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A importância do planejamento sucessório
Fabio Pereira da Silva
06/08/2024
O planejamento sucessório é um dos pilares que envolvem a constituição de uma Holding familiar, por possibilitar a organização prévia e cuidadosa da transferência do patrimônio aos herdeiros e, especialmente, proporcionar uma sucessão eficaz na condução dos negócios de eventual empresa que integre o conjunto de bens, reservando aos patriarcas a responsabilidade de determinar em vida o destino de seu patrimônio.
O planejamento revela-se, ainda, fundamental na proteção dos bens da família para garantir sua perenidade, pois permite ao patriarca e à matriarca meios de resguardar o patrimônio de eventos imprevistos, tais como divórcios e até mesmo passamento de herdeiros, que muitas vezes acabam por comprometer a entidade familiar em razão da disputa por bens.
Mamede (2022, p. 122) oferece uma noção abrangente da importância do planejamento sucessório:
“(…) o planejamento sucessório ainda permite aos pais proteger o patrimônio que será transferido aos filhos por meio de cláusulas de proteção (cláusulas restritivas). Assim, para evitar problemas com cônjuges, basta fazer a doação das quotas e/ou ações com cláusula de incomunicabilidade e assim os títulos estarão excluídos da comunhão (artigo 1.668 do Código Civil), embora não se excluam os frutos percebidos durante o casamento (artigo 1.669); no caso dos títulos societários (quotas ou ações) esses frutos são dividendos e juros sobre o capital próprio.”
É possível ainda orquestrar de maneira eficiente a condução da empresa da família, pois nem sempre os herdeiros estão capacitados para assumir a gestão empresarial no momento da sucessão, por isso a ausência de um planejamento sucessório eficaz pode ocasionar sérios riscos à saúde financeira da sociedade.
Cabe destacar mais uma vez os ensinamentos de Mamede (2022, p. 113) a respeito do tema:
“O grande número de empresas familiares existentes no país, das menores (microempresas) a grandes grupos econômicos, deixa claro os riscos, para organizações produtivas, de processos não planejados de sucessão empresarial. Não é só. Do outro lado, a própria empresa experimentará o tranco dessa alteração, o baque da substituição abrupta na gestão de suas atividades, o que habitualmente tem efeitos terríveis sobre a organização.”
Nessa linha, é cediço que a sucessão patrimonial é um momento crítico na vida da família, muitas vezes envolvendo conflitos que podem colocar em risco o patrimônio a ser sucedido, especialmente no caso de empresas que podem ser entregues a quem não está plenamente preparado para geri-las.
Tampouco é seguro assumir que, durante eventual processo de inventário, a unidade familiar se manterá a salvo de desavenças em relação à divisão de bens, que poderão, igualmente, colocar em risco a saúde financeira da empresa. Não é incomum que algum herdeiro particular demonstre insatisfação e discordância quanto aos termos do inventário, desencadeando discussões intermináveis junto ao Judiciário.
Também não é despropositado afirmar que boa parte dos problemas que as empresas familiares se deparam é fruto de questões sucessórias, por vezes resultado de estruturas inadequadas (LODI, 1988). Não por outro motivo, muitas empresas de sucesso passam a apresentar dificuldades econômicas durante e após a sucessão. Podemos assumir, portanto, que o planejamento sucessório é uma atividade preventiva, conforme sustenta Daiille Costa Toigo (2016, p. 22):
“Por sua vez, o planejamento sucessório empresarial surge como uma atividade preventiva com o objetivo de adotar procedimentos, ainda em vida do titular da herança, para o destino de seus bens e da empresa após a sua morte, e com isso muitos problemas e dissabores podem ser evitados aos herdeiros e sucessores, de modo a proporcionar-lhes conforto e segurança em relação à herança e perpetuidade empresarial.”
Assim, o planejamento torna-se a chave para o sucesso e perpetuação do patrimônio familiar, uma vez que antecipa as medidas necessárias para que a sucessão aconteça de forma menos traumática do que ocorreria no caso de aposentadoria em razão de problemas de saúde ou mesmo passamento do patriarca ou da matriarca. Evitam-se ou minoram-se, portanto, por meio de um planejamento sucessório bem-sucedido, os litígios que podem surgir em razão da insatisfação dos herdeiros em relação aos termos da sucessão, o que muitas vezes pode levar empresas que compõem o acervo de bens à completa bancarrota, seja em decorrência das desavenças ou mesmo por falta de preparo de gestão empresarial dos herdeiros.
Conveniente lembrar que o processo de inventário pode se arrastar durante anos, caso os herdeiros não se entendam acerca da divisão dos bens. O procedimento pode ser recheado de conflitos, o que é extremamente gravoso, especialmente se, como foi dito, entre os bens a serem sucedidos houver uma sociedade empresarial. Isso porque, durante o processamento do inventário, a empresa poderia acabar por ser administrada pelo inventariante, nem sempre preparado para o exercício da função.
Some-se a isso o fato de que, em muitos casos, a sucessão pode ter como consequência o condomínio, ou seja, duas ou mais pessoas passam a ser proprietárias em conjunto de um determinado bem, dificultando, por exemplo, a sua venda. Tanto pior se os bens em discussão forem quotas ou ações de empresas, uma vez que, por serem indivisíveis e somente oferecer um voto por quota, pode atravancar as deliberações societárias se os proprietários em condomínio não tiverem interesses convergentes, especialmente nos casos em que ausente acordo entre quotistas.
Outro inconveniente relacionado ao processo de inventário refere-se aos custos que lhe são inerentes. Embora o planejamento sucessório com base na constituição de uma Holding familiar também acarrete custos de honorários de assessoria jurídica e ITCMD, dentre outros, tema que será analisado no tópico de questões tributárias, no inventário, há necessidade de pagamento de custas judiciais, além do mencionado tributo, inerente a qualquer espécie de transmissão.
Em se tratando de inventário, e justamente em razão da necessidade do recolhimento do referido imposto, sob pena de suspensão e atraso do processo, em muitas oportunidades, a família acaba por ter que se desfazer de um bem para fazer frente aos custos da ação, o que poderia ser evitado se houvesse um planejamento prévio. Com efeito, é possível programar o pagamento dos custos relacionados à constituição da Holding de acordo com a conveniência dos patriarcas, podendo-se evitar a alienação de uma parte do patrimônio familiar unicamente com o objetivo de custeio do inventário.
Não se pode deixar de mencionar ainda, a possibilidade de aumento da alíquota de ITCMD, o que encareceria os custos do inventário. Tomemos como exemplo o Projeto de Lei 250/2020 do Estado de São Paulo para ilustrar tal possibilidade. Atualmente, a alíquota do imposto de transmissão causa mortis e doações no estado é de 4%, ao passo que referido projeto de lei dispõe sobre a aplicação de alíquotas progressivas entre zero e 8% sobre o patrimônio a ser
transferido. É válida a menção, ademais, à Emenda Constitucional 132/2023, conhecida como “Emenda da Reforma Tributária”, que modifica o Sistema Tributário Nacional e, dentre outras medidas, estabelece que o ITCMD será “progressivo em razão do valor do quinhão, do legado ou da doação” (art. 155, § 1º, VI, da CF). A antecipação da sucessão, portanto, pode ser uma estratégia eficaz e legítima para obstar o aumento do custo sucessório em razão de futuros aumentos da alíquota do imposto de transmissão.
Importante que se diga que existe, alternativamente ao inventário judicial, a possibilidade de a sucessão de bens ser procedida por inventário administrativo, conduzido pelo Cartório de Notas por escritura pública, conforme autorização trazida pela Lei 11.441/2007. Nesse caso, evitam-se as custas judiciais, que são, regra geral, superiores às custas cartoriais, além do procedimento ser célere e desburocratizado. Ocorre, contudo, que o inventário administrativo exige herdeiros capazes e consenso em relação à divisão de bens.
Como o consenso entre os herdeiros sobre a partilha dos bens nem sempre ocorre, por vezes, o inventário administrativo se torna inviável, obrigando as partes a discutir no Poder Judiciário a sucessão, com todos os inconvenientes mencionados anteriormente.
Ademais, segundo o art. 610 do Código de Processo Civil (CPC), na presença de testamento (público e particular), deve-se proceder ao inventário judicial, ou seja, seria vedada a opção pelo procedimento extrajudicial. Não obstante, no julgamento do Recurso Especial 1.808.767/RJ,1 o STJ decidiu pela possibilidade de se realizar o inventário extrajudicial nessas hipóteses. Segundo o Tribunal, caso os herdeiros sejam maiores de idade e concordes, além de devidamente acompanhados de seus advogados, nada obsta a realização do inventário extrajudicial, ainda que na presença de testamento. Isso porque o procedimento tem exatamente o objetivo de desafogar o Poder Judiciário e garantir via mais célere para a resolução da sucessão. Logo, não havendo conflito de interesses, não há razões para impedir que herdeiros, maiores interessados, optem pela via administrativa.
Oportuno destacar, entretanto, que a hipótese do patriarca e da matriarca elaborarem testamento para a sucessão de seus bens não é livre de riscos. Há chances de desentendimentos familiares gerados pela divisão contida no documento, incluindo a possibilidade de eventual ação judicial questionando os termos ali constantes, o que implicaria os mesmos riscos e dificuldades já expostos. Ainda assim, não é conveniente se descartar a possibilidade de lavratura de testamento organizando a sucessão, haja vista que, em alguns casos, em que não é indicada a antecipação de legítima, o documento acabará por servir de instrumento de planejamento sucessório, conforme veremos adiante.
Por todos esses problemas, o planejamento sucessório nos parece ser imprescindível. A partir dele, o patriarca e a matriarca planejam o futuro do patrimônio da família e a continuidade dos negócios empresariais, tendo como vantagens, dentre outras: proteção do patrimônio contra a interferência de terceiros; escolha do herdeiro mais capacitado para dar continuidade à administração da empresa familiar; ausência ou redução de conflitos no momento da sucessão, especialmente aquela que decorre da morte de um dos patriarcas, e dos custos decorrentes do processo de inventário; planejamento do pagamento dos tributos advindos da sucessão, e a não necessidade de realizar condomínio de bens e alienação de um bem da família para pagamento de impostos e despesas processuais.
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NOTAS
1 Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=187671&num_registro_2019011&data=20191203&formato=PDF. Acesso em: 27 jul. 2022.