32
Ínicio
>
Clássicos Forense
>
Empresarial
>
Revista Forense
CLÁSSICOS FORENSE
EMPRESARIAL
REVISTA FORENSE
As sociedades de economia mista
Revista Forense
03/10/2023
SUMÁRIO: Noção jurídica e espécies. Criação espontânea e por via legal. Participação de Municípios. Iniciativa de constituição da emprêsa. Capitais e administração. Elementos característicos da companhia mista. Linha de evolução. A sociedade comercial pública.
1. Noção jurídica e espécies
A sociedade de economia mista, em plena floração no Brasil, começa a declinar na Europa e nos Estados Unidos antes de ter alcançado no campo do direito a sua devida configuração ou conceituação jurídica.
Realmente. FLEINER não hesita em ensinar que a expressão sociedade de economia mista não designa noção jurídica alguma, porém, sòmente indica que o capital privado e os fundos públicos reuniram-se a fim de contribuir para a exploração de uma emprêsa econômica: “cette expression (gemischt – wirtschalftliche Unternehmung) ne désigne pas une noticn juridigue” (FLEINER, “Droit Administratif Allemand”, pág. 82).
2. RIPERT não se afasta substancialmente do ponto de vista de FLEINER, quando observa que se torna necessário recorrer à lei sempre que se deseja criar este tipo de sociedade. Distingue, então, duas grandes classes de leis com êsse objetivo: umas determinando que, na sociedade a ser constituída, o Estado será acionista ou administrador, ou os dois ao mesmo tempo; e outras criando sociedades de tipo especial, com tantas particularidades que cada sociedade torna-se única em seu gênero (RIPERT, “Traité Elémentaire de Droit Commercial”, número 1.500, pág. 588).
O eminente mestre, em outro trabalho, adianta que as sociedades de economia mista foram criadas ao sabor das circunstâncias, representando, no fundo, uma socialização disfarçada (RIPERT, “Regime Democrático e o Direito Civil Moderno”, pág. 268), ao associar capitais públicos e privados em “um desejo tímido de socialização conciliadora” (RIPERT. “Aspecto jurídico do capitalismo moderno”, pág. 54), mas de maneira a perturbar a vida das sociedades comerciais: “l’Etat justifie son intervention en faisant apport à la société. Mais sa seule présence suffit à bouleverser las régles des sociétés” (RIPERT, “Le déclin du droit”, pág. 59).
3. Neste mesmo diapasão também MIRANDA VALVERDE aborda o problema, quando escreve que as pessoas jurídicas de direito público podem figurar como subscritoras e as companhias assim constituídas denominam-se sociedades de economia mista “e contêm, nos seus estatutos, comumente, disposições aberrantes das regras que governam as sociedades anônimas” (MIRANDA VALVERDE, “Sociedades por ações”, 1, número 223).
E VALDEMAR FERREIRA chega a fazer ironia: “Essa curiosa associação do Estado com os indivíduos, cem o objetivo de industrialização dos serviços e explorações industriais daquele, efetiva-se sob a forma das sociedades mercantis, em regra sociedades por ações. Organizam-se como estes. Funcionam regularmente, com os órgãos estruturais da anônima. Diretoria. Assembléia geral. Conselho Fiscal. Essa regularidade, entretanto, é mais aparente que real. Acionista preponderante, o Estado nelas intervém, tomando para si a parte do leão… O Estado nelas se movimenta por via de dispositivos legislativos especialíssimos” (VALDEMAR FERREIRA, “Compêndio de Sociedades Mercantis”, III,§ 172).
4. Estas sociedades poderão apresentar as variações seguintes: capital público majoritário ou minoritário ou igual à participação privada, acionistas só entidades públicas ou acionistas particulares e públicos. ARENA E RAVA denominam mesmo por azionariato misto vero e proprio quando se reúnem capitais públicos a particulares, e azionariato misto improprio quando a colaboração é feita sòmente entre o Estado e outras entidades públicas (cf. ARENA, “Le società commerciali pubbliche”, págs. 20-21).
RAYMOND RACINE ainda distingue entre as sociedades de economia mista de formação espontânea (participação pública majoritária, ou minoritária ou igual à participação privada) e as sociedades de economia mista instituídas por decreto, com participação pública majoritária ou minoritária (R. RACINE, “Auservice des nationalisations, l’entreprise privée”, págs. 13-19).
II Participação de Municípios
5. A participação dos Municípios, na constituição de sociedades de economia missa não apresenta dificuldade, de vez que são pessoas jurídicas de direito público (Cód. Civil, art. 14, III) e nessa, qualidade os seus capitais associam-se aos de particulares, satisfeitas as exigências peculiares para aplicação de fundos públicos.
No Brasil, neste âmbito, ARRUDA VIANA refere-se expressamente a companhias mistas municipais, ao comentar a lei paulista de organização municipal (“O Município e sua lei orgânica”, página 260), e CRISTIANO MARTINS DA SILVA, comentando a lei mineira de organização municipal, não hesita em admitir que o Município participe de sociedades de economia mista, e completa sua informação: “Semelhante sistema, quando utilizado, não tem produzido resultados satisfatórios, e a maioria das autoridades de direito administrativo tem procurado demonstrar os seus inconvenientes. As sociedades de economia mista constituem-se, via de regra, segundo o sistema das sociedades por ações. À entidade pública na eventualidade de constituição de sociedade dêste gênero, deve ser reservada a prerrogativa de aprovar ou vetar as suas decisões, ou pelo menos reter a maioria de votos em seu órgão deliberativo” (“Direito Público Municipal”, pág. 180).
6. Na Alemanha, a lei de organização municipal prevê mesmo a participação do Município em emprêsas mistas, exigindo sòmente que fôsse limitada a responsabilidade da comuna, dai ser invariàvelmente escolhida a forma da sociedade por ações ou da sociedade por responsabilidade limitada (ALTHAUS, “Das Recht der Gemeinden una Gemeindeverbande”, pág. 115).
Aliás, a própria Constituição alemã, de 1919 previa, no art. 156, a participação dos Municípios bem como dos Estados (Lander) e do Reich como participantes da administração (Mitgesellschaffer als Aktionar), segundo a lição de STIER-SOMLO (“Handbuch der Kommunaler Verfassungsrechts”, in “Preussen”, pág. 35).
Na Itália, também a participação do Estado ou de outras entidades públicas (altri enti publici) em uma sociedade por ações constitui a sociedade mista, (società mista), prevista pelo próprio Cód. Civil (arts. 2.458 e segs.), ensina RUGGIERO (“Istituzioni di Diritto Privato”, II, 330).
Na França, a comuna pode ser acionista, desde que tenha direito a ser representada no Conselho de Administração da sociedade organizada (M. FELIX, “L’activité économique de la commune”, II, 72).
Na Suíça, desde a primeira grande guerra, acentuou-se a tendência para a, participação de pessoa jurídica de direita público, sob a forma de sociedades de economia mista, na exploração da indústria de energia elétrica, e são inumeráveis os exemplos oferecidos por comunas suíças ainda que os cantões fôssem de início os maiores interessados (GIRTANNER “Verstaatlichung oder aktive Gemeinschaflenkung”, der et passim).
7. No México a situação difere pouco, pois a lei sôbre emprêsas de participação estatal, como a legislação mexicana denomina as sociedades de economia mista, prevê sòmente a participação do govêrno federal em quatro distintas hipóteses (GABINO FRAGA, “Derecho Administrativo”, 404-405), nos Estados Unidos a corrida tem sido para as sociedades comerciais públicas, as government corporations, mas, quando se caracteriza uma sociedade de economia mista, tem sido sempre mediante participação do govêrno federal.
É o que se depreende dos ensinamentos de HALL, quando informa que a segunda guerra mundial testemunhou um outro extraordinário desenvolvimento, em número e em importância, das federal gauernment corporations (HALL, “Government and business”, pág. 526).
E no caso da participação do govêrno federal ao lado do capital privado, dizia: “at the cost of more than $ 15.000.000.000.00 the United States Government through the RFC and other governmental agencies built and owned at least in part more than 2.800 plants for the production of war materials, including airplanes, iron and steel products, machine tools, radios, aluminum, ships, ordinance equinment an many other products. Although the government owned all or par of these plants, the greater number were privately operated” (idem, pág. 296).
8. Os Estados da União americana podem possuir e operar com emprêsas destinadas a serviços de utilidade pública, ou qualquer outra atividade comercial, segundo jurisprudência da Suprema Côrte, enquanto que os Municípios ficam a depender das Constituições ou leis estaduais, quer através de autorização expressa ou implícita que poderá lhes dar competência de criar e organizar emprêsas municipais, como expõem JONES e BIGHAM (“Principles of public utilities”, páginas 715-716 e 719).
Em livro recente, ERNEST STEEL é igualmente expresso: “Al states now allow municipal ownership and operation of most utilities” (“Municipal affairs”, página 263).
Mas, tanto o Estado como os Municípios não escolhem a forma da economia mista antes preferindo o contrôle total, como ensina o clássico JOHN BAUER: “Under presents conditions, a municipal plant is usually owned directly by the Municipality and is overated by a special department or comission. Like organization mostly applies to state or other government units” (“The Electric Power Industry”, pág. 332).
No mesmo sentido informa STEEL, ob. cit., pág. 238.
III Elementos característicos da companhia mista
9. A participação de capitais públicos e privados, exclusivamente, não tem sido considerada bastante para caracteriza, a sociedade de economia mista, e o elemento administração tem sido sempre discutido.
A famosa definição de PASSOW, no seu “Die gemischt privaten uknd offentlichen Unternehmungen”, punha em destaque a participação de capital público e privado ao lado da participação particular e da entidade pública na administração, inclusive de parte de municipalidades: “Unter gemischt privaten und offentlichen Unternehmungen werden solche Unternchmungen verstanden, bei denen das verantwortliche, das eigene Unternehmungskapital teils von Privaten, teils von offentlichen Korperschanften (Insbesondere Stadten und Kreisen) aufgebracht ist, und bei denen auch die oberste Leitung des Betriebes auf Grund des geminschaftlichen Eingestums von Privaten und offentlichen Korperschaften gemeisan augeubt wird”.
Assim, PASSOW admite como tranqüila, baseado na lei e na doutrina alemã, a participação municipal, mas entende que devem estar presentes as entidades públicas na parte do capital e na parte de administração, como a definição citada consigna.
Não se afasta, substancialmente, do conceito de PASSOW, o oferecido por TEMÍSTOCLES CAVALCANTI, como se constatará da seguinte transcrição: “A sociedade de economia mista é aquela em que se verifica sob uma estrutura de direito privado a participação financeira de uma pessoa pública e dos particulares, regendo-se por normas especiais e organizada a sua administração de forma a conciliar os interêsses econômicos dos sócios com o interêsse público, representado êste pela participação da pessoa de direito público na constituição do capital da emprêsa e na sua administração” (“Tratado de Direito Administrativo”, IV, pág. 336).
10. A participação da pessoa jurídica de direito público na administração da sociedade tem sido pacificamente admitida por tôda parte.
Assim expõem RIPERT, como já se mostrou no início dêste trabalho, PASSOW, PIROU, ROGER BONNARD, STIER-SOMLO, MAURICE FELIX, TEMÍSTOCLES CAVALCANTI, MIRANDA VALVERDE, e RUGGIERO chega mesmo a falar da possibilidade de administradores até da participação do capital: “Quando in una società per azioni hanno participazione lo Stato o altri enti pubblici l’atto costitutivo può conferire ad essi la facoltà di nominare uno o più amministratore o sindaci. Ciò può avvenire anche in mancanza di participazione azionaria” (RUGGIERO, “Istituzioni di Diritto Privato”, II, pág. 330).
No mesmo sentido expõe ZANOBINI (“Corso di Diritto amministrativo”, V, página 231), e FLEINER também ensina que em virtude de o Estado ou Município participarem do capital, tornam-se membros da sociedade e exercem influência sôbre a gestão da mesma (FLEINER, ob. cit, página 83).
HENRI ZHAHLEN, no seu famoso livro “De l’Etat”, igualmente insiste neste particular de “Sociétés Commerciales avec Participation”, de participação na administração: “Une entreprise de la direction de la quelle participent des personnes publiques, qui ont en vue l’intérêt de la communauté et des personnes privées, qui ont en vue leur intérêt particulier”.
11. No Brasil, não resta a menor dúvida, na doutrina, de que as sociedades de economia mista nascem da vontade do Estado e não da iniciativa particular, como observa OSCAR SARAIVA (artigo in “REVISTA FORENSE”, vol. 100, pág. 234), e ARNOLD WOLD registra que a administração das sociedades de economia mista é regulada pela lei que cria a emprêsa (artigo in “Rev. do Serviço Público”, agôsto, 1953, pág. 50).
Também o Prof. VICENTE RAO ensina que “o Estado, ao participar das chamadas sociedades de economia mista, sempre o faz criando para si, por lei ou contrato, uma situação especial, impondo diretrizes ou participando; predominantemente, de sua direção, o que confere a estas sociedades; embora formalmente sujeitas às leis do direito privado, uma natureza peculiar, resultante da circunstância de executarem fins ou serviços administrativos, ou estatais” (VICENTE RAO, “O Direito e a Vida dos Direitos”, I, pág. 361).
E o eminente MIRANDA VALVERDE igualmente esclarece que no Brasil as sociedades de economia mista têm sido criadas por leis especiais, com derrogações do direito comum, a fim de assegurar ao Estado o contrôle da administração (artigo in “REVISTA FORENSE”, vol. 102, página 419).
Enquanto isso, o ilustrado consultor geral da República, CARLOS MEDEIROS SILVA, sustenta o cunho privado das sociedades de economia mista, de tal maneira que qualquer desvio das normas legais peculiares às sociedades de natureza mercantil deve resultar de texto expresso de lei (parecer in “REVISTA FORENSE”, volume 145, pág. 100), ainda que reconheça que as sociedades de economia mista, como as autarquias, nascem da vontade estatal (parecer in “Rev. do Serviço Público”, outubro, 1953, pág. 114).
Ora, justamente estas leis de constituição de emprêsas mistas têm sido quase regra geral na criação destas sociedades, importando que não será admissível aplicar os textos da lei das sociedades por ações em pontos resolvidos pela “lei de autorização” (parecer de SEABRA FAGUNDES, in “REVISTA FORENSE”, volume 146, pág. 87).
Tôda esta exposição doutrinária decorre da circunstância de não existir entre nós contribuição legislativa a respeito da forma e estrutura das sociedades de economia mista.
12. Há, todavia, no particular de legislação sôbre sociedade de economia mista, uma consideração especial no caso de participação da União na constituição dos órgãos da administração dessas sociedades, quando a lei chega mesmo a prever derrogação de artigos do diploma relativo às sociedades por ações, como se verificado dec. lei nº 2.928, de 1940, que exclui a aplicação obrigatória do arts. 127, I, e 130 do dec. lei nº 2.627, também de 1940, cujos dispositivos serão regulados pelos próprios estatutos.
Assim, a exame dos livros, papéis da sociedade, estado da caixa, e as reservas legais deduzidas dos lucros líquidos, serão livremente fixados pelos estatutos, nas sociedades de economia mista nas quais a União interfira diretamente em sua administração.
IV Capitais e administração
13. A sociedade de economia mista, portanto, deve contar com o capital de entidades públicas e a participação destas em sua administração, sendo, em geral, muito comum estar ligada a atividades próprias da pessoa jurídica de direito público que tomou a iniciativa de sua organização.
Em voto vencedor, na reclamação número 96, junto ao Supremo Tribunal Federal, o ministro GOULART DE OLIVEIRA afirmava: “No que concerne às sociedades de economia mista, justa a ponderação de que, regidas embora, em suas linhas mestras, pela legislação federal, pressupõem, para sua existência e funcionamento, a iniciativa estadual, desde que ligadas as suas atividades aos serviços do Estado” (“REVISTA FORENSE”, vol. 125, pág. 132).
O Supremo Tribunal Federal, portanto, neste acórdão, inclina-se para a orientação doutrinária de que para a existência da sociedade de economia mista torna-se necessária a iniciativa da pessoa jurídica de direito público em campo de sua atividade. Sem esta iniciativa da entidade pública não se caracteriza a emprêsa de economia mista.
14. Nesta altura já se pode ir tirando as seguintes conclusões, para que se caracterize uma sociedade de economia mista:
a) iniciativa de pessoa jurídica de direito público;
b) participação da entidade pública na administração mediante nomeação de representante ou através do contrôle direto da maioria das ações, ou as duas hipóteses simultâneamente;
c) ligação em geral a um serviço público;
d) participação do capital público;
e) participação do capital privado.
Êstes elementos aplicam-se tanto para a União, para os Estados, como para os Municípios. De sorte que, se a iniciativa fôr do Estado, participando o mesmo da administração, e no caso de eventual participação de municipalidades com capital sem participar da administração, resultará que, ao se afastar o Estado, desaparecerá a sociedade de economia mista, ainda que as municipalidades permaneçam com o seu capital.
Igualmente, em uma sociedade de economia mista de iniciativa municipal, com representantes do Município na direção da emprêsa, e com quota de capital do Estado, desde que o Município se retire da emprêsa, a sociedade deixará de ser de economia mista, ainda continuando a quota do Estado, porém afastado da administração, ou não possuindo seu contrôle por meio de maioria de ações.
15. Uma sociedade de economia mista será federal, estadual ou municipal, de acôrdo com a preponderância de cada uma destas entidades na formação do capital e na participação da administração. Será municipal, mesmo havendo capital estadual ou federal, se o Município tiver o contrôle da administração e a maioria das ações, e o mesmo critério deverá ser aplicado quanto ao Estado e à União.
O afastamento da entidade pública responsável pela iniciativa de criação da emprêsa mista importará em que desapareça o seu capital e o seu contrôle da administração, assim descaracterizando a sociedade de economia mista. Caso participem outras entidades públicas, desde que as mesmas não tenham representantes na administração e nem o contrôle da maioria das ações, torna-se clara a inexistência da emprêsa mista.
Assim, caso o Estado se retire e os Municípios não tenham participação na administração e nem o seu contrôle, em uma sociedade de economia mista de iniciativa estadual, esta emprêsa terá perdido a característica de uma sociedade de economia mista.
No caso de participação minoritária, da entidade pública na formação do capital, nada impede que a lei de autorização da emprêsa mista estabeleça a participação obrigatória de representantes das entidades públicas, ou ao menos daquela que teve a iniciativa da constituição da emprêsa, na sua administração. Ora, neste caso, a ausência da entidade pública na administração também descaracteriza a companhia mista.
V
16. A conclusão inevitável da análise realizada é de que, apesar de funcionar sob a égide do direito privado e de expressamente desejar ser uma entidade privada, a sociedade de economia mista lógica e inevitavelmente coloca-se em zona de tangenciamento dos domínios do direito público e privado.
E RAYMOND RACINE ainda vai além, quando abertamente as coloca na órbita dos direito público: “Dares la mesure où, sur la base de ce qui précède, de telles sociétés remplissent les conditions que requient un service public, à savoir: 1º organisation suppléant à l’insuffisance de l’initiative privée; 2°, emploi éventuel de prérogatives de l’autorité publique; 3º, satisfaction régulière et continue d’un besoin collectif, primant ipso facto les dispositions du droit privé dont relévent les sociétés commerciales, la société d’économie mixte appartient bien au domaine du droit public” (R. RACINE, ob. cit., página 23).
17. Estas considerações de RAYMOND RACINE são confirmadas por aresto do Tribunal Federal suíço quanto a uma sociedade de economia mista que explorava uma ferrovia: “En sa qualité de société anonyme, la défenderesse, à savoir l’exploitation d’un chemin de fer, n’est pas une entreprise de droit privé ordinaire, elle a, au contraire, dans une très large mesure le caractere d’un entreprise publique” (apud RACINE, loc. cit.).
E RACINE informa que êste acórdão fêz jurisprudência para tôdas as sociedades comerciais públicas ou semipúblicas que exploram serviços públicos, como as emprêsas de energia elétrica, de distribuição de água, de gás, etc. (ob. cit., página 24).
18. Neste particular de serviço explorado pela entidade que teve a iniciativa de criação da sociedade de economia mista, não se deve deixar de repetir, porque também colhendo na espécie, a nosso ver, a observação do Prof. DARCI BESSOME sôbre as autarquias, de que a circunstância de ser direta ou indireta a administração não lhe subtrai o caráter de administração pública (DARCI BESSONE, “Contribuição ao Serviço Jurídico do Estado”, pág. 139.)
Parece-nos que uma sociedade de economia mista explorando um serviço de utilidade pública está, na realidade e no exercício indireto de uma função pública, o que, todavia, não lhe subtrai o caráter de administração pública.
Êsse exercício indireto de funções públicas está bem delineado por ZANOBINI (“Corso di Diritto Amministrativo”, III, pág. 301), e BUTTGENBACH demonstra com clareza que são elementos fundamentais da definição do serviço público: 1, a iniciativa de criação; 2, a direção do poder público (artigo, in “Rev. do Serviço Público”, julho, 1953, pág. 71).
Ora, a sociedade de economia mista resulta de iniciativa do poder público, que,
regra geral, sôbre a mesma mantém contrôle satisfatório ou direção imediata.
19. Também no Brasil já se fazem ouvir opiniões no sentido de ser classificada a sociedade de economia mista como parestatal, ainda que, segundo RUI DE SOUSA, “nesse plano, tendo como pressupostos a definição legal e os característicos próprios, intrínsecos, as entidades parestatais seriam organismos quase-públicos, mas sujeitos, na carência de expresso texto legal, às normas de direito “privado”, sem que se confundam com o Estado (“Serviços do Estado e seu regime jurídico”, in “Jurisprudência Minera”, volume II, ns. 5 e 6, pág. 791).
E ALIOMAR BALEEIRO observa que as sociedades de economia mista estão submetidas quase ao regime de direito administrativo especial, “porque o govêrno é o seu maior acionista e também por que escolhe os seus diretores e lhes dá certas imunidades e regalias, colocando-as na zona de osmose entre o direito público e o direito privado” (apud JOSÉ DUARTE, “A Constituição Brasileira de 46”, vol. II, pág. 63).
20. De grande importância nesta direção, o fato da Constituição federal, no art. 141, § 38, estabelecer o seguinte:
“Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos do patrimônio da União, dos Estados, dos Municípios, das entidades autárquicas e sociedades de economia mista”.
Ora, o parágrafo citado, como ensina TEMÍSTOCLES CAVALCÂNTI, institui a ação popular, preceito de aplicação auto-executória (“Constituição Federal Comentada”, vol. III, pág. 265) e constitui circunstância de excepcional importância, para a caracterização das sociedades de economia mista, estarem as mesmas consignadas na Carta Magna e sob o alcance da fiscalização de qualquer do povo. Trata-se de regra, a instituída pelo § 38, que possui tôda generalidade, orienta PONTES DE MIRANDA, e o direito existente como seu conteúdo não pode ser limitado pelas Constituições estaduais (“Comentários à Constituição de 46”, volume III, pág. 381).
21. RIPERT dizia com muita propriedade que as sociedades de economia mista representam uma socialização disfarçada e tudo indica que a sua linha de evolução é a de completa absorção pelo Estado. E no presente estas sociedades cedem terreno às sociedades comerciais públicas, assim caracterizadas por ARENA: surgem da vontade da lei declarada de direito público, capital pertencente a entidades públicas com responsabilidade de participantes só no limite da quota subscrita, sujeitas a contrôle ministerial, com representante do govêrno em sua administração e tendo os seus estatutos aprovados pelo poder público (ARENA, ob. cit., págs. 38-39).
Ou a formulação oferecida por BILAC PINTO, que denuncia “o declínio das sociedades de economia mista e advento das modernas emprêsas públicas”: “forma de emprêsa comercial, de propriedade e direção exclusivamente governamentais e com personalidade jurídica de direito privado” (artigo in “REVISTA FORENSE”, vol. 147, pág. 17).
Em ambos os casos, a sociedade de economia mista que parecia ao Prof. COPPERT, em 1924, um organismo providencial, oriundo não do desejo das entidades públicas de livrarem-se de uma carga pública, mas resultando de duas fôrças provenientes de tendências que vão uma ao encontro da outra, sem conflito, para realizarem conjuntamente (HEINRICH COPERT, “Staat und Wirtschaft”, pág. 17), terá chegado ao apogeu, e, na linha de sua última conseqüência, abre caminho a novas formas de intervenção do Estado no domínio econômico, como, aliás, revelam as centenas de government carporations, de capital estatal, que proliferam nos Estados Unidos.
Autor: Válter T. Aluares
LEIA TAMBÉM O PRIMEIRO VOLUME DA REVISTA FORENSE
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 1
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 2
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 3
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 4
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 5
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 6
NORMAS DE SUBMISSÃO DE ARTIGOS
I) Normas técnicas para apresentação do trabalho:
- Os originais devem ser digitados em Word (Windows). A fonte deverá ser Times New Roman, corpo 12, espaço 1,5 cm entre linhas, em formato A4, com margens de 2,0 cm;
- Os trabalhos podem ser submetidos em português, inglês, francês, italiano e espanhol;
- Devem apresentar o título, o resumo e as palavras-chave, obrigatoriamente em português (ou inglês, francês, italiano e espanhol) e inglês, com o objetivo de permitir a divulgação dos trabalhos em indexadores e base de dados estrangeiros;
- A folha de rosto do arquivo deve conter o título do trabalho (em português – ou inglês, francês, italiano e espanhol) e os dados do(s) autor(es): nome completo, formação acadêmica, vínculo institucional, telefone e endereço eletrônico;
- O(s) nome(s) do(s) autor(es) e sua qualificação devem estar no arquivo do texto, abaixo do título;
- As notas de rodapé devem ser colocadas no corpo do texto.
II) Normas Editoriais
Todas as colaborações devem ser enviadas, exclusivamente por meio eletrônico, para o endereço: revista.forense@grupogen.com.br
Os artigos devem ser inéditos (os artigos submetidos não podem ter sido publicados em nenhum outro lugar). Não devem ser submetidos, simultaneamente, a mais do que uma publicação.
Devem ser originais (qualquer trabalho ou palavras provenientes de outros autores ou fontes devem ter sido devidamente acreditados e referenciados).
Serão aceitos artigos em português, inglês, francês, italiano e espanhol.
Os textos serão avaliados previamente pela Comissão Editorial da Revista Forense, que verificará a compatibilidade do conteúdo com a proposta da publicação, bem como a adequação quanto às normas técnicas para a formatação do trabalho. Os artigos que não estiverem de acordo com o regulamento serão devolvidos, com possibilidade de reapresentação nas próximas edições.
Os artigos aprovados na primeira etapa serão apreciados pelos membros da Equipe Editorial da Revista Forense, com sistema de avaliação Double Blind Peer Review, preservando a identidade de autores e avaliadores e garantindo a impessoalidade e o rigor científico necessários para a avaliação de um artigo.
Os membros da Equipe Editorial opinarão pela aceitação, com ou sem ressalvas, ou rejeição do artigo e observarão os seguintes critérios:
- adequação à linha editorial;
- contribuição do trabalho para o conhecimento científico;
- qualidade da abordagem;
- qualidade do texto;
- qualidade da pesquisa;
- consistência dos resultados e conclusões apresentadas no artigo;
- caráter inovador do artigo científico apresentado.
Observações gerais:
- A Revista Forense se reserva o direito de efetuar, nos originais, alterações de ordem normativa, ortográfica e gramatical, com vistas a manter o padrão culto da língua, respeitando, porém, o estilo dos autores.
- Os autores assumem a responsabilidade das informações e dos dados apresentados nos manuscritos.
- As opiniões emitidas pelos autores dos artigos são de sua exclusiva responsabilidade.
- Uma vez aprovados os artigos, a Revista Forense fica autorizada a proceder à publicação. Para tanto, os autores cedem, a título gratuito e em caráter definitivo, os direitos autorais patrimoniais decorrentes da publicação.
- Em caso de negativa de publicação, a Revista Forense enviará uma carta aos autores, explicando os motivos da rejeição.
- A Comissão Editorial da Revista Forense não se compromete a devolver as colaborações recebidas.
III) Política de Privacidade
Os nomes e endereços informados nesta revista serão usados exclusivamente para os serviços prestados por esta publicação, não sendo disponibilizados para outras finalidades ou a terceiros.
LEIA TAMBÉM: