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Contrato Social e Estatuto Social engessamento versus flexibilização

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Contrato Social e Estatuto Social: engessamento versus flexibilização

CONTRATO SOCIAL

ESTATUTO SOCIAL

Gladston Mamede
Gladston Mamede

05/12/2024

Há uma questão que, reiterada ao longo do “Manual de Redação de Contratos Sociais, Estatutos e Acordos de Sócios” (8.ed. Editora Atlas, 2024), acaba por encasquetar muita gente. Em dezenas de modelos de cláusulas ou artigos, chamamos atenção para a definição do quórum de aprovação, para essa ou aquela matéria, como sendo uma sintonia fina que deve ser trabalhada com atenção à situação vivida pelas partes, ou seja, pelos investidores que se tornam sócio; enfim, pelos clientes. Parece-nos que a excelência do agir advocatício está justo na demonstração aos envolvidos dos impactos de tais definições, convocando-os a meditar e, enfim, definir quais serão os quóruns de aprovação que serão dispostos no contrato social ou estatuto social, bem como, eventualmente, nos acordos de sócios. Em linhas gerais, há que se considerar quatro possibilidades: unanimidade, quórum qualificado, maioria absoluta e maioria simples. 

Quóruns de aprovação

– Sobre os quóruns de aprovação – pergunta o advogado diligente -, quais vocês vão querer estipular para a sociedade? 

– Como assim? – ou algo parecido, perguntam os clientes.

Antes de mais nada, é possível prever a necessidade de aprovação unânime: 100% do capital votante. Um passo arriscado e que deve ser bem calculado: todos terão que comparecer e aprovar. O futuro corporativo (da sociedade e da empresa) engessa-se. Se um minoritário não aprova, não será válido. Em abstrato, parece lindo: “todos vamos ter que concordar com tudo.” Parece ser o portal para um reino de harmonia e mútua compreensão. Mas a vida tem seus interstícios e o acordo pode não sair. E então? A gravidade do cenário apontado pela necessidade de votação unânime, de aprovação por todos, aponta para matérias que, compreendem os envolvidos, não comportam transgressão. Exemplo? Nas sociedades contratadas em função das pessoas (intuitu personae), em que a condição de sócio resulta de mútuo reconhecimento e aceitação, é comum haver previsão de unanimidade para aceitar a cessão de quotas para um terceiro estranho na sociedade. São milhões de sociedades prevendo isso. Por um lado, é razoável: não vai aparecer por ali, na condição de sócio, alguém que não agrade a todos; por outro lado, ceder as quotas se torna mais difícil (para todos) e a dissolução (parcial ou total) da sociedade se torna mais provável.  

Unanimidade

Há outros casos em que a unanimidade é, em tese, razoável? Em sociedades patrimoniais familiares, holdings familiares, é usual prever unanimidade para alienação de imóveis, evitando que o administrador acabe por se desfazer dos bens que foram incorporados à corporação. Veem-se muitas sociedades em que a contratação de dívidas (empréstimos, financiamentos) e/ou o oferecimento de garantias reais demandam prévia aprovação pela unanimidade dos sócios. Somem-se as hipóteses de metamorfoses societárias (conferir MAMEDE, Gladston. Direito Societário. 14.ed. Editora Atlas, 2022), a exemplo de fusão, incorporação, cisão, além da transformação do tipo societário. Ainda assim, é preciso questionar os clientes: é isso mesmo o que querem? Aprovação de todos? Já vimos casos em que os sócios pensaram bem e, alfim, concluíram ser demasiado prever unanimidade, vale dizer, perceberam que pessoas têm perspectivas diversas e que não se deveria obstar todo um processo, todo um cenário que se mostra promissor por outra perspectiva. 

Eis a razão de os modelos de cláusulas e artigos que trazemos no “Manual de Redação de Contratos Sociais, Estatutos e Acordos de Sócios” (8.ed. Editora Atlas, 2024) apresentam um espaço para completar … (…). Pode ser unânime, se assim quiserem; pode ser outro quórum. A proposta é é justamente essa: auxiliar a confecção de atos constitutivos e pactos parassociais que sejam cada vez mais fiéis ao que cada sociedade é, à sua diferença, sua particularidade, definindo sua identidade. Pode parecer pouco. Não é. É o caminho para uma advocacia customizadora, que não entrega produtos de massa (ou de linha), repetidos para todos (e, justo por isso, a dispensar a contratação de um advogado: basta copiar o dele pra mim, dirão; é a conclusão óbvia). Na reiteração dos textos de contratos sociais e estatutos sociais e acordos de sócios, a advocacia renunciou a um serviço. Não é preciso contratar e pagar um advogado para fazer uma cópia.

Ainda há pouco, vimos uma coletividade de investidores debruçar sobre algumas hipóteses e enfrentar o tema: unanimidade ou qualificação. Um assunto deles e não do advogado. O profissional irá transformar em norma corporativa aquilo que os clientes decidam; mas o agir advocatício é mais fiel quando leva a questão aos clientes e lhes dá alternativa, deixando claro as sutilezas do seu mister, as especialidades da tecnologia societária. No caso, após algumas conversas, percebeu-se que se recomendava a transgressão do cânone da unanimidade, prestigiando a visão (o olhar) da maioria. Eram todos empresários experientes, investindo num negócio novo, e reconheceram o risco de engessamento da unanimidade. Algo apropriado para eles. No entanto, reconheceram por igual que a maioria absoluta era algo arriscado e, então, passaram a discutir qual seria a maioria qualificada a ser definida.  No Manual, brincamos várias vezes: pode ser dois terços, três quartos, 82,397%, 63,0345 etc. Se não há qualificação obrigatória, imposta em lei, abre-se espaço para autorregulamentação. 

Trouxemos e desenvolvemos esse tema em “Estruturação Jurídica de Empresas” (Editora Atlas, 2024): há determinações constitucionais e legais; determinações, aliás, que são genéricas em diversos aspectos; há mesmo sugestões legais para quando as partes não ajustem em sentido contrário; para além do que a lei determina e do que a lei proíbe, abre-se um amplo espaço para definir as regras que se aplicarão à sua sociedade e atividade negocial. A maioria acha que, definindo-as, renuncia à liberdade de não as ter. Um erro grave. Da névoa da não-decisão, da renúncia ao poder de autorregulamentar-se, abre-se espaço para, diante da dúvida, do litígio, retornar-se à generalidade da lei e ao risco da interpretação, que não será própria, mas de um julgador (juiz ou árbitro). Isso pode acarretar problemas que estão longe de ser bobagens; assume-se o risco do aleatório. E, às margens dessas águas desconhecidas, surgem todo tipo de motivo para chorar, creia-nos. Melhor é caminhar pelas trilhas que se construiu, que se definiu. Pense a respeito. Argumente com seu cliente. Tais vias são as normas jurídicas corporativas, redigidas por advogados, referenciando-se pelas opções dos clientes. Supimpa.

Mas vamos voltar ali atrás. Lembra-se do caso que contávamos? A coletividade de investidores que se debruçou sobre algumas hipóteses e enfrentar o tema: unanimidade ou qualificação. Contamos que decidiram recusar a necessidade de unanimidade e passaram a investigar qual seria a qualificação que adotariam para a maioridade. Solução que adotaram foi interessante: definiram duas qualificações. Para algumas matérias, maioria qualificada de 80% do capital votante. Para outras matérias, maioria qualificada de dois terços do capital votante. Fizeram-no considerando impactos, repercussões, implicações. Criaram uma regulamentação própria que refletiu o que consideravam adequado para a reforma dos pontos acordados quando da constituição da sociedade. O uso da tecnologia societarista traz essa praticidade e permitem dar soluções assim personalizadas. Como dissemos, permite o uso de uma sintonia fina ou, para quem gosta de aparelhos de som, dessa equalização. Sim, o desafio de todo advogado é dar visibilidade a essa vantagem técnica que ele oferece ao cliente. O produto tradicional – o ato constitutivo genérico – está longe disso; mas pode ser copiado na internet (com todos os riscos daí advindos). 

Metade mais um

Mas há casos em que o melhor é mesmo a maioria absoluta que, como se sabe, é coloquialmente chamada de “metade mais um” ou “50% = 1”: a menor unidade acima da metade do capital votante, seja lá qual ela for. Para quem aceita a generalidade da lei, é a regra geral para as sociedades limitadas, como se afere do artigo 1.076, II, do Código Civil, com a redação que lhe deu a Lei 13.792/19. É preciso avisar isso aos clientes: se não dispõem em sentido contrário, caem na regra geral que, em muitos casos, não será exatamente o que tinham em mente; mas se não disciplinaram de modo diverso, é o que estará valendo. Sem resquício de esperança. Pode não ser de todo ruim: metendo a cara na realidade, a maioria absoluta dá à corporação uma grande flexibilidade: basta o mais que a metade para decidir e, no mor das vezes, isso é fácil de se conseguir. Mas pode não ser o que os clientes têm em mente. E se o advogado não submete a questão aos clientes, os conduz para um inferno, quiçá ao purgatório, quando almejavam o céu. E aí, Virgílio? Por onde conduzirá Dante? 

Por fim, a maioria simples: a maioria entre os que se apresentaram para a votação? É a regra geral do artigo 1.076, III, do Código Civil. Vamos vender o(s) imóvel(is)? Vamos doá-lo? Vamos contrair o empréstimo? Vamos dar o aval ou a fiança? Vamos comprar ou vender a marca, a patente, o programa de computador, a máquina? Se o contrato social nada dispuser sobre essas e outras matérias, se não as destacar, se não as tornar objeto de quórum deliberativo especial, irão cair nessa regra geral: “pela maioria de votos dos presentes, nos demais casos previstos na lei ou no contrato, se este não exigir maioria mais elevada”. É o que se aplica à grande maioria das sociedades, simples ou empresárias, como resultado de seus atos constitutivos superficiais, levianos; é uma realidade que berra qual sirene mas, infelizmente, só se faz perceber quando os problemas esmurram a porta, não raro sob a forma de uma citação judicial, uma autuação, uma negativação em cadastro de maus pagadores. Mais cedo ou mais tarde, a baixa tecnologia jurídica parte para cima do empresário, dos sócios. Isso aconteceu e se repetiu até não mais poder; acontece e se repete até enfarar; e, infelizmente, acontecerá e se repetirá, até aprendermos.

Detalhe: em muitos casos, dependendo dos poderes que se atribuam ao administrador societário, nem maioria simples será necessário: basta a ele exercer os poderes que lhe foram atribuídos (comissiva ou omissivamente) pelo ato constitutivo. Isso é muito sério, percebe? Muito. Pode desandar toda uma sociedade e, a bem da verdade e da precisão, não haverá falar em golpes duros do destino, mas em agir advocatício defeituoso. Ao longo da vida corporativa, os atores aprendem as regras do que podem ou não fazer e, como sói acontecer com os seres humanos, compaixão pode não ser o forte. Muitos (a maioria?) não perde a chance oferecida por uma oportunidade aleatória. “Everybody wants to rule the world“, denunciava o “Tears for fears”: todos querem dominar o mundo, traduz-se. A música é de Chris Hughes, Ian Stanley e Roland Orzabal. Roland Orzabal e Curt Smith compõem a dupla do New Wave britânico. Mas advogados não precisam saber dessas bobagens pops, embora tenhtam que considerar o que é e o que pode ser o ser humano, nomeadamente em contextos grupais: o sócio e a sociedade.

Apesar de não ser um bicho de sete cabeças (a Hydra da mitologia grega), a equalização das deliberações corporativas é assunto de grande relevância e deve merecer atenção redobrada por parte os redatores de atos constitutivos,  plataformas normativas primárias (ou principal) que são, bem como de pactos parassociais, as plataformas normativas acessórias (ou secundárias), como demonstramos em “Estruturação Jurídica de Empresas” (Editora Atlas, 2024). É simples, mas é necessário, quiçá indispensável, ainda que ninguém se preocupe, até que o problema apareça, saltando e ululando. A bem da precisão, é um tipo comum de negligência: eis um estranho tipo de verdade: perpetuamos uma cultura de ineficiência e descaso para com a qualidade jurídica de nossos empreendimentos mercantis. E isso se manifesta, inclusive, no fato de preferirmos contadores, em lugar de advogados, para resolver questões de Direito. E ninguém pode vencer quando as verdades incômodas partem para cima. De modo inverso, insistimos no que já dissemos e repetimos: advogado não é custo, é investimento. 

Apresentar aos sócios uma lista de matérias e questionar sobre o que deve ser decidido por eles, em reunião, e o que pode ser decidido e realizado pelo administrador societário, seja um sócio ou não, é parte do agir advocatício básico. É um exercício do mister. Modalizar o ato constitutivo para que, aproximando a plataforma normativa (contrato social ou estatuto social) da realidade vivida e a ser vivida pela corporação é elementar; é por demasiado óbvio, embora raramente seja feito e, assim, a advocacia renuncia a uma importância: um médico que receita o mesmo para todos os pacientes; talvez mude isso ou aquilo, se tanto, para não parecer tão desleixado. Mas pense: se eu não dou valor ao meu trabalho, se não o faço especial, por que os outros – o mercado, o cliente – irão dar esse valor? Quer saber? Há quem atravesse a cidade para levar o pneu furado ao mesmo borracheiro de sempre; é o jeito que ele atende, o cuidado com que faz, embora pareça que todos façam o mesmo. 

A proposta do “Manual de Redação de Contratos Sociais, Estatutos e Acordos de Sócios” (8.ed. Editora Atlas, 2024), bem como de “Estruturação Jurídica de Empresas” (Editora Atlas, 2024) é ajudar advogados é reconstruir esse mercado e, mais do que isso, refazer esse momento: atos constitutivos não são um detalhe, mas a essência jurídica de uma sociedade. As normas ali dispostas, nos limites legalmente permitidos (e esses limites são amplos!) dizem o que a sociedade é, como deve e pode funcionar e como deve e pode atuar. Não é pouco; é tudo. Em termos jurídicos, é o que dá sustentação ao dia-a-dia da corporação e da empresa. O que a sociedade é? O que deve ser? O que pode ser? Como os sócios devem agir entre si? O que administradores e outros prepostos podem ou não fazer? Tudo isso pode ser adequadamente previsto no ato constitutivo e esmiuçado nas plataformas normativas secundárias e terciárias. Repetimos: não é pouco; é tudo. É a tecnologia jurídica societarista a serviço da segurança e do sucesso empresarial.

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