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É possível a cobrança de preços diferenciados de acordo com a forma de pagamento?
Rafael Simonetti Bueno da Silva
23/03/2016
Imagine a seguinte hipótese: um consumidor dirige-se a uma loja de perfumes e escolhe o produto que pretende adquirir. O preço do produto está estampado na prateleira, sem qualquer menção a acréscimos ou descontos.
No momento de fechar a compra, esse consumidor é questionado sobre qual será a forma de pagamento, ocasião em que ele solicita o pagamento por meio de seu cartão na modalidade crédito.
O vendedor da loja resolve então informar que o preço à vista do produto com pagamento em dinheiro ou cheque é diferenciado do pagamento à vista com cartão de crédito, havendo a necessidade da inserção de acréscimo, caso a segunda opção seja a escolhida pelo consumidor.
Agiu conforme a lei este vendedor?
É permitida a cobrança de preços diferenciados de acordo com a forma de pagamento escolhida pelo consumidor no momento de finalizar a compra?
De acordo com recente julgado do Superior Tribunal de Justiça (STJ), tal possibilidade não é permitida.Vejamos os motivos relacionados pelo Tribunal da Cidadania:
A 2ª Turma do STJ, no Recurso Especial n. 1.479.039-MG, Rel. Min. Humberto Martins, j. em 6/10/2015 (Info 571), decidiu que
o pagamento em cartão de crédito, uma vez autorizada a transação, libera o consumidor de qualquer obrigação perante o fornecedor, pois este dará ao consumidor total quitação. Assim, o pagamento por cartão de crédito é modalidade de pagamento à vista, pro soluto, implicando, automaticamente, extinção da obrigação do consumidor perante o fornecedor.(grifo nosso)
Ressalta, ainda, o julgado: “a diferenciação entre o pagamento em dinheiro, cheque ou cartão de crédito caracteriza, portanto, prática abusiva no mercado de consumo, a qual é nociva ao equilíbrio contratual”.
Como se sabe, foi reconhecida pelo ordenamento jurídico a vulnerabilidade do consumidor na relação de consumo, de maneira que, para atender ao princípio da isonomia, foram criados vários mecanismos para buscar a igualdade real entre as partes[1].
Assim, o art. 39 do CDC traz, de maneira exemplificativa, uma série de atos considerados práticas abusivas e que são vedados na relação de consumo. Entre esses atos estão os previstos nos incisos V e X:
Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:
[…]
V – exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;
[…]
X – elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços.
Com esse primeiro fundamento, o STJ entendeu que constitui prática abusiva a situação em que o fornecedor determina preços mais favoráveis para o consumidor que paga em dinheiro ou cheque em detrimento daquele consumidor que paga com cartão de crédito à vista.
O estabelecimento comercial tem a garantia do pagamento das compras efetuadas pelo consumidor por meio de cartão de credito, pois a administradora assume inteiramente a responsabilidade pelos riscos do crédito, incluindo as possíveis fraudes. O pagamento por cartão de crédito, uma vez autorizada a transação, libera o consumidor de qualquer obrigação ou vinculação junto ao fornecedor, pois este dará ao comprador total quitação. Assim, o pagamento por cartão de crédito é modalidade de pagamento à vista, pro soluto, porquanto implica, automaticamente, extinção da obrigação do consumidor perante o fornecedor” (STJ – Resp 1.479.039-MG, Rel. Min. Humberto Martins, j. em 6/10/2015).
Além desse fundamento, o julgado sob análise também entendeu que a Lei n. 12.529/2011, que reformula o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, considera infração à ordem econômica, a despeito da existência de culpa ou de ocorrência de efeitos nocivos, a discriminação de adquirentes ou fornecedores de bens ou serviços mediante imposição diferenciada de preços, além da a recusa à venda de bens ou à prestação de serviços em condições de pagamento corriqueiras na prática comercial (art. 36, X e XI):
Lei n. 12.529/2011:
Art. 36 […]
§ 3º As seguintes condutas, além de outras, na medida em que configurem hipótese prevista no caput deste artigo e seus incisos, caracterizam infração da ordem econômica:
[…]
X – discriminar adquirentes ou fornecedores de bens ou serviços por meio da fixação diferenciada de preços, ou de condições operacionais de venda ou prestação de serviços;
XI – recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, dentro das condições de pagamento normais aos usos e costumes comerciais.
Por fim, como terceiro fundamento para o caso em testilha, o preconizado acórdão discorreu sobre a vedação das cláusulas abusivas no direito do consumidor.
Cláusulas abusivas, em síntese, são aquelas que estabelecem obrigações iníquas, acarretando desequilíbrio contratual entre as partes e ferindo os princípios da boa-fé e da equidade. Trata-se de um conceito aberto com conteúdo semântico flexível, a ser topicamente preenchido pelo julgador à luz das variáveis concretas[2].
De acordo com o art. 51 do CDC, as cláusulas abusivas são nulas de pleno direito e o rol estabelecido pelo dispositivo não é exaustivo, tratando-se de rol meramente aberto que permite o enquadramento de outras abusividades que ferem os princípios relacionados acima.
Assim,
Como bem reconheceu o Tribunal de origem, o lojista que, para mesmo produto ou serviço, oferece desconto ao consumidor que paga em dinheiro ou cheque em detrimento daquele que paga em cartão de crédito estabelece cláusula abusiva apta a transferir os riscos da atividade ao adquirente, lembrando-se que tal abusividade independe da má-fé do fornecedor.(STJ – Resp 1.479.039-MG, Rel. Min. Humberto Martins, j. em 6/10/2015).
Conclui-se, portanto, que não se afigura possível que os estabelecimentos comerciais cobrem mais caro pelo produto a depender da escolha do consumidor no momento do pagamento – em dinheiro, cheque ou cartão de crédito à
vista –, por ser tal conduta considerada prática abusiva e, consequentemente, ilegal.
Há que se ressaltar, no entanto, apenas uma exceção. Se o consumidor optar pelo pagamento com cartão de crédito e parcelar o valor total da compra, é possível que o estabelecimento comercial cobre mais caro pelo produto, pois, nesse caso, os custos dos juros do parcelamento podem ser repassados ao consumidor. Há que se observar, nesse caso, apenas o princípio da informação, havendo a obrigatoriedade de o fornecedor informar ao consumidor todas as peculiaridades desse parcelamento, como taxa de juros, por exemplo.
[1] SILVA, Rafael Simonetti Bueno da. Direito do Consumidor: Magistratura e Ministério Público. Questões comentadas. SILVA, Rafael Simonetti Bueno da; MASSON, Cléber Rogério (Coord) Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2011. p. 199.
[2] SILVA, Rafael Simonetti Bueno da. Direito do Consumidor: Magistratura e Ministério Público. Questões comentadas.SILVA, Rafael Simonetti Bueno da; MASSON, Cléber Rogério.(Coord.)Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2011. p. 234.
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