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CONSTITUCIONAL
FINANCEIRO E ECONÔMICO
Separação dos Poderes e orçamento público
Marcus Abraham
14/06/2022
Desde Aristóteles, passando por John Locke até chegar a Montesquieu, conhecemos propostas de tríades de poderes ou funções na estruturação do Estado: Poder Executivo, Legislativo e Judiciário, todos funcionando de maneira harmônica e independente, dentro de um modelo de separação dotado de freios e contrapesos, denominado “checks and balances system”.
Pretendemos, portanto, analisar nesta Coluna Fiscal a participação e a função de cada um dos Poderes da República na elaboração, execução e controle do orçamento público.
Papel dos poderes no orçamento público
E desde já iniciamos com a afirmação de que, durante todo o ciclo orçamentário, cada um dos Poderes terá a sua devida atribuição. Sinteticamente eu diria: cabe ao Poder Executivo propor o projeto de lei orçamentária e ao final executá-la; ao Poder Legislativo, cabe transformá-la em lei; e ao Poder Judiciário, quando demandado, controlar a sua constitucionalidade (excepcionalmente, também atuar subsidiariamente corrigindo falhas alocativas quanto à oferta de serviços públicos relacionados a direitos fundamentais).
Registro que aqui analisaremos apenas o modelo federal, lembrando que, pelo princípio da simetria, a maior parte destas regras se aplicam aos entes subnacionais.
Pois bem, o art. 165 da Constituição prevê que as leis orçamentárias serão elaboradas por iniciativa do Poder Executivo. Portanto, esse Poder tem o dever — iniciativa vinculada — de elaborar os projetos das leis orçamentárias, recebendo previamente as propostas dos demais Poderes e órgãos da sua esfera federativa para compatibilização e unificação, tudo conforme estipulado conjuntamente na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).
A propósito, exatamente para salvaguardar a autonomia financeira dos demais Poderes e órgãos autônomos, cada um deles elabora sua própria proposta orçamentária anual, a qual é enviada para o Poder Executivo para fins de consolidação. Assim é que, por exemplo, a Constituição estabelece ser ao Poder Judiciário assegurada autonomia administrativa e financeira, devendo os tribunais elaborar suas propostas orçamentárias dentro dos limites estipulados conjuntamente com os demais Poderes na LDO, bem como encaminhá-las ao Poder Executivo por meio dos presidentes de cada tribunal (art. 99, §§ 1º, 2º e 3º, CF/1988).
ADI 5.287
Contudo, afirmou o Supremo Tribunal Federal, na ADI 5.287, que não pode o chefe do Executivo realizar qualquer juízo de valor sobre o montante ou o impacto financeiro da proposta orçamentária de outro Poder ou órgão autônomo, cabendo-lhe tão somente consolidar a proposta encaminhada e remetê-la ao órgão legislativo correspondente, sem introduzir nela quaisquer reduções ou modificações.
Juntamente com o projeto, caberá ao chefe do Poder Executivo encaminhar mensagem ao Poder Legislativo contendo exposição circunstanciada da situação econômico-financeira, documentada com a demonstração da dívida fundada e flutuante, saldos de créditos especiais, restos a pagar e outros compromissos financeiros exigíveis, bem como uma exposição e justificação da política econômica e financeira do governo e, finalmente, uma justificação das receitas e despesas (art. 22 da Lei 4.320/1964). Mesmo após encaminhar os projetos de leis orçamentárias, ainda é permitido enviar mensagem ao Congresso Nacional para propor modificação nos projetos enquanto não iniciada a votação, na comissão mista, da parte cuja alteração é proposta (§ 5º, art. 166, CF/1988).
Poder legislativo e elaboração do orçamento público
Após esta etapa, ingressamos na fase em que o Poder Legislativo participa da elaboração do orçamento público. Aliás, o § 7º do artigo 166 da Constituição estabelece que se aplicam aos projetos de lei orçamentária, no que não contrariar as regras constitucionais, as demais normas relativas ao processo legislativo.
Assim sendo, os projetos de lei relativos ao plano plurianual, às diretrizes orçamentárias, ao orçamento anual e aos créditos adicionais serão apreciados pelas duas Casas do Congresso Nacional, na forma do regimento comum (art. 166, caput, CF/1988). O processo de análise e votação dos projetos orçamentários será realizado ao longo do prazo previsto em lei, que se inicia após o encaminhamento pelo Poder Executivo ao Legislativo, e deverá terminar, preferencialmente, logo antes do início do exercício financeiro em que vigerão as leis orçamentárias devidamente aprovadas, quando então serão executadas.
Comissão Mista Orçamentária
A apreciação dos projetos ficará a cargo da Comissão Mista Orçamentária (CMO) permanente de senadores e deputados a que alude o § 1º do art. 166 da Constituição Federal. Durante a análise e apreciação dos projetos, será possível aos congressistas oferecerem emendas aos projetos de leis orçamentárias, as quais serão apresentadas na comissão mista, que sobre elas emitirá parecer, e apreciadas, na forma regimental, pelo plenário das duas Casas do Congresso Nacional.
Encerradas as análises, emitido o parecer pela CMO, os projetos de leis orçamentárias serão votados pelo plenário do Congresso Nacional. Aprovado pelo Poder Legislativo, o projeto será encaminhado ao presidente da República para a respectiva sanção presidencial, promulgação e publicação no Diário Oficial. É possível, entretanto, que o presidente da República vete — total ou parcialmente — a proposta orçamentária. Neste caso, o projeto será devolvido ao Congresso Nacional no prazo de 15 dias, com a comunicação das razões do veto, para ser analisado e votado no Legislativo no prazo de 30 dias. Se o veto for rejeitado, será devolvido ao presidente da República para promulgação final. Se o veto for mantido, o projeto será promulgado pelo Executivo sem a parte que foi vetada.
Poder executivo e lei orçamentária
Uma vez aprovada, sancionada e publicada a lei orçamentária anual, o orçamento passa a ser executado a cargo do Poder Executivo, através do procedimento legal do empenho, liquidação e pagamento, dentro dos limites fixados na programação financeira, concretizando-se os programas e as ações nele previstas, realizando-se as despesas fixadas conforme as dotações ali destinadas. Nessa fase, cada um dos órgãos públicos recebe a sua dotação orçamentária, no processo denominado descentralização dos créditos orçamentários, para que cada Unidade Gestora Administrativa realize suas despesas, na forma do cronograma estabelecido para cada rubrica.
Como em qualquer atividade humana, a execução orçamentária também precisa ser devidamente acompanhada, fiscalizada e controlada. O acompanhamento da execução orçamentária é realizado por todos aqueles interessados no seu objeto, a partir dos relatórios periódicos que a Administração Pública está obrigada a divulgar. A fiscalização, por sua vez, refere-se à certificação feita pelos órgãos competentes (Tribunal de Contas, controladorias etc.) de que, na execução do orçamento público, estejam sendo atendidos os princípios e as regras pertinentes, buscando-se identificar possíveis irregularidades. O controle orçamentário envolve a correção de eventuais irregularidades encontradas na sua execução.
Um dos principais dispositivos nesta matéria é o art. 70 da Constituição, que nos apresenta as modalidades de fiscalização, seus aspectos, sobre o que recaem e, finalmente, as formas como se realizam. Assim, dispõe a referida norma que a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder.
Nesse sentido, importante lembrar que o controle externo é exercido pelo Poder Legislativo de cada ente, auxiliado pelo respectivo Tribunal de Contas, que exercerá a sua função auxiliando o Poder Legislativo como órgão técnico, especialmente para: a) apreciar as contas do titular do Poder Executivo; b) desempenhar a auditoria financeira e orçamentária; c) julgar as contas dos administradores públicos e responsáveis por quaisquer bens e direitos do Estado.
Poder judiciário e o papel no orçamento público
E ao Poder Judiciário, o que lhe cabe no processo orçamentário? Bem, diria que cabe a este poder exercer a função de uma espécie de “controle” a posteriori do orçamento público, tanto no aspecto formal (de elaboração ou execução), quanto no aspecto material (sobre a constitucionalidade do seu conteúdo, quer de maneira difusa ou concentrada).
Primeiro, temos o Poder Judiciário atuando em questões orçamentárias dentro do que se denomina “judicialização dos direitos fundamentais”, em demandas judiciais individuais ou coletivas em que se busca a entrega de bens ou serviços públicos que se enquadram em direitos fundamentais, como saúde e educação, por exemplo. Assim, o que o Poder Judiciário faz ao determinar — por meio de uma decisão judicial — a prestação de uma atividade estatal de natureza fundamental ou social ao cidadão demandante é, ao entender como devido aquele direito, corrigir uma situação que já deveria ter sido contemplada pelos Poderes Executivo e Legislativo no orçamento público, realocando os recursos financeiros para a finalidade requerida. Ou seja, implicitamente estaria sendo reconhecido que o orçamento público já deveria ter sido elaborado e executado de maneira a cumprir tal obrigação, situação que então passa a ser corrigida judicialmente, havendo um deslocamento de decisões alocativas dos órgãos de representação política para o Judiciário, baseado no princípio da subsidiariedade aplicado à atuação dos Poderes.
Outra forma de o Poder Judiciário atuar em matéria orçamentária se dá no controle abstrato e concentrado em face de leis orçamentárias, fato que ocorre a partir do julgamento da ADI nº 2.925-DF (em 19 de dezembro de 2003), quando se iniciou um processo de revisão jurisprudencial, momento em que o STF passou a admitir a propositura de ADI em face de leis orçamentárias, entendimento consolidado no julgamento das ADIs nº 4.048-MC e nº 3.949.
De tudo o que se viu, não restam dúvidas de que, ao longo de todo o processo orçamentário, desde a sua elaboração até a sua execução, cada um dos Poderes é dotado de uma função específica, exercendo o mecanismo de freios e contrapesos em matéria de orçamento público.
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