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Inelegibilidade dos governadores

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Inelegibilidade dos governadores

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10/10/2023

Há muitas opiniões respeitáveis sôbre a inconstitucionalidade do registro de candidatos.

Ressalvado, pois, qualquer ponto de vista relativo à inconstitucionalidade do registro dos candidatos para poderem receber votos válidos, assentado que o registro é necessário para o candidato assim os receber, vamos examinar no presente estudo qual o efeito do prazo do registro, que se pode requerer até 15 dias antes da eleição, sôbre alguma inelegibilidade em curso.

Pode certa inelegibilidade em curso terminar antes daquele prazo, como pode terminar depois.

Prazo de registro e inelegibilidade

É de grande importância colocar-se o caso de inelegibilidade em curso em frente do prazo para se requerer o registro.

Pode aquêle prejudicar o registro. Sem registro a pessoa não pode concorrer ao pleito, embora antes da eleição, porém, depois de terminado o prazo para o registro, venha a pessoa a readquirir seu estado de elegibilidade.

Poderá candidato inelegível ser registrado?

A pergunta então que se faz é a seguinte: poderá candidato inelegível ser registrado?

Vigora em nosso regime constitucional o princípio de que todo cidadão é elegível, desde que preencha as condições de elegibilidade, não esteja incurso em qualquer caso de inelegibilidade e seja registrado como candidato por qualquer partido ou aliança de partidos.

Condições de elegibilidade são os requisitos de capacidade para o exercício de determinado cargo eletivo. Inelegibilidade é a situação de fato permanente ou transitória que torna a pessoa incapaz de ser eleita. Registro é a formalidade legal para o cidadão poder receber votos válidos.

A Constituição federal estabelece as condições de elegibilidade para alguns cargos eletivos, quais os deputados e senadores federais, o presidente e o vice-presidente da República.

Deixou para as Constituições estaduais a faculdade de estabelecer as condições de legibilidade para os cargos eletivos estaduais, quais governadores, vice-governadores, deputados e senadoras estaduais, e para os cargos eletivos municipais, quais prefeitos, vice-prefeitos e vereadores.

Os casos de inelegibilidade são, porém, estabelecidos unicamente pela Constituição para todos os cargos eletivos do pais, federais, estaduais e municipais.

O registro dos candidatos é regulado pelo Cód. Eleitoral e se faz 15 dias antes de qualquer eleição, perante o juiz eleitoral, o Tribunal Regional Eleitoral e o Tribunal Superior Eleitoral, conforme os casos.

Critérios para elegibilidade, inelegibilidade e registro

Os critérios adotados para as condições de elegibilidade são, de ordinário, baseados na idade, na nacionalidade, no exercício dos direitos políticos, na residência.

Os critérios adotados para os casos de inelegibilidade são diversos, ora se tomando como base o exercício efetivo ou transitório de determinado cargo, ora o exercício de determinada função em determinado tempo antes da eleição, ora o prolongamento da inelegibilidade concernente ao exercício de determinada função, até certo tempo, depois, não obstante ter cessado o exercício de tal função, ora o parentesco de alguém coxas algum titular de determinada função ora o fato de ter alguém tomado parte em determinado acontecimento, e assim outros critérios tantos quantos sejam convenientes para preservar o pais do domínio das oligarquias.

Os critérios para o registro também são diversos, ora devendo ser promovido pelo próprio candidato, ora devendo ser promovido pelo partido que adota a candidatura de determinada pessoa, ora determinando que o registro se faça pelo simples depósito da indicação em determinada repartição ou perante determinada autoridade, ora dando competência a uma ou a outra autoridade para deferir o registro e para conhecer das impugnações relativas às condições de elegibilidade do candidato, à inelegibilidade que porventura o acompanhe, ao tempo em que o requerimento seja apresentado, às formalidades que o requerimento deva ter, ora exigindo o depósito de quantia.

No ato eleitoral do registro então se tem ocasião de examinar se o candidato tem as condições de elegibilidade, se não está em estado de inelegibilidade, se o registro foi requerido dentro do prazo legal.

É curial que nenhum registro pode ser feito de candidato que ainda não tenha as condições de elegibilidade, embora venha a tê-las pouco depois de terminado o prazo do registro. Se no dia em que se fecha o prazo para o registro o candidato ainda não tem completo o requisito de idade, embora venha a tê-lo um ou dois ou mais dias depois de fechado o prazo para o registro, não é permitido requerer-se o registro sob alegação de que antes da eleição o candidato adquirirá tal requisito.

Assim também não é permitido que o registro seja requerido para pessoa que esteja em estado de inelegibilidade em curso, embora, depois de encerrado o prazo legal para a apresentação do requerimento, de registro, que é de 15 dias antes da eleição, venha a ficar livre da inelegibilidade pela terminação do prazo em que ela estava vigorando.

Não se admite registro condicional, nem registro a título precário. Faz-se registro de pessoa que apresente todos os requisitos ou condições de elegibilidade, que não esteja em estado de inelegibilidade, que tenha requerido em tempo. O registro é ato eleitoral perfeito e acabado, desde que contra êle não tenha havido recurso, que dá ao candidato título para o exercício do direito público subjetivo de receber votos válidos na eleição para a qual é registrado.

E perigosa, por ser suscetível de levar certos candidatos a equívocos, aquela inelegibilidade que não termine no dia em que cessa a função, por outras palavras, aquela inelegibilidade que se prolonga por certo tempo, por exemplo, seis meses depois do afastamento definitivo das funções.

É perigosa porque pode terminar depois do prazo para a apresentação do requerimento do registro, prejudicando assim a candidatura, que não poderá mais ser registrada.

Consequências da inelegibilidade

Há, com efeito, em nosso direito constitucional inelegibilidade que termina certo tempo depois do afastamento definitivo aias funções exercidas pelo candidato, qual a dos governadores de Estado, inelegibilidade que termina seis meses depois de afastados definitivamente das funções, conforme prescreve o art. 139, n° I, letra b, da Constituição.

Essa inelegibilidade não termina com a cessação das funções, como ocorre quando a inelegibilidade se conta regressivamente a partir da data do pleito.

Pela lei nº 1.269, de 15 de novembro de 1904, art. 110, nº 2, a inelegibilidade dos ministros de Estado para presidente e vice-presidente da República tinha o seu prazo a partir da data da eleição.

Não podiam ser eleitos, determinava aquêle artigo, presidente e vice-presidente da República os ministros de Estados, ou os que o houverem exercido até seis meses antes do pleito.

Então o ministro, que pretendia ser candidato, fazia o cálculo dos seis meses a contar da data da eleição.

Verificava em que dia vinha a recair o têrmo final do prazo, contado assim regressivamente.

Antes dêsse dia se afastava definitivamente do cargo, tornando-se elegível de então em diante, pois o seu prazo de inelegibilidade sòmente o impediria de concorrer ao pleito se algum dia dentro nêle viesse a exercer o cargo de ministro.

A regra ai, pois, era a de que a inelegibilidade terminava com a cessação da função.

Essa regra foi conservada na lei de inelegibilidades, que baixou com o decreto n° 2.419, de 11-7-1911, cuja disposição da letra c do art. 4º rezava que eram inelegível para os cargos de presidente e vice-presidente da República os ministros de Estado ou os que o tiverem sido até dose meses antes da eleição.

Êsse sistema, porém, de contagem do prazo a partir da data marcada para a eleição não foi adotado pela Constituição para a inelegibilidade dos governadores, dos ministros de Estado e de outros titulares de determinados cargos.

É assim que na, letra b do art. 139 da Constituição se declara que são inelegíveis para presidente e vice-presidente da República, até seis meses depois de afastados definitivamente das funções, os governadores, ministros de Estado, etc.

Essa inelegibilidade seguiu o sistema francês.

O art. 21 da lei francesa de 2 de agôsto de 1875, ainda em vigor, determina o seguinte: “Ne peuvent être elus Sénateurs par le département ou la colonie compris en tout ou en partie dans leur ressort, pendant l’exercice de leurs fonctions et pendant les six mois qui suivent la cessation de leurs fonctions par démission, destitution, changement de résidence ou de toute autre manière” (L. DUGUIT, “Man. de Dr. Const.”, pág. 391).

Referindo-se a essa espécie de inelegibilidade com relação ao tempo, verdadeira sombra da antiga situação da pessoa, ficção de que a pessoa ainda estivesse no exercício de suas antigas funções, projeção da situação que a pessoa tinha além do tempo em que ela deixou de existir, escreve VÉDEL, “Man. de Droit. Const.”, pág. 381, que essa inelegibilidade não dura senão durante os seis meses que seguem à cessação das funções. “En principe encore l’inelegibilité ne dure que pendant les six moas qui suivent la cessation des fonetions“.

Concerne essa, inelegibilidade, escreve por sua vez JULÌEN LAFERRIÈRE, “Man. de Dr. Const.”, pág. 666, a certos funcionários dos quais se teme que utilizem sua autoridade e meios de ação, que comportam suas funções, para fazerem pressão sôbre os eleitores. Como seria fácil ao funcionário se demissionar nas vésperas da eleição, essa inelegibilidade se prolonga durante seis meses que seguem à cessação das funções.

Pensa-se, continua LAFERRIÈRE, que, no fim de seis meses, o mêdo, ou o reconhecimento que o funcionário pudesse inspirar aos eleitores de sua zona, não existirá mais: “On pense qu’au bout de six mois, la crainte ou la reconnaissance que le fonctionnaire a pu inspirer aux élécteurs de son ressort, n’éxistera plus“.

Lògicamente escreve EISMEIN “Eléments de Droit Constitutionnel”, pág. 862, 6ª ed., a incapacidade derivante da função deveria cessar com ela, mas a lei a mantém durante certo tempo além da cessação das funções. “Logiquement l’incapacité, dérivant de la fonction, devrait cesser avec elle. La loi l’a prolongée cependant au delà et la maintient encore “pendant les six mois qui suivent la cessation des fonctions par demission, destitution ou changement de residence ou de toute nutre manière“.

Atendia a essa logicidade nossa antiga, lei acima citada, a de nº 1.269 de 15-11-1904, art. 110, nº 2, não podiam ser eleitos presidente – ou vice-presidente da República os ministros de Estado, ou os que houverem exercido até seis meses antes da eleição.

Nesse caso, como o têrmo inicial do prazo era o dia da eleição, contava-se regressivamente o prazo de seis meses até e têrmo final, que cairia no dia em que o ministro, no máximo, devia deixar seu cargo.

No caso, porém, em que a inelegibilidade se prolonga além da data em que a pessoa deixa definitivamente as funções, o têrmo inicial do prazo de continuação da inelegibilidade é o dia em que a pessoa deixa o cargo, o têrmo final é o dia em que recair o último do prazo.

Note-se que no primeiro sistema há sempre referência à data de uma eleição, ao passo que no segundo não existe essa referência, porque a inelegibilidade não é estabelecida adrede para determinada eleição, porém acompanha a pessoa durante o tempo estabelecido.

Espécie do primeiro caso foi adotada pela nossa Constituição relativamente a quem tenha substituído o presidente da República dentro do período de seis meses antes da eleição para presidente da República. É a disposição da, letra a do nº I do art. 139: “é inelegível para presidente da República quem, dentro dos seis meses anteriores ao pleito, o haja substituído”.

Espécie do segundo, como vimos, é a inelegibilidade estabelecida no dispositivo da letra b daquele número e artigo: “são inelegíveis para presidente e vice-presidente da República, até seis meses depois de afastados definitivamente das funções, os governadores”, etc.

É nítida a diferença entre ambas quanto ao têrmo inicial do prazo, o que estabelece a diferença específica entre as duas.

Não se pode, por isso, reduzir a segunda espécie à primeira, para se dizer que em ambas o exercício antes do prazo não torna inelegível o cidadão. Na primeira, hipótese, sim, embora o cidadão tenha exercido o cargo antes do prazo, não se torna inelegível. Assim, quem substitua o presidente da República antes daqueles seis meses não se torna inelegível, ao passo que, quanto à segunda hipótese, quem esteja no exercício do cargo antes daqueles seis meses é inelegível, continuando a inelegibilidade depois, como se diz na lei francesa: “pendant l’exercice de leurs fonctions et pendant les six mois qui suivent la cessation de leurs fonctions“.

Nem se pode dizer que na hipótese da disposição da letra b (inelegibilidade dos governadores) esteja implícita a expressão da letra a – “dentro dos seis meses anteriores ao pleito”, porque ficaria tudo sem sentido.

Com efeito, se na letra b se diz “até seis meses depois de afastados definitivamente das funções”, se se ajuntar a expressão “dentro dos seis meses anteriores ao pleito”, teríamos um texto nos seguintes têrmos: “até seis meses depois de afastados definitivamente das funções dentro dos seis meses anteriores ao pleito”, o que não daria sentido.

Ademais, não se pode fazer essa redução da segunda inelegibilidade à primeira, porque ambas já têm sentido fixado na doutrina e nas leis, ambas significam situações diferentes.

Note-se que quanto à primeira, não haverá questão de registro que interfira com a inelegibilidade, pois a pessoa, fica inelegível até o dia da eleição, o que qualifica essa inelegibilidade de absoluta para essa eleição, ao passo que, quanto à segunda, o prazo para o registro pode interferir com a inelegibilidade, sendo esta relativa quanto à eleição, pois se o prazo terminar antes de findo o prazo para o registro, a candidatura pode ser registrada, por estar em estado de elegibilidade o candidato, ao passo que se o prazo da inelegibilidade terminar depois de encerrado o prazo para o registro das candidaturas, o registro não pode ser requerido, por estar a pessoa em estado de inelegibilidade, ficando, dessarte, prejudicada sua candidatura.

Casos típicos e recentes

Dois governadores de Estado, tendo em vista as eleições de 3 de outubro do corrente ano, para presidente e vice-presidente da República, afastaram-se definitivamente de suas funções.

Eram inelegíveis no exercício do cargo da governador.

Como essa inelegibilidade se prolonga por seis meses depois do afastamento definitivo das funções, fizeram o cálculo desses seis meses, tendo em vista o dia da eleição, e então saíram do govêrno de sorte que os seis meses vão terminar quatro ou cinco dias antes da eleição, mas se esqueceram de que 15 dias antes da eleição se fecha o prazo para o registro, época em que estão ainda em estado de inelegibilidade, não podendo ser apresentados os requerimentos de registro de suas candidaturas.

Se a formalidade do registro não fôsse substancial para aquêles cidadãos receberem votos válidos, ocorreria que no dia da eleição estariam, como vão estar, livres da inelegibilidade, e os votos que recebessem seriam válidos. Sendo, porém, substancial o registro requerido 15 dias antes da eleição, mas nesse tempo estando ainda, como estão, sob o guante da inelegibilidade, os votos dados aos referidos e eminentes cidadãos não serão válidos, porque êles não poderão ser objeto de registro, ou melhor, de requerimento de registro.

Terminando, como vai terminar, pois um deixou o govêrno no dia 31 de março e o outro em 1 de abril, a inelegibilidade de ambos antes da eleição em 3 de outubro, porém, depois de 19 de setembro, data em que se fecha o prazo para a apresentação dos requerimentos de registro, não é possível o registro.

Os tribunais não podem dispensar na lei.

Há uma hipótese em que os referidos cidadãos poderão ser ainda registrados, e será a que ocorra, com a substituição do candidato que venha nos 10 dias entre o dia 19 de setembro, último para a apresentação do requerimento de registro, e o dia 3 de outubro, marcado para as eleições, a pedir cancelamento do seu registro.

Dispõe o art. 49 e o respectivo parágrafo 1º dêsse artigo, que pode qualquer candidato, até 10 dias antes do pleito, requerer, em petição com firma reconhecida, o cancelamento do seu nome do registro. Dêsse fato, o presidente do Tribunal ou juiz, conforme o caso, dará ciência imediata ao partido ou à aliança de partidos, que tenha feito a inscrição, ficando ressalvado o direito de dentro em dois dias, contados do recebimento da comunicação, substituir por outro o nome cancelado.

Isso significa que até nas vésperas da eleição poderá, ser feito o registro do substituto e será a única hipótese dentro das nossas leis para aquêles aludidos ex-governadores de Estado poderem ser registrados como candidatos a presidente e a vice-presidente da República.

Isso tanto pode ocorrer por crise política, ou por fato natural, qual a morte do candidato, como por combinação política, na hipótese em nada imoral do “guarda lenço”.

Outrossim, o registro é regulado pelo Cód. Eleitoral, que é lei ordinária, suscetível de modificação. Poderá o Congresso, por sua lei, diminuir aquêles 15 dias antes da eleição para o requerimento de registro, passando a determinar que o registro será feito até dois dias antes da eleição.

Temos sempre salientado que há diferença entre a data fixada para a apresentação do requerimento do registro e a data em que o requerimento venha a ser deferido. Apesar da lei dizer que o registro será feito até 15 dias antes da eleição, art. 48 – “o registro dos candidatos far-se-á até 15 dias antes da eleição” – tem-se entendido que o registro poderá ser feito ou deferido depois dêsses 15 dias, se tiver sido requerido até êsse prazo.

Perigosa, portanto, é a inelegibilidade que consiste no prolongamento de sua vigência além do tempo em que a pessoa deixe ou se afaste definitivamente de suas funções, porquanto, máxime quando seu titular tenha uma eleição em vista, essa inelegibilidade, como a fama, que vem sempre atrás da pessoa, poderá prejudicar o registro da candidatura, se o seu prazo terminar depois de fechado o tempo para a apresentação do requerimento de registro.

Trata-se, pois, de inelegibilidade que termina meses depois do afastamento definitivo das funções, como a dos governadores, e, tendo-se em vista uma eleição, não basta, para a chamada desincompatibilização, que a pessoa se afaste do cargo de sorte que o seu prazo de inelegibilidade termine antes da eleição, porém, é necessário que o afastamento do cargo se realize de tal arte que aquêle prazo de inelegibilidade termine antes do prazo fixado pela lei para ser apresentado o requerimento de registro.

Sobre o autor

João de Oliveira Filho, advogado no Distrito Federal.

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