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Segurança jurídica e modulação de efeitos das decisões de tribunais superiores

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Segurança jurídica e modulação de efeitos das decisões de tribunais superiores

CONSTITUIÇÃO FEDERAL

MODULAÇÃO DE EFEITOS

Ingo Wolfgang Sarlet

Ingo Wolfgang Sarlet

01/09/2023

No âmbito do controle concentrado e abstrato de constitucionalidade, a teor dos artigos 27 e 11, respectivamente das Leis nº 9.868/99 e nº 9.882/99, a técnica da modulação de efeitos da declaração de inconstitucionalidade abriga um comando implícito de aplicação do princípio da proporcionalidade, ao permitir o uso da modulação quando a segurança jurídica e/ou o excepcional interesse social exigirem a contenção da eficácia retroativa da decisão em controle de constitucionalidade [1].

Modulação dos efeitos e Doutrina Constitucional

No que diz respeito à doutrina constitucional, a relação entre proporcionalidade e modulação dos efeitos é sublinhada já desde muito tempo, o que se ilustra com transcrição de trecho de texto da lavra de Daniel Sarmento, que, quanto ao ponto, explica:

Sem embargo, nós entendemos que o princípio da proporcionalidade pode também ser utilizado para uma outra finalidade, da qual não tem cogitado a doutrina pátria: ele se presta também, segundo a nossa concepção, para modular os efeitos das decisões proferidas no controle de constitucionalidade, sempre que gravitarem em torno da decisão diversos interesses constitucionais em conflito. Trata-se de endereçar o princípio não apenas ao Legislativo e Executivo, responsáveis pela edição de normas jurídicas e atos administrativos, mas também aos atos do Poder Judiciário, tais como aqueles praticados no exercício do controle de constitucionalidade, por via abstrata ou concreta”[2]. (grifos nossos)

Jurisprudência do STF

Na jurisprudência do STF, tem sido recorrente o entendimento no sentido da possibilidade e mesmo necessidade de a decisão tomada em controle de constitucionalidade ser modulada a fim de solucionar conflitos entre princípios e direitos fundamentais, decorrentes da aplicação irrestrita da eficácia ex tunc da decisão.

Em caráter exemplificativo, colhemos os seguintes trechos ilustrativos do entendimento firmado:

“Há, portanto, um juízo de proporcionalidade em sentido estrito envolvido nessa excepcional técnica de julgamento. A preservação de efeitos inconstitucionais ocorre quando o seu desfazimento implica prejuízo ao interesse protegido pela Constituição em grau superior ao provocado pela própria norma questionadaEm regra, não se admite o prolongamento da vigência da norma sobre novos fatos ou relações jurídicas, já posteriores à pronúncia da inconstitucionalidade, embora as razões de segurança jurídica possam recomendar a modulação com esse alcance, como registra a jurisprudência da Corte. Em que pese o seu caráter excepcional, a experiência demonstra que é próprio do exercício da Jurisdição Constitucional promover o ajustamento de relações jurídicas constituídas sob a vigência da legislação invalidada, e essa Corte tem se mostrado sensível ao impacto de suas decisões na realidade social subjacente ao objeto de seus julgados”[3]. (grifos nossos)

“(…) fica evidente que a norma contida no art. 27 da Lei n.°9.868/99 tem caráter fundamentalmente interpretativo, desde que se entenda que os conceitos jurídicos indeterminados utilizados – segurança jurídica e excepcional interesse social — revestem-se de base constitucional. (…) Terá significado especial o princípio da proporcionalidade, especialmente em sentido estrito, como instrumento de aferição da justeza da declaração de inconstitucionalidade (com efeito da nulidade), em virtude do confronto entre os interesses afetados pela lei inconstitucional e aqueles que seriam eventualmente sacrificados em consequência da declaração de inconstitucionalidade. No presente caso, o Tribunal tem a oportunidade de aplicar o art. 27 da Lei n° 9.868/99 em sua versão mais ampla”[4]. (grifos nossos)

Como percebemos, no entendimento do STF, a modulação dos efeitos da decisão em sede de controle de constitucionalidade requer uma ponderação entre o princípio da nulidade da norma inconstitucional e a segurança jurídica e/ou o interesse social, além de outros princípios e direitos fundamentais afetados direta e indiretamente pelo grande impacto econômico de eventual decisão com efeitos retroativos.

Contudo, se no campo do controle da constitucionalidade de leis e atos normativos a técnica da modulação já encontrou ampla receptividade na prática decisória do STF, ela, embora mais recentemente e de modo ainda relativamente embrionário, passou a ser também manejada no Superior Tribunal de Justiça (STJ)

Jurisprudência do STJ

Com efeito, no caso das decisões do STJ, embora no passado houvesse intenso debate sobre a possibilidade de as Cortes Superiores modularem os efeitos retroativos e prospectivos de suas decisões, tal celeuma foi superada, como já desenvolvido em coluna anterior, pelo advento do Código de Processo Civil de 2015 (CPC).

Nesse sentido, relembre-se que o artigo 927, CPC, em especial no § 3º e no § 4º, traz de forma contundente a necessidade de prestígio da segurança jurídica também no agir do Estado-Juiz:

“Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:

(…)

§ 3º. Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica.

§ 4º. A modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese adotada em julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia.” (grifos nossos)

De fato, a partir da vigência do CPC/2015, nota-se que o STJ tem adotado a técnica de fixar efeitos prospectivos quando suas decisões alteram posicionamento anteriormente adotado pela Corte, e, assim, violam a expectativa legítima dos jurisdicionados, ofendendo, portanto, a segurança jurídica.

Por isso, também no caso de decisões do STJ, a técnica da modulação aplica-se de modo especial em situações que caracterizam a mudança de entendimento jurisprudencial com impacto desproporcional significativo no campo da restrição a direitos e garantias fundamentais, o que, por sua vez, guarda relação com o o dispo.

Nesse sentido, em caráter ilustrativo, colaciona-se trechos do acórdão no REsp 1.758.708/MS, Corte Especial, relatado pela ministra Nancy Andrighi, julgado em 20/4/2022:

“9. Em homenagem à segurança jurídica e ao interesse social que envolve a questão, e diante da existência de julgados anteriores desta Corte, nos quais se reconheceu a interrupção da prescrição em hipóteses análogas à destes autos, gerando nos jurisdicionados uma expectativa legítima nesse sentido, faz-se a modulação dos efeitos desta decisão, com base no § 3º do art. 927 do CPC/15, para decretar a eficácia prospectiva do novo entendimento, atingindo apenas as situações futuras, ou seja, as ações civil públicas cuja sentença seja posterior à publicação deste acórdão.”

Na mesma linha, calha reproduzir também trechos representativos da decisão proferida no REsp nº 1.813.684/SP, Corte Especial, relatoria para o acórdão do ministro Luís Felipe Salomão, julgado em 2/10/2019.

“4. É bem de ver que há a possibilidade de modulação dos efeitos das decisões em casos excepcionais, como instrumento vocacionado, eminentemente, a garantir a segurança indispensável das relações jurídicas, sejam materiais, sejam processuais.

5. Destarte, é necessário e razoável, ante o amplo debate sobre o tema instalado nesta Corte Especial e considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança, da isonomia e da primazia da decisão de mérito, que sejam modulados os efeitos da presente decisão, de modo que seja aplicada, tão somente, aos recursos interpostos após a publicação do acórdão respectivo, a teor do § 3º do art. 927 do CPC/2015″ [5]. (grifos nossos)

Em relação a essa última decisão, vale transcrever as razões apontadas pelo relator, ministro Luís Felipe Salomão para fixar efeitos prospectivos à decisão que alterava o entendimento da corte quanto à necessidade comprovação de feriados para demonstração de tempestividade recursal, no sentido de proteção da expectativa de direito“não parece razoável alterar-se a jurisprudência já consolidada deste Superior Tribunal, sem se atentar para a necessidade de garantir a segurança das relações jurídicas e as expectativas legítimas dos jurisdicionados” [6]. (grifos nossos)

Por tais razões, já se percebe que inexiste razão para não aplicar tais premissas e diretrizes, já consolidadas na jurisprudência do STF e já acolhidas e em franco desenvolvimento na práxis decisória do STJ, a todos os tribunais superiores, tendo em conta que, o princípio da — e o correlato direito fundamental à — segurança jurídica, os vinculam no que diz respeito à sua missão constitucional de definir o sentido da legislação federal, conferindo-lhe, quando exigido, o poder-dever de atribuir efeito prospectivo às suas decisões.

Tal poder-dever há de ser exercido sobremaneira quando a decisão em questão alterar posição anterior do tribunal, naquelas situações nas quais criou-se no jurisdicionado a confiança legítima no ordenamento jurídico tal qual interpretado pela Corte, ou ainda quando inaugurar interpretação a respeito de ponto sobre qual não havia anteriormente fixado entendimento [7].

Embora se possa (e deva) partir das premissas até agora enunciadas, também é verdade que com isso não se resolvem todos os problemas, teóricos e práticos, que dizem respeito à técnica da modulação dos efeitos das decisões pelos tribunais superiores, aqui com destaque para o STJ, nos casos de mudança jurisprudencial que impacte de modo desproporcional a segurança jurídica e outros direitos fundamentais. Mas isso será objeto de outra coluna.

Fonte: ConJur


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NOTAS

[1] As considerações de ordem teórica acerca do princípio (e dever) da proporcionalidade e sua relação com a técnica da modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade aqui apresentadas, foram desenvolvidas em Parecer de nossa autoria acostado aos autos da ADI nº. 2.332/DF, que tramita no STF, tendo por Relator o Exmo. Ministro Luís Roberto Barroso, ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – CFOAB.

[2] SARMENTO, Daniel. A eficácia temporal das decisões no controle de constitucionalidade. Revista de Direito Administrativo. v. 212. Rio de Janeiro, 1998. p. 38.

[3] STF, RE 870947 ED, rel. p/ ac. Min. Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, julgado em 03.10.2019.

[4] STF, ADI 875, ADI 1.987, ADI 2.727 e ADI 3.243/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgadas em: 24/2/2010.

[5] STJ, REsp nº 1.813.684/SP, Corte Especial, rel. p/ac. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 02.10.2019.

[6] STJ, REsp. 1.813.684/SP, Corte Especial, rel. p/ ac. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 02.10.2019.

[7] “De fato, embora a técnica de modulação de efeitos, no CPC/2015 tenha sido idealizada para situações de mudança de jurisprudência, restringi-la a essa hipótese seria ignorar as razões de segurança jurídica que orientaram o legislador” (ARRUDA ALVIM, Teresa; DANTAS, Bruno. Recurso Especial, Recurso Extraordinário e a Nova Função dos Tribunais Superiores. 6ª ed. São Paulo: Thomson Reuters, 2019, p. 293)

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