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Clientela e Trade Dress

25/07/2025
Um dos aspectos relevantes para o sucesso empresarial é a sua relação com o mercado consumidor, o que leva à consideração de dois elementos fundamentais do aviamento empresarial: a clientela e a freguesia, conceitos que, embora distintos, fundam-se na mesma percepção da importância que os consumidores têm para o sucesso da empresa. Foi o que demonstramos no “Manual de Direito Empresarial” (19.ed. Editora Atlas, 2025): habitualmente, as palavras cliente e freguês são utilizadas como sinônimos. Porém, cliente é toda pessoa que compõe, constante ou eventualmente, potencial ou concretamente, o universo dos destinatários da atividade empresarial; portanto, é-se cliente de alguém, traduzindo uma relação pessoal. Já o freguês é o consumidor que se define por uma posição geográfica; basta lembrar que, em Portugal, os bairros são chamados de freguesia. Os fregueses, portanto, são aqueles que passam diante do estabelecimento e, assim, podem se tornar clientes, podem negociar com o empresário ou sociedade empresária.
Justamente em função dessa distinção, a proteção jurídica da clientela é distinta da proteção à freguesia, também demonstramos. A defesa jurídica da freguesia se faz por meio da proteção jurídica do ponto empresarial, ou seja, da localização geográfica do estabelecimento e sua relevância no aviamento (na vantagem de mercado construída ou adquirida pelo empresário ou sociedade empresária). Essa proteção, ademais, alcança o aviamento não só pelo acesso ao mercado consumidor – a contratantes em potencial –, mas igualmente por outros elementos relevantes no desenvolvimento da atividade empresarial, como acesso a fornecedores, mão de obra etc. É mais do que o simples acesso a compradores, portanto. São alcançados todos os elementos estratégicos para o bom desenvolvimento das atividades empresariais; para um depósito, mesmo sem vendas diretas, é melhor estar à margem da rodovia por onde se escoam suas mercadorias, merecendo consideração e proteção jurídica essa vantagem de mercado.
A clientela é protegida pelo Direito Concorrencial e seus institutos voltados à garantia da livre concorrência leal entre as empresas; o Direito Empresarial, por seu turno, protege o nome empresarial, o título dos estabelecimentos e as marcas, como forma de evitar danos à clientela de cada empresa. São instrumentos voltados para a preservação da identidade empresária, incluindo de estabelecimentos, bens e serviços, assegurando que o bom trabalho realizado numa empresa preserve, junto ao mercado consumidor, os resultados de uma clientela cativa, que procura por determinada empresa e não é enganada por outro empresário ou sociedade empresária que tenta se beneficiar das vantagens de mercado engendrados por seu concorrente. E isso inclui a proteção ao chamado trade dress ou, preservando o vernáculo, a roupagem mercantil de um estabelecimento ou produto; seu conjunto-imagem.
Vejamos um caso em concreto de julgamento recente. Adm Comercio de Alimentos Ltda ajuizou ação de obrigação de fazer com reparação de danos materiais e morais contra L P F Comercio de Alimentos Ltda e Adair, ex-funcionário da empresa autora. As duas sociedades empresárias eram responsáveis por restaurantes de comida italiana. A ação foi julgada procedente pelo Judiciário paulistano, decisão confirmada pelo Tribunal Paulista: o laudo pericial realizado nos estabelecimentos comerciais das partes concluiu que: a fachada dos estabelecimentos comerciais dos réus possui características semelhantes, quanto ao projeto arquitetônico, cor, acabamento e disposição de toldos nas janelas e porta principal, forma de anunciar os produtos. Os estabelecimentos comerciais de propriedade das partes, apresentam características semelhantes quanto ao acabamento texturizado e tijolinhos aparentes, bem como à iluminação através de arandelas, o entre outros.
Detalhe: os réus não negaram a semelhança; entenderam-na lícita. Argumentavam não haver proteção ao criador/titular do “conjunto-imagem”. O Judiciário paulista não concordou: “É certo que, ao contrário do que ocorre com a marca, o conjunto-imagem não recebe a proteção específica da Lei 9.279/1996, ou de qualquer outro diploma legal, ou seja, não há qualquer dispositivo específico que garanta expressamente ao empresário o direito à exploração exclusiva do seu trade dress, mas, como visto nos julgados citados, existem medidas judiciais que permitem uma proteção do instituto ao aplicar a lei contra a concorrência desleal. Com efeito, a interpretação sistemática de normas constitucionais e infraconstitucionais de proteção à concorrência, tais como os artigos 1º, IV (livre iniciativa), 5º, XXIX (direitos intelectuais), e 170, IV (liberdade de concorrência) da Constituição Federal, bem como os arts. 4º, VI, 6º, IV, e 37, § 1º, do CDC, além de outras regras esparsas que repelem a concorrência desleal, permitem concluir que é ampla a proteção ao verdadeiro criador/titular ao conjunto-imagem.”
Por meio do Agravo Interno no Recurso Especial 1.678.954/SP, a questão foi examinada pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça. Afirmaram os ministros que o Tribunal de origem entendeu que houve a caracterização do trade dress, apto a justificar a indenização presumida, tendo em vista a concorrência desleal decorrente da confusão criada pela utilização por parte dos recorrentes do “conjunto-imagem” da recorrida. Ressaltou-se a prescindibilidade de demonstração do prejuízo, visto que, uma vez caracterizada a usurpação da roupagem mercantil (trade dress), a indenização se mostra presumida, devendo ser arbitrada pelo Judiciário, considerando as circunstâncias de cada caso. Esse entendimento remonta a um precedente bem anterior, o Recurso Especial 1.677.787/SC, no qual se decidiu que “os danos suportados pelas recorrentes decorrem de violação cometida ao direito legalmente tutelado de exploração exclusiva do conjunto-imagem por elas desenvolvido.” Completou-se: “O prejuízo causado prescinde de comprovação, pois se consubstancia na própria violação do direito, derivando da natureza da conduta perpetrada. A demonstração do dano se confunde com a demonstração da existência do fato, cuja ocorrência é premissa assentada, devendo o montante ser apurado em liquidação de sentença.”
Mas há outro procedente bem útil para calibrar o instituto. Uma ação ajuizada por Camarões Restaurante Ltda, Camarões do Sertão Comércio Ltda. e Caramões Express Alimentos Ltda contra Camarões Mucuripe Comércio de Alimentos Ltda que, posteriormente, passou a se chamar Cobo Bambu Frutos do Mar Comércio de Alimentos Ltda. Alegavam as autoras haver exploração indevida, pela ora agravada, dos nomes empresariais Camarões Beira Mar e Camarões Mucuripe, além dos domínios www.camaroesbeiramar.com.br e www.camaroesmucuripe.com.br na Internet, porquanto haveria confusão com a marca Restaurante Camarões, devidamente registrada no INPI e de sua titularidade. Aqui, já temos uma situação mais complexa: nome empresarial, marca registrada e, finalmente, roupagem mercantil (trade dress): falou-se em mesmo estilo de arquitetura, o denominado rústico chic, mesmo layout dos cardápios e mesma vestimentas dos garçons.
A sentença julgou o pedido improcedente. No alusivo à marca, destacou o uso restrito de palavras consideradas comuns e de cunho genérico; no caso: (1) restaurante e (2) camarão/camarões. Ao usar uma palavra diretamente ligada ao negócio, produziu-se uma ‘marca fraca’; não se pode impedir quem explore restaurantes de usar tal palavra; não se pode impedir quem vende camarão de usar a palavra, no singular ou no plural. Assim, “não só as demandantes podem obter registro das palavras escolhidas para compor a sua marca, como também pode fazê-lo todo e qualquer outro interessado que aposte nesse mesmo designativo.” Em suma, a marca registrada Restaurante Camarões não impede outras pessoas de usar as palavras restaurante e camarões. Afinal, destacou a sentença, “o monopólio de nomes ou sinais genéricos, em benefício de um exclusivo comerciante, implicaria em favorecê-lo no exercício do comércio de forma isolada, com evidente prejuízo não apenas à concorrência empresarial, mas também a todo o mercado, haja vista que imporia dificuldades para identificar produtos similares aos do detentor da marca isolada.” Complete-se: “Em relação às logomarcas das litigantes, afora a característica do próprio crustáceo (camarão) que se buscou preservar, ambas, de modo gritante, são distintas. Divergem tanto a partir do fundo azul com um ‘camarão estilizado’ (logomarca da autora), como pelo mero uso de um ‘camarão’ menos elaborado, sem destaque de fundo e com apresentação invertida (logomarca do réu), em caráter sistemático de ausência de similitudes.”
A proteção marcária foi afastada por não haver ao artigo 129 da Lei 9.279/96, sobretudo por se tratar de tema pacificado no Superior Tribunal de Justiça. Arrematou-se: “conferir exclusividade em hipótese desse jaez, seria o mesmo que impedir que os demais concorrentes do ramo divulgassem a disponibilização de produtos semelhantes através de expressões de conhecimento comum, obrigando-os a buscar nomes alternativos e estranhos ao domínio público.” Restou justamente o tema relativo à roupagem mercantil (trade dress). A ré teria copiado, de forma acintosa, a aparência das áreas internas dos restaurantes das autoras. E o magistrado, a partir das fotos, reconheceu haver “estilos arquitetônicos coincidentes”, mas não cópia. “Adotaram o mesmo estilo de arquitetura, o denominado rústico chic, os quais poderiam ter optado por lançar mão do estilo barroco, rústico original, ou de qualquer outra linha de arquitetura.” Apesar da mesma “tendência da arquitetura”, ressaltou, “é fácil concluir pela inexistência de semelhança na aparência interna dos restaurantes contendores”.
A mesma referência solucionou os dois pontos faltantes. Não houve comprovação de originalidade nos cardápios das autoras e, assim, uma cópia por parte da ré, embora, sim, houvesse “evidente sua aproximação de layout”. E foi além; o mesmo se aplicaria à vestimenta dos garçons que, aliás, “segue um padrão adotado por inúmeros restaurantes, não só pelos autores e réu. […] Portanto, resta afastada a ideia de imitação, pelo réu, do trade dress.” Um último fundamento usou o sentenciante: “fere o razoável idealizar concorrência desleal a partir da existência de restaurantes que se estabelecem em Estados distintos, e que adotam o uso de marcas sem exclusividade, principalmente se for considerado que, partindo-se de automóvel, de Natal/RN para Fortaleza/CE, através da BR-304 e BR-116, gasta-se uma média de sete horas e três minutos para percorrer exatos 532,9 km”. Em suma, não se estaria diante de uma apropriação oportunista e abusiva da clientela alheia. “Ora, a distância entre os restaurantes, data vênia, é condição suficiente para quebrar a ideia dessa deslealdade, eis que a procura de qualquer dos estabelecimentos aportados na contenda ocorrerá por mera eleição ou oportunidade de onde o frequentador se encontre.”
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte assim não entendeu e reformou a sentença, afirmando “demasiada similitude de padronagem de cardápios, pratos oferecidos, vestimentas de funcionários e do aspecto geral da estrutura física do restaurante”, de forma a “confundir o consumidor, levando-o a acreditar que tais estabelecimentos pertencem à mesma rede comercial.” Ressaltou-se que “a lista de pratos oferecidos pela empresa demandada denota clara equivalência com as refeições descritas nos menus dos estabelecimentos mantidos pela parte demandante”, afirmando a existência de cópia a partir da contratação de ex-funcionários das autoras. Por maioria de votos, os desembargadores reputaram “configurada violação ao trade dress – o qual pode ser definido como o conjunto de elementos distintivos de produtos, serviços ou estabelecimentos comerciais, que fazem com que o público os identifique no mercado consumidor’- dos restaurantes mantidos pela parte autora na hipótese vertente, posto que a similitude entre os empreendimentos comerciais pertencentes a ambos os litigantes manifesta-se desde a flagrante semelhança dos cardápios, dos pratos, vestimenta dos garçons e até o projeto arquitetônico adotado, denotando prática de indubitável contrafação por parte da entidade-ré, suscetível de reparação.”
Por meio do Agravo de Instrumento no Agravo no Recurso Especial 1.303.548/RN o litígio foi examinado pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça que, entre sentença e acórdão, optou pelo primeiro, tornando improcedentes os pedidos iniciais. “Na hipótese, embora o v. acórdão, em divergência com a r. sentença, tenha consignado a existência de similitude entre estilos arquitetônicos, cardápios, pratos e vestimentas de funcionários, deixou de indicar originalidade dos mencionados itens, bem como no que estes se distinguiriam dos utilizados por outros concorrentes que exploram a mesma atividade empresarial, ou seja, cozinha típica regional e litorânea.” Não haveria “perfeita similitude” e, mais do que isso, não haveria originalidade. Transcreveu-se parte do voto vencido: os produtos ofertados também divergem e, naquilo que se aproximam, ou são elementos que não denotam qualquer particularidade ou são nomes de receitas consagradas na culinária não só brasileira, como mundial.
Citou-se um precedente anterior, o Recurso Especial 1.843.339/SP: “a distintividade extrínseca de determinado bem ou serviço não confere direitos absolutos a seu titular sobre o respectivo conjunto-imagem, sendo necessária a definição de determinados requisitos básicos a serem observados para garantia da proteção jurídica, como o que diz respeito à funcionalidade. Esse pressuposto exige que os elementos que formam o conjunto-imagem não podem ter outra função ou propósito que não seja especificamente a diferenciação do bem no mercado onde está inserido. É dizer, quando as características gráfico-visuais estão dispostas de determinada forma por exigências inerentes à técnica ou à funcionalidade precípua do produto ou serviço, não se lhe confere proteção jurídica.” Mais do que isso, “imprescindível, igualmente, para que se reconheça proteção ao conjunto-imagem, haver possibilidade de confusão ou associação indevida entre os produtos ou serviços, práticas anticoncorrenciais apta a ensejar desvio de clientela. Por fim, mas não menos importante, é necessário ressaltar que a tutela jurídica conferida ao trade dress – quando violada a lealdade concorrencial – independe de eventual amparo específico conferido formalmente pelos órgãos competentes a elementos autônomos que o integram, como a que pode resultar de eventual registro da marca ou do desenho industrial ou, ainda, do direito autoral. Isso porque a proteção ao conjunto-imagem é autônoma, fundamentando-se, conforme já demonstrado, na repressão à concorrência desleal (artigo 2º, V, da LPI), e não, necessariamente, nos institutos formais de direito de propriedade intelectual.”
Como se não bastasse, os ministros voltaram à questão da inexistência de concorrência entre as partes. “Isso, porque, embora autor e réu atuem no mesmo ramo de atividade, qual seja, fornecimento de refeições para consumo imediato e no próprio estabelecimento, esta se desenvolve em diferentes cidades e estados, buscando, por óbvio, a conquista de mercados consumidores distintos.” Citaram uma passagem do voto vencido: “a distância entre os restaurantes, data venia, é condição suficiente para quebrar a ideia dessa deslealdade, eis que a procura de qualquer dos estabelecimentos aportados na contenda ocorrerá por mera eleição ou oportunidade de onde o frequentador se encontre.” Completaram os ministros: “apesar de existir exploração do mesmo ramo de atividade, o que normalmente é salutar e inerente ao sistema de livre empresa e livre concorrência adotado na Constituição Federal (art. 170), não há disputa de um mesmo mercado consumidor, haja vista que, conforme delineado no v. acórdão recorrido, os estabelecimentos comerciais em questão encontram-se em cidades muito distantes uma da outra, o que afasta a possibilidade de desvio de clientela. […] Logo, inexistindo probabilidade relevante de se confundir o consumidor, no sentido de desviar a clientela da parte ora agravada, não há falar em prática anticoncorrencial, tampouco em concorrência desleal.”
A regra geral é a livre concorrência. Eis a base. Mas essa concorrência deve ser livre e leal. A deslealdade – a incluir a procura por confundir o mercado – é abuso no direito de concorrer e, portanto, caracteriza um ato ilícito, aplicado o artigo 187 do Código Civil.
Com o Manual de Direito Empresarial é assim: aprende-se por meio de casos reais, facilitando muito na didática da disciplina.
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