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O jogo e sua repressão

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O jogo e sua repressão

APOSTAS

JOGO

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REVISTA FORENSE 153

Revista Forense

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23/08/2022

REVISTA FORENSE – VOLUME 153
MAIO-JUNHO DE 1954
Semestral
ISSN 0102-8413

FUNDADA EM 1904
PUBLICAÇÃO NACIONAL DE DOUTRINA, JURISPRUDÊNCIA E LEGISLAÇÃO

FUNDADORES
Francisco Mendes Pimentel
Estevão L. de Magalhães Pinto,

Abreviaturas e siglas usadas
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CRÔNICA

  • O jogo e sua repressão – Nélson Hungria

PARECERES

  • A representação proporcional no sistema eleitoral brasileiro – Osvaldo Trigueiro
  • Desapropriação – Retrocessão – Perdas e Danos – Carlos Medeiros Silva
  • Impôsto e Taxa – Assistência Social – Competência Tributária dos Municípios – Osvaldo Aranha Bandeira de Melo
  • Seguro de Vida – Cláusula de Suicídio – Período de Carência – Levi Carneiro
  • Interdito Proibitório – Revogação do Mandado Inicial – Luís Machado Guimarães
  • Casamento – Anulação – Êrro Essencial – Impotência “Coeundi” – A. Almeida Júnior
  • Vereador – Imunidade Concedida em Lei Estadual – Agnelo Amorim Filho
  • Compra e Venda de Árvores – Impôsto de Transmissão – Fajardo Nogueira de Sousa

NOTAS E COMENTÁRIOS

  • Lei Reguladora do Estatuto Pessoal – Haroldo Valadão
  • O Sistema Penitenciário no Direito Brasileiro – Lourival Vilela Viana
  • Contrôle das Assembléias Gerais das Sociedades Anônimas – Filomeno J. da Costa
  • Da Apuração do Dano Conforme a Natureza da Culpa – Abelardo Barreto do Rosário
  • A Inconstitucionalidade do Impôsto Adicional de 1%, Da Fundação da Casa Popular – Alípio Silveira
  • A Crise da Propriedade Industrial – João da Gama Cerqueira
  • Revelia do Autor – Absolvição de Instância – A. Lopes da Costa
  • Unificação de Justiça – João Solon Macedônia Soares
  • Salário Mínimo – Extensão aos Servidores Civis, Militares e Autárquicos, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, Bilac Pinto
  • Abono de Desemprêgo, Bilac Pinto

BIBLIOGRAFIA

JURISPRUDÊNCIA 

LEGISLAÇÃO

Sobre o autor

Nélson Hungria, ministro do Supremo Tribunal Federal.

CRÔNICA

O jogo e sua repressão

Dizia BADON-PASCAL, com tôda razão, que o jogo jamais criou coisa alguma: tira de uns para dar a outros, sem que haja a reciprocidade econômica entre um serviço ou utilidade e um preço. Dá-se ou recebe-se for nothing, sem qualquer contra-prestação de trabalho ou de esfôrço construtivo. E’ um contrato que, embora alheio ao animus donandi, escapa ao sinalagma do do ut des. Nêle, o dinheiro troca arbitràriamente de bôlso, como o aroma que o vento leva ou traz, caprichosamente, de um sítio para outro. O ganho ou a perda operam-se em tôrno de nada, segundo o puro acaso das cartas, dos números, das bolinhas de marfim no giro das roletas. E se nada cria econômicamente, porque ex nihilo nihil, o jogo é, no entanto, um vício corrosivo, uma chaga fagedênica, um ativo fator de destruição, uma arrasadora praga social.

Jogo e Rui Barbosa

Ninguém com mais eloqüência e fidelidade de descrição já disse sôbre o jogo, como vicio e como desgraça, quanto RUI BARBOSA, na sua famosa réplica às diatribes de CÉSAR ZAMA, cujo apêgo à tavolagem era notório. Não sei de tanta beleza para exprimir a fealdade. São palavras dignas de inscrição em bronze e que se não deva deixar de repetir, tôda vez que haja ensejo, para gôzo do espírito e encanto dos ouvidos. Depois delas, seria vã tarefa o tentar dizer-se alguma coisa de novo ou de melhor sôbre o tema. Sejam elas o único “ponto alto” desta minha dissertação:

“Da tôdas as desgraças que penetram no homem pela algibeira, e arruínam o caráter pela fortuna, a mais grave é, sem dúvida, essa: o jogo , o jogo na sua expressão mãe, o jogo na sua acepção usual, o jogo pròpriamente dito; e, numa palavra, o jogo : os naipes, os dados, a mesa verde.

“Permanente como as grandes endemias que devastam a humanidade, universal como o vício, furtivo como o crime, solapado no seu contágio como as invasões purulentas, corruptor de todos os estímulos morais como o álcool, êle zomba da decência, das leis e da polícia, abarca no domínio das suas emanações a sociedade inteira, nivela sob a sua deprimente igualdade tôdas as classes, mergulha na sua promiscuidade indiferente até os mais baixos volutabros do lixo social, alcança no requinte das suas seduções as alturas mais aristocráticas da inteligência, da riqueza, da autoridade; inutiliza gênios; degrada príncipes; emudece oradores; atira à luta política almas azedadas pelo calistismo habitual das paradas infelizes, à família corações degenerados pelo contato cotidiano de tôdas as impurezas, à concorrência do trabalho diurno os náufragos das noites tempestuosas do azar; e não raro a violência das indignações furiosas, que vêm estuar no recinto dos parlamentos, é apenas a ressaca das agitações e dos destroços das longas madrugadas do cassino. Quantos destinos não se contam por aí dominados exclusivamente na sua irremediável esterilidade pela ação dêsse fadário maligno. Quantas vidas, que a natureza dotara de prendas excelentes para a felicidade própria e o bem dos seus semelhantes, não se consomem, graças à tirania dessa paixão absorvente, no descontentamento, na revolta, na inveja, na malevolência habitual! Quantos fenômenos inexplicáveis de reação, de cólera, de ódio ao que existe, de despeito contra o que dura, de guerra ao que se eleva, de irreconciliabilidade com o que não se abaixa, não têm a sua origem nos contratempos e amarguras dessas existências aberradas, que, sacudidas continuamente pelas emoções do inesperado, se alimentam das suas surprêsas, se estiolam com as suas decepções, e, vendo a felicidade repartir-se às cegas pela superfície do tabuleiro verde, acabam por supor que a sorte de todos, nesta mundo, se distribui com a mesma casualidade, com a mesma desproporção, com a mesma injustiça; acabam por ver no merecimento, no esfôrço, na economia, na perseverança, coisas fictícias, estranhas, ou hostis; acabam por confundir o sudário divino dos mártires do trabalho com a pobreza exprobatória em que a ociosidade amortalha os desclassificados de tôdas as profissões! Êsse mal, que muitas vêzes não se separa do lupanar senão pelo tabique divisório entre a sala e a alcova; essa fatalidade, que rouba ao estudo tantos talentos, à indústria tantas fôrças, à probidade tantos caracteres, ao dever doméstico tantas virtudes, à pátria tantos heroísmos, reina sob a sua manifestação completa em esconderijos, onde a palavra se abastarda no calão, onde a personalidade humana se despe do seu pudor, onde a embriaguez da cobiça delira cínica e obscena, onde os maridos blasfemam pragas improferíveis contra sua honra conjugal, onde, em uma comunhão odiosa, se contraem amizades inverossímeis, onde o menos que se gasta é o equilíbrio da alma, o menos que se arruína é o ideal, o menos que se dissipa é o tempo, estofo precioso de tôdas as obras-primas, de tôdas as utilidades sólidas, de tôdas as ações grandes. Inumerável é o número de criaturas, que a tentação, o exemplo, o instinto, o hábito, o acaso, a miséria, levam a passar por êsses latíbulos, cuja clientela vai periòdicamente fazer-se apodrecer ali por gôzo, por necessidade, por avidez, e na corrupção de cujos mistérios cada iniciado se afaz a ir deixando ficar aos poucos a energia, a fé, o juízo, a nobreza, a honra, a temparança, a caridade, a flor de todos os afetos, cujo perfume embalsama e preserva o caráter. Aquêles que, por uma reação do horror no fundo da consciência, logram salvar-se em tempo dêsses tremedais, poderiam escrever a história da natureza humana vista sob aspectos inomináveis. Outros, porém, prêsas da vasa, que nunca mais os larga, rolam, e imergem nela de decadência em decadência, cada vez mais saturados, cada vez mais infelizes, cada vez mais afundidos no infortúnio, até que a piedade infinita do têrmo de tôdas as coisas lhe recolha ao seio do eterno esquecimento os restos inúteis de um destino sem epitáfio. Eis o jogo , o grande putrefator. Diátese cancerosa das raças amenizadas pela sensualidade e pela preguiça, êle entorpece, caleja e desviriliza os povos, nas fibras de cujo organismo insinuou o seu germe proliferante e inextirpável. Os desvarios do encilhamento dão e passam como rápidos temporais. São irregularidades violentas das épocas de prosperidade e esperança. Só o jogo não conhece remitências: com a mesma continuidade com que devora as noites do homem ocupado e os dias do ocioso, os milhões do opulento e as migalhas do operário, tripudia uniformemente sôbre as sociedades nas quadras de fecundidades e de penúria, de abastança e de fome, de alegria e de luto. E’ a lepra do vivo e o verme do cadáver”.

Dir-se-ia que esta objurgatória de RUI é o rechinar do ferro em brasa, na piroterapia da gangrena. Mas, desgraçadamente, não valem contra o jogo as apóstrofes da moral, como não valem as próprias sanções da lei. A legislação penal de repressão do jogo tem sido, no tempo e no espaço, um espantalho desacreditado dos mais ariscos ou tímidos pardais. Foi o que recentemente, perante a Comissão Parlamentar de Investigação sôbre o jogo , pela qual tive a honra de ser convocado, procurei acentuar como uma preliminar desalentadora. A experiência, em tôdas as épocas e em todos os países, tem demonstrado que o jôgo sabe iludir e desafia todos os meios já escogitados para coibi-lo. Como um mal em si mesmo e nos seus efeitos, o jôgo de azar ubi pro virtude certamen non fit tem sido sempre objeto de reprovação da moral jurídica, mas é um vício ou paixão mais forte que as ameaças e castigos da lei, e jamais deixou de servir à ociosidade e à cobiça, desfiando o seu rosário de misérias e lazeiras, em congostas ou avenidas, em betesgas ou palácios, onde instala a ante-câmara de crimes, de desesperos e de suicídios. O rigor e constância da repressão podem contê-lo nos seus desplantes ou transbordamentos, mas continuará a ser praticado alapardadamente ou sob disfarces multiformes. A política de combate ao jogo não pode aspirar a outro objetivo que não seja o de reduzi-lo no seu descaramento ou desenvoltura. Não nos enganemos a respeito. O mais que se poderá fazer é qualquer coisa de semelhante ao tratamento dos impaludados pelo quinino: suprime-se o indiscreto sintoma da febre, mas o foco de infecção subjacente persiste incólume. E quanto mais alta ou insistente a febre, mais alta ou freqüente deve ser a dose de quinino. Todo programa, porém, em tal sentido depende, como é óbvio, de sua fiel execução. No Brasil, como em tôda parte, acusa-se de frouxidão, de condescendência ou descontinuidade a ação policial de repressão ao jogo . E’ uma questão de ordem administrativa, que se não pode resolver com textos legais, senão com uma escrupulosa seleção dos funcionários encarregados da campanha contra os jogos proibidos. Não valem as leis quando não se lhes dá firme e pontual execução, servindo apenas para o calçamento do Inferno, como as “boas intenções”.

Aceitação dos jogos pela Constituição

Ùltimamente, ao que se propala nas gazetas, o jogo às escâncaras, por mais estranho que pareça, tem sido tolerado em alguns Estados da Federação, sob a pressão de subalternos interêsses eleitorais ou desaçaimada política partidária. E vem daí que até já se apregoa a necessidade de criação de uma “polícia federal”, com poder de intervenção no plano estadual, para coibir o abuso, suprimindo a inércia conivente das polícias locais.

Será viável, no entanto, em face da vigente Constituição, semelhante medida? Não importará ela uma incursão na esfera privativa dos Estados-membros?

No art. 5º, inciso VII, da Carta de 46, se diz que compete à União:

“Superintender, em todo o território nacional, os serviços de polícia marítima, aérea e de fronteiras”.

Por outro lado, o art. 18, § 1°, dispõe que:

“Aos Estados se reservam todos os poderes que, implícita ou explìcitamente, não lhes sejam vedados por esta Constituição”.

Ao contrário da Constituição de 91, já não se fala em simples faculdade de exercício, por parte dos Estados, de poderes não atribuídos, expressa ou tàcitamente, à União, mas em reserva, ou exclusivamente de tais poderes residuais. Dir-se-á, então, que, se à União é reservada tão-somente a superintendência da polícia marítima, aérea e de fronteiras, todos os demais serviços policiais são de competência privativa dos Estados, segundo o conhecido princípio de hermenêutica, de que inclusio unius, exclusio alterius. A esta conclusão, porém, seria oponível uma objeção: se o jogo é um fator profundamente anti-econômico, por isso que, além de escapar à norma de reciprocidade de serviços e equilíbrio das prestações, representa emprego de capital desviado de qualquer finalidade produtiva, com repercussão desfavorável na economia geral, operando reflexivamente um decréscimo de meios de subsistência e agravação do pauperismo, e se a União, conforme preceitua o art. 146 do próprio Estatuto Fundamental, pode, mediante lei especial, intervir no domínio econômico, desde que o exija o interêsse público, não será um artifício de interpretação o dizer-se que ela pode interferir diretamente, ex proprio Marte, na militante repressão do jogo , instituindo, para tal fim, uma “polícia federal”. Não se compreende a possibilidade de obtenção de fins sem a permissão dos meios para atingi-los. Quando muito, apresentar-se-ia, no caso, uma concorrência de poderes, de modo que o policiamento da União não excluiria o serviço policial estadual.

Seria, porém, aconselhável essa ingerência policial da União, em desajuste com o zêlo de autonomia dos Estados? Outra é, aqui, a questão. Não podemos esquecer que estamos no Brasil, onde, em razão de certa indisciplina dos espíritos, há uma tradicional tendência para abusos, a que não resistem as instituições inspiradas nos melhores propósitos. A polícia federal, notadamente se assumisse caráter militar, poderia ser uma arma perigosa do govêrno federal contra os governos estaduais. Por maiores que fôssem as cautelas da lei especial que a criasse, não é preciso ser profeta para prever os eventuais atropelos que o governo central, no campo das competições políticas, exerceria contra os titulares do poder estadual, a pretexto de combate ao jogo . O policiamento federal poderia mesmo na prática, redundar numa intervenção de fato, à margem da casuística do art. 7º da Constituição. Além disso, seriam inevitáveis os atritos, as rivalidades, os mútuos ressentimentos, a recíproca ofensa de suscetibilidades entre a polícia federal e a polícia estadual, podendo mesmo redundar em graves recontros à mão armada. E, finalmente, nenhuma positiva garantia poderia ser dada no sentido de que a polícia federal não se recolhesse, no correr dos dias, à mesma apatia ou tolerância atual da polícia dos Estados. Minha desvaliosa opinião é, por isso mesmo, radicalmente contrária à criação da questionada polícia da União, talvez lembrada pelo exemplo do Federal Bureau of Investigation nos Estados Unidos, mas abstraindo-se que esse obedece a fins e moldes diferentes, limitando-se a conjurar a morosidade da extradição interestadual de criminosos, que entre nós, aliás, já foi, de há muito, suprimida.

Legislação penal e medidas

Estou, porém, de acôrdo que carece de reparos a nossa legislação penal sôbre o jogo , para torná-la mais eficiente, pôsto que arredada a infeliz idéia da regulamentação do terrível vício. Nesse terreno, teria eu algumas sugestões a fazer, ditadas pela minha longa experiência de juiz e de estudioso de fenômenos de patologia social.

A primeira delas seria a de agravar a penalidade contra os chamados “ponteiros” ou “apostadores” (isto é, a clientela sôfrega das loterias clandestinas ou da batota), a cujo respeito a lei-atual é excessivamente benigna, tornando-se mesmo praxe policial o esquecê-los ou isentá-los à autuação em flagrante. A impunidade que, na prática, desfruta a profusa freguesia do jogo organizado ou improvisado, é uma das causas da rotineira inocuidade das vigentes medidas de reação contra a atividade contravencional. Deve-se adotar critério idêntico ao que se aconselha para prevenir ou reprimir os acidentes de trânsito: usar de rigor não-sòmente contra os motoristas, velozes, senão também contra os pedestres descuidados ou imprudentes. Cônscia da impunidade, a espontânea “infantaria” da jogatina é que amontoa a gorda forragem de que se empanturra a corja dos “bicheiros” e tavolageiros. Severas sanções, in aere e in corpore, naturalmente fariam diminuir o número dos que pagam, dia a dia, aos agentes ou empreiteiros de apostas e paradas o tributo da própria estúpida cobiça.

Outra medida que proponho é a supressão do dispositivo do vigente decreto-lei sôbre loterias clandestinas (a que já chamei de “exemplar de teratologia legislativa”), o qual, alterando estabanadamente a Lei das Contravenções Penais e o Cód. de Proc. Penal, subordina a punibilidade e processabilidade da contravenção do jogo à prisão em flagrante. Tal dispositivo só serve para favorecer os “banqueiros” da jogatina, cuja meticulosa prudência é bem conhecida, jamais deixando-se surpreender in ipso perpetratione delicti. Deve-se retornar ao critério anterior: o flagrante não condicionará a repressão, podendo ser instaurado o inquérito policial mediante simples portaria. A mais superficial experiência ensina que o alvo principal da campanha contra o jogo deve ser o “banqueiro”, o empresário, o mantenedor, o capitalista da exploração contravencional. É êle o polvo cujos tentáculos são os vendedores de apostas, os “bicheiros”, os carteadores, os croupiers, os bookmackers. Será inútil atingir os tentáculos, em fàcilmente substituíveis, se não se farpeia em cheio o costado do polvo. Quando da chefia de polícia, na Capital da República do então coronel ETCHEGOYEN, pôde êste, aproveitando-se do “estado de emergência” determinado pela Constituição de 37, degredar sumàriamente para a ilha Grande os “banqueiros do bicho”, e a famigerada loteria do Barão de Drumond sofreu um prolongado colapso. Hoje, porém, sob o regime constitucional, não será tão fácil o expurgo: haverá que atender às formalidades processuais, o due process of law, cuja indeclinabilidade é garantida pelo habeas corpus. Não será, no entanto, uma campanha inviável, desde que, não condicionada a existência da contravenção à prisão em flagrante, os meirinhos possam ir buscar, de mandado em punho, nos salões reluzentos da alta roda ou nos magníficos palácios construídos com o dinheiro dos incautos, os acauteladíssimos financistas da jogatina.

Mais outra medida aconselhável: definir-se como infração autônoma, sob sanção especialmente rigorosa, máxime quanto ao montante da multa, a prestação de local para o jogo , seja onerosa ou gratuita, seja com dolo direto ou eventual. A avidez insaciável dos proprietários-locadores é que permite, muitas vêzes, a triunfante e acintosa concorrência desleal dos empreiteiros da tavolagem, para ocupação de edifícios ou apartamentos em pleno centro urbano ou nos bairros residenciais, que pagam a preços inexcedíveis, dada a facilidade com que o “vil metal” lhes entra nas arcas, captado aos contribuintes do jogo , raramente isento de trapaças e fraudulências.

Ainda uma medida que se impõe: abolição radical da licença de apostas sôbre corridas de cavalos fora dos hipódromos, dados os notórios abusos daí decorrentes, além de constituir um injustificável privilégio para o exercício de atividades idênticas à dos perseguidos bookmakers. A Lei das Contravenções Penais, no seu art. 50, § 3°, letra b, não considera jogo de azar “as apostas sôbre corridas de cavalos fora de hipódromo ou de local onde sejam autorizadas”. Ulteriormente, o decreto-lei nº 6.259, de 1944, reconheceu igualmente a impunidade de tais apostas, quando realizadas dentro dos hipódromos “ou da sede e dependências das entidades autorizadas”. Com o advento, porém, do dec.-lei nº 9.215, de 1946, voltou a vigorar, ipsis litteris, o dispositivo da Lei das Contravenções, mas os jockeys-clubs, acobertados por autorização não expressamente revogada, continuaram a realizar o serviço de apostas não só em suas sedes sociais, como também, segundo permitia o revogado art. 60 do dec.-lei nº 6.259, em suas dependências, a que deram uma elasticidade aberrante, de modo a abranger quaisquer locais que, mesmo à distância das sedes dos clubes, sejam alugadas para o fim exclusivo do comércio das apostas. Na Capital da República, assiste-se, quase diàriamente, a êste espetáculo desedificante: filas intermináveis de pessoas de tôdas as classes, sexos e idades, junto às pseudo-dependências do Jockey-Club na Cinelândia, aguardando a vez de apostar em cavalos que nunca viram, com o mesmo afã ou açodamento dos que formam as “bichas” pára aquisição da escassa carne verde fora do mercado negro. E nas proximidades estão vigilantes os policiais, para que os bookmakers não se insinuem entre os apostadores, em competição com os empregados da privilegiada associação hípica. É, positivamente, a odiosa política de dois pesos e duas medidas, a desacreditar a campanha contra o jogo em geral e a habituar o povo com a imoralidade do vício em plena via pública.

Outra sugestão, que não será, talvez, escrupulosamente ética., mas que atende ao ponto de vista de utilidade prática, é a seguinte: distribuição de 50% da multa penal entre os policiais que procederem à diligência de prisão em flagrante dos contraventores. Não quero estender-me em considerações sôbre o mérito de tal critério, limitando-me a sustentar que atende à filosofia pragmatista, segundo a qual só é verdadeiro o que é pràticamente útil

Ainda outro alvitre: a aplicação provisória ou liminar da medida de segurança de “clausura de estabelecimento”, seja qual fôr o disfarce dêste, deveria ser obrigatòriamente decretada pelo juiz, a quem se remeteria cópia do outro auto de flagrante. Seria uma providência complementar à imediata repressão, além de seu caráter acentuadamente preventivo.

Finalmente, deve ser reclamada, da administração pública a efetiva e pronta instalação de estabelecimentos adequados à execução das medidas de segurança de “instituto de trabalho” ou “colônia agrícola”, para onde serão enviados, após o cumprimento da pena, os contraventores reincidentes, até que, notadamente pela aquisição de habilidade para o exercício de uma profissão lícita, cesse a sua periculosidade social, que é, apriorìsticamente, declarada pela lei.

Contrariedade à regulamentação do jogo

Como já deixei perceber, sou infenso à regulamentação do jogo , que, sôbre importar em oficialização de pernicioso vício, não eliminará a batota clandestina, do mesmo modo que a regulamentação oficial das loterias não conjurou a praga das loterias furtivas. Certo tópico, entretanto, de uma resposta que formulei a questionário da Comissão Parlamentar de Inquérito foi mal interpretado, de modo a fazer supor que não sou totalmente adverso a que se dêem foros de cidadania à tavolagem.

Sofri, por isso, a crítica dos moralistas mais intransigentes que CATÃO. Não me manifestei, como se disse, pela permissão do jogo em casos excepcionais. O que afirmei foi que, se o legislador, contrariando a opinião geral, entendesse de contemporizar com o odium à jogatina, uma exceção única seria, até certo ponto, explicável: a licença para o jogo , durante dois meses no ano e com limite de paradas, nas estâncias hidroterápicas. Porque, em tal caso, além das razões, mais ou menos sinceras, que habitualmente se invocam em favor da regulamentação do jogo , quais as de fomento do turismo e de interêsse do fisco; que extrairia farta receita para acudir instituições de caridade, haveria outra realmente plausível, a conseqüente redução das diárias dos hotéis, nas ditas estâncias, favorecendo, assim, as pessoas doentes que, pela escassez de sua bôlsa, não podem demandar as fontes virtuosas, em razão dos preços escorchantes dos hoteleiros.

Dizia SÃO PAULO, na Epístola aos romanos, que se não deve praticar o mal ainda que para alcançar o bem. Non faciamus mala ut veniant bona. É êste um princípio de moral pura, mas que a política social, a elaborar-se no contingente piano terreno, nem sempre pode atender, contrapondo o critério de que non omne, quod licet honestum est. Já houve mesmo uma célebre Companhia religiosa que proclamou o princípio de que “os fins justificam os meios”, o que vale dizer que um meio reprovável pode ser legitimado por um fim pràticamennte útil. Não quero significar, com isso, que sou apologista do jogo nos hotéis das localidades hidroterápicas, mas tão-sòmente que, a transigir-se com o repúdio à oficialização do jôgo, seja a transação confinada, estritamente, a essas localidades, que, aliás, deveriam ser nominalmente designadas no texto legal, como se faz em outros países, para evitar qualquer interpretação extensiva ou capciosa. Não cedi na minha adversão à legalização do jôgo, mas, formulada a hipótese de que êsse mal viesse a vingar, opinei no sentido de sua estreita limitação no espaço, e isto pelo raciocínio de que se há acomodações com o Céu, deve havê-las, também, com o Inferno. Em princípio, porém, persisto na minha opinião de que o jôgo não deve ser permitido em parte alguma, porque, aqui, acolá ou alhures, sejam quais forem as razões trazidas à colação, não deixará de ser o que sempre foi: o mais depressivo dos vícios, a mais corrosiva das paixões. Onde quer que se instale o jôgo, aí estará o declive para a perdição, o fio de desgraças à DOSTOIEWSKI, o arrepiante drama dos jogadores, tão bem fixado pela altiloqüencia de RUI: “Uma inexorável maldição lhes mirra a atividade, definhando-lhes os recursos para os deveres mais sagrados. Tudo em tôrno dêles acusa a esterilidade das coisas precitas: o traje é descuidado, a casa nua, o pão raro, servil a condição da espôsa, a instrução dos filhos grosseira, as dívidas a monte, freqüentes os desaires, as privações infinitas, o cálice da vida azêdo, odioso, incomportável”. E RUI prossegue com êste item de libelo, que tomo para fecho desta minha despretensiosa conferência: “Mas, se pudésseis contar as horas e as somas continuamente absorvidas pela madraçaria viciosa aos chefes dessas colônias de infelizes, verificaríeis que esses prejuízos representam verdadeiras riquezas, opulências incalculáveis, que a providência e o trabalho teriam multiplicado, mas as dissipações criminosas extraviam e devoram”.

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