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CRÔNICAS

DIREITO COMPARADO

O divórcio nos tribunais norte-americanos

DIVÓRCIO

REVISTA FORENSE

REVISTA FORENSE 151

Revista Forense

Revista Forense

03/06/2022

REVISTA FORENSE – VOLUME 151
JANEIRO-FEVEREIRO DE 1954
Semestral
ISSN 0102-8413

FUNDADA EM 1904
PUBLICAÇÃO NACIONAL DE DOUTRINA, JURISPRUDÊNCIA E LEGISLAÇÃO

FUNDADORES
Francisco Mendes Pimentel
Estevão L. de Magalhães Pinto,

Abreviaturas e siglas usadas
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CRÔNICAcapa revista forense 151

DOUTRINA

  • Comissões de inquérito – Laudo de Camargo
  • Comissões parlamentares de inquérito – João de Oliveira Filho
  • Comissões parlamentares de inquérito nos Estados Unidos – Góis de Andrade
  • As comissões congressuais de investigação no regime presidencialista – Otacílio Alecrim
  • Aperfeiçoamento do Estado Democrático – Ivair Nogueira Itagiba
  • Inquéritos parlamentares – Samuel Duarte
  • As comissões parlamentares de inquérito na Constituição brasileira de 1946 – Alberico Fraga
  • Comissão parlamentar de inquérito e govêrno de Gabinete – Paulino Jacques
  • Comissões parlamentares de inquérito – Rosah Russomano de Mendonça Lima
  • Comissões parlamentares de inquérito – Dnar Mendes Ferreira
  • Natureza e função política das Comissões Parlamentares de Inquérito – Josaphat Marinho

PARECERES

  • Comissão parlamentar de inquérito sôbre as atividades da comissão central de preços – Castilho Cabral
  • Instituto de resseguros do Brasil – Autarquias e sociedades de economia mista – Carlos Medeiros Silva
  • Governador – Impedimento – Ausência – Substituição temporária – Competência do Poder Legislativo para regulamentar os preceitos constitucionais – Francisco Campos
  • Governador – Licença para ausentar-se do Estado – Poderes da Assembléia Legislativa para definir impedimentos – Substituição – Renato Barbosa
  • Falência – Compensação de dívidas – Luís Machado Guimarães

NOTAS E COMENTÁRIOS

  • Privilégios e imunidades dos organismos internacionais – Hildebrando Accioly
  • Responsabilidade civil no Código brasileiro do ar – Prescrição da ação – Alcides de Mendonça Lima
  • Capacidade para testemunharem o testamento cerrado os membros da administração da instituição ou fábrica legatária – Raul Floriano
  • O conceito de parte no processo – Homero Freire
  • A revisão judicial e a “Lei Maior” – Edward S. Corwin
  • As certidões e as comissões de inquérito – Oto Prazeres
  • Homenagem ao juiz José de Aguiar Dias
  • Prêmio Teixeira de Freitas
  • Discurso de agradecimento do Ministro Carlos Maximiliano
  • Banco do Brasil S.A. – Sua transformação em êmpresa pública – Bilac Pinto

BIBLIOGRAFIA

JURISPRUDÊNCIA

LEGISLAÇÃO

SUMÁRIO: A freqüência do divórcio nos Estados Unidos. Fatôres do divorcismo. Fatôres sociológicos do divorcismo. Motivos reais e fingidos. O divórcio por mútuo consentimento.

Sobre o autor

Alípio Silveira, professor da Fac. de Direito de Niterói.

CRÔNICA

O divórcio nos tribunais norte-americanos

A FREQÜÊNCIA DO DIVÓRCIO NOS ESTADOS UNIDOS

Dentre os países que admitem o divórcio absoluto, estão os Estados Unidos em primeiro lugar no que toca à freqüência com que é êle concedido em seus tribunais. Em 1946, nada menos de 610.000 divórcios foram lá decretados. Embora tenha havido posteriormente certo decréscimo, o ano de 1948, o último cujas estatísticas conseguimos, exibiu a decretação de 397.000 dissoluções do vínculo matrimonial.

Segundo estimativa feita pelo notável e saudoso juiz BEN LINDSEY, de Denver (capital do Colorado), em seu conhecido livro “La Rebellión de la Moderna Juventud”, nas cidades americanas há muitos anos que se dá aproximadamente um divórcio para dois casamentos. Assim em Chicago, em 1922, se expediram 39.000 licenças matrimoniais e se pronunciaram 13.000 sentenças de divórcio. Em 1924, a proporção continuava a mesma. Acrescenta LINDSEY: “A última vez que examinei o assunto em detalhe, verifiquei que, no ano de 1922, houve em Denver 1.492 casos de divórcio para 2.908 licenças matrimoniais expedidas. Ao mesmo tempo se registravam em meu tribunal 1.500 casos de abandono do lar conjugal e de fuga”.

Recente trabalho do renomado sociólogo norte-americano ROBERT MAC IVER, de 1948, confirma o fato de, nas classes sociais inferiores, haver uma considerável freqüência de abandono do lar conjugal como substituto para o divórcio, naquele país (Sex and Social Attitudes”, na coletânea “About the Kinsey Report”, página 91).

Êste estado de coisas é fértil em danosas conseqüências, sendo, êle próprio, o produto de uma deplorável série de fatôres. Escreve MONICA PEARSON em seu artigo “Por que a mulher mudou tanto?”, ao esboçar, com rude franqueza, alguns daqueles fatôres, assim como as conseqüências: “Um dos maiores perigos para o mundo atual é a mulher que esquece que é mãe e espôsa e troca seus deveres sagrados por uma vida artificial, descuidando-se do espôso e dos filhos. Quando assim procede, começa a desagregação de uma família, que resvala cada vez mais para o abismo, culminando tudo, ou num tribunal de família, para a decretação do divórcio, ou num tribunal de delinqüência juvenil, que julga muitas vêzes uma criança mais vítima do que ré”.

Em recentes pesquisas, SHELDON e GLUECK, da Universidade de Harvard, mostraram que a maioria dos meninos delinqüentes vêm de lares desfeitos pelo divórcio ou pela separação (“Unravelling the Threads of Juvenile Delinquency”, 1950, Ed. The Commonwealth Fund, New York).

FATORES DO DIVORCISMO

Os fatôres que contribuem para a elevada percentagem de divórcios nos Estados Unidos, podem dividir-se em legais e sociológicos.

Advirtamos, preliminarmente, que o divórcio, nos Estados Unidos, sempre exigiu teòricamente um fundamento legal, baseado na culpa do outro cônjuge: infidelidade conjugal, abandono do lar, sevícia, etc.

Antes da sua independência (1776), estavam os americanos sujeitos às leis inglêsas sôbre divórcio. Nos tempos coloniais, o único meio legal de dissolver um matrimônio, quando surgia motivo tão grave como o adultério ou a crueldade, era por um decreto da Assembléia Legislativa colonial. Mas, de fato, as uniões conjugais daqueles tempos eram duráveis e não se rompiam senão pela morte. Com o advento da independência, a maioria dos Estados, depois de certo tempo, suprimiu a Intervenção das Assembléias Legislativas, e a decretação do divórcio foi confiada aos tribunais (cf. “Encyclopedia Britannica”, edição de 1953, artigo “Divorce”, vol. 7, página 458; AUGUSTE CARLIER, “Le Mariage aux Etats Unis”, 1860, págs. 8-9 e 165). E aos poucos surgia a endemia divorcista, que tantos males tem acarretado ao país.

Com a independência, começou a tomar vulto marcada diferença em relação à Inglaterra. Neste último pais. era dificílimo, até o ano de 1857, obter-se o divórcio a vínculo. Até aquêle ano, sòmente o Parlamento podia concedê-lo. E êle era muito parcimonioso nesta atribuição, que beneficiava ricos e potentados. De 1670 a 1857, só foram pronunciados 234 divórcios absolutos pelo Parlamento inglês. Nos Estados Unidos, ao invés, em virtude da corrente puritana (inteiramente favorável ao divórcio), do aventureirismo pioneiro e da acentuada emancipação da mulher, os divórcios multiplicaram-se como erva daninha. Em 1816, em Connecticut (Nova Inglaterra), já surgia um divórcio em cem casamentos, fato que já era encarado com apreensão. E, antes de chegar o século passado à sua metade, já começaram a surgir grandes facilidades para o divórcio. O Estado de Indiana inaugurou o “negócio” do divórcio (CARLIER, ob. cif.. pág. 170), hoje principalmente concentrado em outro Estado (Nevada).

Essas facilidades são de várias ordens. As leis dos Estados de Nevada, Flórida e uns poucos mais oferecem aos candidatos, não só múltiplos motivos para o divórcio, mas também um processo fácil e rápido. Reno (no Estado de Nevada) é a clássica cidade do divórcio de arribação, grande negócio para êsse Estado. Las Vegas, ainda em Nevada, explora com sucesso o mesmo ramo. A proporção ou percentagem dos divórcios em Nevada, em relação à percentagem média nos Estados Unidos, é enorme. Nos Estados Unidos houve, em 1946, 4,3 divórcios por 1.000 habitantes. Em Nevada, nesse mesmo ano, foram decretados 95 divórcios para cada 1.000 residentes! Mas a maioria esmagadora dos processos de divórcio foi promovida por pessoas de outros Estados, que para lá se dirigiram com êsse fim. A lei de Nevada contenta-se com uma rápida permanência de seis semanas, para alguém ser considerado “residente” e ter direito a recorrer ao tribunal local. Em rigor de justiça, ficar lá seis semanas com o intuito exclusivo de obter o direito de pedir o divórcio, e depois chispar dali, não é “residir”. Mas a comédia forense é um fato. A candidata (a maioria torrencial é composta de mulheres) senta-se no lugar designado, na sala do tribunal, e declara ser residente autêntica de Reno ou de Las Vegas. Era sua intenção, ao chegar, estabelecer-se definitivamente no lugar. Ela, todavia, faz esta afirmação com as malas arrumadas e pronta para partir no primeiro trem ou avião, logo que obtenha a suspirada carta de divórcio. Ela cometeu perjúrio. Mas não é possível provar-se o perjúrio, porque em qualquer tempo é possível alegar mudança de idéia, especialmente tratando-se do sexo frágil. La donna è mobile…

Mas, ainda dentro das formalidades processuais, as facilidades culminam, não só em Nevada como em todos os Estados americanos, com a admissão, pela justiça, da verdade do que afirma a pessoa que promove o divórcio, quando a outra parte propositadamente confirma as acusações contra ela ou não se apresenta para defender-se (revelia). Não há exigência de prova mais sólida, para decretar-se o divórcio. Não existe a fiscalização do processo, ao contrário do que se dá na Inglaterra, onde surge a intervenção de um funcionário para impedir a colusão ou conluio entre os cônjuges.

Na Inglaterra, a conivência, o perdão ou a colusão continuaram a ser obstáculos intransponíveis para o divórcio, e o tribunal tinha poderes para recusar a medida quando o autor era culpado de adultério, ou de conduto, que levasse o outro cônjuge ao adultério, ou tinha retardado de forma injustificável o andamento do feito.

No que toca ao adultério, uma simples confissão de sua culpa feita por uma espôsa, não era considerada pela common law como base segura para um decreto, se não fôsse corroborada por outras provas. E, na atual prática, nos casos de dissolução do casamento, a confissão tem de ser apoiada por alguma espécie de prova circunstancial, nos tribunais inglêses.

A conivência (consentimento no adultério) sempre foi um obstáculo à concessão da medida, pois sustenta-se que um homem não pode tirar partido de uma acusação por êle feita, se êle não está de mãos limpas.

Pela lei de 1860, uma modificação muito importante foi feita na Inglaterra. Durante o andamento do processo de divórcio, qualquer pessoa podia intervir no feito, e provar a colusão ou ocultação de fatos. O procurador do rei (King’s proctor) pode intervir durante o processo, e provar a existência de colusão ou outros obstáculos (“Encyclopedia Britannica”, ed. 1953, art. Divorce, págs. 455-457).

Êsse conluio se destina a obter um divórcio por mútuo consentimento, que a lei está longe de conceder. Mais adiante, veremos o que nos revelam as estatísticas sôbre o divórcio por mútuo consentimento nos Estados Unidos.

Também existem facilidades em matéria de motivos, não só quanto ao número de motivos admissíveis, mas também quanto à elasticidade dêles. Um dos mais freqüentes é a crueldade mental (mental cruelty), muito ao sabor da elasticidade de consciência dos julgadores. Assim é que as maiores futilidades são legalmente admitidas: êle bocejou na cara das minhas amigas; criticou o meu modo de dirigir a casa; riu-se de meu tio Elmer…

Não há muitos anos, um reverendo protestante (e o caso não se passou em Nevada ou Flórida), obteve o divórcio com a alegação de que sua espôsa, ao andar, bamboleava os quadris, e que isso era inconveniente à dignidade do seu cargo e torturante para êle. E afirmava isso como se não o tivesse percebido antes de casar, e como se houvesse culpa dela…

Por outro lado, a Constituição tem uma cláusula (“full faith and credit clause”), segundo a qual só poderão ser reconhecidos os divórcios decretados fora de um Estado a favor de residentes do mesmo Estado, quando a jurisdição do Estado que pronuncia o divórcio estiver baseada na residência real do promovente do processo, fixada de boa-fé e não simplesmente para fins de divórcio. Tornou-se, portanto, possível que pessoas que se tornam a casar depois de obter divórcio em um Estado que não aquele de efetiva residência, sejam processadas e condenadas por bigamia em outro Estado (“Encyclopedia Britannica”, vol. cit., pág. 461). Esta ameaça, todavia, não é suficiente para combater a mania do divórcio.

FATORES SOCIOLÓGICOS DO DIVORCISMO

Ao lado dos fatôres legais acima esboçados, figuram os sociológicos. Abrangem diferentes fatôres, religiosos, geográficos, psico-sociais. Dentre êstes últimos destacam-se o romantismo matrimonial e o conjunto de elementos englobados no conceito de modernismo.

Sob o aspecto confessional, os Estados do Oeste americano, em que predominam os anglo-saxões protestantes, descendentes dos pioneiros puritanos, fornecem percentagens mais altas. Os Estados do Este industrial, cheios de católicos e de judeus, fornecem proporções menores (FRANK H. HANKINS, artigo “Divorce”, na “Encyclopedia of Social Sciences”, vol. 5, pág. 183). Quanto ao fator geográfico, nota-se, para um mesmo Estado, maior percentagem nas cidades do que na zona rural e nas pequenas comunidades. Os exemplos atrás referidos, de Chicago e Denver, dão a proporção de um divórcio para dois casamentos.

Outro elemento responsável pela instabilidade do lar americano é o romantismo matrimonial. ROBERT MAC IYER, em seu artigo antes citado, escreve: “A resposta a esta questão (da instabilidade) não deve ser encontrada nos hábitos sexuais do povo americano. Também não deve ser encontrada na peculiar freqüência de rixas nos lares americanos. Também não é porque os americanos sejam menos fiéis a suas espôsas do que os homens de outros países. Não há provas a favor de tais argumentos.A resposta está em certas atitudes predominantes neste país relativamente ao sexo e ao casamento, atitudes essas que tornam a união conjugal mais frágil do que, pràticamente, em todos os outros países”.

E quais são aquelas atitudes? Elucida-nos MAC IVER: “Elas consideram o casamento como um arranjo puramente pessoal, que pode ser desfeito quando qualquer das partes viola uma vez um juramento dirigido pessoalmente ao outro” (ob. cit., págs. 92-93).

A raiz desta atitude mergulha nas idéias da Reforma. Os protestantes sustentavam que o divórcio, com a permissão de novo casamento, estava justificado no caso de adultério, e geralmente falando, de crueldade ou abandono prolongado do lar conjugal. Os reformistas repeliram a teoria sacramental do casamento, e é evidente que a rejeição da teoria sacramental torna mais fácil a repulsa à doutrina rigorosa da indissolubilidade. Um passo avante foi dado, e começou-se a suspirar pelo divórcio por mútuo consentimento, o qual conta com o apoio de chefes protestantes modernistas, de racionalistas, de agnósticos, de materialistas e de pragmatistas, sem se falar na grande maioria dos interessados diretos.

Nos Estados Unidos, “o casamento tende a tornar-se uma relação estabelecida pelas partes entre si, e na qual o consentimento das partes torna-se o único elemento constituinte” (“Encyclopedia Britannica”, artigo “Law of Marriage”, 14º vol., pág. 955).

Esta concepção romântica está, como foi dito, estreitamente ligada às aspirações de divórcio por mútuo consentimento. Confirma essa ligação o sociólogo FRANK HANKINS, que assim se manifesta: “As nações ocidentais estão se encaminhando ràpidamente para o divórcio por mútuo consentimento ou pela vontade unilateral de qualquer dos cônjuges, com processo simples, na crença de que a felicidade conjugal só é possível quando os laços do casamento se harmonizam com os laços da estima afetuosa” (“Encyclopaedia of Social Sciences”, vol. 5, página 184).

Nesta concepção unilateral, o casamento se baseia exclusivamente no amor, e não tem em conta a constituição e educação da prole; individualismo conjugado a um mínimo de responsabilidades sociais (T. BOWEN PARTINGTON, “Choosing Your Life Partner”, em “Sexology”, “Sex Science Magazine”, novembro de 1946, páginas 232 e segs.; PHILIP WYLIE, “Porque falham tantos casamentos”, condensado do “Cosmopolitan”, nas “Seleções do Reader’s Digest”, novembro de 1946, pág. 24).

Quanto à poderosa influência do modernismo, destacam-se a emancipação econômica e social da mulher americana, sua masculinização, a extravagância ou capricho no amor, a precipitação na escolha, como responsáveis pelo insucesso de muitas uniões que terminam em divórcio.* GRETA PALMER, em seu interessante artigo “Contrôle do Matrimônio, uma nova resposta para o divórcio”, escrevia em 1946: “Um têrço dos nossos 600.000 divórcios anuais poderia ser evitado se um conselheiro prudente conversasse sôbre a situação com os jovens, antes do casamento. Freqüentemente, seu conselho mais útil seria êste: “Esperem” ou “Não se casem!” (artigo estampado na revista americana “Your Life”).

A notável psiquiatra americana MARYNIA F. FARNHAM, em seu artigo de “Coronet”. “Trágico Fracasso das Mulheres da América”, escrevia não há muito tempo: “Grande parte das pacientes que me consultaram sôbre desordens emocionais é constituída pelas mulheres que fizeram carreira, mulheres que invadiram o “grande sindicato” da concorrência masculina e obtiveram êxito. Por trás da elegante aparência, oferecem geralmente aspecto lamentável: um feixe de nervos, frustrações e ansiedades. Aquelas que chegaram a casar-se sempre têm pelo menos um divórcio em seu passado”.

MOTIVOS REAIS E FINGIDOS

Como foi assinalado, nos Estados Unidos não existe, legalmente, o divórcio por mútuo consentimento. A lei exige um motivo específico, do qual um dos cônjuges seja culpado. Os motivos variam de Estado para Estado. Uns, como o de New York, só admitem a infidelidade conjugal como razão suficiente. Outros, como Nevada, prodigalizam oito diferentes motivos, entre os quais a estafada “crueldade mental”. Dentre todos os Estados, havia uma “ovelha negra” que só admitiu a lei do divórcio em 1949: o de Carolina do Sul.

Na verdade, muitos casais preferem, de comum acôrdo, inventar perante a justiça um motivo legal não verdadeiro (a mental cruelty, por exemplo), a expor à discussão forense o verdadeiro motivo, muitas vêzes humilhante ou vergonhoso, como seja o adultério.

A infidelidade conjugal é muito mais comum, nos Estados Unidos, do que pública ou oficialmente se presumia. O “Kinsey Report” descerrou, em 1948, a cortina de ferro levantada pela hipocrisia e pelo farisaísmo em matéria de comportamento sexual. Os investigadores verificaram, pelo depoimento sincero de 12.000 homens, garantidos por perpétuo anonimato e sigilo, que 27 a 37 por cento dos maridos são infiéis, pelo menos uma vez, no casamento (“American Sexual Behaviour and the Kinsey Report”, Loth and Davis, pág. 69).

KINSEY, ao rever êstes dados, comenta: “É provàvelmente seguro sugerir que cêrca da metade de todos os homens têm sido infiéis pelo menos uma vez no casamento” (apud ROBERT MAC IVER, obra cit., págs. 93-94).

Quanto ao procedimento das espôsas americanas (não abrangidas pelo livro do “Kinsey Report”), acrescenta MAC IVER: “Seria absurdo supor que mulheres casadas nunca desçam à infidelidade” (ob. citada, pág. 94).

Apareceu, em setembro de 1953, “O Sexual Behaviour in the Human Female”, de KINSEY. Relações pré-maritais (cinco em cada 10 casadas) e adultérios em boa proporção, foram registrados entre as mulheres dos Estados Unidos.

E conclui que muito mais da metade de todos os casamentos poderia ser dissolvida por êste motivo (ob. cit., pág. 94).

Todavia, menos de um décimo dos divórcios, nos Estados Unidos de hoje, são fundados na alegação de adultério. Na maioria dos casos de divórcio, a Infidelidade existente é ocultada de comum acôrdo pelos esposos, que alegam, perante os tribunais, outro motivo menos desonroso (cf. “Encyclopedia Britannica”, vol. 7, página 461). Aliás, os dados do “Kinsey Report” permitem chegar-se a tal conclusão.

Mas existem decerto muitos outros casos em que o verdadeiro motivo não encontra qualquer amparo legal, ou seja, não existe culpa legal de qualquer dos cônjuges. Tais são os casos de desajustes sexuais, de incompatibilidade de gênios e de desaparecimento do afeto conjugal. Quanto aos desajustes de origem psíco-sexual, têm sido estudados nos Estados Unidos, no afã de encontrar-lhes solução (cf. Dr. M. J. EXNER, “The Sexual Side of Marriage”, ed. Pocket Book, 1948). E ARTHUR GARFIED HAYS, em seu conhecido opúsculo “The Sexual Factor in Divorce” (com introdução de HAVELLOCK ELLIS), inclui aquêles desajustes sexuais entre os vários motivos que deveriam levar o legislador americano a admitir expressamente o divórcio por mútuo consentimento. Na prática, como em breve veremos, os esposos se conluiam para obtê-lo, alegando um falso motivo perante os tribunais.

O DIVÓRCIO POR MÚTUO CONSENTIMENTO

O divórcio, nos Estados Unidos, exige sempre, teòricamente, um fundamento legal específico: infidelidade conjugal, abandono do lar, crueldade física ou mental, etc. Mas na prática, os interessados contornam essa barreira legal, e obtém um divórcio na aparência litigioso, mas na realidade por mútuo consentimento. Vejamos como isso vem a suceder.

Nos processos de divórcio, a justiça se contenta com o comparecimento do queixoso. Se a outra parte não surge para defender-se, o processo corre à sua revelia e o queixoso é libertado dos vínculos matrimoniais, admitindo-se como verdadeiras as suas acusações contra o cônjuge intencionalmente revel.

Multíssimos casais desajustados recorrem a essa tática sub-reptícia para obter o divórcio. Depois de entrarem em combinação, um dêles alega, no tribunal, um motivo fingido não desonroso para si ou para o seu parceiro.

De todos os casos apresentados nos tribunais, escreve FRANK HANKINS na conceituada “Encyclopaedia of Social Sciences”, são contestados menos de 12%. Os outros correm à revelia. Uma vez que, em muitos dos primeiros casos, a contestação consiste simplesmente em preencher uma resposta a fim de se iniciar o processo, parece certo afirmar-se que o divórcio é o resultado de mútuo consentimento em, pelo menos, seis em cada sete casos (obra cit., vol. V, pág. 182).

O mesmo sociólogo acrescenta: “A mais impressionante mudança nos fundamentos para o pedido de divórcio é o incremento de “crueldade”, especialmente quanto às mulheres que procuram o divórcio. Êste têrmo veio a cobrir uma grande variedade de dificuldades conjugais e é usado para ocultar motivos que são considerados como desonrosos, ou que ofendem o orgulho pessoal do queixoso”. A conceituada “Encyclopedia Britannica”, em sua edição de 1953, concorda substancialmente, ao informar: “na prática real, 85 a 90% dos processos de divórcio nos Estados Unidos não são contestados. Os fundamentos invocados são, as mais das vêzes (more often), um disfarce antes do que uma indicação, para a causa fundamental da discórdia no matrimônio. Assim, o abandono do lar, que acarreta pequeno opróbrio, é o motivo alegado em cêrca de um têrço de todos os processos de divórcio. A crueldade física é invocada em mais de outro têrço dos casos, com a aceitação, em muitos tribunais, de provas, de qualquer espécie de agressão física, ainda que insignificante, no sentido de considerá-la como satisfazendo as exigências legais” (artigo “Divorce”, vol. 7, pág. 461).

Em nossa opinião, o fato de um pedido de divórcio não ser contestado, nem sempre tem a ver com um conluio prévio, embora, na maioria dos casos de falta de contestação, haja êsse conluio. Se um espôso, realmente culpado do que lhe imputa o outro, não contesta a demanda, isso apenas demonstra que êle concorda com o divórcio. O “mútuo consentimento”, em tal caso, é posterior ao pedido, e se diferencia claramente das hipóteses em que é êle a causa de pedido baseado em fundamento fictício prèviamente ajustado. Se o motivo do pedido é desonroso para o outro, decerto não houve conluio.

Nem todos os casos de divórcio por mútuo consentimento resultam de os cônjuges esconderem um motivo real desonroso, para o substituíram por outro fingido, menos desagradável ou escabroso. De fato, existem inúmeros casais desajustados que forjam, de comum acôrdo, um motivo legal fictício não desonroso, para o pedido de divórcio feito por um dêles, sem que haja um motivo oculto desonroso. O que há, nestes casos, é a ausência real de motivos legais para o divórcio. A incompatibilidade de gênios, por exemplo, tão encontradiça entre os casais em todo o mundo, não é motivo legal para o divórcio e conduz, na América do Norte, a um divórcio, na aparência litigioso através de um falso fundamento, mas na verdade por mútuo consentimento. Também a concepção romântica do casamento, a que nos referíamos atrás, de que o casamento se deve dissolver quando o amor desaparece, é responsável por boa soma de divórcios por mútuo consentimento disfarçados no divórcio litigioso baseado em falso motivo legal. De qualquer forma, os divórcios por mútuo consentimento constituem a maioria dos divórcios nos Estados Unidos de hoje.

Não é sòmente nos Estados de Nevada ( Reno e Las Vegas), Flórida e alguns outros sem a importância dos dois primeiros, que os divórcios se dão, na realidade, por mútuo consentimento, ainda que aparentando um fundamento legal. Em todo o vasto território norte-americano êles pululam.

Como de início salientamos, durante o ano de 1948, o número total de divórcios nos Estados Unidos foi de 610.000. Ora, em Reno e Las Vegas, as duas cidades de Nevada em que prospera o “negócio”, deram-se, neste mesmo ano, 10.020 divórcios. A Reno couberam 7.076 e a Las Vegas 2.944 (JOHN GUNTHER, “Inside U. S. A.”, Harper & Brothers, 1947, pág. 77). O restante de divórcios decretados em Nevada é absolutamente insignificante. Para sermos precisos, todos os outros divórcios em Nevada, em 1946, somaram apenas 473. O total de divórcios em Nevada, em 1946, cifrou-se em 10.493.

Se, nos Estados Unidos, em 1946, se decretaram 610.000 divórcios, e se a Nevada couberam 10.493, os outros Estados são responsáveis pela esmagadora cifra de 599.807 divórcios. Flórida e alguns outros Estados também apresentam uma pequena migração para fins de divórcio, mas desprezível quando comparada à de Nevada, pois não influem no cômputo geral senão com uns 3.000 casos.

Como vimos atrás, em cada sete casos de divórcio, seis se dão por mútuo consentimento, e são obtidos sub-repticiamente, através de condescendência oficial. E um simples cálculo mostrar-nos-á que, das 610.000 dissoluções de vínculo litigiosamente decretadas em 1946, 523.000 o foram na realidade por mútuo consentimento. Donde se conclui que as cifras exibidas por Nevada. Flórida e poucos mais, ainda que todos êsses divórcios de arribação o fôssem por mútuo consentimento, representam uma gota d’água no mar de divórcios por mútuo consentimento decretados de New York a São Francisco e de Chicago a Nova Orleãs.

Cêrca de 4/5 de todos os divórcios concedidos nos Estados Unidos o foram a pessoas que se casaram nos mesmos Estados em que depois se divorciaram. E quando deduzimos, do quinto restante, os divórcios nos Estados, para os quais os casais migraram por razões, outras que não o desejo de obter um divórcio fácil, o resíduo final de divórcios procurados nas migrações para Estados “camaradas” constitui uma pequena, quase desprezível fração do número total (“Encyclopedia Britannica”, 1953, vol. 7, pág. 461).

No ano de 1946, o número de divórcios de “arribação” representou 2,1% do total.

Verificamos, assim, que todos os tribunais de família norte-americanos contribuem para o mare magnum dos casos de divórcio por mútuo consentimento, ilegal mas real. Quid leges sine moribus, dizemos nós. Já os divorcistas sustentarão que a jurisprudência norte-americana está “sàbiamente” adaptando a lei à vida moderna…

Na França, tem-se dado o mesmo fenômeno. Escrevia, em 1912, EMILE GRÈS: “É assim que, em nossos dias, o casamento pode ser dissolvido, não sòmente pelos motivos indicados no Cód. Civil, mas também, e ainda que os têrmos da lei a tal se oponham, pelo consentimento mútuo dos esposos”. E acrescenta o autor: “Basta que essa jurisprudência do divórcio se acentue e se aperfeiçoe um pouco, para que a ruptura do vinculo do matrimônio possa resultar do consentimento unilateral” (“Le Divorce par Consentement Mutuel”, 1912, avant propos, pág. 5). Acrescente-se que, até hoje, a legislação francesa não admite tal divórcio por mutuo consentimento.

Em conclusão: nos Estados Unidos, o divórcio por mútuo consentimento, ilegalmente praticado sob a aparência das formas legais e coonestado pelos tribunais, figura em seis de cada sete casos de divórcio, isto é, em nada menos de 85% dos decretos. A êle recorrem, não só as pessoas que, de comum acôrdo, ocultam os verdadeiros motivos da discórdia conjugal, e alegam um falso fundamento legal menos escabroso do que o verdadeiro, assim como aquelas que, não tendo motivo legal de espécie alguma, inventam um motivo falso.

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Nota:

* Ainda neste terreno, não devemos esquecer, quer a leviandade com que muitíssimos americanos consideram a instituição do casamento, quer o alarmante aumento das relações pré-maritais.

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  4. A folha de rosto do arquivo deve conter o título do trabalho (em português – ou inglês, francês, italiano e espanhol) e os dados do(s) autor(es): nome completo, formação acadêmica, vínculo institucional, telefone e endereço eletrônico;
  5. O(s) nome(s) do(s) autor(es) e sua qualificação devem estar no arquivo do texto, abaixo do título;
  6. As notas de rodapé devem ser colocadas no corpo do texto.

II) Normas Editoriais

Todas as colaborações devem ser enviadas, exclusivamente por meio eletrônico, para o endereço: revista.forense@grupogen.com.br

Os artigos devem ser inéditos (os artigos submetidos não podem ter sido publicados em nenhum outro lugar). Não devem ser submetidos, simultaneamente, a mais do que uma publicação.

Devem ser originais (qualquer trabalho ou palavras provenientes de outros autores ou fontes devem ter sido devidamente acreditados e referenciados).

Serão aceitos artigos em português, inglês, francês, italiano e espanhol.

Os textos serão avaliados previamente pela Comissão Editorial da Revista Forense, que verificará a compatibilidade do conteúdo com a proposta da publicação, bem como a adequação quanto às normas técnicas para a formatação do trabalho. Os artigos que não estiverem de acordo com o regulamento serão devolvidos, com possibilidade de reapresentação nas próximas edições.

Os artigos aprovados na primeira etapa serão apreciados pelos membros da Equipe Editorial da Revista Forense, com sistema de avaliação Double Blind Peer Review, preservando a identidade de autores e avaliadores e garantindo a impessoalidade e o rigor científico necessários para a avaliação de um artigo.

Os membros da Equipe Editorial opinarão pela aceitação, com ou sem ressalvas, ou rejeição do artigo e observarão os seguintes critérios:

  1. adequação à linha editorial;
  2. contribuição do trabalho para o conhecimento científico;
  3. qualidade da abordagem;
  4. qualidade do texto;
  5. qualidade da pesquisa;
  6. consistência dos resultados e conclusões apresentadas no artigo;
  7. caráter inovador do artigo científico apresentado.

Observações gerais:

  1. A Revista Forense se reserva o direito de efetuar, nos originais, alterações de ordem normativa, ortográfica e gramatical, com vistas a manter o padrão culto da língua, respeitando, porém, o estilo dos autores.
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  4. Uma vez aprovados os artigos, a Revista Forense fica autorizada a proceder à publicação. Para tanto, os autores cedem, a título gratuito e em caráter definitivo, os direitos autorais patrimoniais decorrentes da publicação.
  5. Em caso de negativa de publicação, a Revista Forense enviará uma carta aos autores, explicando os motivos da rejeição.
  6. A Comissão Editorial da Revista Forense não se compromete a devolver as colaborações recebidas.

III) Política de Privacidade

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