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Assistência nas infrações contra membros, servidores ou interesses da Defensoria
Franklyn Roger
10/03/2021
Imaginemos os seguintes cenários: 1) Defensora pública que atua na qualidade de curadora especial de crianças em juízo com competência para causas do ECA comete maus tratos ao seu filho menor e é responsabilizada criminalmente; 2) defensor público é devedor contumaz de alimentos em favor de sua prole, sendo executado pelos débitos alimentares; 3) crime de lesão corporal praticado por particular contra membro da Defensoria Pública; e 4) Furto praticado em sede da Defensoria Pública, de onde vários bens públicos são subtraídos, e os autores do crime são presos em flagrante.
Chamado a atuar nesses casos, o membro da Defensoria Pública se questiona quanto à pertinência da atuação institucional, tendo em vista os interesses que envolvem os seus membros nos casos 1, 2 e 3 e o interesse da instituição no caso 4, já que “vítima” da infração penal.
Nos casos 1 e 2, em que os membros da Defensoria Pública figuram no polo passivo, respectivamente, da ação penal e da execução dos alimentos, a instituição é chamada para atuar em favor dos interesses das partes contrárias (habilitação como assistente de acusação e patrocínio da execução no polo ativo).
Essas duas hipóteses nos levam a refletir sobre eventual óbice a atuação institucional.
Seja na Constituição Federal, seja na Lei Complementar n° 80/94, inexiste qualquer norma que proíba a instituição de atuar em favor da parte contrária pelo simples fato de um membro da Defensoria Pública figurar no outro polo da demanda.
A própria unidade da Defensoria Pública pode ser utilizada como reforço argumentativo, já que a prestação da assistência jurídica é prestada pela instituição. Ou seja, os autores são representados pela Defensoria Pública, que se faz presente pela atuação de cada um de seus membros.
O rol de funções institucionais do artigo 4º da LC n° 80/94 é muito claro quanto à extensão de sua atuação, admitindo que a Defensoria Pública, em razão da sua impessoalidade, exerça suas funções institucionais mesmo quando algum de seus órgãos da administração superior (artigo 4º, IX da LC n° 80/94) ou algum de seus órgãos de execução — os defensores públicos — (artigo 98, III da LC n° 80/94) figurem como partes contrárias.
Como forma de assegurar essa dialética de atuação, o artigo 4º-A, V, da LC nº 80/94 é claro no sentido de que partes com interesses antagônicos, tenham assegurado o direito a membros distintos no exercício das funções institucionais.
Ademais, os artigos 46, 91 e 131 da LC n° 80/94 disciplinam os casos de impedimento dos membros da instituição. Especificamente no inciso I de cada um destes artigos, é estabelecido ao membro da Defensoria Pública a proibição de exercer suas funções nos processos em que figurar como parte ou interessado.
Fica automaticamente vedado que o defensor público atue em causa própria, na qualidade de membro da instituição, ou intervenha em favor de quaisquer outras partes, representando-as nos processos em que também exerce a tutela de seus interesses pessoais.
Portanto, a vitima que se habilita como assistente de acusação, pode ter seus interesses tutelados pela Defensoria Pública, independente de sua genitora, membro da instituição, figurar no polo passivo da ação penal.
No mesmo sentido, a criança credora do crédito alimentar pode instaurar o processo executivo, patrocinada pela Defensoria Pública, independente de seu genitor, membro da instituição, figurar no polo passivo da execução.
Note-se, no entanto, que apesar de presente a hipótese de atuação institucional, nestes dois casos, pode ser possível que algum membro da instituição se veja obstado de atuar, seja por uma causa de impedimento (imaginemos uma relação de parentesco com os defensores públicos que figuram no polo passivo), seja pela suspeição (artigo 145 do CPC, artigo 254 do CPP ou legislação estadual respectiva).
Assim, em razão da indivisibilidade da instituição, seguir-se-ão as regras objetivas de substituição dos defensores públicos, em respeito ao princípio do defensor natural previsto no artigo 4º-A, IV da LC n° 80/94, até que se defina um membro que não externe causa de impedimento ou suspeição.
No caso 3, a Defensoria Pública pode atuar na defesa de interesses do autor do delito, ainda que a vítima sejam membro da instituição. Mais uma vez a ligação da vítima com a instituição não gera nenhum obstáculo à atuação institucional, em virtude da impessoalidade que norteia o exercício das funções institucionais.
Da mesma forma que expusemos anteriormente, possível que algum membro se enquadre nas hipóteses de impedimento ou suspeição, forçando-se a aplicação das regras objetivas de substituição dos defensores públicos, até que se defina um membro que não tenha óbice de atuação.
O caso 4 é que talvez levante maiores dúvidas, já que a infração envolve os interesses da Defensoria Pública, pois praticados em detrimento de seus bens. É importante lembrar, mais uma vez, a impessoalidade que norteia a instituição.
A Defensoria Pública não possui vontade própria, pois sequer detém personalidade jurídica. A instituição foi criada para exercer funções previstas em lei, funções estas pautadas na defesa das mais diversas vulnerabilidades.
A perspectiva da vingança e do punitivismo não encontra eco na Defensoria Pública, já que diuturnamente a instituição busca a contenção dos excessos dos particulares e do poder público. Logo, não poderia ela própria estimular o punitivismo e cerrar suas portas para aqueles que dependessem de sua assistência, pelo simples fato de uma infração penal ter sido praticada em detrimento de seus bens.
A frustração, de clara compreensão, por parte de alguns dos membros quando uma infração penal é praticada contra os interesses da instituição, não pode assumir contornos objetivos a interferir, ou melhor, obstar o exercício da assistência jurídica e da defesa técnica.
É por essa razão que a Defensoria Pública, mais uma vez, pautada na sua impessoalidade, vai exercer suas funções institucionais em favor daqueles a quem tenham agido em seu prejuízo, quase em uma analogia à passagem bíblica de João 13:1 quando Jesus, mesmo sabendo que seria traído por Judas, externa seu amor por todos os seus discípulos, principalmente por aquele que o levaria ao calvário.
Notemos que, tal como exposto nos casos 1, 2 e 3, certamente encontraremos membros, principalmente aqueles mais indiretamente atingidos pela infração penal (pensemos nos membros que oficiem no órgão que foi alvo da subtração) se vejam obstados de atuar em razão de suspeição por foto íntimo, forçando-se a aplicação das regras objetivas de substituição dos defensores públicos, até que se defina um membro que não tenha óbice de atuação.
Apenas a título ilustrativo, destaco ementa de julgado proferido do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro que reconhece as premissas aqui tratadas:
“APELAÇÃO CRIMINAL — 317 do CP (oito vezes), n/f do artigo 69 do CP — Pena: 24 anos de reclusão e 800 dias-multa. Regime fechado. Apelante, se valendo da função de estagiário da Defensoria Pública, solicitou vantagem indevida para oito vítimas distintas, assistidos da Defensoria Pública, consistente no recebimento de valores em espécie para elaboração de peças processuais. ASSISTE PARCIAL RAZÃO À DEFESA. Materialidade e autoria não foram alvo de recurso. 1) Cabível o reconhecimento da continuidade delitiva (artigo 71 do CP). Há crime continuado quando o agente comete mais de um crime da mesma espécie, nas mesmas circunstâncias de tempo, lugar e modo de execução, de forma que se possa deduzir que o segundo crime foi uma continuação do primeiro, exatamente como ocorreu no crime em análise, sendo certo, pois, que a hipótese objetiva, não é de concurso material de crimes. Existência de unidade de desígnios entre as condutas delitivas cometidas. Comprovado que o apelante solicitou vantagem indevida para oito vítimas distintas, nesta ordem de ideias, fixo o patamar de exasperação na fração de 1?2. Nova dosimetria. Diante do número de vítimas, aumenta-se a pena na fração de 1?2 para, com isso, atingir a pena definitiva de 04 anos e 06 meses de reclusão e 150 dias-multa. 2) Improsperável a revisão da dosimetria. As penas-base, fixadas em 03 anos de reclusão, restaram exasperadas de forma fundamenta e, em patamar razoável e proporcional à gravidade da conduta perpetrada pelo apelante. As circunstâncias judiciais lhes são desfavoráveis, uma vez que o apelante solicitou dinheiro de cidadãos hipossuficientes, e em situação de extrema vulnerabilidade; bem como atribuía os valores solicitados à Defensora Pública gerando o descrédito e má fama, não só para a Defensora Pública, mas para a Instituição que representa. Do prequestionamento. Não houve qualquer violação à norma constitucional ou infraconstitucional, conforme enfrentado no corpo do voto. Parcial provimento do recurso defensivo”.
Um estagiário da Defensoria Pública solicitava vantagem indevida dos assistidos da instituição. Denunciado criminalmente, solicitou o atendimento da Defensoria Pública que prestou assistência jurídica, inclusive interpondo recurso defensivo, parcialmente provido, para redimensionar sua pena de 24 anos, para quatro anos e seis meses.
Portanto, a impessoalidade da Defensoria Pública no exercício das suas funções institucionais não pode ser confundida com a subjetividade de parcela de seus membros que possam encontrar obstáculos legítimos à atuação institucional, sendo substituídos a partir dos critérios previstos em lei.
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