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Roe v. Wade, decisão que tornou legal o aborto nos EUA, corre perigo parcial

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João Carlos Souto

João Carlos Souto

06/05/2022

A imprensa noticia com certo alarde a possiblidade de o “direito ao aborto” vir a ser banido nos Estados Unidos em decorrência do vazamento do esboço de voto do juiz Samuel Alito, conservador indicado por George W. Bush, em que revogaria o precedente Roe v. Wade, decidido em 1973.

Antes de mais nada é preciso lembrar que se trata de um esboço. Explica-se: o processo decisório na Suprema Corte dos Estados Unidos é bem diferente do sistema adotado no Brasil. Lá em comum, desde sempre, a discussão e construção conjunta do voto.

Quando a Suprema Corte decide “receber” o writ of certiorari (que mais se aproxima do Recurso Extraordinário vigente no Brasil), não há sorteio de relator ou algo que o valha. O Presidente da Corte, lá denominado de Chief Justice, pode simplesmente avocar para si o direito de elaborar o voto, se ele estiver entre a maioria. Aquele responsável pela elaboração do voto o faz circular entre os pares, de modo a receber sugestões.

É nesse estágio que se encontrava o voto do juiz Alito, que elaborava o voto desde fevereiro deste ano. Muito provavelmente o voto iria naquela direção, mas poderia ter alterações substanciais.

Por isso que se especula que qualquer juiz pode ter vazado, de modo a pressionar em uma direção ou em outra.

Os conservadores para que “conservadores” continuem como tal, com esse posicionamento, porque algum poderia mudar de lado. Os liberais, ditos progressistas, porque sabedores que o resultado seria catastrófico teriam o interesse de que a sociedade tomasse conhecimento de antemão para, assim, pressionar no sentido contrário.

Dois itens são dignos de registro: i) O vazamento do voto, é algo extremamente raro e grave numa Instituição que preza muito pela discrição de si própria e do seu processo decisório. ii) Se a Corte efetivamente caminhar para revogar (overrule) o precedente Roe v. Wade (1973), isso não significará a proibição pura e simples do aborto na forma como foi decidido em 1973.

Roe v. Wade, os Estados ficam livres para legislar

A superação de Roe v. Wade, na prática, significa que os Estados ficam livres para legislar cada um à sua maneira. Isso porque a Constituição dos Estados Unidos, desde sua elaboração, em 1787, assegura os Estados-membros a legislar sobre Direito Civil, Direito Penal e Processual Penal, de modo que cada Estado normatizará o aborto da forma que melhor lhe aprouver. É evidente que vários Estados conservadores (Texas, Alabama, Mississipi) o farão de imediato, aliás, já caminham nesse sentido explorando brechas legais, como ocorre com o Estado do Texas, desde 2021. Outros, liberais (Califórnia, Nova Iorque), continuarão permitindo o aborto nos moldes decididos em Roe v. Wade.

Tudo isso está se tornando possível porque a Corte hoje tem uma maioria conservadora, construída especialmente durante a presidência Donald Trump (2017/2021). Por sinal, na 4ª edição do meu livro Suprema Corte dos Estados Unidos  –  Principais Decisões (Atlas, 2021) comento um artigo de autoria Amy Coney Barrett, então juíza da Corte de Apelações do 7º Circuito, em que ela deixa bem claro que os casos julgados pelo Tribunal Supremo que não se apresentem como “superprecedentes”, e Roe v. Wade seria um deles, embora ela não o mencione diretamente, poderia ser objeto de overrule, vale dizer, superação, revogação.

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