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Inelegibilidade por Convicção Política

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REVISTA FORENSE 155

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22/11/2022

REVISTA FORENSE – VOLUME 155
SETEMBRO-OUTUBRO DE 1954
Semestral
ISSN 0102-8413

FUNDADA EM 1904
PUBLICAÇÃO NACIONAL DE DOUTRINA, JURISPRUDÊNCIA E LEGISLAÇÃO

FUNDADORES
Francisco Mendes Pimentel
Estevão L. de Magalhães Pinto,

Abreviaturas e siglas usadas
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CRÔNICA

  • Intervenção Econômica do Estado Modernorevista forense 155

DOUTRINA

PARECERES

NOTAS E COMENTÁRIOS

BIBLIOGRAFIA

JURISPRUDÊNCIA

LEGISLAÇÃO

SUMÁRIO: A reforma do Cód. Eleitoral. Conceito legal de filiação política. Cassação de registro de partidos e cassação de direitos políticos. Ressurreição do projeto constitucional. Pena perpétua. Outras violações constitucionais. Responsabilidade dos juristas. Conclusão.

Sobre o autor

Osni Duarte Pereira, juiz de direito no Distrito Federal.

NOTAS E COMENTÁRIOS

Inelegibilidade por Convicção Política

A reforma do Cód. Eleitoral

* Em todos os círculos de estudos jurídicos do pais reina intensa agitação e interêsse pelo exame do Projeto de Reforma do Cód. Eleitoral elaborado pelo senador JOÃO VILAS BOAS. A Comissão de Justiça do Senado solicitou sugestões ao egrégio Tribunal Superior de Justiça Eleitoral, que atendeu, remetendo vários alvitres. A prática decorrente das eleições já realizadas permitiu propor muitas medidas da mais alta significação, para escoimar o ato eleitoral da possibilidade de fraudes, seja no que se refere à inscrição de eleitores novos, seja quanto à emissão de segundas vias de títulos extraviados, seja quando o número de votantes não coincide com o número de sobrecartas encontradas na urna, etc. Em meio dessas judiciosas e úteis sugestões, entretanto, a colenda Côrte Eleitoral enviou uma surpreendente: que fôsse denegado o registro de candidatos que pública ou ostensivamente façam parte ou sejam adeptos de partido político cujo registro tenha sido cassado com fundamento no art. 141, § 13, da Constituição.

Lamentàvelmente, boa parte das medidas saneadoras não foram acolhidas pelo Senado, deixando várias portas abertas à fraude eleitoral, no próximo pleito. Entretanto, a última que referimos foi introduzida no Projeto Vilasboas, constituindo o art. 32 da chamada Lei Eleitoral de Emergência e por iniciativa do senador DARIO CARDOSO.

A medida, como era natural, provocou desde logo intensa discussão em todos os partidos políticos. Visa à exclusão dos membros do Partido Comunista, na disputa do próximo pleito. Mas poderá atingir componentes de quaisquer correntes partidárias, porque o qualificativo de comunista não tem um conceito preciso e varia por todos os matizes, atingindo os simples nacionalistas, os adversários dos monopólios estrangeiros, ou até meros homens da oposição governamental.

Com relativa facilidade será possível excluir qualquer competidor de pugnas eleitorais, porque, se os comunistas defendem o monopólio estatal do petróleo, a reforma agrária, a nacionalização das emprêsas de serviços públicos, o intercâmbio comercial e cultural com todos os países do mundo, a emancipação da indústria nacional e dezenas de outras teses dêsse tipo, sempre se poderá incluir na categoria de comunistas todos os que ostensivamente pugnarem por essa forma de solução dos problemas nacionais.

Não é, pois, de estranhar que em todos os partidos políticos, mesmo nos situacionistas, levantaram-se vozes autorizadas contra a perigosa medida, que é uma arma capaz de atingir a cada cidadão que eventualmente seja um adversário daquele que amanhã alcançar o poder. Sem contar os numerosos pronunciamentos de juristas de São Paulo, do Rio Grande, de Minas e de outros Estados, aqui no Rio, entre outros, ergueram seus protestos os senadores JOÃO VILAS BOAS, NESTOR MASSENA, MOZART LAGO, DOMINGOS VELASCO ALOÍSIO DE CARVALHO, KERGINALDO CAVALCÂNTI, ATÍLIO VIVACQUA; os professores JOÃO MANGABEIRA, CANUTO MENDES DE ALMEIDA, da Faculdade de Direito de São Paulo: os desembargadores HENRIQUE FIALHO e ARTUR MARINHO; o Prof. PEDRO CALMON, reitor da Universidade do Brasil; o Prof. PENTEADO STEVENSON; os deputados NÉLSON CARNEIRO, FROTA MOREIRA, BRENO DA SILVEIRA, BENEDITO MERGULHÃO, PAULO COUTO, LÚCIO BITTENCOURT, COUTINHO CAVALCÂNTI, FLÔRES DA CUNHA, ALIOMAR BALEEIRO PAULO LAURO, MENOTTI DEL PICCHIA, IRIS MEINBERG, JARBAS MARANHÃO, CASTILHO CABRAL, ARI PITOMBO, ABELARDO DA MATA, AARÃO STEINBRUCK, WLADEMIR TOLEDO PIZA, GURGEL DO AMARAL, CAMPOS VERGAL, EUZÉBIO DA ROCHA, PARANHOS DE OLIVEIRA, ADAIL BARRETO, o Prof. RAUL PILA, AFONSO ARINOS, e dezenas e dezenas de outros, cuja enunciação seria apenas para testemunhar que o pensamento jurídico do Parlamento Nacional já repeliu a emenda do senador DARIO CARDOSO.

Diante de tantos pareceres e muitos da mais alta autoridade, ocioso tornou-se insistir na conclusão da absoluta inconstitucionalidade da norma sugerida.

Com efeito: o art. 32 ordena a denegação do registro de candidatos que pública ou ostensivamente façam parte ou sejam adeptos de partido político cujo registro tenha sido cassado.

Conceito legal de filiação política

Em primeiro lugar, seria necessário delimitar o que representará ser “pública ou ostensivamente adepto de partido político”. Será subscrever manifestos, pontos de vista, soluções de problemas administrativos constantes de programa do partido político? Em que documentos? Bastará uma declaração verbal em ato público? Em recinto fechado? Aberto? Diante de quantas pessoas? Que pessoas? A inexistência de critérios legais para caracterizar a filiação ao partido proibido possibilitaria, como já deixamos dito, ampliar até o infinito a aplicação do preceito legal. Em verdade, submeteria ao puro arbítrio da autoridade judiciária eleitoral a possibilidade ou impossibilidade a qualquer cidadão de candidatar-se a cargo eletivo. A vaga, ampla e imprecisa redação do art. 32 torna qualquer cidadão suscetível de incorrer na interdição de participar de pugnas eleitorais, ante os ilimitados têrmos de que se serve para configurar o que seja “adepto de partido político sem existência legal”.

A função social da propriedade é um preceito da Constituição. VALDEMAR FERREIRA, em notável conferência na Faculdade de Direito de São Paulo (“REVISTA FORENSE”, 1949, vol. 122, página 15), assinala que isto não constituiu novidade, pois, desde DUGUIT (“Les transformations générales du Droit Privé depuis le Code Napoléon”, Paris, 1912, pág. 158), o direito positivo ocidental vem gradativamente ampliando essa conceituação. O intervencionismo crescente do Estado, a desfiguração contínua dos institutos jurídicos individualistas, no direito moderno, tão magnìficamente descritos em outra excelente conferência, esta pronunciada pelo jurista JAIME LANDIM, em 20 de outubro de 1949, do Instituto da Ordem dos Advogados, sôbre “O Destino do Contrato”, e ainda no precioso livro do insigne SAVATIER, “Les Métamorphoses économiques et sociales du Droit Civil d’Aujourd’hui” (1948) e especialmente no capítulo “Le crépuscule de la mystique de la propriété” (pág. 142), fizeram HOUSTON afirmar: “Hoje somos todos socialistas, consciente ou inconscientemente”.

Recordamos essas lições, para mostrar como será difícil e quiçá impossível incluir ou excluir qualquer cidadão do rol dos sectários de um partido que busca implantar o socialismo.

Depois de enunciar as dificuldades de ordem prática, para elaborar um dispositivo, com as finalidades pretendidas pelo citado art. 32, cumpre, admitindo a possibilidade de chegar-se a uma redação satisfatória, trazê-lo para exame do Laboratório da Constituição de 1946 e apurar se resiste aos seus preceitos sôbre a liberdade do pensamento.

“É verdade que o § 13 do art. 141 da Carta Magna dispõe:

“É vedada a organização, o registro ou o funcionamento de qualquer partido político ou associação, cujo programa ou ação contrarie o regime democrático, baseado na pluralidade dos partidos e na garantia dos direitos fundamentais do homem”.

Como se vê, o texto interdita o funcionamento de uma entidade coletiva – o partido. Examinando o elemento histórico dêsse dispositivo constitucional, ainda mais claro ficará a inexistência de qualquer intenção, capaz de comprometer o cânon da liberdade de pensamento, estatuído no § 5° do mesmo art. 141 e a que, a seguir, recorreremos.

Com efeito, o Projeto dispunha:

“Art. 162. Os direitos individuais e as suas garantias, estabelecidos nesta Constituição, serão protegidos contra qualquer propaganda ou processo tendentes a suprimi-los ou a instaurar regime incompatível com a sua existência”.

Sem dúvida, os perigos latentes num tal preceito poderiam transformar o regime democrático buscado pelos constituintes de 1946 no mais odioso Estado fascista, de onde a Nação saíra e acabava de libertar-se. A redação do art. 162 do Projeto, como acabamos de ver, dava margem a que, a pretexto de proteger os direitos individuais e as suas garantias contra qualquer propaganda ou processo tendentes a suprimi-los, o poder público, no interêsse do partido ocupante da direção do país, acabasse por suprimir os direitos individuais e as garantias assegurados na Carta Política aos cidadãos individualmente.

Cassação de registro de partidos e cassação de direitos políticos

Por isso, duas emendas surgiram – a de n° 3.158, apresentada por CLEMENTE MARIANI, FERREIRA DE SOUSA, FERNANDO NÓBREGA, NEGREIROS FALCÃO, RUI SANTOS, ALIOMAR BALEEIRO, DERMEVAL CRUZ, VIEIRA DE MELO, ALDE SAMPAIO e outros, nos seguintes têrmos: “A lei estabelecerá as condições para o registro e funcionamento dos partidos políticos. Não será concedido, ou, se o houver sido, será cassado, o registro do partido que visar, ostensiva ou sub-repticiamente, à destruição violenta do regime democrático, baseado êste na pluralidade de partidos e na garantia das liberdades fundamentais”, e a emenda n° 3.159, subscrita por BENEDITO COSTA NETO, NEREU RAMOS, ACÚRCIO TÔRRES, BENEDITO VALADARES e GUSTAVO CAPANEMA, assim elaborada: “É vedada a organização, bem como o registro ou funcionamento de qualquer partido ou associação, cujo programa ou ação, ostensiva ou dissimulada, vise a modificar o regime político e a ordem econômica e social estabelecidos nesta Constituição”.

As modificações sugeridas, aliás por constituintes dos mais destacados, como se observa pelos nomes, tinham a cautela de impedir qualquer ação preventiva diretamente contra cidadãos. Assim, em vez de premunir de poderes contra o Indivíduo, as emendas preferiram atacar a organização de partidos ou associações antidemocráticos. Proibindo a existência de entidades contrárias ao regime vigente, desapareceria o perigo de grupos dêsse tipo galgarem o poder e destruir a Constituição a implantar. Os candidatos a cargos eletivos teriam de eleger-se por partidos com programa incorporado ao regime democrático e, respondendo cada indivíduo por seus atos, seria sempre possível punir e afastar da sociedade aquêles que pretendessem suprimir a pluralidade de partidos, instituir regimes totalitários e extinguir os direitos fundamentais do homem. Não se armaria o govêrno de prerrogativas ameaçadoras das liberdades democráticas, dando-lhe ensancha de matar com o remédio. Nem se permitiria a atividade de organismos preocupados em destruir a Constituição que se elaborava. O procedimento subversivo ao regime de cada um em particular seria crime, como os demais. Castigar-se-iam atos e não intenções, homens pessoalmente e não coletividades. Fixava-se uma norma de justiça objetiva, não permitindo que a pena excedesse à pessoa do delinqüente contra as colunas do regime democrático e fôsse atingir terceiros não participantes da trama. A tanto importaria, sem dúvida, armar o govêrno dos poderes contidos no art. 162 do Projeto de Constituição. Se “os direitos individuais e as suas garantias deveriam ser protegidos contra qualquer propaganda ou “processo tendentes a suprimi-los”, lògicamente outorgava-se ao govêrno o direito de estabelecer o regime de censura à imprensa, de restrições ao direito de reunião, a interdição de manifestação do pensamento e de disputar cargos eletivos a determinados cidadãos, formas de “proteger” êsses mesmos direitos e garantias contra “qualquer propaganda” ou “processo”, tendentes a suprimi-los.

Não discutiremos aqui a legitimidade da prerrogativa de afastar das competições eleitorais partidos que objetivassem a supressão da pluralidade de agremiações, matéria que escapa ao âmbito do presente estudo. Apenas discutiremos o texto expresso da Constituição e analisaremos o projeto de lei ordinária (novo Cód. Eleitoral de emergência) frente ao conteúdo daquela.

As emendas dos preclaros constituintes visavam ambas à defesa da Democracia.

Ressurreição do projeto constitucional

O Brasil acabava de sair das trevas de um terrível período de supressão de tôdas as garantias individuais e os constituintes de 1946 encontravam-se imbuídos da preocupação de impedir, por qualquer forma, a possibilidade do retôrno ao obscurantismo totalitário. Êste desejo empolgante manifestar-se-ia em dois pontos básicos: 1°, opor-se ao ressurgimento do fascismo; 2°, incluir na Carta Política os direitos fundamentais do homem.

O art. 162 do Projeto, como já assinalamos e convém repetir, armaria o govêrno do poder de cercear a liberdade do pensamento, a pretexto de impedir a propaganda de processos tendentes a suprimir direitos ou garantias assegurados na Constituição. Quer dizer: sob a capa de combater o fascismo, normas fascistas de repressão poderiam ser introduzidas na prática administrativa da justiça.

Contra êsse perigo, os constituintes de 1946 apresentaram as duas emendas citadas, substituindo as medidas contra as idéias, pelas medidas contra os partidos que essas idéias gerassem. As remendas que tinham o mesmo fim transformaram-se no § 13 do art. 141 da Carta Constitucional em vigor e inicialmente citado:

“É vedada a organização, o registro ou o funcionamento de qualquer partido político ou associação, cujo programa ou ação contrarie o regime democrático, baseado na pluralidade dos partidos e na garantia dos direitos fundamentais do homem”.

Pois bem. Aquilo que os constituintes de 1946 tiveram preocupação cerrada de impedir, agora pretende-se instaurar pelo art. 32 do Projeto de Cód. Eleitoral. Em vez de proibir-se ou cassar-se o registro de partido, intercepta-se a própria liberdade individual do pensamento, como fôra previsto no condenado art. 162 do Projeto de Constituição e que não mereceu acolhida na Constituinte de 1946.

Aplica-se aos cidadãos acusados de serem membros ou adeptos de partido político proibido a pena de perda de direitos conferidos na Constituição e – o que é mais grave – sem um processo regular contraditório, em que o acusado possa defender-se e recorrer, pelos meios comuns. O Projeto Eleitoral em curso não cogita do órgão ou da autoridade competente para declarar o cidadão passível da pena de inelegibilidade. Surge daí a conseqüência de que o atestado de ideologia passado pela autoridade policial será o elemento informativo, em que o juiz eleitoral terá de se louvar, para verificar se o candidato preenche, ou não, os requisitos do art. 32.

Isto significa, como muito bem acentuou o deputado NÉLSON CARNEIRO, em discurso no Parlamento, no dia 18 de junho último, que “inauguramos um novo Tribunal de Segurança Nacional. Uma simples denúncia suspenderá os direitos dos cidadãos nas vésperas do pleito, denúncia que poderá ser apresentada por um adversário político. E daqui que se prove algo, com os recursos da lei, contra essa fantasia, a eleição terá passado. Então – conclui o ilustre jurista baiana – para quem apelar?”

Contra a possibilidade de tais práticas inerentes ao Estado fascista, os constituintes de 1946 substituíram o art. 162 do primitivo Projeto de Constituição, pelo atual § 13 do art. 141. O art. 32, de autoria do senador DARIO CARDOSO, torna, pois, letra morta êsse dispositivo constitucional e torna vigente, em forma ainda mais nociva, o rejeitado art. 162.

No mesmo sentido da nossa conclusão invocamos a douta lição do eminente jurista gaúcho Dr. RAUL PILA, em seu parecer publicado na pág. 5.169 do “Diário do Congresso Nacional” de 31 de julho último, in verbis:

“O § 13 do art. 141 é uma exceção do princípio geral de direito de liberdade, consagrado na cabeça do artigo e, como exceção, não pode ser extensivamente interpretado. Se o pensamento do legislador constituinte fôsse tornar inelegíveis os cidadãos integrantes ou adeptos de partidos condenados no § 13, tê-lo-ia declarado expressamente ao tratar da perda ou suspensão dos direitos políticos. Não o tendo feito (sustenta o Prof. RAUL PILA), pode-se afirmar que não teve tal pensamento”.

E continua:

“E além de ser uma exceção, o § 13 refere-se sòmente à organização de partidos e sôbre ela exclusivamente dispõe. Como supor nêle implícita uma disposição concernente aos direitos políticos do cidadão, que dizem respeito aos indivíduos como pessoas? Os cidadãos não podem constituir certas entidades políticas, mas nem por isto deixam de ser cidadãos, no gôzo dos seus direitos”.

“Assim, é para nós óbvio que o § 13 do art. 141 nada dispõe explícita ou implìcitamente sôbre a elegibilidade ou (o que vem a dar no mesmo) o registro dos cidadãos como candidatos. Ninguém pode ser registrado evidentemente por um partido proibido; pode sê-lo, porém, por um partido legal. Pode acontecer que tal partido arrisque cair na ilegalidade de tal registro. Mas esta é outra questão e diz respeito exclusivamente ao partido”.

Não poderá haver maior clareza, nem lógica mais firme.

Visto que o dispositivo do Projeto Eleitoral sôbre inelegibilidade não poderá ser enquadrado no § 13 do art. 141, examinaremos, em seguida, o seu maior conflito com a Carta Constitucional. Dispõe o § 8º do art. 141:

“Por motivo de convicção religiosa, filosófica ou política, ninguém será privado de nenhum dos seus direitos, salvo se a invocar para se eximir de obrigação, encargo ou serviço impostos pela lei aos brasileiros em geral, ou recusar os que ela estabelecer em substituição daqueles deveres, a fim de atender escusa de consciência”.

O dispositivo fala por si mesmo. Se ninguém poderá ser privado de nenhum de seus direitos por motivo de convicção política, segue-se indeclinàvelmente que nenhuma lei ordinária poderia estabelecer a perda de direito de eleger-se, por motivos ideológicos. A inconstitucionalidade flagrante dispensa quaisquer outros comentários. Por isso que o eminente Prof. PEDRO CALMON, catedrático de Direito Constitucional, ao confrontar o art. 32 do Projeto Eleitoral com o art. 141, § 8°, da Carta Magna, concluiu:

“Inelegibilidades, só as da Constituição”.

Pena perpétua

De resto, ajunta o ilustre jurista senador JOÃO VILASBOAS: “O dispositivo estabelece uma pena perpétua impeditiva do direito de registro em qualquer tempo, como candidato, ao cidadão que pertenceu ao partido extinto, o que contraria o preceito constitucional proibitivo de penas perpétuas”.

E o que prescreve o § 31 do art. 141 da Constituição:

“Não haverá pena de morte, de banimento, de confisco, nem de caráter perpétuo”.

Na faina de demolir os princípios basilares do Estado de Direito instituído na Carta de 1946, o art. 32 do Projeto Eleitoral investe igualmente contra o § 27 do art. 141, que assim preceitua:

“Ninguém será processado, nem sentenciado senão pela autoridade competente e na forma de lei anterior”.

O processamento penal e a aplicação de pena de inelegibilidade constituem tarefas reservadas à Justiça.

A competência do juiz é um direito do réu: nullus major defectus quam defectus potestatis. A competência, pondera TEMÍSTOCLES CAVALCÂNTI (“Constituição Federal Comentada”, vol. III, página 231), “é aquela determinada em lei, a menos que não decorra de preceito constitucional expresso”.

Sendo a competência da Justiça Eleitoral limitada à matéria prevista no artigo 119 da Constituição, nenhum outro poder teria a atribuição de conhecer a punibilidade de atos dessa natureza.

Ora, o art. 32 do Projeto Eleitoral não cogitou de fixar essa competência, nem a forma de declaração da pena, violando ainda o § 25 da Carta Magna, in verbis:

“É assegurada aos acusados plena defesa, com todos os meios e recursos essenciais a ela, desde a nota de culpa, que assinada pela autoridade competente, com os nomes do acusador e das testemunhas, será entregue ao prêso dentro em 24 horas. A instrução criminal será contraditória”.

Sem o processo contraditório, com as garantias de defesa previstas neste dispositivo, não seria possível aplicar a pena de inelegibilidade, sem constituir normas processuais adequadas.

Outras violações constitucionais

Mas, além dessas violações constitucionais, pretende-se aplicar retroativamente a pena, atingindo fatos anteriores ao Projeto do Cód. Eleitoral.

A irretroatividade da pena é preceito multi-secular e regressaríamos à barbárie medieval se juristas pretendessem defender tese contrária. Veja-se BENTO DE FARIA, “Aplicação e retroatividade”; JOÃO BARBALHO, “Comentários à Constituição”, pág. 223; AURELINO LEAL, “Teoria e Prática da Constituição”, página 169; ARAÚJO CASTRO, “A Nova Constituição Brasileira”, pág. 373, etc.

Portanto, ainda que se admitisse, para argumentar, a possibilidade jurídica da medida do art. 32, falta-lhe complementar a norma processual para declarar a inelegibilidade, e a medida apenas poderia abranger os casos futuros.

Não se detém, aí, o art. 32 do Projeto de Lei Eleitoral, e é ainda o Prof. RAUL PILA quem adverte:

“Se não bastassem estas considerações a demonstrar a inconstitucionalidade do art. 32 do Projeto, haveria textos constitucionais expressos que o contra dizem frontalmente”.

“É livre a manifestação do pensamento”, reza o § 5º do art. 141. Ser adepto de partido político, embora de registro cassado, é sòmente um modo de manifestar o pensamento, já que impossível se torna, em tais condições, a ação partidária”.

“É inviolável a liberdade de consciência e de crença”, diz o § 7°”.

E pergunta o insigne jurista e parlamentar:

“Como não estará violada essa liberdade, se o cidadão de crenças comunistas, por exemplo, perde, por isto, o direito comum aos demais de ser eleito?”

“Ou abjura, ou renuncia; tal o dilema que formula o art. 32” (parecer citado).

Acreditamos que seria ocioso, fatigante e despropositado prosseguir em tais cotejos com a Carta Constitucional em vigor, a qual, como magistrados e como cidadãos cumpridores da lei, temos o dever intransferível de defender. Tanto mais que, no caso, a Constituição ainda se encontra corroborada por lei posterior esclarecedora dêsses princípios.

Com efeito: a lei nº 818, de 18 de setembro de 1949, que regula a aquisição, a perda e a reaquisição da nacionalidade e a perda dos direitos políticos, nos seus arts. 38 a 41, estabelece:

“São direitos políticos aquêles que a Constituição e as leis atribuem a brasileiros, precìpuamente o de votar e ser votado”.

“Os direitos políticos sòmente se suspendem ou perdem, nos casos previstos no art. 135, §§ 1° e 2°, da Constituição federal”.

“O brasileiro que houver perdido os direitos políticas poderá readquiri-los:

a) declarando, em têrmo lavrado no Ministério da Justiça e Negócios Interiores, se residir no Distrito Federal, ou nas Secretarias congêneres dos Estados e Territórios, se nêles residir, que se acha pronto para suportar o ônus de que se havia libertado, contanto que êsse procedimento não importe fraude à lei;

b) afirmando, por têrmo idêntico, ter renunciado a condecoração ou título nobiliário, renúncia que deverá ser comunicada, por via diplomática, ao govêrno estrangeiro respectivo”.

“A perda e a reaquisição dos direitos políticos serão declaradas por decreto, referendado pelo ministro da Justiça e Negócios Interiores”.

Portanto, para a cassação parcial ou total de direitos políticos, legem habemus. Quaisquer procedimentos contrários a essa tradição jurídica representam a inauguração de perigosíssimos precedentes.

Cessada a Segunda Guerra Mundial, a visão apocalíptica das cidades destruídas pelos bombardeios monstruosos, os milhares de mutilados, trazendo no corpo os estigmas indeléveis da fúria assassina, as perdas de entes queridos, em quase cada família, impeliram os juristas do mundo inteiro a elaborar leis que instaurassem na terra o império do Direito, da Justiça e da Liberdade. Jamais, em qualquer período da História Universal, a ciência jurídica logrou tamanhos progressos. Sangrando dos ferimentos trazidos dos campos de batalha, odiando a guerra e o nazi-fascismo seu principal artífice, os povos vieram implorar a Paz no templo da Justiça. Nunca foram escritas leis mais recheadas de sabedoria e de compreensão e tolerância. A Carta das Nações Unidas, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, as Constituições elaboradas em diferentes países traduzem o empolgante e belo desejo de substituir a Fôrça, o Arbítrio, a Violência, pelo Direito, pela Lei, pela Justiça.

Passados 10 anos, êsse maravilhoso panorama da legalidade principia a esmaecer. Começa-se novamente a legitimar a derrubada pela violência de governos eleitos, democràticamente. Quase tôda a América Latina encontra-se em poder de ditaduras, sem perspectivas de um regresso à Democracia. Ao contrário, a tendência é no sentido de aniquilar as que ainda existem. Leis de exceção abafam gradativamente o clima puro da Liberdade, transformando grandes democracias, como os próprios Estados Unidos. em sombria e irrespiráveis regiões do Mêdo, da Delação, da Insegurança e do ódio. A própria cultura começa a ser policiada e um crepúsculo angustioso ameaça apagar o sol da Justiça, para estender sôbre a América o manto asfixiante do nazi-fascismo.

Nós, juristas, sentimos mais do que ninguém a aproximação inquietante da tempestade. Somos, entretanto, a vanguarda da Paz, do Direito, da Justiça, que tôda a humanidade procurou ao terminar a Segunda Guerra Mundial. A população em que vivemos deposita a sua segurança na nossa dignidade. Nós somos os defensores da Lei, sob cujo amparo os soldados, os industriais, os trabalhadores, tôdas as classes desejam viver tranqüilos.

Nossa vigilância ë o preço da Liberdade que desfrutam. Eis por que devemos concentrar nossos estudos, a firmeza de nossos conhecimentos, a solidez de nosso caráter, a bravura de nosso patriotismo no exame percuciente, na análise profunda de todos êsses projetos de leis, regulamentos e instruções com que se procura solapar o edifício das Liberdades Democráticas, cimentado com o sangue de nossos irmãos derramado heròicamente nos campos da Itália.

Eis por que nos encontramos reunidos hoje. Precisamos alertar nossos colegas de tôda a América Latina sôbre os perigos que nos rondam, sôbre as nuvens carregadas que se erguem nos horizontes da Liberdade Brasileira.

A modesta contribuição que trago para êsse plenário ilustre, representante da cultura jurídica nacional, é o meu saquinho de terra, para levantar a trincheira de onde defenderemos a Democracia, esteio da Soberania de nossa Pátria.

FUNCK BRENTANO uma vez emitiu êsse pensamento lapidar:

“Os homens políticos podem às vêzes gozar da impunidade, porque morrem mas as nações nunca podem, porque vivem sempre o bastante para sofrerei as conseqüências dos seus atos”.

O Brasil encontra-se próximo de uma encruzilhada. Ou nós, pela profissão juristas, advertimos a Nação e impedimos, com a veemência e a clareza de nosso conselho desinteressado e patriótico, a queda da legalidade constitucional, ou silenciamos e criminosamente permitiremos que o Povo, às cegas, penetre no pantanal das ditaduras centro-americanas e sofra tôdas as conseqüências do seu ato, chafurdado, sem esperança, na Miséria, no Arbítrio, no Desânimo, na Servidão que afoga os povos sem Liberdade.

Osni Duarte Pereira, juiz de direito no Distrito Federal.

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Notas:

* N. da R.: Conferência pronunciada no auditório da Superintendência dos Serviços de Café do Estado de São Paulo em 28 de agôsto de 1954.

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