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CONSUMIDOR

Responsabilidade civil do provedor internet pelos danos à pessoa humana nos sites de redes sociais

CONSUMIDOR

DANOS À PESSOA

INTERNET

REDES SOCIAIS VIRTUAIS

RESPONSABILIDADE CIVIL

Guilherme Magalhães Martins

Guilherme Magalhães Martins

08/09/2016

Por Guilherme Magalhães Martins e João Victor Rozatti Longhi[1]

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A “morte social” está à espreita dos poucos que ainda não se integraram ao Cyworld, líder sul-coreano no cibermercado da “cultura mostre e diga.”

Zygmunt Bauman

Área do direito: consumidor; internet

RESUMO: A popularização crescente da Internet nos últimos tempos trouxe profundas transformações a toda a sociedade. A comunicação mediada por computador é, hoje, uma realidade consolidada em grande parte do mundo. E as redes sociais virtuais confundem-se com o próprio conceito de Internet para muitos. Por seu turno, no Brasil, o ordenamento jurídico é carente de regras legais específicas acerca das relações jurídicas travadas em seu âmbito. E a jurisprudência vem enfrentando cada vez mais o tema. Nesse quadro, ressalta-se o papel da doutrina. Assim, o presente artigo visa investigar a responsabilidade civil pelos acidentes de consumo ocorridos nas redes sociais da Internet. Após descrever as peculiaridades do universo virtual, visa-se abordar suas conseqüências quando da ocorrência de acidentes de consumo, os quais, dada a complexidade tecnológica deste ambiente, salientam ainda mais a já evidente vulnerabilidade do consumidor.

Palavras chave: consumidor – Internet – redes sociais virtuais – responsabilidade civil – danos à pessoa

ABSTRACT: The ongoing popularity of the Internet brought many changes. The communication mediated by the computer, nowadays, is consolidated worldwide. And today the concept of Online Social Networks is confounded with the Internet itself by many users. On the other hand, in Brazil, there are no specific legal rules about the issue. And courts must decide about these kinds of conflicts. Due to this, the role of the legal is being more and more emphasized. This paper studies the liability for injuries to consumers in the Internet’s Social Networks. After describing cyberspace’s peculiarities, this study aims to investigate the consequences when such facts happen, point even more the vulnerability of the consumer.

Keywords: consumer – Internet – online social networks – civil liability – personal injuries

Sumário: 1. Introdução. 2. A revolução das comunicações e os desafios do direito. 3. Redes sociais virtuais. 4. Considerações finais. 5. Referências bibliográficas

1. Introdução

As palavras do sociólogo polonês ilustram as preocupantes implicações trazidas pela massificação crescente dos meios de comunicação e sua nova forma de utilização pelos consumidores. Com efeito, as profundas transformações ocorridas no bojo da própria Internet levam a um constante repensar da regulamentação jurídica da rede hoje.

Sabe-se que no ano de 2001 a Internet sofreu grande transformação. Com a vertiginosa queda de corporações ligadas à tecnologia da informação, as chamadas “companies dot-com” tiveram de modificar radicalmente seu modelo de gestão corporativa para superar a crise de confiança dos investidores em relação à rentabilidade dos serviços oferecidos.

Trata-se da eclosão do movimento denominado web 2.0, a segunda versão da world wide web, que em tese refundou a própria rede mundial de computadores ao transformá-la em uma espécie de plataforma movida pelo usuário, que insere “voluntariamente” o conteúdo maciço que hoje circula na Internet.[2]

Dentre as mudanças mais significativas, deve ser destacada a substituição da remuneração da publicidade dos provedores de conteúdo, informação e hospedagem não mais pelo número de acesso às páginas (page views), mas por clique em cada hyperlink (cost per click) reativando os investimentos nos sites. Conforme já destacado na doutrina,

Não pode ser esquecido que o valor comercial de um site depende, em proporção direta, de sua popularidade, ou seja, do número de usuários que o visitam. Quanto mais elevado for esse número, mais valorizado será o espaço publicitário ali oferecido e, por consequência, maiores serão os lucros destinados ao titular do site.[3]

 Outra característica marcante da atual sociedade de massa é a oferta pelos prestadores ditos gratuitos, normalmente baseada na remuneração indireta, igualmente a atrair a incidência das normas do Código de Defesa do Consumidor.

Longe de ser uma realidade restrita a regiões ou países determinados, as práticas perpassam os costumes e penetram a cultura de cada sociedade ao passo que mais pessoas passam a utilizar-se da rede.

Por seu turno, cada vez mais informações são levadas à net, tornando-se acessíveis por milhões de usuários em qualquer parte do globo , inclusive dados que trazem consigo aspectos intrinsecamente ligados à personalidade dos indivíduos. Nome, sobrenome, endereço, opções religiosas, afetivas e tantas outras são objeto de uma exposição fomentada e enaltecida social e culturalmente.[4]

Com efeito, no cerne das redes sociais está o intercâmbio de informações pessoais. Os usuários ficam felizes por revelarem detalhes íntimos de suas vidas pessoais, fornecendo informações precisas, compartilhando fotografias e vivenciando o fetichismo e exibicionismo de uma sociedade confessional.[5]

Formam-se gigantescos bancos de dados de caráter pessoal a serviço de entidades de caráter privado, cujos interesses econômicos são prementes. A Diretiva CEE n o. 95/46 , relativa à proteção das pessoas em matéria de tratamento de dados pessoais e à livre circulação destes, em seu artigo 2º., letra “a”, assim os define:

Art. 2º. Para os efeitos da presente diretiva, entende-se por :

a)”Dados pessoais”, qualquer informação relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável («pessoa em causa»); é considerado identificável todo aquele que possa ser identificado, direta ou indiretamente, nomeadamente por referência a um número de identificação ou a um ou mais elementos específicos da sua identidade física, fisiológica, psíquica, económica, cultural ou social [6]

As redes sociais virtuais, afora as implicações decorrentes da liberdade de expressão dos seus usuários, que deve encontrar justificativa e razão de ser nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana(art. 1º., III,CR) e da solidariedade social (art. 3º., I, CR), traduzem, portanto, uma nova modalidade de banco de dados.

Perquirindo inicialmente “como alguém se torna o que é”, Paula Sibilia enfatiza a profundidade das mudanças introduzidas pela popularização das redes sociais virtuais. Cuida-se de uma nova subjetividade, de uma nova forma de expressão do eu, de uma nova formação e delimitação da personalidade do indivíduo:

 Um sinal desses tempos foi antecipado pela revista Time, que encenou seu costumeiro ritual de escolha da personalidade do ano no final de 2006. Nesta edição, criou-se uma notícia que foi ecoada pelos meios de comunicação de todo o planeta, e logo esquecida no turbilhão de dados inócuos que a cada dia são produzidos e descartados. A revista americana vem repetindo esta cerimônia há quase um século, com o intuito de apontar as pessoas que mais afetaram o noticiário e nossas vidas, para o bem e o mal, incorporando o que foi importante no ano. Ninguém menos do que Hitler foi eleito em 1938, o aiatolá Khomeini em 1979 e George W.Bush em 2004. Quem foi eleito a personalidade do ano em 2006, de acordo com o veredito da TIME? VOCÊ. Sim, você. Ou melhor, não apenas você, mas também eu e todos nós. Ou, mais precisamente ainda, cada um de nós: as pessoas “comuns”. Um espelho brilhava na capa da publicação e convidava seus leitores a nele se contemplarem, como Narcisos satisfeitos de verem suas “personalidades”cintilando no mais alto pódio da mídia(…)

A rede mundial de computadores se tornou um grande laboratório, um terreno propício para se experimentar e criar novas subjetividades: (…). Como quer que seja, não há dúvidas de que esses reluzentes espaços da Web 2.0 são interessantes, nem que seja porque se apresentam como cenários bem adequados para montar um espetáculo cada vez mais estridente: o show do eu(…) [7]

Com efeito, na atual sociedade de consumidores, a pessoa é induzida a tratar a si mesma como mercadoria. O fetichismo da mercadoria é substituído pelo da subjetividade.[8] A espetacularização da subjetividade em nossa sociedade impulsiona os indivíduos a gerirem a si mesmos como marcas, “um produto dos mais requeridos, […], que é preciso colocar em circulação, comprar, vender, descartar e recriar seguindo os voláteis ritmos da moda.”[9]

As redes chamadas virtuais traduzem, nos dias de hoje, a sociedade do espetáculo, retratada em 1967 por Guy Debord, filósofo e agitador social cuja obra inspirou fortemente os acontecimentos ocorridos em maio de 1968 na França:

Toda a vida das sociedades nas quais reinam as modernas condições de produção se apresenta como uma imensa acumulação de espetáculos. Tudo o que era vivido diretamente tornou-se uma representação(…)

O espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediada por imagens(…)

Considerado em sua totalidade, o espetáculo é ao mesmo tempo o resultado e o projeto do modo de produção existente. Não é um suplemento do mundo real, uma decoração que lhe é acrescentada. É o âmago do irrealismo da sociedade real. Sob todas as suas formas particulares – informação ou propaganda, publicidade ou consumo direto de divertimentos – o espetáculo constitui o modelo atual da vida dominante na sociedade. É a afirmação onipresente da escolha já feita na produção, e o consumo que decorre dessa escolha”(g.n.).[10]

Somente não se pode falar em uma nova realidade ou em um pseudomundo à parte[11], pois, nas palavras de Lawrence Lessig, “o ciberespaço não é, é claro, um lugar. Você não vai a lugar nenhum quando vai ali” [12]. Trata-se de uma manifestação do mundo real onde se desenvolvem novas situações subjetivas existenciais, em grande parte estimuladas pelo meio de comunicação. Do contrário, o ordenamento jurídico não se aplicaria às relações ali travadas.[13]

Tendo em vista a maior desigualdade fática entre os envolvidos, em virtude da especificidade e vulnerabilidade que decorre do meio, deve ser intensificada a proteção do direito fundamental à defesa do consumidor, através dos direitos básicos consagrados no artigo 6º da Lei n o. 8078/90, em especial a vida, a saúde, a segurança(inciso I), a educação(inciso II), a informação(inciso III) e a efetiva prevenção e reparação de danos morais e materiais, individuais, coletivos e difusos(inciso VI).

O Direito não pode se furtar a esses novos fatos. No âmbito da Organização das Nações Unidas, por meio da Resolução 39/248, de 16 de abril de 1985, proclamou-se a natureza do direito do consumidor como de direito humano de nova geração, visando à proteção daquele que se encontra em posição débil em qualquer relação jurídica. Isto porque o fornecedor necessariamente ocupa a posição de detentor não só dos meios de produção, mas das informações atinentes ao objeto do contrato. Por conseguinte, busca-se a efetividade da igualdade por meio de normas de ordem pública, promocionais de uma igualdade substancial entre as partes.[14]

No Brasil, a chamada proteção afirmativa do consumidor foi constitucionalmente elevada à categoria de direito e garantia fundamental (art. 5º, XXXVI, CRFB) além de princípio da ordem econômica e financeira (art. 170, V, CRFB) , cabendo àquelas duas normas definir o lugar do consumidor no sistema constitucional brasileiro.[15]

O direito fundamental de defesa do consumidor, assim, guarda suas raízes na própria cláusula geral de tutela da pessoa, o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III CRFB), cujos efeitos irradiam-se por todo o ordenamento civil constitucional brasileiro.[16]

Dessa forma, este artigo visa enfrentar as peculiaridades desta nova forma de relação de consumo, que consigo traz uma premente necessidade de compreensão plena e global do fenômeno em que está inserida para a adequação da tutela das pertinentes relações jurídicas. Logo, passa-se a uma breve exposição sobre a eclosão da Internet e os desafios por ela apresentados à ciência jurídica.

Aplica-se à Internet, em matéria de responsabilidade pelos acidentes de consumo ocorridos por meio das redes sociais virtuais, a seguinte indagação: o direito do consumidor aplica-se apenas ao meio físico através do qual a informação é veiculada, ou regula ainda o conteúdo informacional? [17]

2. A revolução das comunicações e os atuais desafios do direito

Os meios de comunicação adquiriram grande vulto na história recente da humanidade. Desde o aprimoramento da imprensa escrita, sua evolução se confunde com o próprio desenvolvimento da civilização, tomando um papel crucial em vários acontecimentos históricos. Marshall McLuhan e Bruce Powers, analisando a recente história da comunicação no século XX, afirmam que os meios de comunicação tiveram crucial importância no processo de globalização, formando-se uma verdadeira “aldeia global”.[18]

De fato, muitas das previsões se concretizaram. Sua implementação se deve em grande parte à popularização de meios de comunicação necessariamente massificantes, como a televisão e o rádio. A Internet representa um momento posterior, de superação, regido por uma interatividade em que a possibilidade de escolhas pelo usuário é em tese infinita. Assim, “se para Mcluhan o meio era a mensagem, hoje, a mensagem é o meio. Isso determina uma forma de visão própria de se enxergar o próprio direito.”[19] Uma aldeia, porém descentralizada.

Afirma-se que o meio de comunicação, por si só, não é instrumento idôneo para a transmissão da informação. Isso porque nem toda informação é passível de ser transmitida por qualquer meio. Há limites a ela intrínsecos difíceis de ser superados. É o caso da palavra, que traz consigo um conteúdo semântico, mas encontra limites culturais idiomáticos, por exemplo.[20]

A Internet parece ser uma potente forma de superação desses limites. Os exemplos são muitos. A redução das mais variadas formas de profusão do conhecimento à linguagem binária e o consequente armazenamento em forma de arquivos eletrônicos por meio da informática, aliada aos protocolos de transferências de informações que compõem a rede demonstram a drástica redução dos custos de transação[21], ajudando a desenvolver novas formas de negócios, novos modelos de organização empresarial.

Especificamente nas relações com os consumidores, todo esse arcabouço técnico a serviço do fornecedor constitui importante meio de publicidade dos produtos ou serviços que oferece, utilizando-se de sinais audiovisuais cuja complexidade é crescente e que paulatinamente hipervulnerabilizam o consumidor pelo completo desconhecimento das relações jurídicas de que passa a fazer parte.

Cláudia Lima Marques aponta os desafios apresentados à ciência do direito pela consolidação dessa nova realidade, abrangendo a despersonalização da relação jurídica, onde o sujeito consumidor é identificado não pelos meios tradicionais, mas por algoritmos combinados em forma de protocolos IP[22].

Afigura-se o consumidor, nas palavras da autora, como “um sujeito ‘mudo’ em frente a um écran”[23], num panorama de desmaterialização dos contratos, representados por bits e códigos binários e concluídos por meio de cliques no mais das vezes induzidos por caóticos estímulos audiovisuais, “cheios de imagens, cores, sons, lembretes escritos, figuras, etc.”[24]

Outra característica marcante do meio é a desconfiança, em caminho oposto à consagração do princípio da boa fé objetiva, de cuja essência extrai a tutela das legitimas expectativas do consumidor, norteando a própria aplicação das normas do CDC. [25]

Sucede que, no âmbito específico dos contratos, a regulamentação já ocorre, de longa data, seja no âmbito do direito comunitário europeu(Diretiva n o. 31/2000), na lei uniforme elaborada pela UNCITRAL(Comissão de Direito do Comércio Internacional da ONU), de 1996, assim como na legislação estrangeira de vários países, como Inglaterra, Estados Unidos, Alemanha, Colômbia, Argentina, França, Itália, Espanha e Portugal, dentre outros, versando sobre a prova do contrato, as assinaturas eletrônicas e os nomes de domínio, etc.

O direito brasileiro, infelizmente, não acompanha o ritmo da regulamentação ocorrida em outros países, ao passo que a existência de uma lei especial sobre a contratação eletrônica certamente aumentaria o nível de proteção dos consumidores em face da especificidade do meio. Diversos projetos de lei “dormem” no Congresso Nacional há mais de dez anos, dentre os quais se destaca especialmente o projeto n o. 1589/99, elaborado pela comissão especial de informática jurídica da OAB/SP. [26]

No tocante à definição dos direitos e responsabilidades dos cidadãos, empresas e governo na web , está em fase de elaboração , de maneira participativa, aberta a sugestões do público em geral, a minuta preliminar do anteprojeto do Marco Civil da Internet, cujo conteúdo foi submetido à discussão pública no site culturadigital.br/marcocivil/.

A iniciativa do anteprojeto coube ao Ministério da Justiça, em parceria com o Observatório Brasileiro de Políticas Digitais do Centro de Tecnologia e a Sociedade da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro, encontrando-se em debate público até o dia 31/03/2011. O anteprojeto institui no Brasil o primeiro marco regulatório da privacidade e tratamento de dados pessoais, sendo estes previstos como dados pessoais, sendo estes entendidos como “qualquer informação relativa a uma pessoa identificada ou identificável, direta ou indiretamente, incluindo todo endereço ou número de identificação de um terminal utilizado para conexão a uma rede de computadores”.

Consoante o anteprojeto, salvo exceções especificamente previstas, o tratamento de dados pessoais somente pode ser realizado mediante consentimento livre, expresso e informado do titular, revogável a qualquer momento, que poderá ser dado por escrito ou por outro meio que o certifique, após a notificação prévia deste.

O anteprojeto, no entanto, traz diversos pontos polêmicos, em especial o seu artigo 20, que condiciona a responsabilização dos provedores por conteúdos ilícitos ou ofensivos à prévia notificação judicial.  Tal dispositivo, caso aprovado como se encontra, obstaculizará termos de ajustamento de conduta firmados entre os principais provedores, como a Google, e o Ministério Público Federal e os Ministérios Públicos de diversos Estados, como Rio de Janeiro e São Paulo, possibilitando o livre acesso às informações acerca dos usuários para fins de persecução criminal.[27]

Lamentavelmente, o “lobby” formado pelos próprios operadores econômicos do setor teve presença marcante nas discussões sobre o anteprojeto, ameaçando conquistas alcançadas de maneira gradual, em detrimento do interesse público, especialmente em matéria de responsabilização dos provedores, onde se visualizam hoje os maiores problemas decorrentes dos vícios e acidentes de consumo nas redes sociais virtuais, sobretudo haja vista a abrangência da norma do artigo 17 da Lei n o. 8078/90, que equipara aos consumidores todas as vítimas do evento (“bystanders”).

O Código de Defesa do Consumidor , verdadeira lei principiológica que acaba de completar 20 anos de vigência, reviu dois velhos dogmas em matéria de relações obrigacionais, ao diluir as fronteiras entre a responsabilidade civil contratual e extracontratual e relativizar o efeito inter partes dos contratos.[28]

Trata-se de um tema ainda em construção. Em recente precedente do Superior Tribunal de Justiça enfrentou-se a temática dos danos morais decorrentes de envio de spams, e-mails indesejados contendo propaganda não solicitada e enviados em massa para os consumidores. A prática tão comum no meio virtual é maciçamente criticada pela doutrina, que preconiza a responsabilidade do ofertante por abuso do direito (art. 187, CC) , sem prejuízo das sanções da publicidade abusiva (art. 37, § 2º, CDC).[29] Malgrado, desafortunadamente, assim não entendeu a Corte.[30] Por ocasião de tal julgamento, causaram espécie as declarações do então presidente da turma julgadora, Ministro. Fernando Gonçalves, que assim confidenciou: “não sei nada de computador e nem quero saber.”[31]

O pedagogo americano Marc Prensky afirma que a informática e a telemática, nos dias de hoje, cindiram o mundo em dois momentos distintos. O estágio atual em que se encontra a civilização na era digital contrapõe-se ao pretérito, em que o conhecimento necessariamente se expressava por meios táteis. Dessa forma, dividem-se as pessoas em nativos digitais e imigrantes digitais. As mudanças se incorporaram a cultura de maneira tão drástica que se tornaram irreversíveis. Assim, aos imigrantes[32], duas atitudes seriam possíveis, ou se lamentar, nostalgicamente, lembrando “como as coisas eram boas no antigo país”, ou procurar se adaptar, perdendo paulatinamente o “acento”, incorporando em seu cotidiano as novas práticas desse novo universo.[33]

O desconhecimento completo sobre o tema evidencia-se por si só. Assim, deduz-se que a vulnerabilidade do consumidor, que inspirou a construção e consolidação deste novo ramo do direito, toma proporções ainda mais alarmantes na Internet. Em outras palavras, a carência completa de informação por parte de imensa legião de usuários da Rede somente demonstra a hipervulnerabilidade do ciberconsumidor, cuja tutela somente será efetivada através de uma maior incidência promocional dos princípios constitucionais, em especial a dignidade da pessoa humana e a solidariedade social, promovendo um equilíbrio de forças entre as partes envolvidas.[34]

3.Redes sociais virtuais[35]

A rede social, antes de mais nada, representa uma alegoria. Trata-se de uma análise estrutural de um feixe de interconexões subjetivas. O estudo acerca das redes sociais remonta já à metade do século XX, mas sua inserção na atual atmosfera dos meios de comunicação, em especial da Internet, potencializou seus efeitos. Caracterizam-se, em linhas gerais, pela conjunção de dois aspectos , segundo Raquel Recuero:

Uma rede social é definida como um conjunto de dois elementos: atores (pessoas, instituições ou grupos; os nós da rede) e suas conexões (interações ou laços sociais). Uma rede, assim, é uma metáfora para observar os padrões de conexão ou grupo social, a partir das conexões estabelecidas entre os diversos atores. A abordagem de rede tem, assim, seu foco na estrutura social, onde não é possível isolar os atores sociais e suas conexões.[36]

Primeiramente, sabe-se que os atores são os indivíduos que constituem as interconexões com os outros. Porém, no caso das redes sociais virtuais, trata-se de uma representação, um perfil, que o usuário acessa por meio de uma identificação pessoal e uma senha, disponibilizando as informações capazes de individualizá-lo. Os chamados perfis são muito mais do que meros bancos de dados individualizados. Isso porque os atores das redes sociais são muitas vezes “construções de si” ou “narrações do eu”. Dessa forma, trata-se de uma representação da realidade, extraindo elementos por vezes ocultos na personalidade do sujeito.[37]

O problema deve ser alcançado pelo direito, à medida que a cláusula geral de tutela da pessoa impõe a proteção da personalidade em todas as suas facetas. Os chamados direitos da personalidade, construção dogmática que, hodiernamente, vem sendo paulatinamente compreendida entre a categoria de situação subjetiva existencial[38], impõem a proteção do direito “direito à identidade”, o direito de “ser si mesmo”. Logo, Stefano Rodotà afirma que essas identidades virtuais gozam do mesmo nível de tutela de qualquer outro bem da personalidade, podendo sofrer violação e, portanto, serem passíveis tanto da tutela inibitória como indenizatória.[39]

No que concerne às conexões, embora se afirme que a Internet trouxe um enfraquecimento dos laços relacionais, o que ocorre, na verdade, é o surgimento de novas relações humanas, propiciadas e fomentadas pelo ambiente digital, traduzindo formas de convivência diferenciadas, a desafiar os operadores do direito.

Assim ocorre , apenas a título de exemplificação, na avaliação , em matéria de ação de alimentos, do binômio possibilidade-necessidade à luz de informações declaradas por uma das partes em uma rede social virtual. Da mesma forma, informações constantes das redes sociais têm sido utilizadas inclusive em processos de seleção de empregados, discutindo-se ainda , no direito de família, sobre a infração do dever conjugal de fidelidade a partir de mensagens ou informações veiculadas na Internet.

As rebeliões recentemente ocorridas no Egito, Tunísia e Líbia, entre janeiro e março de 2011, traduzem a força das redes sociais, que concentraram grande parte dos protestos e discussões populares em face de governos totalitários que terminaram destituídos.

Outra forte característica das redes sociais é a formação de um infindável contingente de capital social. A temática é muito cara à economia[40], tratando-se, ainda, de elemento fundamental para a compreensão da forma de remuneração dos serviços prestados via web 2.0. Sabe-se que, hoje, há um nítido reconhecimento do conteúdo intrinsecamente econômico das formas de organização social em rede. Os laços que se desenvolvem podem ser paulatinamente fortalecidos se inseridos numa atmosfera de confiança entre os membros de determinada comunidade, o qual só se dá por meio de regras claras, transparentes e eficientes.

Afirmou-se que na transformação da rede, uma das principais características foi o incentivo à inserção de informações pelos próprios usuários, de maneira participativa. Assim, modificaram-se as formas de prestação de serviço, que passam a ser cada vez mais remuneradas indiretamente.

Hoje, é possível saber quais as preferências do usuário, por meios dos sites que acessa, ou mesmo das palavras que digita em um mecanismo de busca, por exemplo, criando-se verdadeiros “perfis” acerca do cruzamento dos dados de conexão. A remuneração, hoje, não é mais calculada por meio do número de acessos aos websites, mas sim pelo número de cliques em determinado link (cost per click). Assim se calculam os preços dos contratos de publicidade através da estimativa de consumidores em potencial, especificados pelas informações que disponibilizam sobre si mesmos, revelando preferências, opções religiosas, sexuais, a cidade em que vivem, etc..[41] Posto isto, convém delimitar o regime jurídico aplicável às redes sociais virtuais.

3.1 O regime jurídico das redes sociais virtuais

Tendo em vista, portanto, o valor econômico do capital social das redes e, assim, das informações que constituem as interações entre os perfis, já não há que mais que se falar em gratuidade das relações jurídicas entre os sites e seus membros, usuários e, portanto, consumidores dos serviços oferecidos. Em que pesem precedentes em contrário,[42] a manutenção de páginas pessoais nas redes sociais virtuais, ainda que não cobrada diretamente, é remunerada por meio dos contratos de publicidade e, portanto, constitui negócio jurídico oneroso, enquadrando-se no conceito de serviço do artigo 3º, parágrafo segundo da Lei n o . 8078/90.

A disparidade entre fornecedor e o membro da rede social, por outro lado, é premente. Além de ser induzido a contratar por técnicas agressivas de publicidade, geralmente feitas por intermédio de spams, o consumidor se encontra em condição de vulnerabilidade por não conhecer as nuances técnicas que permeiam a relação em que figura. Em suma, o desconhecimento completo, dentre outras situações, dos meios jurídicos de se refutar uma ofensa direta promovida por um estranho à sua imagem-atributo[43], ou de se inibir a criação de um perfil falso por utilização não autorizada de sua imagem-retrato[44], ou mesmo de se evitar a manutenção de uma “comunidade” de conteúdo difamatório[45] ilustram as dificuldades encontradas pelo consumidor quanto à informação nas redes sociais virtuais.

Perquire-se, outrossim, qual seria o objeto dessa relação consumerista. Responde-se com amparo na própria jurisprudência, que reconhece que os sites que mantém as redes, como Orkut, Facebook ou My Space, dentre outros, travam com seus usuários a relação de armazenamento de dados e disponibilização para acesso por meio de links. Dessa maneira, atuam como provedores de hospedagem, incorrendo em seu regime de responsabilização civil. Nesse sentido, a seguinte decisão proferida pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:

EMENTA: RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MORAIS. PROVEDOR DE SERVIÇOS DE HOSPEDAGEM NA INTERNET. GOOGLE. ORKUT. PERFIL FALSO. CONTEÚDO FLAGRANTEMENTE ILÍCITO. DEVER DE INDENIZAR RECONHECIDO. 1. Para a caracterização da relação de consumo, o serviço deve ser prestado pelo fornecedor mediante remuneração. No entanto, o conceito de “remuneração” previsto na referida norma consumerista abrange tanto a remuneração direta quanto a indireta. Precedente da Corte no caso específico. 2. O Google, como administrador do site de relacionamentos ORKUT, em que armazena informações postadas por seus usuários, não responde pelo respectivo conteúdo, pois não está obrigado a promover monitoramento prévio a respeito. Contudo, havendo denúncia de abuso, por parte de usuário, tem o dever de remover perfil manifestamente falso e capaz de gerar danos morais. Conduta omissiva e culposa que corresponde à prestação defeituosa do serviço, pois não ofereceu a segurança que dele legitimamente se poderia esperar. 3. Danos morais in re ipsa, que decorrem dos fatos narrados e demonstrados nos autos. APELO PROVIDO.[46]

3.2. O consumidor em risco. A responsabilidade dos provedores de hospedagem e a regra do “notice and takedown”. Crítica ao tratamento da matéria no marco civil da Internet.

Mais do que evitar que as vítimas fiquem irresarcidas, a principiologia civil-constitucional, que encontra seu sentido e razão na dignidade da pessoa humana(art. 1º., III, Constituição da República)[47], dirige-se à necessidade de ser garantido o direito de alguém não mais ser vítima de danos.

Paralelamente ao espaço já ocupado pela reparação dos danos já ocorridos, cujo monopólio deixa de existir[48], desponta o princípio da precaução, voltado à eliminação prévia(anterior à produção do dano) dos riscos da lesão, revelando-se de grande importância, para tanto, a imposição de obrigações de fazer ou não fazer, consagradas no artigo 84 e parágrafos do Código de Defesa do Consumidor, bem como no Código Civil, art. 247 e seguintes, estes com forte influência do Código de Processo Civil, em especial no artigo 461 e seus parágrafos, implicando uma tendência de despatrimonialização da responsabilidade civil.

A retirada de uma informação ofensiva, assim como a sua retificação ou, conforme o caso, a retratação por parte do responsável, dentre outras prestações de fazer ou não fazer, possuem grande importância nessa técnica de eliminação do dano.

Configurada a relação de consumo entre a rede social, que trava relações de hospedagem de conteúdo dos dados fornecidos pelo consumidor, seja em forma de palavras, imagens e assim por diante, incide em sua totalidade o regime de responsabilidade civil pelo fato do produto e do serviço presente no CDC.

Afirma Bruno Miragem que os regimes de responsabilidade dos provedores de Internet, embora possam variar quanto à norma aplicável, assemelham-se quanto às consequências de sua aplicação. Mesmo nas relações privadas que não sejam de consumo, regidas pelo Código Civil, em muitos casos a atividade habitualmente desenvolvida é capaz por si só de ocasionar a responsabilidade por risco da atividade, nos termos do parágrafo único do art. 927 do Código Civil. Logo, dão causa a risco de danos a terceiros, aproximando-se “sensivelmente do regime de responsabilidade por danos imposto aos fornecedores de serviço do Código de Defesa do consumidor.”[49]

Por seu turno, parte da doutrina entende de forma diversa, com certo respaldo jurisprudencial. Apoiam-se na ausência do chamado dever geral de vigilância pelo provedor de serviço de Internet. Em primeiro lugar, na legislação estrangeira, o artigo 15, apartado primeiro, da Diretiva 2000/31 da Comunidade Européia, conjunto de normas que trata das relações de mercado ligadas à Internet, prevê uma cláusula de exclusão da obrigação geral de vigilância por parte do provedor para com seus usuários.[50]

Além disso, nos Estados Unidos, o Telecommunications Decency Act, de 1996, que traz uma série de conceitos legais sobre Internet e estabelece severas sanções para os responsáveis pela publicação através da Rede de conteúdo não somente ilícito, como moralmente reprovável. Também enuncia normas que os exime os provedores de “dever de vigiar intensamente seus usuários”[51], futuramente chamado de “obrigação geral de vigilância” pelos europeus.

A consideração, ainda que por exclusão ou negação, de um dever geral de vigilância, mais do que um retrocesso em direção à culpa, em plena era do risco, mostra-se prejudicial aos consumidores, considerada a hierarquia constitucional das normas consumeristas.

Consoante tal visão, o provedor de hospedagem somente seria responsabilizado se, uma vez notificado da presença de material ilícito no site, cuja demora excessiva acarretaria sua culpa e, portanto, responsabilidade solidária em conjunto com o ofensor. Nesse sentido, afirma Marcel Leonardi:

Nota-se, portanto, que a responsabilidade dos provedores de hospedagem por atos ilícitos é subjetiva, advindo apenas de eventual conduta omissiva, de negligência ou imprudência, tendo aplicação o art. 186 do Código Civil. A responsabilidade somente poderá ser invocada caso o ISP e o hosting service providers, avisados sobre o conteúdo ilícito da página, insistirem em mantê-la.[52]

A excludente apoia-se na regra do notice and takedown, oriundo da sistemática legal norteamericana. Parece-se ir de encontro às novas tendências da responsabilidade civil atual, de abandono de enfoque acerca do dano causado em prol da reparação do dano sofrido, consequência natural da própria irradiação da tábua axiológica constitucional.[53]

A atual redação do artigo 20 do anteprojeto do marco civil da Internet inclusive esvazia a maior virtude do notice and takedown, que permite aos provedores de serviços tomar conhecimento da existência de material ilegal em seus servidores e removê-lo sem a necessidade de medida judicial específica com o mesmo propósito. Em plena era dos meios alternativos de solução de conflitos, o marco civil, da forma como se encontra proposto, judicializa questões que já se encontravam resolvidas através de outros instrumentos mais ágeis, como os termos de ajustamento de conduta(TACs).[54]

A importação acrítica da regra norte-americana implicaria a consagração de uma inversão do ônus da prova em detrimento do consumidor, em afronta à norma imperativa do artigo 51, VI do Código de Defesa do Consumidor. Ficaria o consumidor, então , na dependência de o fornecedor disponibilizar um meio de notificação, o que implica, nas palavras de Stefano Rodotà,

Não o consumidor como o destinatário da informação, mas o consumidor como “produtor da informação”com caráter promocional, como no caso dos anúncios publicitários, nos quais em certo momento se diz: “caso não deseje que as informações recebidas com este pedido de venda sejam transferidas a terceiros, bloqueie esta caixa postal”; evidente é neste caso a atribuição ao consumidor, enquanto produtor da informação, do direito de controlar a modalidade de circulação das próprias informações.[55]

Em face da vulnerabilidade técnica e informacional do consumidor na Internet, mostra-se excessivo condicionar a responsabilidade do fornecedor a uma atitude prévia do consumidor, o que afronta, inclusive, o principio constitucional do livre acesso ao Judiciário(Constituição da República, art. 5º., XXXV).

Em matéria de conteúdos ofensivos via Orkut, causa preocupação um recente acórdão do Superior Tribunal de Justiça, da lavra da Ministra Fátima Nancy Andrighi, que sempre se destacou em seus votos pela concretização do direito do consumidor como direito fundamental.

Trata-se do Recurso Especial n o. Nº 1.193.764, da 3ª turma, julgado em 14.12.2010, que deixou de responsabilizar o provedor, por considerar que, não obstante a indiscutível existência de relação de consumo no serviço prestado por intermédio do Orkut, a responsabilidade do Google deve ficar restrita à natureza da atividade por ele desenvolvida naquele site. Segundo tal visão, no que tange à fiscalização do conteúdo das informações postadas por cada usuário, não se trata de atividade intrínseca ao serviço prestado, de modo que não se pode reputar defeituoso, nos termos do art. 14 do CDC, o site que não examina e filtra o material nele inserido.

A melhor solução aponta no sentido contrário[56] ,com base nos artigos 12 a 14 da Diretiva CEE n o. 31/2000), pois , onde há controle, deve haver responsabilidade. A partir do momento em que o provedor intervém na comunicação, dando-lhe origem, escolhendo ou modificando o conteúdo ou selecionando o destinatário, passa a ser considerado responsável, pois a inserção de conteúdos ofensivos constitui fortuito interno, ou seja, risco conhecido e inerente ao seu empreendimento.

Conclui-se, dessa forma, ser objetiva, com fundamento no artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, a responsabilidade pelo fato do serviço do detentor do site em que se encontram os links que contém dados sensíveis dos usuários, por se utilizarem dessa maciça aglutinação de informações para obterem sua remuneração em gigantescos contratos de publicidade e, acima de tudo, por deterem os meios técnicos de se individualizar os reais causadores dos danos. Para tal fim, podem ser consideradas bystanders as vítimas do evento danoso.[57]

Em que pesem os argumentos utilitaristas em favor dos fornecedores, de impossibilidade técnica[58] de manutenção de instrumentos aptos a se evitarem tais danos, essa não é a melhor explicação para o problema. Isto porque, em uma sociedade de massa, cujos prejuízos são distribuídos entre os agentes por meio da gestão do risco decorrente (risk management) de suas atividades profissionais, nada mais justo que a pulverização dos eventuais custos no preço dos contratos de publicidade, e, se preciso for, até mesmo a securitização dos possíveis futuros prejuízos.

No conflito entre liberdade de expressão[59] do autor do dano e a dignidade das vítimas, caberá a esta sempre a primazia, observada, sobretudo, a hierarquia constitucional do direito do consumidor(CR, art. 5º., XXXII e 170, V).

A função social, enquanto limite interno inspirado na dignidade da pessoa humana(art.1º. III, CR) e na solidariedade social(art. 3º, I, CR), impõe aos fornecedores de serviços perseguir, ao lado da sua atividade econômica, interesses metaindividuais, ligados à sociedade como um todo, de modo a tornar sua autonomia e sua liberdade de expressão merecedoras de tutela perante o ordenamento civil-constitucional.

Nas palavras do Ministro Antonio Herman Benjamin, em importante voto envolvendo o bloqueio de comunidades e páginas de relacionamento para a veiculação de material ofensivo,

A Internet é o espaço por excelência da liberdade, o que não significa dizer que seja um universo sem lei e infenso à responsabilidade pelos abusos que lá venham a ocorrer. No mundo real, como no virtual, o valor da dignidade da pessoa humana é um só, pois nem o meio em que os agressores transitam nem as ferramentas tecnológicas que utilizam conseguem transmudar ou enfraquecer a natureza de sobreprincípio irrenunciável, intransferível e imprescritível que lhe confere o Direito brasileiro.

 Quem viabiliza tecnicamente, quem se beneficia economicamente e, ativamente, estimula a criação de comunidades e páginas de relacionamento da Internet é tão responsável pelo controle de eventuais abusos e pela garantia dos direitos da personalidade de internautas e terceiros como os próprios internautas que geram e disseminam informações ofensivas aos valores mais comezinhos da vida em comunidade, seja ela real, seja virtual.

Essa co-responsabilidade – parte do compromisso social da empresa moderna com a sociedade, sob o manto da excelência dos serviços que presta e da merecida admiração que conta em todo mundo – é aceita pelo Google, tanto que atuou, de forma decisiva, no sentido de excluir páginas e identificar os gângsteres virtuais. Tais medidas, por óbvio, são insuficientes, já que reprimir certas páginas ofensivas já criadas, mas nada fazer para impedir o surgimento de outras tantas, com conteúdo igual ou assemelhado, é, em tese, estimular um jogo de Tom e Jerry, que em nada remedia, mas só prolonga, a situação de exposição, de angústia e de impotência das vítimas das ofensas(g.n.)[60]

4. Considerações finais

A explosão das redes sociais permite às pessoas exercer uma nova subjetividade, marcada por uma nova formação e delimitação das situações existenciais, trazendo, igualmente, novas oportunidades para a ocorrência de danos.

A dignidade da pessoa humana atua como referência inafastável para a prevenção e reparação dos danos decorrentes de condutas como os perfis falsos ou a divulgação de material ofensivo, devendo sempre prevalecer sobre a liberdade de expressão do causador do dano.

A regra do notice and takedown oriunda do direito norte-americano não pode ser importada acriticamente, desconsiderando a realidade brasileira e o status constitucional da defesa do consumidor, que atua como direito fundamental e princípio geral conformador da ordem econômica, merecendo uma maior reflexão o tratamento da matéria no anteprojeto do marco civil para a regulamentação da Internet no Brasil. Do contrário, instituir-se-á uma inversão do ônus da prova em detrimento do consumidor, em afronta à norma do artigo 51, VI da Lei no. 8078/90.

A responsabilidade civil dos prestadores de serviços nas redes sociais virtuais pelos danos à pessoa humana decorrentes do meio é objetiva, na forma do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, não se podendo admitir a inexistência de um dever geral de vigilância, sob pena de um retrocesso em direção à culpa, em plena era do risco.

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[1] Mestrando em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Bacharel em Direito pela Universidade Estadual Paulista – UNESP. Aluno intercambiário da Universidade de Santiago de Compostela – Espanha. Pesquisador bolsista FAPERJ e ex-pesquisador FAPESP. Advogado.
[2] Mestrando em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Bacharel em Direito pela Universidade Estadual Paulista – UNESP. Aluno intercambiário da Universidade de Santiago de Compostela – Espanha. Pesquisador bolsista FAPERJ e ex-pesquisador FAPESP. Advogado.
édia colaborativa, em que os usuários inserem seu conteúdo. São muitos os exemplos: blogues, redes sociais, troca de arquivos P2P e outros. Cf. O’RELLY. Tim. O que é Web 2.0? Padrões de design e modelos de negócios para a nova geração de software. Publicado em http://www.oreilly.com/. Tradução: Miriam Medeiros. Revisão técnica: Julio Preuss. Novembro 2006 Disponível em: http://www.cipedya.com/web/FileDownload.aspx?IDFile=102010. Acesso em: 09 dez. 09.
[3] MARTINS, Guilherme Magalhães. Responsabilidade civil por acidente de consumo na Internet. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p.80.
[4] Para  Marcel Leonardi, “A escala e os tipos de informação disponíveis aumentam exponencialmente com a utilização de tecnologia. É importante recordar que, como a informação é coletada em forma eletrônica, torna-se extremamente simples copiá-la e distribui-la, podendo ser trocada entre indivíduos, companhias e países ao redor de todo o mundo.
A distribuição da informação pode ocorrer com ou sem o conhecimento da pessoa a quem pertencem os dados, e de forma intencional ou não. Há uma distribuição não intencional quando os registros exibidos contêm mais informações do que as que foram solicitadas ou, ainda, quando tais dados são furtados. Muitas vezes, determinadas “fichas cadastrais” contêm mais dados do que o necessário ou solicitado pelo utilizador.
Como se tudo isto não bastasse, há que se destacar o perigo que representam as informações errôneas. Ser considerado inadimplente quando não se deve nada a ninguém ou ser rejeitado em uma vaga de emprego sem justificativa aparente são apenas alguns dos exemplos dos danos que dados incorretos, desatualizados ou propositadamente errados podem causar(…)Os efeitos de um pequeno erro podem ser ampliados de forma assustadora. Quando a informação é gravada em um computador, há pouco incentivo para se livrar dela, de forma que certos registros podem permanecer à disposição por um longo período de tempo. Ao contrário da informação mantida em papel, dados armazenados em um computador ocupam muito pouco espaço e são fáceis de manter e de transferir, e como tal podem perdurar indefinidamente”. LEONARDI, Marcel. Responsabilidade civil pela violação do sigilo e privacidade na Internet. In: SILVA, Regina Beatriz Tavares da; SANTOS, Manoel J.Pereira dos(coord.). Responsabilidade civil na Internet e nos demais meios de comunicação. São Paulo: Saraiva, 2007. p.339-340.
[5] BAUMAN, op.cit., p.08.
[6]  Acerca do tema, recomenda-se a leitura do texto de Stefano Fadda, lembrando-se que a  disciplina específica da Diretiva 97/66/CE , em matéria de  tutela da vida privada e dos dados pessoais no setor das telecomunicações,  aprofunda e integra as normas gerais da Diretiva n o. 95/46/CE, aplicando-se aos serviços de telecomunicações acessíveis ao público nas redes de informações públicas, aqui incluída a Internet.Cf. FADDA, Stefano. La tutela dei dati personali del consumatore telematico. In: CASSANO, Giuseppe(org.)Commercio elettronico e tutela del consumatore. Milano: Giuffrè, 2003. p.290-291.
Segundo Têmis Limberger, o dado pessoal é uma informação que permite identificar uma pessoa de maneira direta. Dessa forma, imperiosa sua proteção, de modo a  prevenir ou eliminar possíveis iniquidades, para que os não sirvam como instrumento apto a prejudicar as pessoas, o que deve ocorrer em sua coleta, em seu armazenamento ou na utilização apenas para os fins para que são captados. LIMBERGER, Têmis. O Direito à intimidade na era da informática. A necessidade de proteção dos dados pessoais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 62.
[7] SIBILIA, Paula. O show do Eu; A intimidade como espetáculo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008. p. 27. Nas palavras da autora Ibid., p.08, uma característica da sociedade contemporânea é a hipertrofia do eu, enaltecendo o desejo de ser diferente e querer sempre mais:”Hoje, a megalomania e a excentricidade não mais parecem desfrutar da qualificação de doenças mentais ou desvios patológicos, como outrora ocorreu”.
[8] “A ‘subjetividade’ numa sociedade de consumidores, assim como a ‘mercadoria’ numa sociedade de produtores é (para usar o oportuno conceito de Bruno Latour) um fatishe – um produto profundamente humano elevado à categoria de autoridade sobrehumana mediante o esquecimento ou a condenação à irrelevância de suas origens demasiado humanas, juntamente com o conjunto de ações humanas que levaram ao seu aparecimento e que foram condição sine qua non para que isso ocorresse.” BAUMAN, Zygmunt. op. cit. p. 23.
[9] SIBILIA, Paula. op. cit. p. 275.
[10] DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Tradução de Estela dos Santos Abreu. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997. p.13-15.
[11] Essa é a visão de Guy Debord, op.cit., p.13: “as imagens que se destacaram de cada aspecto da vida fundem-se num fluxo comum, no qual a unidade dessa mesma vida já não pode ser restabelecida. A realidade considerada parcialmente apresenta-se em sua própria unidade geral como um pseudomundo à parte, objeto de mera contemplação. A especialização das imagens do mundo se realiza no mundo da imagem autonomizada, na qual o mentiroso mentiu para si mesmo. O espetáculo em geral, como inversão concreta da vida, é o movimento autônomo do não-vivo”.
[12]Code and other laws of cyberspace. New York: Basic Books, 1999. p.10 e seg.
[13] Especificamente com relação ao aplicativo second life, cujos usuários desenvolvem atividades por meio de personagens(“avatares”), sustenta Sérgio Iglesias Nunes de Souza, sugerindo a criação de um tribunal virtual no próprio ambiente: “se adotamos a referência origem de que o Second Life será um mundo totalmente paralelo e autônomo, teremos, inevitavelmente, que aceitar uma nova estrutura normativa(…)Do outro lado, apesar da autonomia existente, podemos enfocar o Second Life como uma extensão da atividade humana concretizada nas relações cibernéticas interativas. Desse modo, a interatividade do direito seria plena, apesar de autônoma. Por exemplo, o personagem criado “avatar” é nada mais do que uma extensão e uma forma de expressão da conduta e personalidade humana, mas jamais será pessoa para o direito(…)A regulação jurídica deverá ser como uma extensão da atividade humana, sob pena de se perder de vista o centro de importância dos seus interesses: o ser humano”Cf. SOUZA, Sérgio Iglesias Nunes de. Lesão nos contratos eletrônicos na sociedade da informação. São Paulo: Saraiva, 2009. p.338-339.
[14] Cf. MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antônio Herman V.; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de direito do consumidor. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 26
[15] MARTINS, Guilherme Magalhães. A defesa do consumidor como direito fundamental na ordem constitucional. In: ______ . Temas de Direito do Consumidor. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.p.01.
[16] “O cidadão-consumidor, ou melhor, a pessoa-consumidor, se projeta na dimensão constitucional, de modo que, na hipótese de conflito entre o respectivo direito fundamental – sobretudo quando traduzido nas situações jurídicas existenciais – e as exigências de mercado livre, sua primazia se mostra fora de discussão.” MARTINS, Guilherme Magalhães. A defesa do consumidor como direito fundamental na ordem constitucional. in MARTINS, Guilherme Magalhães (coord.). Temas de Direito do Consumidor. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 6.
[17] WILHELMSSON, Thomas. The consumer´s right to knowledge and the press. In: ______ . ; TUOMINEN, Salla; TUOMOLA, Heli. Consumer law in the information society. Hague: Kluwer, 2001. p.368.
[18] “La aldea global no es un libro del siglo XIX, Uno con expectativas enciclopédicas; es un libro que nunca tiene la respuesta final, que trae el pasado al presente para poder ver un futuro alternativo, un futuro donde toda la economía parezca moverse rápidamente hacia servicios encomendados individualmente hechos de medida.” POWERS, Bruce R. Prefacio. in MCLUHAN, Marshall; POWERS, Bruce R. La aldea global.  Transformaciones en la vida de los medios de comunicación mundiales en el siglo XXI. Barcelona: Gedisa, 1989.  p. 14.
[19] PINHEIRO, Patrícia Peck. Direito digital. 3. ed. . São Paulo: Saraiva, 2009. p. 7.
[20] Assim, a comunicar não seria simplesmente transferir a informação, mas sim transmiti-la por intermédio de um processo multiplicador. Nessa auréola, v. LUHMANN, Niklas. A realidade dos meios de comunicação. Tradução Ciro Marcondes Filho. São Paulo: Editora Paulus, 2005. p. 17.
[21] Os transaction costs estudados tanto pela Teoria Econômica como pelo Direito, significam, em linhas gerais, os custos de negociação, implementação e execução dos contratos. Cf. LORENZETTI Ricardo L. Comercio eletrônico. Tradução de Fabiano Menke com notas de Claudia Lima Marques. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. p. 49 e ss.  Segundo Ejan Mackaay , englobam os custos de se identificar um contratante em potencial, de se chegar a um acordo, buscando-se um comportamento estratégico que satisfaça às expectativas de lucro. Cf. MACKAAY, Ejan. History of law and economics. University of Montreal, 1999. Disponível em: http://www.cdaci.umontreal.ca/pdf/mackaay_history_law.pdf. Acesso em 21. out. 2009. p. 10.
[22] Abreviação de Internet Protocol, ou protocolo de Internet, que determina o endereço dos remetentes e destinatários da rede.
[23]MARQUES, Claudia Lima. op. cit. p. 63.
[24] Idem. p.81.
[25] Cf. MARQUES, Claudia Lima. Confiança no comércio eletrônico e a proteção do consumidor: um estudo dos negócios jurídicos de consumo no comércio eletrônico. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. p. 63.
[26] A certificação digital é regulada especificamente pela Medida Provisória n o. 2.200-2, de setembro de 2001, atualmente em vigor(visto que anterior à entrada em vigor da Emenda Constitucional n o. 32, de 11.9.01), que criou a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira(ICP-Brasil), órgão federal destinado a garantir a autenticidade, integridade e validade jurídica dos documentos em forma eletrônica e das aplicações que utilizam certificados digitais
[27] Não é por outro motivo que o Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais do Ministério Público dos Estados e da União(CNPG) aprovou, por unanimidade, no dia 20/05/2010, uma nota técnica questionando os artigos 14, 16, 20 e 22 do marco civil da Internet, pelo fato de os aludidos dispositivos dificultarem a repressão aos crimes praticados por meio da Internet, em particular os perpetrados contra crianças e adolescentes, contribuindo para a impunidade.
  O artigo 14 do anteprojeto prevê a preservação, por apenas seis meses, dos dados cadastrais e de conexão dos usuários. Tal prazo contraria um termo de mútua cooperação firmado perante autoridades do poder público, inclusive dos Ministérios Públicos Federal e Estadual, juntamente com empresas concessionárias de telecomunicações e instituições da sociedade civil, que, considerando o tempo médio necessário à apuração desse tipo de ilícitos, estabeleceu um prazo de três anos para a manutenção daquelas informações.
Segundo a nota do CNPG, a redução do prazo “redundará, além de inegável retrocesso, em estímulo à impunidade, eis que impossibilitada será, na maioria dos casos concretos, a produção de prova material necessária à individualização da conduta delitiva”.
O CNPG questiona ainda o artigo 16, III do anteprojeto, que assim estabelece – “Art. 16 –A guarda de registros de acesso a serviços de Internet dependerá de autorização expressa do usuário e deverá obedecer ao que segue, sem prejuízo às demais normas e diretrizes relativas à proteção de dados pessoais:
III – os dados que permitam a identificação do usuário somente poderão ser disponibilizados de maneira vinculada aos registros de acesso a serviços de Internet mediante ordem judicial”(g.n.). Consoante a aludida nota, isso restringe o acesso a “dados que, conforme a tradição do ordenamento jurídico brasileiro, sempre independeram da instância judicial”.
Por fim, o art. 22 estabelece que “ao tornar indisponível o acesso ao conteúdo, caberá ao provedor do serviço informar o fato ao usuário responsável pela publicação, comunicando-lhe o teor da notificação de remoção e fixando prazo razoável para a eliminação definitiva do conteúdo”. Tal dispositivo, ainda segundo a nota do CNPG, contradiz o artigo 20 do Código de Processo Penal: “a autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade”. Conclui a nota técnica que “a compra e venda pela Internet de imagens de violência sexual praticada contra crianças movimenta mundialmente cerca de US$ 3 bilhões, segundo estimativa do FBI. Apenas no site de relacionamentos Orkut, os especialistas estimam a ocorrência de 700 crimes desse tipo por mês, ou seja, 23 por dia, quase um por hora”.
O artigo 20 do anteprojeto será comentado no item 5.2, relativo à responsabilidade dos provedores de hospedagem.
[28] MARTINS, Guilherme Magalhães. Formação dos contratos eletrônicos de consumo via Internet. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p.96.
[29] Nesse sentido, Idem, p.39-40.
[30] Ementa: DANOS MORAIS. SPAM. Trata-se de ação de obrigação de fazer cumulada com pedido de indenização por danos morais em que o autor alega receber e-mails (spam com mulheres de biquíni) de restaurante que tem show de streaptease e, mesmo tendo solicitado, por duas vezes, que seu endereço eletrônico fosse retirado da lista de e-mail do réu (recorrido), eles continuaram a ser enviados. Entre os usuários de internet, é denominada spam ou spammers mensagem eletrônica comercial com propaganda não solicitada de fornecedor de produto ou serviço. A sentença julgou procedente o pedido e deferiu tutela antecipada para que o restaurante se abstivesse do envio da propaganda comercial sob pena de multa diária, condenando-o a pagar, a título de danos morais, o valor de R$ 5 mil corrigidos pelo IPC a partir da data do julgamento, acrescidos de juros de mora, contados a partir do evento lesivo. Entretanto, o TJ proveu apelação do estabelecimento e reformou a sentença, considerando que o simples envio de e-mails não solicitados, ainda que dotados de conotação comercial, não configuraria propaganda enganosa ou abusiva para incidir o CDC e não haveria dano moral a ressarcir, porquanto não demonstrada a violação da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem. Para o Min. Relator, que ficou vencido, o envio de mensagens com propaganda, quando não autorizada expressamente pelo consumidor, constitui atividade nociva que pode, além de outras consequências, gerar um colapso no próprio sistema de internet, tendo em vista um grande número de informações transmitidas na rede, além de que o spam teria um custo elevado para sociedade. Observou que não há legislação específica para o caso de abusos, embora existam projetos de lei em tramitação no Congresso. Daí se aplicar por analogia o CDC. Após várias reflexões sobre o tema, reconheceu a ocorrência do dano e a obrigação de o restaurante retirar o autor de sua lista de envio de propaganda, e a invasão à privacidade do autor, por isso restabeleceu a sentença. Para a tese vencedora, inaugurada pelo Min. Honildo de Mello Castro, não há o dever de indenizar, porque existem meios de o remetente bloquear o spam indesejado, aliados às ferramentas disponibilizadas pelos serviços de e-mail da internet e softwares específicos, assim manteve a decisão do Tribunal a quo. Diante do exposto, a Turma por maioria não conheceu do recurso. REsp 844.736-DF, Rel. originário Min. Luis Felipe Salomão, Rel. para acórdão Min. Honildo de Mello Castro (Desembargador convocado do TJ-AP), julgado em 27/10/2009.
[31] Fonte: MIGALHAS nº 2.256, 28.10.2009. in: http://www.migalhas.com.br/. Acesso em 17.dez.2009.
[32] Como já assinalou o presidente francês Nicolas Sarkozy, em afirmação aqui tomada em duplo sentido, “a imigração seletiva é praticada por quase todas as democracias do mundo”, de modo que “a França seja capaz de escolher seus imigrantes segundo nossas necessidades”. BAUMAN, op.cit., p.12, associa tal afirmação à seleção de seres humanos consoante a regra do mercado de escolher o melhor produto da prateleira, mas nada impede a aplicação de tal “regra” à inclusão digital.
[33] Cf. PRENSKY, Marc. Digital Natives, Digital Immigrants. in On the Horizon. MCB University Press, Vol. 9 No. 5, October 2001. p. 3. Disponível em: http://www.marcprensky.com/writing/Prensky%20-%20Digital%20Natives,%20Digital%20Immigrants%20-%20Part1.pdf. Acesso em 25.dez.2009.
[34] Sobre o tema, V. FERNANDEZ, Eusébio. Teoría de la justicia y derechos humanos. Madrid: Debate, 1984. p. 43-44.
[35] O conceito de rede social virtual é abrangente. Conforme se verá, os modelos de negócios da web aos quais se alude quando se utiliza a expressão dizem respeito, em sua maioria a sites de redes sociais. Danah M. Boyd e Nicole B. Ellison apontam as características principais dos sites de redes sociais. São aqueles que permitem aos usuários: (1) a construção de um perfil público ou semi-público em um sistema que os liga permanentemente de alguma maneira; (2) a articulação com muitos usuários, possibilitando-se a comunicação entre eles (3) ver e compartilhar sua lista de contatos e a de outros usuários por meio do próprio sistema. Cf. BOYD, Dannah M.; ELLISON, Nicole B. Social network sites: Definition, history, and scholarship. Journal of Computer-Mediated Communication,13 (1), article 11. 2007. Disponível em: http://jcmc.indiana.edu/vol13/issue1/boyd.ellison.html  Acesso em: 21 nov. 2010. Neste trabalho, as expressões são utilizadas como sinônimos.
[36] RECUERO, Raquel. Redes sociais na Internet. Porto Alegre: Sulina, 2009. p. 24.
[37] “Por que tudo isto, que parece tão fútil, é digno de atenção? […] Não se trata de meras futilidades sem importância, pois tais habilidades são cada vez mais imprescindíveis para poder lidar adequadamente com os demais e para obter sucesso nos diversos mercados da atualidade. Esses novos “modos de ser” que hoje se configuram, assim treinados no dia a dia das telas e dos teclados, são mais úteis e produtivos na hora de saciar as demandas da nossa sociedade.” SIBILIA, Paula. O espetáculo do eu. inRevista mente e cérebro. Fevereiro/09. http://www2.uol.com.br/vivermente/reportagens/o_espetaculo_do_eu.html. Acesso em: 16 fev. 2011.
[38] PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional. Tradução de  Maria Cristina de Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 760 e seg..
[39] Cf. RODOTÀ, Stefano. A vida na sociedade da vigilância: a privacidade hoje. Organização, seleção e apresentação de Maria Celina Bodin de Moraes. Tradução de Danilo Doneda e Luciana Cabral Doneda. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p.116.
[40] São muitas as definições sobre capital social, mas é a partir da década de noventa que se dá importância ao tema, como significante critério para a concessão de financiamentos pelo Banco Mundial. Sustenta a referida instituição que: “O capital social reflete as normas que possibilitam ações coletivas. Engloba instituições, relações e costumes que compõem a qualidade e quantidade das interações sociais. É fundamental para as sociedades prosperarem economicamente e para que seu desenvolvimento seja sustentável. Quando manejado corretamente, é capaz de aumentar a efetividade dos projetos e de sua sustentabilidade por fortalecer a capacidade de uma comunidade de trabalhar em grupo em prol de seus objetivos comuns, fomentando maior inclusão e coesão, aumentando a transparência e o cometimento para com os resultados.” in: http://go.worldbank.org/VEN7OUW280. Acesso em: 22. dez.2009. Tradução livre.
[41] A título de exemplo, cita-se a aquisição de 1,6 % do capital da rede social Facebook pela Microsoft Inc. pelo valor de 240 Milhões de dólares. O valor estimado para a rede social, incluindo os bens e relações jurídicas que compõem seu patrimônio foram avaliados em 15 bilhões de dólares. Cf. HAMILTON, Anita. Why Microsoft Overpaid for Facebook. TIME.COM. Disponível em: http://www.time.com/time/business/article/ 0,8599,1675658,00.html#ixzz0aT8yYMJ4. Acesso em 22. dez. 2009.
[42] EMENTA: RESPONSABILIDADE CIVIL – DANOS MORAIS – ORKUT – SITE DE RELACIONAMENTO – EXPOSIÇÃO DE IMAGEM – TEXTO DE CONTEÚDO PEJORATIVO E DIFAMATÓRIO. RESPONSABILIDADE DO “DONO” E CONTROLADOR DO GRUPO. RECURSO A QUE SE DÁ PROVIMENTO. Sabe-se o Orkut é um serviço fornecido gratuitamente, com o objetivo de incentivar seus usuários a criar novas amizades e manter relacionamentos. São milhões de usuários, criando “perfis” para se relacionar com os demais usuários cadastrados, que ali compartilham e buscam informações, sendo tais informações de livre acesso, inclusive nas “comunidades”, ou seja, não apenas os que dela participam podem visualizar seu conteúdo. Assim, se o ofendido tem sua imagem exposta, na gigantesca rede, através de publicação de foto e texto direcionado a criticar atitudes e características suas, de caráter pejorativo e difamatório, o “dono” (“owner”), como é chamado o criador e controlador das atividades do grupo, responde pelos danos morais daí defluentes. (TJMG – APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0024.05.890294-1/001 – 9ª CÂMARA CÍVEL – RELATOR: DES. TARCISIO MARTINS COSTA – 10.04.2007.) (g.n.).
[43] Ementa: ORKUT – TUTELA ANTECIPADA – PEDIDO CONSUBSTANCIADO NA EXCLUSÃO DE COMUNIDADE VIRTUAL – POSSIBILIDADE – OFENSAS PROFERIDAS POR PESSOAS ANÔNIMAS, O QUE IMPOSSIBILITA O AUTOR DE PROTEGER SEUS DIREITOS DA PERSONALIDADE ADEQUADAMENTE – DECISÃO REFORMADA. RECURSO PROVIDO. Agravo de Instrumento nº 5621844200. (TJSP -Relator(a): Neves Amorim. Comarca: Itanhaém. Órgão julgador: 2ª Câmara de Direito Privado. Data do julgamento: 24/03/2009. Data de registro: 07/04/2009). Grifo nosso.
[44] Ementa: Apelação Cível. Rito Ordinário. Criação de perfil falso em site de relacionamentos denominado “Orkut”. Legitimidade da Google Brasil. Responsabilidade objetiva que decorre da disponibilização do conteúdo na rede mundial de computadores. A parte ré, como administradora do site de relacionamentos, permite a inserção de conteúdos pelos seus usuários, sem nenhuma espécie de filtro ou controle, o que remete o fato ofensivo à seara dos riscos do negócio, exsurgindo daí a responsabilidade objetiva da ré. Dano moral configurado. Quantum indenizatório corretamente fixado em R$ 10.000,00, em obediência aos critérios de proporcionalidade e razoabilidade. IMPROVIMENTO DOS DOIS RECURSOS. (TJRJ – Apelação nº 2009.001.52083 – RELATOR DES. PEDRO SARAIVA ANDRADE LEMOS – Julgamento: 30/09/2009 – DECIMA CAMARA CIVEL). (g.n.)
[45] Ementa: TUTELA ANTECIPADA – OBRIGAÇÃO DE FAZER – «ORKUT» – VEICULAÇÃO EM COMUNIDADE VIRTUAL DE CONTEÚDO OFENSIVO À HONRA DA AUTORA – DECISÃO MANTIDA – AGRAVO NÃO PROVIDO. Mostram-se verossímeis as alegações tecidas pelos agravados, fundadas em prova documental, indicando que o site de relacionamento «Orkut» veicula conteúdo ofensivo à imagem dos autores/agravados. Propondo-se a disponibilizar o serviço, é de se atribuir a agravante o ônus de impedir a manutenção ou criação de comunidades com finalidade vexatória aos agravados, não podendo a mesma alegar eventual impossibilidade técnica de ingerência no conteúdo do site. À unanimidade de votos, negou-se provimento ao agravo de instrumento. (TJPE – Agravo de Instrumento nº 165004-8 –Relator: Desembargador Leopoldo de Arruda Raposo – 5ª Câmara Cível – Data de Julgamento: 26/3/2008). Grifo nosso.
[46] Apelação Cível Nº 70025752866, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Relator: Luiz Ary Vessini de Lima, Julgado em 18/06/2009. Grifo nosso.
[47] A dignidade, para os fins da norma supra, pode ser compreendida como o instrumento que confere a cada um o direito ao respeito inerente à qualidade de homem, bem como a pretensão de ser colocado em condições idôneas a exercer as próprias aptidões pessoais, assumindo as posições a estas correspondentes. PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil. Tradução Maria Cristina de Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 37. Ingo Wolfgang Sarlet define a dignidade da pessoa humana como “(…) a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria vida em comunhão com os demais seres humanos”. SARLET, Ingo Wolfgang.  Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. 4.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p.60.
[48] VINEY, Droit civil, op.cit., p.57.
[49] Cf. MIRAGEM, Bruno. Responsabilidade por danos na sociedade da informação e proteção do consumidor: defesas atuais da regulação jurídica da Internet.  Revista de Direito do Consumidor. Ano 18. n. 70. Abr-jun./2009. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 51.
[50] “1. Os Estados Membros não imporão aos prestadores, para o fornecimento dos serviços mencionados nos artigos 12º, 13º e 14º, uma obrigação geral de vigilância sobre as informações que estes transmitam ou armazenem, ou uma obrigação geral de procurar ativamente fatos ou circunstâncias que indiciem ilicitudes.” Os artigos mencionados tratam, respectivamente, da responsabilidade
[51]SEC. 230. PROTECTION FOR PRIVATE BLOCKING AND SCREENING OF OFFENSIVE MATERIAL. […]`(1) TREATMENT OF PUBLISHER OR SPEAKER- No provider or user of an interactive computer service shall be treated as the publisher or speaker of any information provided by another information content provider. (2) CIVIL LIABILITY- No provider or user of an interactive computer service shall be held liable on account of (A) any action voluntarily taken in good faith to restrict access to or availability of material that the provider or user considers to be obscene, lewd, lascivious, filthy, excessively violent, harassing, or otherwise objectionable, whether or not such material is constitutionally protected; or (B) any action taken to enable or make available to information content providers or others the technical means to restrict access to material described in paragraph (1). FEDERAL COMMUNICATIONS COMMISSION, op. cit, online.
[52] LEONARDI, Marcel. Responsabilidade civil dos provedores de serviço de Internet. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2005. p. 176. No mesmo sentido, Sônia Aguiar do Amaral Vieira, para quem a responsabilidade dos hosting service providers será sempre subjetiva, sendo preciso se apurar a culpa. Cf. VIEIRA, Sonia Aguiar do Amaral. Inviolabilidade da vida privada e da intimidade pelos meios eletrônicos. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002. p. 145.
[53]MARTINS, Guilherme Magalhães, Responsabilidade civil…,. op. cit. p. 306-307.
[54] A redação original do artigo 20 do marco civil para a regulação da Internet era a seguinte, consagrando a notificação administrativa do provedor: “art. 20 – O provedor de serviço de Internet somente poderá ser responsabilizado por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se for notificado pelo ofendido e não tomar as providências para, no âmbito de seu serviço e dentro de prazo razoável, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente. Parágrafo primeiro – os provedores de serviços de Internet devem oferecer de forma ostensiva ao menos um canal eletrônico dedicado ao recebimento de notificações e contranotificações. Parágrafo segundo. É facultado ao provedor de serviços de Internet criar mecanismo automatizado para atender aos procedimentos dispostos nesta Seção”.Já a proposta de nova redação do artigo 20 é a seguinte: “O provedor de serviço de internet somente poderá ser responsabilizado por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após intimado para cumprir ordem judicial a respeito, não tomar as providências para, no âmbito do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente”.
[55] RODOTÀ, Stefano. Persona-consumatore.In: STANZIONE, Pasquale(coord.) La tutela del consumatore tra liberismo e solidarismo. Napoli: Edizione Scientifiche Italiane, 1999. p.26(tradução livre)
[56] MARTINS, Guilherme Magalhães. Responsabilidade civil por acidente… , op.cit., p.297.
[57] Cf. MIRAGEM, Bruno. op. cit. p. 62.
[58] O argumento técnico é desmentido por Jimmy Wales, fundador da Wikipédia, que, em entrevista à revista Veja, respondeu à seguinte indagação: “Segundo um estudo da Universidade de Minessota, nos Estados Unidos, o tempo médio para a correção de um erro na Wikipédia é de doze horas. Como tornar o processo mais ágil? “. Em resposta, o empreendedor norte-americano afirmou: “Já está mais rápido. Criamos um software que funciona como um ´filtro de ofensas´. É uma ferramenta que permite a identificação automática de edições problemáticas. Isso diminui bastante o tempo de resposta no conserto de páginas vandalizadas. O fato de termos colaboradores que praticamente adotam os artigos de seu interesse também ajuda no controle de qualidade”(g.n.). WALES, Jimmy. O rival da Britannica(entrevista). Revista Veja. São Paulo, 16 dez. 2009. p.22.
[59] Thomas Wilhelmsson recorda que, mesmo em se tratando de um direito fundamental, requisito básico de uma sociedade aberta e democrática, a liberdade de expressão encontra diversas exceções, sobretudo em matéria de publicidade, área onde a regulação é permitida. WILHELMSSON, Thomas, op.cit., p.371.
[60] Recurso Especial n o. 1117633-RO, 2ª t, j.09.03.2010, assim ementado: “PROCESSUAL CIVIL. ORKUT. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. BLOQUEIO DE COMUNIDADES. OMISSÃO. NÃO-OCORRÊNCIA. INTERNET E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. ASTREINTES. ART.461, parágrafos 1º ao 6º do CPC. INEXISTÊNCIA DE OFENSA(…)9-O Tribunal de Justiça de Rondônia não decidiu conclusivamente a respeito da possibilidade técnica desse controle eficaz de novas páginas e comunidades. Apenas entendeu que, em princípio, não houve comprovação da inviabilidade de a empresa impedi-las, razão pela qual fixou as astreintes. E, como indicado pelo Tribunal, o ônus da prova cabe à empresa, seja como depositária de conhecimento especializado sobre a tecnologia que emprega, seja como detentora e beneficiária de segredos industriais aos quais não têm acesso vítimas e Ministério Público,10-Nesse sentido, o Tribunal deixou claro que a empresa terá oportunidade de produzir as provas que entender convenientes perante o juiz de primeira instância, inclusive no que se refere à impossibilidade de impedir a criação de novas comunidades similares ou já bloqueadas. 11-Recurso Especial não provido”.

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