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Revista Forense
CLÁSSICOS FORENSE
CONSTITUCIONAL
REVISTA FORENSE
O direito de greve e a advertência dos fatos
Revista Forense
17/10/2023
Quando da oportunidade de vir o Parlamento cogitar sôbre o direito de greve em expectativa de organização legal que lhe regulamente o exercício, seria de elementar prudência, por fácil presciência, fôsse dado relêvo à evocação de fatos passados sob o perigoso influxo da declaração constitucional.
Após o reconhecimento do art. 158 da Constituição, deram-se acontecimentos que ilustram sobejamente o assunto, valendo como a mais séria advertência ao legislador em premunição a investidas do trabalhismo que, certamente, fará do problema o ponto central de suas expansões demagógicas.
Os fatos bastaram para, em pouco tempo, formar sábia experiência, representando material de cultura colhido para estudo do problema em cuja análise desempenhará o papel de catálise.
Direito de greve
Sôbre êles virá formular-se o direito de greve, consoante o velho brocardo romano ex facto jus oritur, realizando o fenômeno da espontaneidade do direito de que falou IHERING, da qual deflui a fôrça obrigatória do direito costumeiro. A missão suprema, do direito, – escreve o autor do “Espírito do Direito Romano” consiste em conter, assegurar e reforçar a vontade do indivíduo natural, como aquela das entidades artificiais e por isso pode-se chamar a jurisprudência de teoria do equilíbrio da espontaneidade. Porém, essa espontaneidade, tanto se concilia com o qual e, outrossim, com o bem, fazendo-se por isso mister preservá-la das influências malsãs de que foram férteis os acontecimentos dos últimos anos. Os fatos fragmentários que sejam, formam a trama da experiência sôbre a qual se modelam os textos.
Construído sôbre as relações humanas no amálgama dos fatos, o direito é todavia idealista, pois, pelos meios que estabelece, é que fará surgir a justiça. O papel próprio do jurista, disse SAVATIER, consiste em “saisir les faits pour en extraire socialment des droits et des devoir”.1
A explicação plausível dos fatos constitui a hipótese, sendo a melhor delas aquela que explica o maior número possível de fatos conhecidos para lhes retirar a significação, aquela que liga os fatos com outros da mesma natureza.
O professor PIERRE NOAILLES em “Du Droit Sacré au Droit Civil”, escreveu: a hipótese histórica é reconhecida como a melhor quando fornece explicação a mais simples ao mesmo tempo que não é contraditada por nenhum fato. E’ regra do método histórico: um fato é coisa contra a qual o historiador não pode ir além. Deve respeitar o fato e plenamente aceitá-lo, e se a sua hipótese, por engenhosa que seja, fôr contraditada por um fato, a culpa será da hipótese e não do fato histórico.2
Os acontecimentos que nestes últimos anos desenrolaram-se no Brasil imprimem significação impressionante à importância dos fatos, perante os quais a atitude do legislador há de ser de extrema prudência e imparcialidade. Êsses fatos sob a luz do raciocínio que os explica projetam-se pela conjetura na lei a estatuir-se, revelando a gravidade das conseqüências cujo alcance na vida econômica do país seria dos mais funestos.
Imprescindível, portanto, que a vontade da assembléia legislativa se expresse em luminosa consciência e madura reflexão que rejeite as improvisações e afaste o arbitrário. Que a acuidade do jurista prime sôbre as inclinações do legislador, não se perdendo de vista que é na fase de aceleração histórica do direito que se vai postular sôbre o direito de greve, naquela inquietude a que se referiu SAVATIER:
E’ uma das melancolias dos juristas de hoje a de sentirem a que ponto êles traçam suas linhas na areia das instituições movediças.
Na índole dêste mesmo pensamento, registrava RIPERT, em “Le Régime Democratique et le Droit Civil Moderne”: manifestam-se os fenômenos contemporâneos de mutação do direito, quando tôda nova legislação é uma constante improvisação, quando as leis ditas de interêsse geral não passam de acolhida e defesa de interêsses particulares, quando a democracia, por se assentar no sufrágio universal, ressente-se do terror das massas, vendo a fôrça do número, cada vez mais, repelir a fôrça da inteligência.
Foi assim que, em 1946, no clima inquietante de psicologia política e social, como fôsse o do retôrno da democracia despertada de prolongada letargia, que tal regime popular imbuído de ilusões socialistas e ávido de reconquista, por extrema tolerância e temerosa complacência, consignou na Constituição o reconhecimento ao direito de greve. Semelhante atitude roçava nela anarquia, de tantas que as produzem os governos populares.
No mesmo ano a França; abrigava no Preâmbulo de sua nova Constituição o direito de greve – no quadro, porém, de leis que o regulamentem: o fenômeno produziu-se simultâneamente e em perfeita identidade. Lá, como aqui, fatôres psicológicos nutridos de socialismo fizeram a pusilanimidade da democracia ante o fantasma do poder das massas cada vez mais aguerridas nas suas reivindicações.
Observa RIPERT que com o aparecimento dos sindicatos, das federações, das associações, das ordens, estabeleceram êstes um direito profissional e um direito corporativo, dispondo de meios de ação como não os tem o govêrno nem o Parlamento. Agem de modo permanente, escreve em “Le Declin du Droit”, sôbre a opinião, pelo meeting, pelas paradas, imprensa, propaganda, sendo portadores da arma cuja legitimidade proclama a Constituição de 1946 – a greve.
Revestida, desta sorte, do influxo de direito constitucional, teria sentido a democracia francesa como a brasileira a temeridade de sua atitude transigente, cortejadora da popularidade, e, por isso, condicionaram o direito reconhecido a leis ordinárias que o regulamentassem, e já se transpõem nove anos, sem que tais leis sejam votadas.
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Direito à greve na França
Greve consiste na suspensão deliberada do trabalho por parte de operários no sentido de obter melhores salários ou de testemunhar solidariedade aos companheiros.
Referindo-se à declaração no Preâmbulo da Constituição francesa, escreveu J. DE HULSTER, em “Le Droit de Grève et sa réglementation”: greve é uma “cessação de trabalho voluntária e acordada entre salariados de uma emprêsa ou de um estabelecimento, tendente a chegar à obtenção de reivindicações de ordem profissional”.
CLEMENCEAU, na sua sinceridade de socialô, considerava a greve – a luta, com armas iguais do capital e do trabalho, conceito que se subverteu no mundo atual, porquanto a superioridade de armas passou para o lado dos operários, que, além disso, contam a seu favor com a demagogia, com as infiltrações políticas e cooperação dos interessados na sublevação da ordem. Principalmente ainda quando se pretende distinguir direito à greve e direito de greve, considerado êste, revolucionàriamente, direito absoluto e ilimitado da coletividade proletária.
Pronunciando-se a respeito, disse JOSSERAND, prerrogativa dessa importância e tão perigosa em sua realização, deve responder a uma necessidade, deve ter uma finalidade, senão seria necessário, sem hesitação, risca-la de nossas leis, alavanca poderosa deve ser manejada “à bon escient, sinon elle bouleversera le monde économique”.3 E assim conceitua: “grève et lock out sont des formations de combat destinées a vaincre la resistence de l’adversaire, a lui imposer la volonté de l’assaillant”.
Indisfarçável, portanto, o fomento de hostilidade entre patrões e empregados, sementeira a frutificar na luta de classes.
Suas primícias remontam à Revolução Francesa, quando estatuiu na declaração dos direitos de 1789 o direito ao trabalho e à liberdade na escolha da profissão, para vir à eclosão na revolução industrial que, refutando o individualismo dêsse direito, veio situá-lo no coletivismo proletário.
Do direito ao trabalho, como conquista, evoluiu-se, também como conquista, para direito de cessação ou interrupção do trabalho.
Do exercício do direito à execução do trabalho, nasceu, pois, o seu oposto de cessação, da liberdade de interrompê-lo, como meio de forçar a maiores prerrogativas.
Em boa lógica admite RIPERT que o exercício de direitos é uma fonte de responsabilidade, e não uma causa de exoneração. Tanto mais se exercitam direitos, tanto mais se revestem de poder, e por conseqüência mais carregados de riscos e, portanto, de responsabilidade. A máxima individualista romana neminem laedit qui suo jure utitur tem relativa aplicação e peculiar sentido, ante a destinação social dos direitos, o alcance de seu fim econômico e senso do útil.
A greve em virtude da súbita paralisação de uma indústria inevitàvelmente lhe produz gravíssimo prejuízo agravado por sua duração. Assim se revela seu caráter anti-social e antieconômico.
Decorre da liberdade e do direito do trabalho, o direito de interrompê-lo, paralisando-o; porém, quando êste direito transpõe a vontade individual para acarretar a adesão coletiva, não se satisfazendo em cessar um trabalho para exigir a cessação de outros, é então a figura do anti-social que se projeta no domínio dêsse direito, sob a indisfarçável forma de um abuso.
Para alcançar os fins que pretende o grevista, êle usa de meios que, atacando, a economia da indústria, ferem os interêsses da coletividade.
Direito de greve, mais do que qualquer outro, é daqueles cujas limitações de relatividade mais se impõem à consideração do legislador e à análise do jurista, suscetível conseqüentemente de enquadrar-se na teoria do abuso dos direitos.
Abusar do direito, escreve RIPERT, é na realidade acobertar da aparência de legalidade o ato do qual se tinha o dever de não realizar, ou, pelo menos, que não seria possível de conclusas, senão indenizando aquêles pelo mesmo ato prejudicados;4 consistindo, portanto, no uso anormal de um direito, ou como expressão do absolutismo do direito subjetivo, rebelde às restrições da regra da responsabilidade.
A teoria posta em voga por SALEILLES e JOSSERAND, conclui por ato abusivo aquêle de caráter anti-social e de intenção dolosa.
O sentido anti-social denota-se ao obstar ou dificultar o ritmo nas relações dos direitos e o desajuste no respectivo entrelaçamento, evidenciando-se a intenção dolosa no próprio resultado do ato.
Todo indivíduo por exercer uma profissão executa um trabalho, produzindo utilidades, criando valores; não o faz, todavia, como parece, para êle, porém pela sociedade intencionalmente ou não. Sòmente se admite uma atividade pela concordância e apoio da sociedade que lhe recolhe os benefícios, como se ressente dos desacertos.
O caráter anti-social fixa-se indelèvelmente, consoante o pensamento de IHERING, de que ninguém existe por si próprio e para si sòmente, pois cada qual existe para outros e por outros. Que cada qual exista para o mundo, é tanto verdadeiro para os indivíduos como para os povos; verdade que encerra a lei soberana da civilização da humanidade cujo progresso depende de ser posta em prática essa regra.5
Nada mais certo do que se aplicar o preceito do abuso de direito ao exercício do direito de greve, cuja intenção dolosa manifesta-se através dos meios empregados à sua efetivação.
Meios ilegítimos para obtenção, algumas vêzes, legitima de uma justa reivindicação, freqüentemente desrespeito à liberdade de trabalho pelos anos de violência com intuito de forçar a adesão.
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Movimento grevista
O ano de 1953 foi fecundo na irrupção de movimentos grevistas, assim acontecendo` principalmente, porque, sendo ministro do Trabalho eminente figura trabalhista, havia entendido dar à política de que era o mais alto representante uma expressão de fôrça e de extensão dominadora. E por isso insuflava a decretação de greves sob o falso pretexto de solidariedade aos trabalhadores, em cuja sorte comungava para ministrar-lhes a sinistra lembrança de fazerjustiça pelas próprias mãos.
As classes produtoras, através da Liga do Comércio e de suas associações, sentiram “quão temerosa e carregada” era a ameaça a pesar sôbre o destino da economia brasileira, manifestando profunda inquietude a clamar por socorro. Entretanto, as greves continuavam na seqüência a que estimulava o nervo do fundo sindical, até que um dia, por capricho benfazejo da sorte, a ilustre personalidade deixou o importante pôsto de comando e o drama foi-se aos poucos desanuviando.
Vivíamos, assim, em pura efervescência demagógica, tendendo as greves para muito além dos objetivos pratextados, no flagrante abuso de um direito de caráter conjetural, pois que ainda não poderia ser exercitado consoante os têrmos da Constituição.
Findava abril daquele ano, quando São Paulo viu alastrar-se um movimento grevista de proporções perigosas e tão ousado, até o cúmulo de anunciar-se um quebra-quebra com hora certa.
Impediu a polícia, no cumprimento de seu dever, fôsse consumado êsse inaudito programa de implantação do crime e da anarquia. Porém, no outro dia, romperam-se protestos de tôda parte, acusada de violência a policia por haver salvo da destruição os instrumentos que propiciam sustento às famílias proletárias, evitando, além disso, que o furor reivindicatório pela intromissão de extremistas se estendesse a estabelecimentos comerciais para maior significação terrorista do movimento.
As acusações partiram do noticiarismo para ecoar profundamente no Parlamento, parecendo a tôda a gente que gritava a violência policial, que a repressão se excedera por salvaguardar da sanha destruidora a maquinaria da indústria, além do mais, impedindo depredações nas lojas da cidade.
Segundo as lamentações e protestos da demagogia, tudo aquilo que a polícia entendera de reprimir não passava de expressivo colorido dado às justas manifestações proletárias.
Não havia abusado a polícia de suas prerrogativas de repressão e muito menos poderia ser increpada de violência, porquanto procurou, apenas, evitar violências daqueles aos quais se vinham juntar elementos interessados na desordem e na implantação do mal-estar, fator primacial para os êxitos extremistas.
Tais fatos não passariam, perante a opinião dos contestadores da doutrina do abuso do direito, – PLANIOL, COLIN, CAPITANT – como expressão de abuso, por ultrapassarem os limites dos direitos subjetivos, constituindo, assim, ato ilícito que recai no domínio da responsabilidade ou na teoria do risco; foram, entretanto, executados em virtude do direito de greve visando à consecução dos objetivos de sua realização.
Se, portanto no exercício do pressuposto direito de greve é que foram praticados como meio de forçar deferimento a vantagens pretendidas, incorrem perfeitamente na teoria do abuso de direito, pois que se verifica o conflito de que fala SAVATIER – entre o direito positivo de que é titulai o indivíduo e o dever moral que lhe incumbe, pois, usando de seu direito, falta a seu dever moral.
Passaram-se os acontecimentos, porém deixaram semente, tanto que, em setembro do ano seguinte, nova greve prenunciava-se de proporções inéditas, inspirada por interêsses subalternos com intuito de criar condições intoleráveis de convivência social no meio paulista.
Apareceram ameaças de paralisação total de trabalho, sob pretexto de decretação de novo salário-mínimo e reajustamentos determinados pelo aumento do custo de vida.
Felizmente sentiram as classes proletárias a influência malsã, discernindo interêsses extremistas, no aproveitamento dos seus, em clima saudável de compreensão e confiança, harmonizando suas pretensões sem quebra de ritmo do trabalhe.
Ainda no mesmo ano de 1953, ao encerrarem-se ás acontecimentos da Paulicéia, rompia no Rio de Janeiro a greve dos marítimos, de sinistra tendência expansionista.
A economia brasileira atingida em ponto vulnerável justamente naquilo por que tanto se vinha clamando – maiores transportes – de cuja deficiência sofria o país de mais extensa costa; principalmente quando as emprêsas de navegação do govêrno, a braços com graves dificuldades, exigiam suprimentos de fundos sem os quais mal se comportariam em constante situação angustiosa.
Se os açulamentos à greve não fôssem tempo contidos por cederem as emprêsas às pretensões dos marítimos, assistiríamos, então, à reprodução aqui do que na mesma época acontecia em França. Lá, a cessação premeditada do trabalho, a súbita interrupção das atividades produtivas, a supressão de todos os meios de comunicação, foi tudo isso instantâneamente descarregado, como se acionado um comutador, produzindo a imensa inquietude da pátria em perigo, conforme escrevíamos no “Digesto Econômico” de dezembro de 1953: “Tal foi a recente greve na França, comparável, segundo, o “Paris Match”, ao incêndio em uma floresta. A nação despertou paralisada em conseqüência da supressão dos serviços de telefone, telégrafo, transportes, tudo enfim que represente circulação no seu organismo e trepidação das energias vitais. Em menos de três dias cessaram os serviços essenciais à subsistência do país, e imediatamente três milhões de trabalhadores ficaram privados de ganho e os prejuízos elevaram-se a mais de 386 milhões de francos por dia; a singularidade dessa greve é que, partindo de base, ela feria particularmente o novo; dessa base – operários, empregados, funcionários, escolares, instantâneamente privados de quaisquer transportes”.
A significação de movimento como aquêle jamais poderia ser à de reivindicações legitimas, senão a de atividades subversivas e extorsões organizadas.
Outra greve, como que derivada ou paralela à dos marítimos, pela identidade de ataque direto à economia, como principalmente nociva ao comércio desta capital, foi a dos trabalhadores do cais do pôrto que continuava a irromper periòdicamente, estimulada por certo indivíduo que desfrutava amizades poderosas do trabalhismo.
Impedidos de descarga, ficavam numerosos navios forçados a prolongada estadia, ocasionando, por isso, que se deteriorassem as mercadorias constantes de gêneros alimentícios. Acontecia, então, aparecer na imprensa diária êsse contraste desolador, impressionante – se de um lado estampavam-se fotografias de mercadorias apodrecidas à beira do cais, em outro local registrava-se o clamor público pela falta de gêneros, e a elevação do custo da vida, a conduzir inevitavelmente a população à fome.
Os caprichos dessa greve resistiam a todos os protestos e venciam as autoridades.
De tôdas as greves evocadas em rápida revista, foi, entretanto, a denominada greve dos médicos a que maior relevância ofereceu pelo caráter ilegal, ilegitimidade, insolência no propósito de coação e de inaudito atrevimento de atitude perante o poder público.
Promovido por médicos empregados em autarquias, o movimento se inquinava de ilegalidade, porquanto, sendo as autarquias a descentralização e prolongamento da administração pública, seus servidores ficam, por isso, investidos de função pública, como agentes hierarquizados e disciplinados, desempenhando um serviço público concernente a um interesse público determinado e, por tal, revestidos da qualidade de funcionários públicos.
Se o direito de grave não tem contestadores quando exercido por operários dentro dos princípios da “Rerum Novarum” é, todavia, negado a funcionários públicos. Sob esta aspecto, o ilustre jurista ALFREDO BALTASAR DA SILVEIRA, em setembro de 1953, perante o Instituto dos Advogados demonstrava, em erudita argumentado, a exclusão do funcionário público do direito de greve; e citando DUGUIT, afirmava: “greve e serviço público são duas coisas contraditórias e que se excluem. Todo serviço público tem como conceituação um estado permanente e constante, e tôda greve, sendo uma cessação do trabalho, traz como resultado imediato uma interrupção de ação”.
Não se contesta o direito de greve aos funcionários como limitação antidemocrática ou exclusão de uma classe, porém, porque aos funcionários é assegurado pela Constituição e leis complementares os meios de se defenderem de qualquer ato danoso ao seu patrimônio funcional.
Outro aspecto que tão melancòlicamente acentuava o desacêrto dessa greve, patenteava-se na direção temerária do movimento, na ousadia de sua arremetida e no anátema atirado sôbre os colegas discordantes.
A organização dêsse tremendo protesto havia-se articulado no sentido de opor-se a um veto presidencial, de que se arreceavam os médicos, a um projeto que a Nação não poderia suportar. Era um dos muitos projetos em que políticos, no delírio inconsciente de popularidade, investem contra o Tesouro Nacional, sem atinar com o alcance do golpe, por demasiado atentos ao personalismo eleitoralista e que, acrescido de sôfregas emendas, abrangeria, além dos médicos, todos que em idênticas condições fôssem titulados em instrução superior – farmacêuticos, dentistas, agrônomos, engenheiros, bacharéis. A Fazenda Pública jamais resistiria a tamanha avalanche e, por isso, o veto se impunha simplesmente como expressão de consciência de um dever supremo.
Em ruidoso comício nos salões de um antigo clube de jôgo e de bailes carnavalescos, assentaram-se providências contra o veto e “pró rejeição do veto”, impondo severíssimo código de sanções para os infratores da greve, com tanta cegueira e maldição como os revolucionários franceses reclamavam em 1789, no Clube dos Jacobinos, a guilhotina para os acusados de moderação. Fazia-se necessário o terror que LENIN justificava e recomendava nos movimentos reivindicatórios, numa espécie de legalização da barbárie. Resolveram, então, uma aparatosa parada junto ao palácio do Catete para exigir sanção da lei, porém essa atitude de coação não logrou o menor êxito.
De tudo, porém, quanto fizeram e proclamaram o que maio impressionou e estarreceu foram as represálias a serem postas em prática contra aquêles que, de tal divergissem. Seriam a colegas que, em respeito ao juramento profissional; ao nobre compromisso assumido perante a sociedade do sacerdócio a que abraçavam, não queriam se equiparar a meros obreiros descontentes de seus salários. Sentiam a magnitude da missão, como os gregos que chamavam divino a HIPÓCRATES, porque cuidar da vida e da saúde era atributo dos deuses. Pois bem, a esses, o código de sanções considerava indignos. Tôda classe, e como tal proclamados perante as associações médicas do Brasil é do estrangeiro, apontados como traidores, aos quais seria proibido o uso da palavra nas sociedades de classe.
Talvez, sòmente um tribunal inquisitorial assim pudesse decidir com tamanha injúria, conforme fizeram em clima de liberdade os organizadores da greve, ao abjurar a fé comprometida na solenidade de colação de grau acadêmico. A que poder de vilipendiar os companheiros de classe ousara arrogar-se a assembléia grevista! Eram, todavia, os meios de coação à solidariedade, a cujos extremos não hesitam os promotores de greves, para os quais a violência sempre é permissível para a consecução dos fins.
A coação à solidariedade constitui um dos pontos vulneráveis de maior perigo na promoção de greves, pois que, sendo esta o “exercício coletivo do direito que possui cada um de recusar seu trabalho” – desde que conquiste a adesão de outras classes por mura solidariedade – reveste o aspecto de extensão da paralisação do trabalho, propagação de calamidade pública, a exigir providências de salvação pública, tal como aconteceu na greve em França, a que antes nos referimos.
Êsse imenso perigo que se volta contra a nação dimana, segundo JOSSERAND, de conceber-se o direito de grave como uma prerrogativa intangível e abstrata, planando acima dos contratos, e do que êles mais forte. Assim, a doutrina segundo a qual a greve encerra em si própria sua legitimidade, não penetrou nem na doutrina, nem na jurisprudência.6
O perigo é um dos sintomas típicos da influência das massas que desempenham papel preponderante no mundo atual, inspirando a certos escritores sustentarem que a era das massas significa o declínio da civilização, ou o retôrno à primitividade.
Observa, entre outros, HENRI MAN que no domínio sociológico, como no psicológico, a idéia massa não difere da significação que tem na física, notadamente na física eletromagnética, pois que tem de comum a idéia do valor puramente quantitativo e não diferenciado – ausência de movimento próprio, submissão a fôrças exteriores para as quais a massa é resistência ou objeto.
O característico distintivo da massa social concebe-se em têrmos negativos – ausência de diferenciação individual, de iniciativa, de originalidade e de consciência. A massa exprime quantidade e não qualidade; e quando julga impulsionar, é apenas impulsionada; intervém no sentido de grandeza física, composta, embora, de sêres vivos, que não passam de simples unidades estáticas e que se resolvem em números. Não é ativa, mas puramente receptiva, e não agindo satisfaz-se em reagir.7
A influência da massa forma-se e avulta pela ação impregnada dos característicos das multidões, tais como as indica G. LEBON – a impulsividade, a irritabilidade, ausência de julgamento e de espírito crítico. E assim, a multidão aparece como a ressurreição de uma horda primitiva, porquanto se desanuvia inteiramente a personalidade consciente, perdendo-se a vontade e o discernimento. Todos os sentimentos e pensamentos são orientados no sentido determinado por um hipnotizador.
As massas geram o pavor dos cegos elementos em fúria, produzindo o terror crescente na abstração das ameaças sinistras e o terror implacável da imensidade infinita do número. Certas unidades, puras, simples, inócuas, são capazes de desencadear calamidades quando assumem o incomensurável – tais como a nuvem de gafanhotos e a invasão das formigas carregadeiras.
Também os mais simples e banais motivos poderão determinar greves, de que nos oferece significativo exemplo a recente greve dos pilotos da Panair, que, se bem explorados e melhor difundidos viessem contagiar outras classes, sentiríamos reproduzido o símile alarmante da nuvem de gafanhotos e das formigas carregadeiras.
As associações sindicais são entidades adequadas à conquista de adesões e propagação do movimento, por isso devem ser preservadas nas respectivas direções de elementos extremistas interessados na perturbação da ordem, cumprindo ao Estado prevenir-se contra semelhante mal, através de seus órgãos de vigilância.
O homem-massa, segundo ORTEGA Y GASSET, sente-se perfeito, como não se sente o homem-seleção, considerando por isso como duplamente legítimas suas aspirações. O hermetismo real de sua alma impede-o de discernir e, daí, a ditolerância de seus propósitos e a intransigência de suas pretensões, embora contrariem elas a lei e à razão, a ordem natural das coisas.
Na cegueira de suas reivindicações, o indivíduo despersonaliza-se, pois, segundo a concepção marxista, sendo êle produto de um complexo de relações sociais, os indivíduos que compõem a massa deixam de ser pròpriamente pessoas.
Constitui, assim, a massa a negação da estrutura social, sob a forma de um grupo social particular – o proletariado que proclama lhe ser inerente o segrêdo da desintegração da ordem universal. A idéia de massa encontra sua auréola na concepção marxista: “tanto mais a sorte da massa se desumaniza, mais sua missão libertadora da humanidade e renovadora do mundo torna-se sublime e gloriosa”.
Os teoristas trotzkistas e leninistas trouxeram à terminologia massa o apoio de uma doutrina sociológica que amplia consideràvelmente a noção de proletariado, tal como até hoje a entendemos. Além da classe obreira constituída de trabalhadores na indústria, deve compreender mais os homens do campo, o proletariado en faux-col, a quinta classe dos chomeurs permanente, e a classe média proletarizada.
Entretanto, na Europa Ocidental, desde o comêço do século, ALFREDO PARETO, GUSTAVO LE BON, ORTEGA Y GASSET, chamados sábios burgueses, concordavam unânimemente no afirmar que “as massas comportam-se de modo diverso do que os indivíduos que as compõem”.
Particulariza o autor de “La Rebelión de las Masas” que êste têrmo não designa uma camada social inferior, porém, traduz uma conduta ou atitude que corresponde ao conceito corrente do indivíduo medíocre oposto ao de elite.8
Seria, na índole de um conceito wildeano, a democracia da ignorância contra a aristocracia da inteligência e da cultura, a inconsciência de desejos incontidos contra a consciência serena das decisões meditadas.
A influência resultante das atitudes das massas que refletem as desordens do mundo econômico, tendente à potencialidade cada vez maior, escapa, todavia, à consciência e discernimento dos próprios interessados. Cada qual sabe que suas exigências chegarão a têrmo satisfatório à medida que nela sugestão logre abrir caminho a toque da propaganda que, por conquistar a solidariedade, incute à massa fôrça invencível.
Chega, então, o indivíduo ao estado de aniquilamento da faculdade de discernir verdadeiro do falso, podendo passar à selvageria e bestialidade incríveis. Consiste a obra da propaganda em fazer regredir a mentalidade das massas ao nível do entendimento instintivo e egoístico dos povos primitivos. Desenvolve, desta sorte, uma compreensão em unanimidade grandiosa, adquirindo o poder do sobrenatural que gera o mêdo.
A idade do mêdo é o estado psicológico que atravessa o mundo atual, suscitado pelo poder de destruição que se tornou monstruoso e infinito, herança de duas conflagrações mundiais.
Generalizado o temor, forma-se uma atmosfera desfavorável, sendo mais difícil acalmar uma emoção da massa por apêlo à razão, do que transformá-la em emoção maior, fonte de maiores perigos; depende do meneur que vence as resistências psicológicas, passando-se então do mêdo ao ressentimento, ao furor e ao ódio.
Ora, a massa adquirindo êsse poder de destruição ou de transformação como lhe quer MARX, torna-se, portanto, capaz de infundir o temor próprio do sobrenatural, através do manejo de sua arma predileta – a greve.
A massa enuncia as reivindicações e ao mesmo tempo as sanções a opor a seus contraditores, criando no imponderável das ameaças certa aura de terror, sob cuja ação não é lícito admitir serenidade de discernimento, liberdade de entendimento e imparcialidade nos julgamentos.
Foi o fenômeno que se entremostrou o ano passado quando decretado o novo salário-mínimo.
As classes produtoras fortemente atingidas vieram bater às portas dos Tribunais, pedindo remédio para o mal que as assaltava, improváveis de suportarem a duplicação ordenada.
A decretação do novo salário-mínimo foi mais uma aventura política do que pròpriamente a operação técnica de reajustamento salarial ao nível da vida corrente e, por isso, oferecia ensanchas à correição da Justiça.
Enquanto a questão pendia de julgamento em última instância no Supremo Tribunal Federal, irromperam ameaças veementes da mais sinistra e extensa das greves. Em ostensivo desrespeito à magnitude da Justiça, advertiam em inaudita insolência aos poderes públicos do Brasil que determinariam a paralisação de todo o trabalho nacional, estancando a vida econômica do país, se julgado o feito contra os interêsses dos beneficiários do novo salário.
O Tribunal julgou legal a concessão do salário, por reconhecer legítima a autoridade que subscrevera o ato.
Semelhante acontecimento de gravidade sem par, exprime, todavia, o poder imenso, crescente e inconsciente da massa na violência de suas arremetidas, sòmente comparável à deflagração dos cegos elementos da natureza.
O legislador constituinte de 1946, ao reconhecer o direito de greve, não havia atentado que o Brasil já transpusera o século XIX, denominado século do operário, para integrar-se no XX, século da conciliação e arbitramento, no conceito dos tratadistas do Direito Social.
Já havíamos evolvido, atingindo a situação de poder cooperar mediante a conciliação e arbitramento a que se constituísse e fortalecesse o Direito Social, desta forma propiciando ao pais maior segurança e estabilidade às atividades econômicas.
A organização da Justiça do Trabalho veio para significar a pacificação e harmonia entre o capital e o trabalho, pela redistribuição eqüitativa dos proventos, como pela dignificação do trabalhador em respeito aos direitos fundamentais do homem.
A greve estava, pois, relegada ao passado, à sua primitividade, não se admitindo que pudesse existir como direito perante a defesa assegurada aos direitos fundamentais do homem.
O operário para alcançar suas reivindicações não mais precisa usar de violência e greves, obtém-nas pela justiça social, que aspira tanto quanto possível à perfeição, realizando “a paz pela justiça”, fator de progresso e de felicidade coletiva.
Profunda antinomia existe entre justiça social e direito de greve, como contraditórios são greve e direito social.
Admitir o Estado a greve, importa reconhecer falhas na organização de sua justiça social.
Assim, uma das maiores autoridades no assunto, o professor WALINE, escrevia: “todo reconhecimento ao direito de greve pelo Estado é uma confissão oficial da própria incapacidade de fazer reinar a justiça entre os seus cidadãos. Por isso, num Estado bem organizado, a greve deveria ser inútil”.
Sobre o autor
Davi Campista Filho
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Notas:
1 R. SAVATIER, “Les Métamorphoses économiques et sociales du Droit Civil d’sujourd’hul”.
2 PIERRE NOAILLES, “Du Droit Sacré au Droit Civil”.
3 L. JOSSERAND, “De l’Esprit des Droits et de leur relativité”, ns. 18 e seg.
4 GEORGES RIPERT “La Règle Morate dans les Obligationes Civiles”.
5 RUD. VON IHERING, trad. MEULENAERE, na “L’Evolution du Droit”.
6 L. JOSSERAND, ob. cit.
7 HENRI MAN, “L’Ere des masses et le déclin de la Civilisation”.
8 ORTEGA Y GASSET, “La Rebelión de las Masas”.
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NORMAS DE SUBMISSÃO DE ARTIGOS
I) Normas técnicas para apresentação do trabalho:
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- Devem apresentar o título, o resumo e as palavras-chave, obrigatoriamente em português (ou inglês, francês, italiano e espanhol) e inglês, com o objetivo de permitir a divulgação dos trabalhos em indexadores e base de dados estrangeiros;
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Serão aceitos artigos em português, inglês, francês, italiano e espanhol.
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Os artigos aprovados na primeira etapa serão apreciados pelos membros da Equipe Editorial da Revista Forense, com sistema de avaliação Double Blind Peer Review, preservando a identidade de autores e avaliadores e garantindo a impessoalidade e o rigor científico necessários para a avaliação de um artigo.
Os membros da Equipe Editorial opinarão pela aceitação, com ou sem ressalvas, ou rejeição do artigo e observarão os seguintes critérios:
- adequação à linha editorial;
- contribuição do trabalho para o conhecimento científico;
- qualidade da abordagem;
- qualidade do texto;
- qualidade da pesquisa;
- consistência dos resultados e conclusões apresentadas no artigo;
- caráter inovador do artigo científico apresentado.
Observações gerais:
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- As opiniões emitidas pelos autores dos artigos são de sua exclusiva responsabilidade.
- Uma vez aprovados os artigos, a Revista Forense fica autorizada a proceder à publicação. Para tanto, os autores cedem, a título gratuito e em caráter definitivo, os direitos autorais patrimoniais decorrentes da publicação.
- Em caso de negativa de publicação, a Revista Forense enviará uma carta aos autores, explicando os motivos da rejeição.
- A Comissão Editorial da Revista Forense não se compromete a devolver as colaborações recebidas.
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