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Empresário (Individual) o óbvio que não ulula

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Empresário (Individual): o óbvio que não ulula

CNPJ

EMPRESARIO INDIVIDUAL

Gladston Mamede
Gladston Mamede

25/08/2025

A expressão é de Nelson Rodrigues: o óbvio ululante, ou seja, coisas que seriam tão óbvias que ululariam: lamuriar-se-iam aos gritos. E não nos avexaremos de usar o futuro do pretérito. Muito do que ulula, ululou ou ululará por aí pretende-se óbvio, mas, olhando direitinho, é mais do que duvidoso: cabe prosa, discussão, réplica e tréplica, além de julgamento recorrível. O tempo ensina que há verdades e verdades; nem era preciso Gadamer para o dizer; os sofistas já o faziam 2,5 milênios passados e, se bobear, muita gente antes já tinha dado atenção a isso. Narmer, unificando o alto e o baixo Egito, podia não concordar em nada com o que ululava em Ur e por aí vai. Mas vamos deixar essa lengalenga para lá: esticada demais, a corda enche a paciência.

O Conceito de Empresário Individual no Direito Brasileiro

As brincadeiras do primeiro parágrafo dão caminho a notícia de que um óbvio ululante voltou à pauta de julgamentos do Superior Tribunal de Justiça: empresário não é pessoa jurídica. Aliás, empresário que, para reforçar a ideia de ser humano, merece uma redundância (ou um pleonasmo?): chamam-no empresário individual; como assim? Seria o antônimo de empresário plural?  Não calha a oposição já que não há empresário plural; há sociedade empresária. O binômio é esse: empresário (artigos 966 a 969 do Código Civil) e sociedade (simples ou empresária: artigos 977 a 1.141 do Código Civil, Lei 6.404/76 e Lei 5.764/71). Isso irá se refletir nas figuras da firma individual (artigo 968, II, do Código Civil) e da firma social, quando, neste último caso, não se tenha denominação (artigos 997, II, 1.041 e 1.054 do Código Civil, artigo 3º da Lei 6.404/76 e artigo 15, I, da Lei 5.764/71). 

Diferença Entre Empresário Individual e Pessoa Jurídica

Em suma, no âmbito das atividades econômicas personificadas, só há pessoa natural/física (empresário) ou pessoa jurídica (sociedade, simples ou empresária). Demonstramos isso, tintim por tintim, em nosso “Manual de Direito Empresarial” (19ed. Editora Atlas, 2025). Ainda assim, há uma confusão que se reitera: há quem diga que o empresário (ou, pleonasticamente, o empresário individual) é uma pessoa jurídica distinta da pessoa física. Não é. Não é o que está previsto nos artigos 966 a 969 do Código Civil); houve a EIRELI – empresa individual de responsabilidade limitada, criada pela Lei 12.441/11; mas a figura foi apagada do Direito Brasileiro pela Lei 14.382/22. Essa figura, aliás, era uma corruptela mal feita do estabelecimento individual de responsabilidade limitada (EIRL) que o Decreto-Lei n.º 248/86 criou no Direito Português; mas não se trata de pessoa jurídica, mas de patrimônio de afetação (o estabelecimento empresarial) titularizado pelo empresário (pessoa física).  Mas é assunto alheio a este ensaio.

A culpa, obviamente, é de outro. Isso não é preciso ensinar. Cuida-se de reminiscência socrático-platônica (lembra-se dos diálogos Ménon e Fédon?) que se manifesta já em tenra idade: a culpa é dele: quem quebrou o vaso, quem começou a briga, quem errou e deve ser punido é ele. Aqui, o outro é o Direito Tributário, essa barafunda de regulamentos esquizofrênicos por meio do qual a Fazenda, a bem de encher as burras do Tesouro, faz de tudo para tomar o quanto possa dos cidadãos – que descaradamente chama de contribuintes, como se contribuíssem e não fossem, isso sim, alvos de exação, isto é, de exigência. Vá lá; cabe a licença poética: todos contribuímos para a manutenção do Estado (ou, como queria Louis Althusser, do Aparelho de Estado). Contribuímos voluntariamente ou não. Essa solução serve. Somos contribuintes cativos (ou cativados, se preferir): a recompensa reside na fuga do Estado de Natureza e seu Homo homini lupus. Pois é: Thomas Hobbes também justifica o Fisco e não havíamos parado para ver.

Implicações Tributárias e Regime Jurídico do Empresário Individual

O desafio é que a sanha de arrecadar criou, nos agentes públicos que compõem os órgãos tributários, um cacoete de sair criando regras, sobre regras, sobre regras. Mais do que isso, uma mania de contornar cada senão que lhes é apresentado com um mas então que, não-raro, é de tal cara-de-pau-durismo que assombra, quando não faz rir (ou chorar de desespero, claro). Dane-se o susto ou o riso (e, ainda mais, as lágrimas); tanto faz: “recolha o que se lhe exige!”. Foi assim, em meio a tal barafunda, que os legisladores tributaristas resolveram criar essa dor de cabeça… não! Essa enxaqueca para o Direito Brasileiro: já desacostumados com a coerência, com sistemas roídos por casuísmos de todos os tipos, estabeleceram que o regime jurídico definido para as pessoas jurídicas não se aplica apenas às pessoas jurídicas, mas a algumas pessoas físicas (ou naturais), como é o caso do empresário, e mesmo a entes que não têm personalidade jurídica, como sociedades em conta de participação, condomínios edilícios, espólios.

Portanto, o barulho com o qual se deve dormir é esse: nem todos os que estão inscritos no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ) são pessoas jurídicas.  É o momento em que soam os quatro acordes: dó menor (tônica), sol (quinta), fá (quarta) e dó menor (tônica); os três primeiros curtos, o quarto longo: a Quinta Sinfonia de Beethoven. A alegoria para o momento em que o destino bate à porta, diz-se. Não só há entes que não são pessoas, como exemplificamos, como há pessoas físicas que, para certa parcela de suas relações econômica, recebem um número de CNPJ sem serem PJ’s, com o perdão das abreviaturas.  Na Itália, listam-se no Partita IVA: empresas (empresários e sociedades empresárias) e mesmo profissionais liberais; na França, o  SIRET (Système d’Identification du Répertoire des Établissements: Sistema de Identificação de Diretório de Estabelecimentos). Essencialmente, não tem nada a ver com a natureza da pessoa (física ou jurídica), mas com o tipo de atividade e o respectivo regime jurídico-tributário.

Claro, poderíamos resolver nossos desafios aproveitando a reforma tributária para criar cadastros com nomes mais adequados, cada qual a corresponder a um tipo de regime tributário específico e, assim, afugentar os mal-entendidos que, como passageiros de bagagem leve, correm distâncias impressionantes. Mas, sejamos sinceros, não vai acontecer. Sem nada enxergar, afundado em seu buraco escuro, o tatu sabe onde está e se sente seguro. Se bobear, sente-se em luxo. Os cadastros devem seguir com os nomes atuais e, portanto, o magistério da inexistência de dupla personalidade se impõe (e se imporá). Vamos começar por Robert Louis Stevenson: como ao final descobrirá o Dr. Utterson, um advogado de semblante duro que jamais era aliviado por um sorriso, o Dr. Henry Jekyll e Mr. Edward Hyde são a mesma pessoa. Não há duas. É tudo uma questão de certa droga… mas isso é literatura: “O Médico e o Monstro” (1886).

A afirmação teve que ser repetida, há pouco, pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça. Luiz Sérgio da Silva Imobiliária, uma firma individual, ajuizou uma ação contra Jedal Empreendimentos Imobiliarios Ltda, cobrando comissões. Em sua defesa, a ré argumentou, entre outras matérias, com defeito processual a justificar a extinção do processo: a representação da empresa autora seria irregular já que não teria restado comprovado que Luiz Sérgio da Silva seria, de fato, o responsável legal pela sociedade Luiz Sérgio da Silva Imobiliária; reclamou expressamente do fato de nunca ter sido juntado aos autos o Certificado da Condição de Microempreendedor Individual. O Judiciário mineiro não deu acolhida ao argumento: não haveria falar em representação legal: o Microempreendedor Individual não é uma pessoa jurídica; o titular da firma individual é o próprio microempreendedor, a pessoa natural (ou pessoa física). 

– Uai! Mas ele se chama Luiz Sérgio da Silva Imobiliária? 

Não! Não é um nome civil! É uma firma. É preciso prestar atenção ao Código Civil, artigos 1.055 a 1.066, a cuidar do nome empresarial, ou seja, o nome que se adota na praça, no mercado. E o artigo 1.156 é expresso: “O empresário opera sob firma constituída por seu nome, completo ou abreviado, aditando-lhe, se quiser, designação mais precisa da sua pessoa ou do gênero de atividade.” É o legislador que, sem fazer distinção de personalidade (há uma só: a pessoa física do empresário) permite a ele, o empresário adotar um nome para o mercado (vale dizer, nome empresarial, na dicção do artigo 1.055) que, embora parta do seu nome civil, pode se diferenciar dele; e disso não resulta qualquer distinção de personalidade jurídica: não há norma jurídica que sustente tal distinção. E essa distinção entre o nome civil e o nome empresarial, no caso de empresários, pode ser obrigatória. Afinal, estabelece o artigo 1.163 do mesmo Código Civil, “o nome de empresário deve distinguir-se de qualquer outro já inscrito no mesmo registro.” Emenda o seu parágrafo único: “Se o empresário tiver nome idêntico ao de outros já inscritos, deverá acrescentar designação que o distinga.” 

Vamos pegar o nome civil Maria José da Silva; estima-se haver mais de 70 mil pessoas no Brasil com esse nome. Se uma Maria José da Silva se inscreveu como empresária (firma individual) na Junta Comercial de Minas Gerais, adotando seu nome civil como nome empresarial, as outras terão que “acrescentar designação que o distinga”. Então, poderemos ter M.J. da Silva ou Maria José da Silva Confecções e Maria José da Silva – Comércio de Enxovais e Maria José da Silva – Edição de Livros etc. E, reiteramos: a distinção de nomes não corresponde, por ausência de previsão legal, a uma distinção de personalidades jurídicas. Preste atenção: o legislador previu a duplicidade de nomes (civil e empresarial) para a pessoa natural do empresário; não previu a duplicidade de personalidades jurídicas. O Congresso Nacional tem poder para isso. E isso se faz por meio de lei. Portanto, Maria José da Silva é uma pessoa natural e a mesma pessoa natural adota e usa, no âmbito do mercado (a praça!) o nome Maria José da Silva Confecções, sem que disso resulte duplicidade de pessoas. É a lei.

Quer colocar pimenta nesta costelinha de porco com mandioca? Muita pimenta? Vamos começar pela parte fácil: “a inscrição do empresário […] ou as respectivas averbações, no registro próprio, asseguram o uso exclusivo do nome nos limites do respectivo Estado.” É o que diz o artigo 1.166, lembrando que, um pouco antes, a cabeça do artigo 1.164 havia asseverado que “o nome empresarial não pode ser objeto de alienação.” Cadê a pimenta arretada? O parágrafo único deste artigo 1.164: “O adquirente de estabelecimento, por ato entre vivos, pode, se o contrato o permitir, usar o nome do alienante, precedido do seu próprio, com a qualificação de sucessor.” Já foi comum, hoje é raro, é bom que se diga. Mas é possível: a regra é clara. Um empresário pode adotar, por nome empresarial, uma firma que traga a informação do trespasse (a alienação do estabelecimento empresarial); por exemplo: Maria José da Silva Construções sucessora de José Maria dos Santos. Um nome empresarial estranho – Maria José da Silva Construções sucessora de José Maria dos Santos – mas uma nome empresarial (firma individual) lícito! E vamos nos repetir ao limite do enfado: ainda assim, há uma só pessoa: uma pessoa física inscrita, na forma dos artigos artigos 966 a 969 do Código Civil, para empresariar. É assim. O legislador pode mudar. 

Mas voltemos ao julgamento do Agravo de Instrumento no Recurso Especial 2.059.044/MG pela Terceira Turma do Superior Tribunal. Os ministros, seguindo o entendimento do Judiciário mineiro, não acolheram a alegação de defeito processual; não seria hipótese de representação: Luiz Sérgio da Silva Imobiliária não é uma pessoa jurídica, não é uma sociedade.  No caso de empresa individual não há uma pessoa jurídica para exploração da atividade, “pois é o próprio empresário (pessoa física) quem exerce o comércio em nome próprio e responde (com seus bens) pelas obrigações firmadas pela empresa individual.” Uma só pessoa, já havíamos dito. E, em função disso, um só patrimônio, ainda que, por força do artigo da cabeça do artigo 1.179 do Código Civil, deva ela (a pessoa física do empresário) “seguir um sistema de contabilidade, mecanizado ou não, com base na escrituração uniforme de seus livros, em correspondência com a documentação respectiva, e a levantar anualmente o balanço patrimonial e o de resultado econômico.”

Complicou? Pois é. Há certa dificuldade. Mas nada que não se resolva nos livros. As operações negociais devem ser escrituradas, o que tem por ponto de partida o capital que o empresário (a pessoa natural) investe na empresa e que, por força do 968, III, do Código Civil, declara ao pedir sua inscrição na Junta Comercial. É uma seção não personalizada em seu patrimônio jurídico e que atende, inclusive, a finalidades fiscais. Sim, ele novamente: o Fisco; o dever de recolher (ou, se preferir, de contribuir) para com a Fazenda. E, embora não diga respeito aos estudos empresarialistas, a inscrição no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ) alinha-se justo a tal especialização: há relações jurídicas que se tributam pelo regime aplicável às pessoas físicas, há relações jurídicas que se tributam pelo regime aplicável às pessoas jurídicas (ainda que se trate de uma pessoa natural – o empresário (firma invididual) – ou a ente sem personalidade jurídica, como os acima exemplificados.

Como posto no Agravo no Recurso Especial 2.845.472/SP, “a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça não faz distinção patrimonial entre o empresário individual e a pessoa natural titular da firma individual.” E, para ser mais exatos, vamos incluir nessa equação os chamados MEIs, ou seja, os microempreendedores individuais (Lei Complementar 128/08), também eles pessoas naturais (físicas) que desempenham atividades econômicas e, assim, inscrevem-se no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ). Em fato, “o empresário individual e o microempreendedor individual são pessoas físicas que exercem atividade empresária em nome próprio, respondendo com seu patrimônio pessoal pelos riscos do negócio, não sendo possível distinguir entre a personalidade da pessoa natural e da empresa”, reafirmou a Corte diante do Agravo de Instrumento no Agravo em Recurso Especial n. 2.505.397/SP.

São desses enganos miúdos da vida que, volta e meia, ricocheteiam de cá para lá, fazendo uma arrelia incômoda. O ser humano tem mesmo esse vício de complicar o simples a modo tentar explicar o que não entende. A solução é o livro que, se presta à decoração, melhor se aproveita à leitura. Mas voltamos lá, para arrematar. Um bom resumo da questão jurídica é oferecido pela ementa do Recurso Especial 2.055.325/MG: “É considerado empresário individual a pessoa física que, atuando em nome próprio, exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou para a circulação de bens ou de serviços, sem que exista separação entre o patrimônio pessoal e aquele utilizado para o desenvolvimento de tal atividade. Mesmo inscrito no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ), o empresário individual não é considerado pessoa jurídica. A empresa individual é mera ficção jurídica, criada para habilitar a pessoa natural a praticar atos de comércio, com vantagens do ponto de vista fiscal”. Dúvidas?

Com o Manual de Direito Empresarial é assim: aprende-se por meio de casos reais, facilitando muito na didática da disciplina.

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