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As comissões parlamentares de inquérito na Constituição brasileira de 1946

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CONSTITUCIONAL

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Inovações constitucionais, de Levi Carneiro

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11/12/2023

SUMÁRIO: Propósitos reformistas. Autonomia do Distrito Federal. Cumprimento das leis federais pelos Estados. Intervenção federal. Regime parlamentarista. Conclusão.

Com profunda inquietação, estamos vendo surgir uma série de novas, tanto mais graves pela sua pluralidade, modificações do sistema constitucional brasileiro. Êste formou-se, evolveu, consolidou-se, com certas características fundamentais, marcantes, permanentes. Em meio da agitada, aparentemente desorientada, vida política nacional, o sistema tem-se mantido com certa unidade, com estabilidade fundamental, com aperfeiçoamentos consideráveis, que observadores superficiais nem sempre percebem.

No entanto, encerrada a larga fase do regime ditatorial, ou de inquietação pré-ditatorial, que se iniciou em 1930, apenas interrompida nos períodos de 1934 a 37 e de 1946 em diante, surgem, e são fàcilmente acolhidas propostas de reforma, ou proposições doutrinárias, que logram, com facilidade surpreendente, acolhida favorável, sintomática do completo triunfo próximo. Está-se, de tal arte, subvertendo o regime constitucional.

O misticismo brasileiro tem, por vêzes, no curso de nossa história, criado nomes salvadores, de quem se esperam milagres, que empolgam e arrastam multidões quase fanatizadas e dominam, por algum tempo, os espíritos e tôda a vida nacional, até que se desvaneçam as esperanças despertadas.

Talvez em conseqüência de certo desenvolvimento cultural, pouco profundo e pouco generalizado, algumas classes sociais inclinam-se, há algum tempo, para idéias, ou reformas políticas, a que atribuem, e das quais esperam, grandes milagres desejados.

Assim aconteceu, por volta de 1930, notadamente com alguns jovens de ardente espírito cívico, que, suportando as agruras das prisões arbitrárias, de prazos indefinidos, em vez de encher longas horas do cárcere com a leitura de romances policiais, embrenharam-se nos livros de LEÃO DUGUIT, de RENARD, de tantos outros publicistas contemporâneos, haurindo a convicção de que se salvaria o país pelo nacionalismo, especialmente o nacionalismo econômico, o unicameralismo, a representação profissional. Agora, os alvitres não ficam apenas envolvidos em debates sem conclusão. Concretizam-se em resoluções açodadas – sem se ter sequer a preocupação da oportunidade, que deve ser primordial em se tratando de reformas políticas.

Compreendendo e respeitando o pensamento dominante nas atitudes e nas resoluções, a que me refiro sem me animar a considerá-las errôneas, antes receando que seja meu o êrro ao desaprová-las, me permito-me acentuar o encadeamento dos fatos a que me refiro.

*

Autonomia do Distrito Federal

O primeiro dêles é a emenda constitucional – votada em regime extraordinário de urgência – que consagra a “autonomia” do Distrito Federal. Há muitos anos se debate êsse assunto. Argumentos numerosos foram produzidos. Por minha parte, os que formaram minha convicção parecem-me fortalecidos. No entanto, devo reconhecer que a emenda autonomista conseguiu, ultimamente, – não sei por que – novas adesões, maior número de votos favoráveis. De novo, que pudesse influir nesse sentido, conheço uma só alegação: o Distrito tem suportado alguns prefeitos, de nomeação do presidente, verdadeiramente incompetentes e que permanecem por curto tempo. Não me custa reconhecer o fato alegado – que terá ocorrido nos últimos tempos. Também não esqueço que, antes disso, o Distrito teve grandes prefeitos, por nomeação presidencial, que nunca teriam sido eleitos – PEREIRA PASSOS, SOUSA AGUIAR, CARLOS SAMPAIO, SÁ FREIRE, PRADO JÚNIOR. Em relação aos prefeitos dos últimos tempos, por exata que seja a crítica, também se há de atender a que nos erros dêles colaborou – nunca soube evitá-los, nem corrigí-los – a Câmara de Vereadores. Ainda mais: por vêzes, a Câmara entravou, impediu, subverteu a ação benéfica do prefeito. Os erros da Câmara são muito maiores que os dos prefeitos.

Ainda agora, bastam-me três considerações para que não possa sequer compreender a inovação da emenda constitucional quase triunfante – a saber:

1ª) não sei de uma só dentre tôdas as grandes capitais do mundo civilizado cujos administradores sejam escolhidos pelo voto popular, direto;

2ª) o atual prefeito do Distrito Federal declarou, pùblicamente, que o orçamento do exercício vindouro se apresenta com um deficit superior a um bilhão de cruzeiros. Nas demasias das despesas, avultam a de funcionalismo – numerosísmo e, em muitos casos, pago suntuàriamente – e a das subvenções, concedidas até mesmo a instituições sem benemerência, talvez até, por vêzes, sem existência real;

3ª) o ministro da Fazenda declarou, também pùblicamente, que a União despende, por ano, com serviços locais, 950 milhões de cruzeiros, que a Municipalidade não lhe pode pagar.

Nessa situação, mais talvez que nunca, a decretação da autonomia do Distrito Federal é um êrro imperdoável, um êrro que agravará os males existentes.

Cumprimento das leis federais pelos Estados.

Essa é uma alteração direta do regime – e da própria Constituição. Todavia, não sòmente se altera a Constituição mediante emendas aprovadas com maior ou menor solenidade e presteza. Também as doutrinas e a jurisprudência modificam a Constituição. Ora, em matéria de autonomia dos Estados, ocorreram recentemente dois episódios de grande importância e as interpretações constitucionais predominantes em um e em outro podem acarretar, no ponto de vista doutrinário, graves conseqüências.

Devo reconhecer que o govêrno federal soube dar aos dois casos soluções práticas, moderadas, prudentes, que podem tornar-se definitivas e bastante satisfatórias, evitando atingir o âmago das questões. Teòricamente, porém, recearia que elas viessem a formar jurisprudência.

A primeira questão suscitada foi a de saber se os Estados federados estão obrigados a fazer cumprir as leis federais. Chegou-se a afirmar que, para tanto, seriar preciso emendar a Constituição federal vigente. A meu ver, como expus longamente, a obrigação questionada decorre do próprio regime federativo e está afirmada na Constituição. Tal obrigação não se acha formulada em têrmos literais expressos – mas não suponho necessário que o fôsse.

Outro episódio, que também interessa à autonomia dos Estados, ocorreu mais recentemente, a propósito do grande atraso do pagamento de vencimentos ao funcionalismo do Estado do Amazonas. Por êsse motivo, a Assembléia Legislativa impetrou ao presidente da República o decreto de intervenção federal – ao mesmo tempo em que o Tribunal de Justiça, sem formular idêntico pedido, expunha ao Supremo Tribunal Federal os males da situação decorrente daquele fato. O govêrno federal, prudentemente, adotou uma solução, que não será definitiva: mandou que o Banco do Brasil pagasse, diretamente, aos funcionários parte dos vencimentos em atraso. Esta providência pareceu, aliás, ao vice-governador do Estado lesiva da autonomia do Estado, levando-o, por êsse motivo, a renunciar ao seu cargo. O principal é que, nesse caso, ressurgiu a preferência da interpretação literal da Constituição que, no caso da execução das leis federais pelos Estados, me animara a condenar.

Realmente, na Constituição de 1946, se não reproduziram as palavras da Constituição de 34 que autorizavam, expressamente, a intervenção federal para “assegurar a execução das leis federais” (artigo 12, V) e que declaravam incluída, entre as modalidades de impedimento do livre exercício dos poderes públicos estaduais, “a falta injustificada de pagamento, por mais de três meses no mesmo exercício financeiro, dos vencimentos de qualquer membro do Poder Judiciário” (art. 12, § 3°). Fazendo a supressão dessas palavras, a Constituição de 46 manteve, porém, os têrmos genéricos em que a Constituição de 34 definira os casos de intervenção federal e em que se enquadravam tais hipóteses. Expus as razões por que, no entanto, considero incluída a execução das leis federais entre os casos em que se trata de assegurar “a independência e harmonia dos poderes”. Por igual, parece-me que a omissão, na Constituição de 46, de referência expressa aos casos de intervenção citados exemplificativamente no § 3° do art. 12 da Constituição de 34, não autoriza só por si excluir a intervenção federal nesses mesmos casos.

Em verdade, “o obstáculo à execução de leis e decretos do Poder Legislativo e às decisões e ordens dos juízes e tribunais” – que era uma das “modalidades”, referidas no citado § 3° do art. 12 da Constituição de 34, de “impedimento do livre exercício dos poderes públicos estaduais” – não pode deixar de ser assim considerado, ainda que a nova Constituição o não declare expressamente. Do mesmo modo, a falta injustificada de pagamento de magistrado – ainda que a Constituição vigente o não declare expressamente – há de ser considerada “modalidade do impedimento do livre exercício dos poderes públicos estaduais”. Neste tópico, creio que o constituinte de 46 fêz bem, suprimindo a referência expressa, que era desnecessária. Nos têrmos usados pela Constituição de 34, a referência parece-me até inconveniente, acarretando dúvidas consideráveis. Falava-se em “falta injustificada”: acaso, a carência de recursos do Tesouro estadual – como ocorre, precisamente, no Amazonas – seria uma “justificativa” da falta de pagamento? Por outro lado, dizia-se da falta de pagamento a “qualquer membro do Poder Judiciário”. Muito acertadamente. Porque não se trata da falta de pagamento a tôda a magistratura, como ocorre no Amazonas; ou, pelo menos, não se tratava somente dêsse caso. Bastaria que faltasse o pagamento a “qualquer” juiz – a um só, por desconsideração, por castigo, para puni-lo de alguma decisão que desagradasse ao governador. Assim, atido à expressão literal da Constituição de 34, algum intérprete poderia pretender que a falta de pagamento a tôda a magistratura, determinada pela carência de recursos do Erário, como no caso do Amazonas, não se enquadraria na “modalidade” indicada.

Por isso, prefiro que a Constituição de 1946 não tenha mencionado essas duas “modalidades”; não é preciso exemplificar. Ante o texto atual, não vejo como não considerar capaz de determinar a intervenção federal a hipótese focalizada. Tanto mais quanto, em relação aos magistrados, o caso ainda constitui violação de outro grande princípio constitucional, autorizando, por isso mesmo, a intervenção federal: as “garantias do Judiciário” (Constituição de 34, art. 7º, e; Constituição de 46, art. 7º, VII, g). Se os magistrados têm a garantia de irredutibilidade de vencimentos, até mesmo mediante impostos que não sejam gerais (art. 95, III); se os seus vencimentos serão, no mínimo, correspondentes aos padrões fixados (artigo 124, VI) – como não entender que essa garantia envolve, também, a do pagamento regular, pontual, dos mesmos vencimentos? Ainda mais: se os Estados por disposição expressamente imperativa do art. 18, § 2º, da Constituição federal – proverão às necessidades do seu govêrno e da sua administração” – como permitir que, acobertados pela autonomia, faltem à satisfação da mais elementar condição do funcionamento regular dos seus órgãos administrativos? Que resta da apregoada autonomia de um Estado que atrasa por seis meses o pagamento do seu funcionalismo?

Contudo, no caso aludido, aplaudo o provecto e integérrimo jurisconsulto Sr. SEABRA FAGUNDES, digno ministro da Justiça, ao concluir pela denegação da intervenção, atendendo a que cabe ao presidente da República apreciar, com discrição, a necessidade e a conveniência de decretá-la. Exercendo essa discrição, o presidente não terá deixado de considerar que o pedido de intervenção se apresentou nos últimos dias do período governamental, já eleito o novo governador, de partido adverso ao que estaria dominando, tendo contra o mesmo pedido se manifestado, o novo governador, e, no seio da Câmara dos Deputados, representantes de vários pardos políticos. Em tais condições, melhor foi não atender ao pedido de intervenção – com a esperança de que não venha a ser, pròximamente, renovado.

Esta hipótese é tanto mais de recear quanto, como vimos, o pagamento efetuado pelo Banco do Brasil constitui apenas uma solução de emergência e a própria Assembléia Legislativa terá revelado singular compreensão das dificuldades financeiras do Estado, votando logo depois considerável majoração do subsídio dos deputados na seguinte legislatura.

Para justificar a atitude do govêrno federal não me parece, todavia, necessário – e suponho que seja inconveniente – adotar uma interpretação do texto constitucional que tolheria, noutros casos da mesma natureza, a ação eficiente do poder central.

A federação realiza-se mediante o equilíbrio dos poderes federais e estaduais. Nos dois casos apontados – talvez – por meritório, ainda que na espécie descabido, zêlo da autonomia dos Estados – se está, talvez, excluindo e enfraquecendo a ação legítima do govêrno federal. Perdoem-me os que emitem e amparam, com o prestígio de suas autoridades, as teses de que divirjo; a meus olhos, parece comprometer o regime, em algumas de suas características primaciais de maior valia, admitir que os Estados possam descumprir leis federais válidas e vigentes, assim como desamparar os magistrados estaduais da garantia de seus vencimentos irredutíveis, pagos regularmente.

É certo que, em muitos sentidos, a ação federal se vinha exercendo com demasia, atrofiando os poderes locais. Compreendo e louvo o escrúpulo dos que não querem exagerá-la ainda mais. Não seria, porém, compensação, nem corretivo dos excessos havidos, excluir a ação do govêrno federal quando ela se torna imprescindível para salvaguardar a unidade nacional ou a dignidade da magistratura.

Regime parlamentarista

Ao mesmo tempo, ganha terreno, no seio do Congresso, a chamada “emenda parlamentarista”. Em tôrno da matéria, pode travar-se um debate infindável sôbre o aspecto teórico e o aspecto prático da reforma; sôbre a experiência de outros países e a nossa própria; sôbre os têrmos da emenda em andamento na Câmara.

Sem poder embrenhar-me, agora, nessas questões, reconheço que certos episódios de nossa vida política terão levado muitos espíritos à convicção de que o regime presidencial causava os males sentidos. A Constituição de 34 havia refreado – ao menos em alguns pontos, com demasia – a autoridade do presidente da República. O golpe de Estado de 37 significou violenta reação contra essa tendência, e a Carta Constitucional, com êle promulgada, atribuía ao, presidente poderes que nem o imperador tivera. Em 46, restaurado o regime constitucional, a nova Constituição não chegou a restabelecer tôdas as limitações de que em 34 se tinha cercado o presidente: ao contrário, suprimido o regime discricionário de 37, a autoridade presidencial ficou mais fortalecida e prestigiada que em 34.

Há oito anos, a última Constituição vem sendo praticada. Abusos, erros, por vêzes escandalosos, ocorreram. Há quem os atribua exclusivamente ao presidente. É verdade, porém, que êle não encontrou resistência às suas determinações e, por isso mesmo, foram elas descambando; em meio de algumas grandes, beneméritas realizações inesquecíveis, o govêrno, em pleno regime constitucional, tolerou, senão autorizou, desmarcadas transgressões das leis e dos preceitos de moralidade administrativa. São, por igual, responsáveis por êsses erros e abusos todos os que deveriam aconselhar o presidente, adverti-lo e opor-te a seus erros, corrigi-los, e que, em vez disso, calaram, ou provocaram novos erros, e os agravaram e dêles se aproveitaram: ministros de Estado, Congresso Nacional, tribunais e magistrados. Responsáveis, por igual, a generalidade dos cidadãos, as associações, os sindicatos – notadamente todos os a quem êsses erros favoreceram… A co-participação generalizada, cada vez mais generalizada, nos erros cometidos, incitava novos erros, maiores erros, excluía tôda a possibilidade de corretivo ou de punição.

Eram tais erros inerentes, ou resultantes, do regime presidencial?

Para responder negativamente a essa questão, basta considerar como, dentro do mesmo regime, sob a mesma Constituição, mudou radicalmente a atitude do govêrno federal, o ambiente da vida nacional – em conseqüência, apenas, da substituição dos governantes e de certos agentes. Apesar do imenso prestígio pessoal do antigo presidente, sentia-se cada vez mais o descrédito do seu govêrno, generalizando o temor pelo desfecho da política seguida. Restabeleceu-se, de pronto, a confiança, no país e no exterior; ante a composição do novo govêrno, a árdua linha de “austeridade” que êle se impôs, a prudência das suas atitudes firmes e bem pensadas – reveladas ainda mesmo nos dois episódios de intervenção federal, a que acima aludi. Nesse contraste, pode ver-se a confirmação do velho postulado, que EMÍLIO FAGUET repetiu, dizendo: “Les bonnes institutions sont une chose excellent; mais on rend bonnes, dans la pratique, même les mauvaises, par la manière dont on en use”.

No entanto, os adeptos da emenda parlamentarista preferem insistir nos erros decorrentes da deturpação do regime e chegam a aduzir uma razão de oportunidade da reforma: a próxima eleição presidencial. Anunciam: “vai-se eleger um ditador constitucional; portanto, o pior pode acontecer”. Ao que supõem, a adoção do regime parlamentarista – sòmente ela e ela só por si – obviará a todos os males.

A tenacidade admirável, a convicção sincera de um homem da respeitabilidade do Sr. RAUL PILA atraem-lhe adeptos cada vez mais numerosos. Nem é fácil divergir do eminente deputado rio-grandense – não só por ser êle um argumentador vigoroso, como porque não poupa aos dissidentes de sua opinião as mais ásperas proclamações de ignorância e de incompetência.

Sem dúvida, tem razão o nobre deputado ao recear o desfecho das futuras eleições – e ao reconhecer que seria “arriscado”, mesmo sob regime parlamentarista.

A emenda ora em apreço renova a de 1949, também formulada nas vésperas da eleição presidencial. Uma e outra procuram obviar aos inconvenientes temidos, dispondo que a eleição do presidente passará a ser feita pelo Congresso Nacional – e não mais pelo sufrágio popular direto. Essa modificação, essencial para adoção do regime parlamentarista, parece-me, desde logo, inoportuna e imprudente. Realmente, pode o Congresso Nacional sem que essa alteração da Constituição tenha sido sequer aventada, pela grande maioria, ou pela quase totalidade dos congressistas, ante os seus eleitores pode o Congresso Nacional retirar do povo, e assumir, essa prerrogativa relevantíssima?

Já assinalei o êrro reiterado de nossas grandes reformas sociais e políticas sem prévia preparação adequada. Assim foi com a abolição da escravatura, com o voto secreto e o sufrágio universal. No entanto, nenhuma dessas reformas poderia, ser abolida, depois de proclamada; teremos, penosamente, de superar as conseqüências do êrro cometido. Portanto, como se pode agora escamotear às massas eleitorais o direito de eleger o presidente da República que tôdas as assembléias republicanas – em 91, em 34, em 46 – lhes reconheceram e asseguraram? Estará o Congresso Nacional bem certo de que pode fazê-lo?

Essas interrogações foram noutros têrmos, e sob outros aspectos, formuladas – e respondidas negativamente – na própria Câmara e na imprensa, por autoridades do maior pêso.

O insigne deputado Sr. ARTUR SANTOS disse, excelentemente:

“Contesto que os deputados da presente sessão legislativa tenham a fôrça moral, que antecede a competência jurídica, rara, subverter o regime político com que – e exerce no Brasil a democracia representativa, fazendo, à la díable, substituições de artigos isolados do diploma de 1946 para transformar uma Carta Constitucional de fundo eminentemente presidencialista, num arremêdo do de parlamentarismo”.

Outro deputado, não menos conspícuo, o Sr. DANIEL DE CARVALHO, declarou a emenda incompatível com a Constituição vigente.

Dentre outras opiniões valiosas expressas no mesmo sentido, destaco a de antigo e provecto colaborador dos trabalhos parlamentares – Sr. OTO PRAZERES.

Para caracterizar a subversão do regime constitucional vigente, basta considerar que a emenda desatende à observação incontestável de RUI BARBOSA sob uma constituição federal:

“…não existe uma câmara predominante, como nas monarquias parlamentares. As duas Casas do Congresso têm posições eqüiponderantes. Ora, um ministério não pode ser responsável juntamente a duas câmaras dotadas de poder igual e inspiradas, muitas vezes, em políticas diversas. Aquela que dispuser da sorte de gabinete senhorearia o Poder Legislativo e absorveria o poder presidencial”.

Por outro lado, há de reconhecer-se que o presidencialismo não foi adotado, no Brasil, aèreamente, por fantasia ou capricho. Ao contrário, tínhamos bastante experiência do regime parlamentarista, que, aliás, no Império, sob a vigilância do nosso grande monarca, poderia realizar muito mais satisfatòriamente que na República, no ambiente político atual.

O presidencialismo era o sucedâneo natural da monarquia constitucional. Na Assembléia Constituinte de 91, as apreciações do parlamentarismo revelavam “menospreço” e, até, “repugnância”. Instaurado o regime presidencial, a Constituição de 91 pôs-lhe dois freios adequados: o federalismo e o, judiciarismo. Em 1926, a reforma constitucional procurou entibiá-los, e sòmente em parte o conseguiu. A reação de 30 deveria fortalece-los – e a Constituição de 34 teve êsse alto propósito. A Carta atual retomou a mesma orientação, ainda que voltasse a fortalecer, em alguns pontos, os poderes do presidente da República. Uma e outra admitiram, acertadamente, algumas normas que fortaleciam o Congresso: convocação dos ministros, comissões de inquérito, aprovação de nomeações. Estas infiltrações do parlamentarismo mostram a pujança e a ductilidade do regime presidencial. Parecem-me outras tantas concessões aos parlamentaristas – e bastam.

O entrave que tôdas essas considerações deveriam opor à marcha da emenda parlamentarista é ainda fortalecido pelo art. 217, § 2º, da Constituição vigente, que exige a aprovação da proposta de emenda em duas sessões legislativas “ordinárias e consecutivas”.

Sem me deter nesta questão, quero apenas assinalar que são de pouca monta as dúvidas que assim se formam sôbre a legitimidade da aprovação da emenda na sessão extraordinária da Câmara.

Não há postulado de Direito Público a que o Congresso precise estar mais atento, que o seu dever de não votar leis duvidosamente – mesmo apenas duvidosamente – inconstitucionais.

Parece, pois, que os adeptos da emenda parlamentarista estão empolgados pela absoluta convicção de que ela será a salvação do Brasil, estabelecendo, de pronto, miraculosamente, instituições políticas perfeitas, adequadas às nossas condições, que funcionarão sem falha, nem inconveniente, garantindo a eficiência, a competência, a probidade, o devotamento dos governos.

No entanto, o Sr. RAUL PILA reconhece a “ineducação política do povo brasileiro”. É verdade que êle também a considera, sem fundamento explícito, “criada e mantida pelo presidencialismo e agravada por prolongada ditadura”. Nem atende a que, antes dos 65 anos de presidencialismo e de ditadura, tivemos precisamente outros 65 anos de regime parlamentarista. Como, depois desta larga prática do parlamentarismo, veio o presidencialismo “criar” a ineducação do povo? Então, o parlamentarismo não conseguira excluí-la? E o parlamentarismo não exige um grau muito mais alto de educação política?

Por outro lado, a eleição direta do presidente vale um precioso instrumento de educação cívica do povo. Das urnas do Congresso Nacional, do voto secreto dos congressistas, pode sair eleito presidente um desconhecido do povo. Agora, nenhum homem público em tal condição pode animar-se a pleitear, sequer, o voto dos milhões de eleitores brasileiros.

A sedução do regime parlamentarista, descrito pelos seus adeptos, resulta, aliás, de certa superioridade, que se lhe pode reconhecer do ponto de vista teórico. Por mim, direi que êsse regime apresenta, realmente, vantagens consideráveis, quando, se considera, em abstrato, o seu funcionamento imaginário.

É preciso, porém, pensar em tudo o de que êle depende: a começar por partidos bem constituídos e estabilizados e, ao mesmo tempo, homens públicos isentos de paixão partidária. O Sr. RAUL PILA bem o sabe, pois se antecipa em atribuir ao parlamentarismo o milagre da criação de partidos como ainda não temos.

Os estudiosos do funcionamento do regime parlamentarista sabem como as coisas se passam em países de mais alta educação cívica, na Inglaterra e na França. Os partidos esfarelam-se, multiplicam-se, formam-se alas antagônicas no seio dos mais tradicionais. Os governos mantêm-se à custa de combinações e de concessões que lhes anulam a ação fecunda. Os homens do govêrno ficam presos às sessões do Parlamento, horas e dias seguidos, para responder a questiúnculas, para agradar aos que decidem da vida e da sorte do Gabinete. Como disse um publicista francês – os deputados administram e os ministros não administram.

Perturba-se a administração ainda em virtude da instabilidade dos ministérios – e não se torna de todo estéril porque a máquina administrativa, a aparelhagem burocrática, ganhou em França uma estabilidade surpreendente.

Quem viveu em França durante alguma crise ministerial, que se prolonga por muitos dias, até meses, verifica como, graças ao funcionalismo, o govêrno não é interrompido.

Os ministros devem ser politiqueiros, hábeis, prestigiosos, capazes de assegurar a vitória nas refregas parlamentares – e conseguir o apoio de outros partidos. Não podem ser técnicos, nem administradores, nem apartidários. A politicalha avassala tôda a vida nacional.

Em nosso caso, parece-me injustificável, para evitar a continuação dos erros que o govêrno federal praticou, confiar ao Congresso Nacional a supervisão, o contrôle, a formação dos futuros governos. Porque, como já disse, o Congresso participou dêsses erros, agravou-os, não soube evitá-los nem corrigí-los. Dentro do regime presidencial poderia fazê-lo. Não o fêz, a não ser raramente. Citam-se inquéritos que a Câmara realizou – e que não tiveram as conseqüências que deveriam ter. Em verdade, êsses inquéritos tiveram conseqüências apreciáveis. A ação da Câmara, altamente patriótica nesses casos, revelou abusos e crimes, que vão tendo e hão de ter exemplar condenação. No entanto, a par disso, a Câmara cometeu até em proveito dos próprios deputados pessoalmente – erros, abusos de poder, que ficaram irreparáveis. Não preciso recordá-los detalhadamente. O próprio Sr. RAUL PILA se opôs, dignamente, inùtilmente, à consumação de algum dêles, senão de todos.

Já se aduziu, contra a emenda parlamentarista, objeção considerável, acentuando que ela acarreta a hipertrofia do Poder Executivo. Não só pela faculdade do veto, de que o presidente já dispõe atualmente. E o exercício do veto mostra, com impressionante freqüência, que o Congresso adota resoluções contrárias ao interêsse nacional. As contingências do regime eleitoral obrigam-no, cada vez mais, à concessão de favores e vantagens desmedidos, especialmente ao funcionalismo público. O maior acréscimo, que teria a autoridade do presidente da República, pela emenda parlamentarista, seria a faculdade de dissolver a Câmara dos Deputados. É sabido que, em França, essa faculdade terrível ficou, na prática, abolida. Entre nós, consagrada por dispositivo constitucional fresquinho, não ficaria letra morta. Valeria para atemorizar os deputados, para fazê-los aceitar os Conselhos de Ministros recém-constituídos e lhes não negarem a confiança pedida.

Tenho dito, e redito e todos sabem, que as constituições evolvem e transformam-se, no curso de sua aplicação. Em França se reconhece que, sob o regime parlamentarista, a autoridade do presidente da República tem avultado consideràvelmente. As recentíssimas emendas da Constituição restringiram certos poderes do Parlamento em relação ao Conselho de Ministros.

Ora, a eficiência do govêrno, a continuidade da sua atuação – pronta e fecunda – representam, entre nós, mais que em tantos países europeus, exigências prementes do nosso desenvolvimento cultural e econômico – condições da solução imediata de múltiplos problemas que se desdobram. O parlamentarismo não as satisfaria.

Quase lamento que a nossa “ineducação” não nos permita realizar o regime parlamentarista. Contento-me com o regime presidencialista – sob as garantias do federalismo e do judicialismo, com que êle bem se concilia. Já o temos praticado, com resultados plenamente satisfatórios para o bem geral. Havemos de continuar a praticá-lo, lisamente, aperfeiçoando o sentimento democrático do nosso povo. Livremo-nos da sedução de reformas milagrosas, de que se esperem resultados inatingíveis. Recordemos a advertência de ALBERTO TÔRRES:

“A restauração do regime parlamentar seria a maior demonstração de incapacidade política que poderíamos dar…”

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