32
Ínicio
>
Clássicos Forense
>
Constitucional
>
Revista Forense
CLÁSSICOS FORENSE
CONSTITUCIONAL
REVISTA FORENSE
O moderno direito constitucional operário
Revista Forense
27/09/2023
SUMÁRIO: 1. O sentido da evolução das normas intervencionistas em favor do proletariado. 2. O contrato de trabalho. O individualismo jurídico do movimento revolucionário de 89 e o Código Napoleônico. Reação. 3. O Código germânico. 4. O direito de associação. 5. A liberdade de trabalho. 6. A constitucionalização do direito do trabalho. 7. Princípios gerais da constitucionalização e a Constituição de Weimar. 8. Fatôres. 9. Constituições do Brasil de 1891, de 1934 e de 19.37. 10. A Constituição de 46 e seu confronte com algumas Constituições ocidentais. 11. Conclusão.
1. O sentido da evolução das normas intervencionistas em favor do proletariado
No comêço do século XIX, as limitações impostas pela legislação civil, no tocante à regulamentação das relações jurídicas entre patrões e operários, se inspiravam, não na dignidade da personalidade humana dêstes, mas sim, por vêzes, em consideração tão-sòmente a terceiros, ao público. Só à medida que o trabalho vai adquirindo importância como fator social da produção, elemento básico da prosperidade, das nações, e que o proletariado se forma e cassa a constituir a classe mais numerosa, é que os legisladores se vêem forçados a voltar para a pessoa do operário, para protegê-la em si mesma, em sua dignidade, e as normas orientadas então nesse sentido transbordam, já agora, dos domínios do direito privado para os do direito público.
2. O contrato de trabalho. O individualismo jurídico do movimento revolucionário de 89 e o Código Napoleônico. Reação.
O contrato de trabalho sofreu, de perto, a influência dêsse movimento ele idéias. No Código Napoleão, de princípio do século XIX, dêsse “século da liberdade”, coma o definia NITTI, verificamos que a única disposição que se encontra sôbre a locação de serviços é o seu art. 1.780, que tem correspondente no art. 1.220 do nosso Cód. Civil:
“A locação de serviço não se poderá convencionar por mais de quatro anos, embora o contrato tenha por causa o pagamento de dívida do locador, ou se destine à execução de certa e determinada obra. Neste caso, decorridos quatro anos, dar-se-á por findo o contrato, ainda que não concluída a obra”.
A diferença, porém, surge, nitidamente, se atentarmos em que, no primeiro Código, não se fixa prazo para o contrato, mas se estabelece um princípio de ordem geral, proibindo a alienação ilimitada da liberdade individual, ao passo que o prazo expressamente limitado no segundo.
Em ambos, porém (e o nosso Código, como também os que foram promulgados durante aquêle século, e particularmente os dos novos neolatinos, se ressente da influência do Código Napoleônico), o princípio orientador dessa disposição é impedir que o sistema da liberdade contratual absoluta se transformasse, em derradeira conseqüência, numa espécie de escravidão.
Verdade é que, dêsse favor concedido, especialmente, em atenção à debilidade do operário, se pode prevalecer também, no direito pátrio, o “dador” de trabalho, invocando-o para a rescisão do contrato decorrido aquêle prazo de quatro anos, ao passo que, no direito francês, uns sustentavam que a nulidade era de caráter absoluto, enquanto que outros a diziam relativa, só podendo, pois, dela prevalecer-se o operário. O que, porém, se não pode negar é que daquele artigo do nosso Código Civil o que ressalta, de modo decisivo, é o fato de o Estado colocar-se contra o indivíduo, restringindo-lhe a liberdade, em favor do mesmo indivíduo, impedindo a sua escravidão.
É o seguinte o dispositivo do art. 1.780 do Código francês: “On ne peut engager ses services qu’a temps, ou pour une entreprise déterminée” (J. A. ROGRON, “Code Civil Expliqué”, 2ª parte, página 2.361).
Essa lacônica disposição sôbre a locação de serviços revela bem a pobreza do direito francês então vigente, a que se referia CHATELAIN, e confirmada, em 1902, a respeito da Espanha, por POSADA, quando recordava que apenas cinco artigos eram consagrados pelo Cód. Civil da Espanha ao “serviço de criados e trabalhadores assalariados”, tachando, no seu país, essa indigência de “miserável”.
Procurava-se, em vão, nos Códigos napoleônicos, segundo a lição de PAUL DURAND na Universidade de São Paulo, a consagração duma noção jurídica da emprêsa. As relações jurídicas – acrescenta êle – se não formavam senão entre o chefe da emprêsa e cada um dos empregados considerados isoladamente (“Arquivos do Instituto de Direito Social”, vol. 10, n° 2, dezembro de 1953).
Longe estávamos, portanto, do conceito atual da emprêsa, como organismo econômico, que, em considerando o operário como homem, não a pode eximir da fiscalização do Estado, quando orienta as suas atividades para os interêsses coletivos.
Certo é que, posteriormente, na França, o art. 1.780 do Cód. Civil foi modificado pela lei de 27 de dezembro de 1890, que faz parte, atualmente, do Cód. de Trabalho e de acôrdo com a qual foram ampliadas as garantias do operário contra a despedida injusta. Depois, vieram as leis de 19 de julho de 1928 e de 5 de fevereiro de 1932, sendo que esta última, procurando solucionar a impossibilidade da execução do pedido de indenização feito pelo patrão, estabeleceu a responsabilidade solidária do novo empregador com o operário despedido, uma vez tenha ciência do contrato anterior (GEORGES RIPERT, “O Regime Democrático e o Direito Civil Moderno”, nº 98).
Por outro lado, na Espanha, encontramos, presentemente, a Lei de Contrato de Trabalho, de 21 de novembro de 1931, e que GALLART FOLCH reputa “uma obra legislativa excelente”.
Acentuemos que essa indigência do direito francês, a que fizemos referência, não pode surpreender a quantos considerem que o Código Napoleão era bem o reflexo da profunda agitação política e filosófica representada pela Revolução de 1789, dessa revolução que, vinda do racionalismo dos intelectuais do século XVIII, teria, lògicamente, que orientar-se pelo individualismo jurídico, sobretudo firmado na plena igualdade das partes, na sua integra liberdade e na sua completa autonomia, quando da celebração dos contratos e no tocante aos respectivos direitos obrigacionais. Ora, êsse direito revolucionário, se obstava, que se vendesse o trabalhador, não impedia, entretanto, que o mesmo fôsse alugado, e daí os têrmos locação de serviços, que ainda se mantêm em muitos Códigos, como uma página do passado, é certo, mas também como uma lembrança de semelhante concepção. A êste propósito, não percamos de vista que entre as fontes em que o Código Napoleão se inspirou, acham-se não apenas os costumes, notadamente os de Paris, as ordenanças régias, as leis promulgadas após a Revolução Francesa, mas também o direito romano, direito romano para o qual, segundo PAULO, em fragmento no Digesto IV, 5 fr. 3, § 1º, “o escravo não tem direito algum: servile caput nullum jus habet; ideo nec minui potest”.
Na introdução ao seu admirável e recente estudo sôbre “De l’esprit des droits et de leur relativité”, LOUIS JOSSERAND, depois de mostrar que os redatores do Cód. Civil francês não puderam escapar à influência individualista do período revolucionário, expressa a divergência existente, no concernente à evolução da teoria do abuso do direito, entre a doutrina e a jurisprudência – uma, considerando o direito como ciência exata e abstrata, e a outra, voltada para os fatos, enxergando nêle uma ciência social, com fundamento na observação, para, em seguida, concluir que a vitória não poderia deixar de pertencer à realidade contra a ficção, e, então, escreve o eminente jurista francês: “… depuis une trentaine d’années, la grande majorité sinon l’unanimité des civilistes ont pais parti en faveur de la relatizité des droits et contre la doctrine absolutiste à laquelle l’école philosophique du XVIIIe, siècle, les lois de la période révolutionnaire et la grande codification napoléonienne avaient donné une faveur passagère qu’expliquait seul un désir de reaction violente contre le passe mais quà vénait se heurter, en tant que doctrine permanente, à l’essence même du droit et à sa mission sociale“.
Em referência à situação do operário perante o Código Napoleônico, registremos, ainda, a seguinte observação de OVIEDO: “El obrero quedaba totalmente olvidado en el Código Civil francês“.
É que, na frase expressiva de PICARD, o “Código é a epopéia burguesa do direito privado”.
Em confirmação do que dissemos sôbre as restrições que eram impostas à liberdade do trabalho em consideração a terceiros, poderíamos invocar o caso das medidas preventivas contra a nocividade adotadas pelos legisladores, não em consideração do interêsse e da pessoa dos operários industriais, senão visando a terceiros, ao público, como faz notar CORNIL no seu livro, quando estuda a legislação nos estabelecimentos perigosos e insalubres, cuja finalidade é a proteção da vizinhança.
Nessa ordem de idéias, não pode, pois, surpreender-nos o laconismo do Código Napoleônico no tocante à locação de serviços, desprezando-a, como a desprezou, certo é que o individualismo jurídico se prende, intimamente, às tendências econômicas liberais da Revolução Francesa e da Declaração dos Direitos do Homem, tendo esta Declaração ou “Evangelho dos novos tempos”, como foi denominada, e aquêle Código ido inspirar-se nas mesmas fontes políticas e filosóficas do século XVIII, norteando-se, ademais, pelas mesmas comentas doutrinárias, então dominantes. As medidas econômicas da Revolução Francesa foram, realmente, calcadas, quase que de modo completo, na doutrina dos fisiocratas, na afirmativa de RIST que acentua, além disso, o grande impulso dado por essa, Revolução a todos os princípios de liberdade, tudo se encaminhando, assim, para o laissez-faire.
Para LÉON DUGUIT, com exceção do direito de família, o Código Napoleão, com os seus 2.281 artigos, não contém, na realidade, senão as três seguintes regras de direito que êle enumera: “1ª, a regra que impõe o respeito da propriedade individual; 2ª, a que reconhece a fôrça obrigatória dos contratos; 3ª, enfim, a que obriga a todo aquêle que tem por sua falta ocasionado um dano a outrem a repará-lo” (LÉON DUGUIT, “Léçons de Droit Public Général”, 1926, pág. 49).
Entretanto, a miséria das classes operárias, agrupadas em tôrno das fábricas, o imenso exército dos sem-trabalho, a agitação do movimento socialista, o sangue derramado nas lutas de 1848, tudo isso estava exigindo medidas protetoras do Estado e incompatíveis com os rigores de um individualismo extremado.
3. O Código germânico
Já no fim do século XIX, em 1896, o Código germânico, dz feição socialista, garante os operários em face do patrão, obrigando êste a cuidar dos bons costumes dos empregados, bem como o dever de vigiar para que a vida e a saúde dêles não corram certos perigos, além de assegurar-lhes o recebimento dos salários durante certos afastamentos involuntários.
E essa proteção dispensada aos operários pela legislação, com restrições conseqüentes à liberdade do trabalho, é feita, já agora, não em consideração a terceiros, mas à pessoa, mesma do operário, à sua dignidade, como dissemos. Protegem-se as classes laboriosas, porque se reconhece, então, a sua influência decisiva na riqueza das nações, bem como a necessidade crescente da melhoria das suas condições de vida.
Invocam-se, para êsse auxílio, razões de ordem pública, motivos de necessidade social, de interêsse nacional, exatamente porque, constituindo tais classes a maioria, não poderiam continuar relegadas ao desamparo e entregues à sua fraqueza.
Não há que negar que o fator político foi preponderante, em meados do século passado, para, obtenção de medidas diversas em benefício do proletariado, que se tornou uma fôrça com o movimento sindicalista.
Verdade é, todavia, que o Prof. JOSE PÉREZ LENERO procura descobrir a gênesa de todos os modernos movimentos políticos do trabalho na concepção medieval do trabalho, isto é, na sua organização como fôrça política sob o signo religioso, porém, com aspiração de independência política de um pequeno Estado corporativo dentro do Estado político (“Teoria General del Derecho Espanol de Trabajo”, 1948, pág. 51).
Surge, então, modernamente, o socialismo de Estado, nas esferas conservadoras, como um meio atenuado de evitar maiores transformações preconizadas, em nossos dias, pelos adeptos do comunismo.
Por seu turno, a consciência generalizada de que o trabalho é o elemento primordial no desenvolvimento industrial da nação, trouxe uma indestrutível base econômica para as reivindicações proletárias.
4. O direito de associação
O direito de associação, que abolira da Declaração dos Direitos do Homem, a associação profissional e a liberdade de associação, que foram também proibidas na França, em conseqüência do célebre decreto de junho de 1791, chamado de lei le Chapelier, vão adquirindo, no decorrer do século XIX, com as sociedades de socorros mútuos e com os sindicatos profissionais, uma importância cada vez maior, sendo, em definitivo afastadas aludidas proibições a partir de 1900.
O primeiro a suprimir o regime das corporações, das comunidades de artes e ofícios, supressão que estava, ìntimamente, ligada à idéia de “liberdade de trabalho”, e que teve o seu complemento lei le Chapelier, foi o célebre ministro das finanças de LUÍS XVI, em julho de 1774, TURGOT, discípulo dos fisiocratas, e que, no preâmbulo de um dos seus éditos, escrevia: “Dieu, en donnant à t’homme des besoins en rendant nécessaire la ressource du travail, a fait du droit de travailler la propriété de tout homme, et cette propriété est la première, la plus sacrée, la plus imprescriptible de toutes“.
5. A liberdade de trabalho
A liberdade de trabalho, consagrada pela Revolução de 89, era encarada sob três prismas, no ponto de vista industrial, isto é, a liberdade da eleição do lugar da emprêsa ou oficina, a da escolha do ofício e dos processos técnicos e a da apropriação dos instrumentos de trabalho, princípios êsses a que se opunha o regime corporativo.
6. A constitucionalização do direito do trabalho
Abolindo, entretanto, os entraves à liberdade de associação profissional e garantindo aos operários o direito de se reunirem, punha o Estado em suas mãos o necessário elemento de equilíbrio em relação às classes patronais, a fim de que, usando-o como elemento de paz, de harmonia social, pudessem os homens, unidos pelo interêsse profissional, trabalhar em comum para o desenvolvimento da produção.
Por outro lado, êsse desenvolvimento crescente dos direitos sociais não tardou em refletir-se nas Constituições modernos.
As novas concepções do Estado, distanciadas das do liberalismo, impunham-lhe, modernamente, uma acentuada função econômica.
Por outra parte, o equilíbrio social, – que só se garantiria por uma lei orgânica do trabalho em que a pessoa humana do operário recebesse um tratamento justo, fazia com que êsse problema não fôsse abandonado por todos aquêles que tivessem uma parcela de responsabilidade na estruturação dos Estados contemporâneos.
As Cartas políticas tinham, conseqüentemente, que refletir em tôda a sua intensidade, essa profunda mudança nas finalidades do Estado.
As relações de trabalho não poderiam permanecer ausentes dos seus artigos, aos quais cumpria traçar as normas fundamentais a que se subordinaria a legislação protetora dos trabalhadores.
Neste ponto, o Prof. EUGENIO PEREZ BOTIJA, da Universidade de Madri, fixa, lapidarmente, as relações do direito do trabalho com o direito constitucional: “O direito do trabalho evidencia ao direito constitucional a importância essencialmente política dos problemas trabalhistas, a participação da sociedade na elaboração do Direito, o exercício pelo empresário e pelos trabalhadores de funções estatais, porém, mormente, o direito trabalhista oferece ao direito político novas possibilidades de coesão patriótica, ou, melhor, densificação do sentido de unidade nacional” (“El Derecho del Trabajo”, Madri, 1947, pág. 207). Uma boa organização das relações de trabalho, doutrinam, por seu turno, ANDRÉ ROUAST e PAUL DURAND, é um elemento de paz no Estado (“Précis de Législation Industrielle”, Paris, 1948, pág. 5).
As Cartas constitucionais do século XX consagram, em seus preceitos, êsse triunfo do direito social, cujos princípios se transformaram, modernamente, não mais em uma questão de escola, mas sim em uma questão de fato, como realidades indiscutíveis, porque concretas.
Daí por diante, a preocupação de solidificar, em textos constitucionais, as normas essenciais que devem presidir proteção dos operários, juntamente com os princípios norteadores da ordem econômica, passou a dominar nos poderes constituintes.
Avalia-se bem o fundamento de semelhante procedimento, quando se observa a influência incontrastável das massas operárias, pelo seu contingente eleitoral, ou pelo seu prestígio, na consolidação dos governos.
Nada melhor do que atender a essas reivindicações por meio da Lei Máxima, que, geralmente, se sobrepõe às leis ordinárias, principalmente nos países onde se adotou o exemplo americano do chamado “contrôle da constitucionalidade das leis”, vale dizer, na frase de CLAUDE DU PASQUIER, naqueles em que os tribunais podem declarar nula uma lei, ou uma disposição legal, que lhes pareça brigar com um princípio constitucional (“Introduction à la théorie générale et à la philosophie du Droit”, 1947, pág. 56).
Essa constitucionalização crescente do direito do trabalho é uma das faces por que se apresenta a evolução moderna do Direito, através da sua publicização, ou, melhor, da sua socialização, no conceito justo de GEORGES RIPERT, quando a define: “Ela designa, presentemente, o conjunto das regras que asseguram a igualdade das situações, apesar da diferença das fortunas, em socorrendo os mais fracos e desarmando os mais poderosos, e organizando, de acôrdo com os princípios da justiça distributiva, a vida econômica” (“Le déclin du droit”, 1949, pág. 39).
Por outro lado, as Constituições, no mundo contemporâneo, perderam aquela solidez e aquela intangibilidade que eram, outrora, dogma de fé entre os juristas e os políticos.
As reformas constitucionais sucedem-se, quando não transformações políticas mais radicais. Daí, a improcedência dos que, esteados na mobilidade das relações sociais, advogavam e advogam o alheamento, nas Constituições, dos princípios trabalhistas.
A vontade de fixar os princípios do direito social, não nas Constituições políticas pròpriamente ditas, mas, sim, numa espécie de Constituição social, paralelamente à política, e dando origem ao chamado cartismo trabalhista, vigorante na Carta del Lavoro, da Itália fascista, e na Charte du Travail, do govêrno de Vichy, foi abandonada após a Segunda Guerra Mundial, voltando-se, então, como ensinam JOSÉ M. CABRERA e JERÔNIMO REMORINO, ao regime de incorporar os direitos sociais nas Constituições políticas (“El derecho laboral argentino ante el derecho comparado”, Barcelona, 1954, pág. 7).
7. Princípios gerais da constitucionalização e a Constituição de Weimar
Os princípios gerais das Constituições relativamente ao trabalho são agrupados em três declarações sôbre: a) o dever geral do Estado de proteger o trabalho; b) a liberdade de trabalho, e c) o trabalho-dever social, no dizer de A. SVOLOS, no seu interessante estudo – “Le Travail dans les Constitutions contemporaines”, 1939, págs. 42 e segs.
A Constituição de Weimar, de 11 de agôsto de 1919, marcou, em contornos definidos, o início de uma nova era no direito do trabalho, à uma perfilhando, abertamente, o intervencionismo estatal, à outra dando ao socialismo de Estado formas concretas e precisas, através de disposições como as seguintes: “A propriedade obriga. Seu uso deve estar subordinado ao serviço do interêsse geral (artigo 153, in fine). O trabalho está colocado sob a proteção particular do Estado. O Estado criará um direito unitário, do trabalho (art. 157). Os operários e empregados têm direito a colaborar no mesmo pé de igualdade com os empresários para a fixação do salário e das condições de trabalho, assim como para a determinação da forma por que deverão desenvolver-se as fôrças econômicas da produção. Ficam reconhecidas as organizações de trabalhadores e de patrões. Os operários e empregados serão representados nos conselhos de emprêsa, nos que se formem nas regiões econômicas e no conselho de trabalho do Estado, para a defesa de seus direitos econômicos e sociais. Os conselhos de trabalho de distrito e o conselho de trabalho do Estado intervirão juntamente com os representantes dos empresários e das demais camadas sociais na formação de conselhos econômicos de distrito e no conselho econômico do Estado, para a realização das disposições sôbre a socialização. Os conselhos econômicos de distrito e o conselho econômico do Estado se organizarão de forma que tôdas as profissões, de acôrdo com a sua importância, se encontrem representadas nêles. Os projetos de lei sôbre política social e econômica de importância fundamental deverão ser apresentados para a sua aprovação ao conselho econômico do Estado, antes de serem enviados ao Reichstag. O conselho econômico do Estado tem o direito de iniciar tais leis. No caso em que a opinião do conselho não esteja de acôrdo com o projeto, poderá o govêrno, não obstante, remetê-lo ao Reichstag, porém, deverá acompanhar o ditame formulado pelo conselho, que poderá, ademais, defendê-lo ante o Reichstag por meio de algum de seus membros. Os conselhos de trabalho e os econômicos podem, na esfera de sua competência, ser investidos de poderes de contrôle e administração” (art. 165).
8. Fatores
OVIEDO aponta, como fatôres decisivos para a constitucionalização do direito do trabalho, à primeira o receio que os poderes públicos tiveram das conseqüências, para o Estado, com o reconhecimento da luta de classes, após a guerra de 1914-1918, agravado, ainda, com o possível contágio do fenômeno russo. A segunda, a necessidade que havia em vencer rebeldias e satisfazer às legítimas aspirações do proletariado, em reconhecendo e considerando o seu problema como um fundamental problema histórico, com apoteose mesmo de problema mundial (“Tratado Elemental de Derecho Social”, 1952, pág. 49).
Como quer que seja, o “direito operário constitucional”, no dizer de P. LAVIGNE, transforma-se numa realidade indiscutível. MIRKINE-GUETZÉVITCH assim se manifesta sôbre o assunto: “O Estado não podia mais contentar-se com o reconhecimento da independência jurídica do indivíduo: devia criar um mínimo de condições jurídicas que permitissem assegurar a independência social do indivíduo. Esta evolução da doutrina das liberdades individuais tem uma dupla conseqüência: a aparição da defesa da pessoa; e a limitação, em nome do interêsse social, de outros direitos fundamentais anteriormente proclamados e estabelecidos” (“Les Constitutions Européennes”, 1951, pág. 131).
9. Constituições do Brasil de 1891, de 1934 e de 1937
Em nosso país, a Constituição de 1891 manteve-se fiel ao espírito individualista e liberal que era um cânone jurídico então vigorante, e no qual só se reconhecia ao Estado a função policial.
Em campo divergente, já se coloca a Constituição de 1934, elaborada que foi em uma época na qual o problema trabalhista agitava e preocupava os homens de Estado. Daí, os princípios contidos no seu art. 121. Na mesma esteira, topamos a Constituição de 1937, no seu art. 137.
10. A Constituição de 46 e seu confronte com algumas Constituições ocidentais
A Constituição brasileira de 18 de setembro de 1946 conservou essa mesma tendência social, política e sistemática no que tange ao direito do trabalho. Façamos um rápido comento de direito comparado dos tópicos dessa Constituição, referentes à legislação do trabalho, com os de outras Cartas vigentes no estrangeiro.
Preliminarmente, é de mister advertir que, como ressalta do próprio texto do art. 157 da Constituição de 46, a enumeração que encerra não é de natureza taxativa, mas, sim, exemplificativa, pois que comporta outros preceitos, além dos que enuncia.
Dispõe o item I do citado art. 157, verbis:
“I – salário mínimo capaz de satisfazer, conforme as condições de cada região, as necessidades normais do trabalhador e de sua família”.
A Constituição da República italiana refere-se, também, no seu art. 36, a uma remuneração suficiente para garantir ao trabalhador e à sua família uma existência livre e digna, verbis:
“Art. 36. Il lavoratore ha diritto ad una retribuzione proporzionata alla quantità e qualità del suo lavoro e in ogni caso sufficiente ad assicurare a sè e alla famiglia un esistenza libera e dignitosa” (“Costituzione della Republica Italiana”, VITTORIO FALZONE, terna edizione, pág. 34).
Já a Constituição Política dos Estados Unidos Mexicanos, no seu art. 123, item VI, cogita do salário mínimo como o suficiente, em atendendo às condições de cada região, a satisfazer às necessidades normais da vida do operário, sua educação e seus prazeres honestos, considerando-a como chefe de família.
A Constituição da Nação argentina assegura, no nº 2, do seu art. 37, o direito uma retribuição justa ao trabalhador, que satisfaça às suas necessidades vitais seja compensatória do rendimento obtido e do esfôrço realizado.
A Constituição Política da República portuguêsa limita-se, no seu art. 31, nº 30 dizer que o Estado tem o direito e a obrigação de coordenar e regular, superiormente, a vida econômica e social, com objetivo de conseguir o menor preço e o maior salário.
O item II do supracitado art. 157 da Constituição brasileira estatui, in verbis:
“II – proibição de diferença de salário para um mesmo trabalho por motivo de idade, sexo, nacionalidade ou estado civil”.
Eis o que a respeito dispõe o nº VII do art. 123 da Constituição Política dos Estados Unidos Mexicanos, in verbis:
“VII – Para trabajo igual debe corresponder salario igual, sin tener en cuenta sexo, ni nacionalidad”.
A Constituição da IV República francesa, no preâmbulo, proclama, juntamente com os princípios sociais, outros políticos e econômicos, dizendo:
“La loi garantit à la femme, dans tous les domaines, les droits égaux à ceux de l’homme“.
Eis o disposto no item III da Constituição brasileira, verbis:
“III – salário do trabalho noturno superior ao do diurno”.
Referência ao trabalho noturno topamos, igualmente, na Constituição Política dos Estados Unidos Mexicanos, quando reza, no seu art. 123, n° II, verbis:
“II – La jornada maxima de trabajo nocturno será de siete horas“.
Eis o item IV do art. 157 da Constituição brasileira, verbis:
“IV – participação obrigatória e direta do trabalhador nos lucros da emprêsa, nos têrmos e pela forma que a lei determinar”.
A Constituição Política da República portuguêsa, de 1º de março de 1933, dentro do seu critério corporativo, assim diz no seu art. 36, verbis:
“Art. 36. O trabalho, quer simples, quer qualificado ou técnico, pode ser associado à emprêsa pela maneira que as circunstâncias aconselharem”.
O item V do citado art. 157 da Constituição, verbis:
“V – duração diária do trabalho não excedente a oito horas, exceto nos casos e condições previstos em lei”.
A Constituição da República italiana, de 1948, no seu art. 36, deixa à lei o critério da fixação da jornada de trabalho, enquanto que a Constituição Política dos Estados Unidos Mexicanos, de 1945, no seu art. 123, estabelece o mesmo período de oito horas.
Os itens VI e VII do art. 157 da Constituição brasileira têm correspondência nos arts. 36 a 123, nº IX, das Constituições italiana e mexicana, respectivamente.
O item VIII do art. 157 da Constituição brasileira, em se referindo à higiene e segurança do trabalho, encontra similar no preâmbulo da Constituição da IV República francesa, onde se lê:
“Elle garantit à tous, notamment à l’enfant, à la mère et aux vieux travailleurs, la protection de la santé, la sécurité matérièlle, le repos et les loisirs“.
O nº IX do art. 157 da Constituição brasileira tem relação com os arts. 37 da Constituição italiana e 123, nº III, da mexicana.
O nº X do art. 157 da Constituição brasileira é menos explícito que a Constituição Política dos Estados Unidos Mexicanos, no seu art. 123, nº V, verbis:
“Las mujeres, durante los tres meses anteriores al parto, no desempenarán trabajos físicos que exigen esfuerzo material considerable. En el mes siguiente al parto disfrutarán forzosamente de descanso, debiendo percibir su salario íntegro y conservar su empleo y los derechos que hubieren adquirido por su contrato. En el período de la lactancia tendrán dos descansos extraordinarios por dia, de media hora cada uno, para amamentar a sus hijos“.
O art. 157, nº XIII, da Constituição, em reconhecendo as convenções coletivas de trabalho, assemelha-se à Constituição da IV República francesa, no seu preâmbulo, verbis:
“Tout travailleur participe, par l’intermédiaire de ses délégués, à la détermination collective des conditions de travail ainsi qu’à la gestion des entreprises“.
O item XIV do art. 157 afina com o art. 123, nº XII, da Constituição Política dos Estados Unidos Mexicanos.
O item XV do art. 157 da Constituição brasileira tem consonância com o preâmbulo da Constituição da República francesa, e com a Constituição da República italiana, no seu art. 38.
O item XVI do art. 157 da Constituição brasileira, em estatuindo sôbre a previdência, corresponde na Constituição Política da República portuguêsa, de 1933, ao seu art. 41, verbis:
“Art. 41. O Estado promove e favorece as instituições de solidariedade, previdência, cooperação e mutualidade”.
Sôbre a matéria do item XVII, a Constituição mexicana, no seu art. 123, nº XIV, é bastante ampla. Vejamos, mais, a disposição do art. 158 da Constituição brasileira de 46, em relação a outras Constituições contemporâneas, verbis:
“Art. 158. É reconhecido o direito de greve, cujo exercício a lei regulará”.
Fiel à sua orientação corporativa, a Constituição Política da República portuguêsa, de 19 de março de 1953, proíbe, terminantemente, a greve, nos têrmos seguintes do seu art. 39:
“Art. 39. Nas relações econômicas entre o capital e o trabalho não é permitida a suspensão de atividade por qualquer das partes com o fim de fazer vingar os respectivos interêsses”.
Já a Constituição da IV República francesa, de 27 de outubro de 1946, no seu preâmbulo, reconhece, expressamente, o direito de greve, verbatim:
“Le droit de grève s’exerce dans le cadre des lois qui le reglementent“.
No mesmo sentido, depara-se-nos a Constituição da República italiana, de 1948, no seu art. 4º, verbis.
“Art. 40. Il diritto si sciofero si esercita nell’ambito delle leggi che lo regolano”.
Por derradeiro, confrontemos o artigo 159 da Constituição brasileira vigoraste com, verbi gratia, a Constituição da Bélgica, de 7 de fevereiro de 1831, que, no seu art. 20, já dizia:
“Art. 20. Les Belges ont le droit de s’associer; ce droit ne peut ét soumis à aucune mesure préventive“.
11. Em suma, a Constituição brasileira de 1946 integrou-se, definitivamente, na corrente das Cartas políticas do após-guerra, nas quais, ao critério individualista, inspirado na Declaração Francesa de 1789, se sobrepôs o primado irrecusável das tendências sociais.
Por outra parte, do exame comparativo da nossa legislação relativamente ao direito constitucional operário contemporâneo, fôrça é reconhecer que a nossa Constituição contém, em conjunto, e tirante a mexicana, maior número de preceitos dedicados ao direito do trabalho, sem embargo de concluir-se, outrossim, que outros países consagraram, aqui ou ali, disposições mais avançadas no tocante a alguns institutos trabalhistas.
Sobre o autor
JAVERT DE SOUSA LIMA – Docente de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da Universidade de Minas Gerais
LEIA TAMBÉM O PRIMEIRO VOLUME DA REVISTA FORENSE
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 1
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 2
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 3
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 4
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 5
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 6
NORMAS DE SUBMISSÃO DE ARTIGOS
I) Normas técnicas para apresentação do trabalho:
- Os originais devem ser digitados em Word (Windows). A fonte deverá ser Times New Roman, corpo 12, espaço 1,5 cm entre linhas, em formato A4, com margens de 2,0 cm;
- Os trabalhos podem ser submetidos em português, inglês, francês, italiano e espanhol;
- Devem apresentar o título, o resumo e as palavras-chave, obrigatoriamente em português (ou inglês, francês, italiano e espanhol) e inglês, com o objetivo de permitir a divulgação dos trabalhos em indexadores e base de dados estrangeiros;
- A folha de rosto do arquivo deve conter o título do trabalho (em português – ou inglês, francês, italiano e espanhol) e os dados do(s) autor(es): nome completo, formação acadêmica, vínculo institucional, telefone e endereço eletrônico;
- O(s) nome(s) do(s) autor(es) e sua qualificação devem estar no arquivo do texto, abaixo do título;
- As notas de rodapé devem ser colocadas no corpo do texto.
II) Normas Editoriais
Todas as colaborações devem ser enviadas, exclusivamente por meio eletrônico, para o endereço: revista.forense@grupogen.com.br
Os artigos devem ser inéditos (os artigos submetidos não podem ter sido publicados em nenhum outro lugar). Não devem ser submetidos, simultaneamente, a mais do que uma publicação.
Devem ser originais (qualquer trabalho ou palavras provenientes de outros autores ou fontes devem ter sido devidamente acreditados e referenciados).
Serão aceitos artigos em português, inglês, francês, italiano e espanhol.
Os textos serão avaliados previamente pela Comissão Editorial da Revista Forense, que verificará a compatibilidade do conteúdo com a proposta da publicação, bem como a adequação quanto às normas técnicas para a formatação do trabalho. Os artigos que não estiverem de acordo com o regulamento serão devolvidos, com possibilidade de reapresentação nas próximas edições.
Os artigos aprovados na primeira etapa serão apreciados pelos membros da Equipe Editorial da Revista Forense, com sistema de avaliação Double Blind Peer Review, preservando a identidade de autores e avaliadores e garantindo a impessoalidade e o rigor científico necessários para a avaliação de um artigo.
Os membros da Equipe Editorial opinarão pela aceitação, com ou sem ressalvas, ou rejeição do artigo e observarão os seguintes critérios:
- adequação à linha editorial;
- contribuição do trabalho para o conhecimento científico;
- qualidade da abordagem;
- qualidade do texto;
- qualidade da pesquisa;
- consistência dos resultados e conclusões apresentadas no artigo;
- caráter inovador do artigo científico apresentado.
Observações gerais:
- A Revista Forense se reserva o direito de efetuar, nos originais, alterações de ordem normativa, ortográfica e gramatical, com vistas a manter o padrão culto da língua, respeitando, porém, o estilo dos autores.
- Os autores assumem a responsabilidade das informações e dos dados apresentados nos manuscritos.
- As opiniões emitidas pelos autores dos artigos são de sua exclusiva responsabilidade.
- Uma vez aprovados os artigos, a Revista Forense fica autorizada a proceder à publicação. Para tanto, os autores cedem, a título gratuito e em caráter definitivo, os direitos autorais patrimoniais decorrentes da publicação.
- Em caso de negativa de publicação, a Revista Forense enviará uma carta aos autores, explicando os motivos da rejeição.
- A Comissão Editorial da Revista Forense não se compromete a devolver as colaborações recebidas.
III) Política de Privacidade
Os nomes e endereços informados nesta revista serão usados exclusivamente para os serviços prestados por esta publicação, não sendo disponibilizados para outras finalidades ou a terceiros.
LEIA TAMBÉM: