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A lâmpada da advocacia está sob o cesto – lucerna sub modio

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A lâmpada da advocacia está sob o cesto –  lucerna sub modio –

Gladston Mamede
Gladston Mamede

15/12/2023

Uma coisa que as crises fazem é estimular as pessoas a repensarem sua vida. Não é diferente nas crises econômicas e nas crises empresariais. Elas fazem com que os atores mercantis sejam obrigados a focar em seu modelo de negócio e, mesmo, nos seus propósitos corporativos. Deveriam se preocupar, igualmente, com suas estruturas jurídicas, embora isso seja raro. Salvo nas grandes corporações, nomeadamente transnacionais e empresas de capital aberto, não há uma cultura de reexame jurídico: não é usual incluir referências jurídicas no esforço de repensar a corporação. Já naquelas exceções, as plataformas normativas (atos constitutivos, pactos parassociais e regulamentos) são personalizados e não documentos de mera adesão que, pretendendo servir a qualquer um, acabam não servindo a ninguém. 

Obviamente, estamos diante de uma falha do mercado brasileiro e seus atores. Mas é lugar comum destacar que as deficiências são, pelo anverso, contextos de oportunidades. Se falta, é possível preencher. Assim, a falha da empresarial brasileira acaba por dar origem e existência a um largo espaço profissional para a advocacia: estruturação de empresas; aliás, estruturação e reestruturação, que são dois momentos de um mesmo agir advocatício. A verdade é que há milhões de empresas – sim, milhões! – que carecem dessa assessoria, desse trabalho, mas não o buscam. E não o buscam porque não sabem que precisam. Lucerna sub modio: uma lâmpada que, acesa, foi colocada debaixo de um cesto, citando Mateus (5:15). 

Esses serviços de advocacia (criar um arcabouço normativo personalizado que dê melhor tradução e proteção para a corporação e para a empresa) não são bem compreendidos por seus destinatários. E por não saber o que são e a que servem, não se interessam. Não é um fenômeno isolado da advocacia: todos os prestadores de serviços têm nas gavetas serviços de grande utilidade, mas pouco vendidos. Eis a demanda mais elementar que levou à criação da publicidade e da mercadologia: no mínimo, dar a conhecer. Saber que existe, para que serve e quão pode ser útil. O desinteresse pode não passar de desconhecimento embaciado. Então, não é recusa; não passa de um querer/é claro! Mas um querer adormecido em não-saber-que-existe e/ou não-saber-para-que-existe

Claro que ensinar é indispensável. Se não há um sentimento agudo de curiosidade pelo cliente (o empresariado), há que fazer o caminho inverso e pregar, aconselhar, exortar, demonstrar. Médicos já o fazem há muito. É urgente um aconselhamento que estimule a compreensão do ganho de constituir bases jurídicas que melhor se encaixem em seus perfis. Alguns poucos escritórios têm canais (ou ambientes) digitais que procuram explicar o que é, quais são os riscos e os ganhos, isto é, que procuram maior interação com os atores do mercado, trabalhando para reverter tal incompreensão a respeito de uma tecnologia jurídica tão útil (a nosso ver, mais do que isso: necessária). Menos ainda são as bancas que trabalham de maneira híbrida para atender a curiosidade da praça, dispondo de profissional(is) que, de forma didática, vão ao potencial cliente para mostrar a relevância da matéria e esclarecer dúvidas, compreendendo a experiência pessoal de cada um, fazendo estimativas sobre atos a serem realizado e os valores a se investir: estruturação jurídica não é custo, é investimento

Desafio da estruturação jurídica

O desafio é: para o empresário ou o gestor comum, parece que pode ser assim mesmo, sem grandes preocupações: a infraestrutura jurídica (seu ato constitutivo e demais plataformas normativas) da empresa é um detalhe menor (sic!). Entretanto, sem poder fugir do óbvio que nos escraviza, é preciso chamar atenção: tudo vai bem enquanto vai bem. Quando o problema aparece é que se percebe que lá esteve desde o começo, esperando apenas a oportunidade de se manifestar e causar danos; então, a crise galopa solta e não-seis e não-sabias são lamuriados. Lembramo-nos de dois sócios minoritários que se queixavam por estarem alijados da sociedade: o majoritário mandava e desmandava, como se não existissem, vencendo-os em todas as deliberações, embora prestando as contas anuais. Perguntavam o que poderiam fazer, mostrando um ato constitutivo genérico, desses que apenas reiteram o óbvio e largam tudo para a lei. Como era uma sociedade contratual (sociedade limitada), podiam sair (exercer o direito de recesso do artigo 1.029, com apuração de haveres) ou ficar, mantidas as coisas como estavam. Se queriam algo diverso, deveriam ter feito constar do ato constitutivo (plataforma normativa primária) ou de acordo de sócios (plataforma normativa secundária). Como não deram importância a isso, quando era o tempo de dar importância, deveriam aceitar a vala comum da regência legal. Noutras palavras: a casa mostrava suas trincas, seus desníveis, seus riscos de vir abaixo.

Mas se a cultura empresarial brasileira é esta, é tarefa da classe advocatícia mostrar ao empresariado não só sua utilidade no foro (no contencioso), mas também na consultoria e na assessoria jurídica (incluindo os procedimentos de estruturação e reestruturação jurídicas). A experiência estrangeira (bem como das grandes bancas e seu trabalho junto a grandes empresas) indica que há boas perspectivas. Bancas menores, trabalhando com empresas médias, já veem um aumento de demanda. Afinal, há uma verdade inexorável: empresas necessitam de advogados; há um risco elevado em fazer de qualquer jeito ou do jeito que diz por aí. Muitos empresários confiantes no seu jeito de fazer (ou em qualquer jeito), trazem histórias complicadas que resultam da falta de proteção – de cobertura jurídica – para seus negócios: falta de profissionalismo jurídico: o que se obtém contratando um advogado empresarialista. Esses investidores precisam de um despertador de consciência: amadurecer em suas funções implica não se julgarem os sabe-tudo, os todo-poderosos.

– Pode deixar que vou fazer do meu jeito e vai dar tudo certo e vai sair bem mais barato. Você vai ver.

Isso não é investir. Isso é jogar. E entregar-se às ilusões inconsequentes para delas se tornar um brinquedo, seduzidos por certa pretensão de onipotência tão própria das tragédias. Algo que, aliás, não se vê nos executivos consagrados de corporações efetivamente relevantes. Esses sabem que, frequentado como se fosse um cassino, o mercado pode ser cruel. É um filme repetido que enfastia de tanto ter sido visto em tudo em quanto é lugar: nas varas especializadas em falência, nas varas especializadas em execuções fiscais, nas execuções bancárias, na Justiça do Trabalho, nos cartórios de protesto, nos cadastros negativadores de crédito. Sobre as portas do inferno, narra Dante Alighieri, está escrito: Lasciate ogni speranza, voi ch’entrate: “vocês que entram, larguem [aí fora] toda esperança.” A advocacia empresarialista precisa trabalhar com afinco para salvar empresas e empresários. Afinal, ao contrário do discurso corrente, empreender não é assumir o pior dos mundos. Não quando é feito da maneira correta, inclusive considerando o Direito. É preciso aprender a empreender com segurança jurídica.

Ser capaz de ofertar o serviço de forma assertiva é uma virtude profissional. O desafio é deixar patente a vantagem, o benefício, o ganho de qualidade, sem esquecer de demonstrar o risco existente, a encorajar uma mudança comportamental. Isso permite ao cliente medir o investimento e aquilatar os resultados. No plano da advocacia empresarial, estamos falando em oferecer uma cobertura de serviços que, sendo constante, trabalha por cuidar da empresa, de sua higidez, das condições jurídicas para o seu sucesso empresarial (e o sucesso não é matéria jurídica, mas de outras ciências; as condições que podem garanti-lo, sim, podem ser jurídicas; temos que aprender isso). O empresariar já oferece tantos riscos (de mercado), tantas demandas (não-jurídicas), experimenta tantas expectativas, incertezas; para que somar a tudo isso um risco jurídico que pode ser evitado?

A advocacia terá que construir – ou ampliar – as pontes com o empresariado para ganhar espaço para a estruturação jurídica das atividades negociais. Mas não é só: advogados terão que assimilar ou consolidar um conhecimento específico e a respectiva forma de trabalhar para atender ao nicho de mercado. E isso implica parar de pensar como quem argumenta e pede (peticiona) e evoluir para um pensamento/discurso propositivo, em boa medida composto por uma redação normativa, como demonstramos em Estruturação Jurídica de Empresas (Atlas, 2024). Essa postura tende a levar a um crescimento do mercado advocatício, em boa medida estrangulado por uma indevida limitação ao contencioso, como se o conflito fosse a origem do Direito. Não. Não é.

Por isso chamamos a atenção para os benefícios de uma visão integrada quando se trabalha com assessoria e consultoria jurídica empresariais. O contencioso é reativo, inclusive face ao contraditório. Planejamento e acompanhamento jurídicos devem ser proativos, propositivos. Não é combate, é construção e condução. E não se trata de afirmação que se limite ao Direito Societário.  Advogados que acompanham o cotidiano empresarial – seja por compor o respectivo Departamento Jurídico, seja em virtude de uma advocacia de partido – precisam perceber ser uma virtude saber assimilar e trabalhar aspectos e questões cogentes que são à atividade negocial. É um fator de qualidade do serviço e, em muitas oportunidades, a característica profissional que leva à contratação: o administrador ou gerente percebe o benefício de uma orientação jurídica para o funcionamento e atuação cotidianos. E o conteúdo desse trabalho varia de caso a caso, podendo até  incluir o mapeamento de riscos, custos, incidentes prováveis; some-se a possibilidade de transformação voluntária ou decorrente do impacto de fatores externos (inclusive de mercado), entre outras referências. Aqui também há que tomar a empresa como um processo, ou melhor, como um feixe de processos complementares.

O trabalho de estruturação jurídica faz-se seguindo método próprio, específico. Vamos partir do olhar habitual de um empresário ou administrador societário, bem como de um gestor empresarial. São múltiplos filões que podem ser explorados, os  cenários potenciais, são variadas as estratégias que podem ser adotadas, os valores envolvidos, os produtos e/ou serviços que se pode oferecer, assim como também há amarras, ambientes adversos, adequações recomendáveis, segmentações etc. Em meio a tudo isso, estão as normas jurídicas e elas devem ser consideradas não só para evitar problemas, mas como caminhos que podem ser melhores ou piores: não só proteção, mas oportunidades. Eis um viés pouco observado: a advocacia tem um produto/serviço que é indispensável para contribuir para a superação da crise ou, fora dela, para oferecer instrumentos de garantia, de segurança, senão mesmo incentivos aos bons resultados; mas é um benefício pouco conhecido.

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