um universo ilimitado, podendo tratar de assuntos os mais variados. Por outro lado, o contrato social conterá “cláusulas estipuladas pelas partes” (artigo 997 do CC), de modo que pode tratar de qualquer matéria lícita que os sócios entenderem pertinente incluir no contrato social. Ambos, ademais, se inserem no gênero contrato associativo ou plurilateral.”

Advocacia societarista e a sofisticação tecnológica

É o que chamamos de advocacia societarista! Mais do que o básico, vale dizer, o elementar do Direito Societário, uma tecnologia jurídica mais sofisticada, mais moderna, capaz de atender às necessidades de um mercado globalizado, cada vez mais competitivo e aprimorado. Perfeita a afirmação de “um universo ilimitado, podendo tratar de assuntos os mais variados.” E isso é preciso para investidores (sócios), administradores, terceiros intervenientes e para a corporação em si. Basta haver advogados capacitados a explorar e trabalhar com a tecnologia jurídica societarista. Daí termos nos referido a uma Teoria Dinâmica do Direito Societário.

Estratégias jurídicas e a Teoria Dinâmica do Direito Societário

Mas vamos dar um arremate ao ensaio: já pensaram em âncoras? Ou, se preferirem, em pinos de amarração que, nos atracadouros, são usados para segurar os barcos por meio de espiar de amarração. É possível fazer isso com normas corporativas, sabia? No ato constitutivo (plataforma normativa primária), coloca-se uma espia de amarração como esta: “A sociedade regulará, em estatuto [ou qualquer outro nome], a convivência profissional de seus sócios, prevendo os comportamentos considerados faltosos e as respectivas sanções, a incluir, para os casos graves, a exclusão extrajudicial.” Em suma, coloca-se no contrato social ou estatuto social uma remissão expressa à plataforma normativa secundária, seja regulamento disciplinar, pacto regulatório de dissolução, seja outro qualquer.  Respeitado o que consta em lei e no ato constitutivo, é possível mesmo prever quóruns de aprovação; obviamente, nenhum abuso de direito se admite: são atos ilícitos (artigo 187 do Código Civil).

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