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CLÁSSICOS FORENSE
CONSTITUCIONAL
REVISTA FORENSE
Inconstitucionalidade da Polícia Rodoviária do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem
Revista Forense
26/04/2022
REVISTA FORENSE – VOLUME 148
JULHO-AGOSTO DE 1953
Semestral
ISSN 0102-8413
FUNDADA EM 1904
PUBLICAÇÃO NACIONAL DE DOUTRINA, JURISPRUDÊNCIA E LEGISLAÇÃO
FUNDADORES
Francisco Mendes Pimentel
Estevão L. de Magalhães Pinto,
Abreviaturas e siglas usadas
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SUMÁRIO REVISTA FORENSE – VOLUME 148
CRÔNICA
Aspectos da sociologia jurídica de Gurvitch – Henrique Stodieck
DOUTRINA
- A responsabilidade civil no transporte de pessoas – Nelson Hungria
- O Supremo Tribunal e alguns dos seus problemas – Luis Gallotti
- Posição do juiz na democracia – José de Aguiar Dias
- O dogma da soberania absoluta e a realidade internacional – Artur Santos
- Reflexões sôbre os valores jurídicos – Paulo Dourado de Gusmão
- A missão do jurista na elaboração das leis – Filippo Vassalli
PARECERES
- Sociedade por ações – Ações ao portador – Venda em bolsa – Francisco Campos
- Sociedade por ações – Venda de bens a diretor e a acionistas – Antão de Morais
- Cheque – Responsabilidade dos bancos pelo pagamento de cheque falso – Carlos Medeiros Silva
- Taxa – Conceito na doutrina nacional e na estrangeira – Distinção entre taxa e impôsto – Aliomar Baleeiro
- Imposto de indústrias e profissões – Impôsto indireto – Isenção fiscal – Cooperativas – Teotônio Monteiro de Barros Filho
- Extranumerário – Promoção melhoria de salário – Caio Tácito
- Coisa julgada – Sentença anulatória de processo – Enrico Tullio Liebman
NOTAS E COMENTÁRIOS
- Repulsa do legislativo a propostas do Judiciário e veto às resoluções que as acolhem – Herotides da Silva Lima
- Passionalismo Delinquente – Merolino R. de Lima Correia
- Da Pronúncia – Martinho da Rocha Doyle
- Impôsto Sindical – Alcino de Paula Salazar
- Do Registro do Balanço nas Sociedades Comerciais – Davidson Pimenta da Rocha
- Ação não Contestada – O silêncio do réu como meio de prova. Desnecessidade da audiência de instrução e julgamento – Meroveu Pereira Cardoso Júnior
- Os Imóveis Vinculados de Inalienabilidade são Comunicáveis – Pedro de Buone
- Inconstitucionalidade da Polícia Rodoviária do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem – Davidson Pimenta da Rocha
- As Operações sôbre Títulos de Bolsa em Face do Princípio da Liberdade Contratual – Alípio Silveira
JURISPRUDÊNCIA
LEIA:
Sobre o autor
Davidson Pimenta da Rocha, superintendente do Serviço Estadual de Transito de Minas Gerais.
NOTAS E COMENTÁRIOS
Inconstitucionalidade da Polícia Rodoviária do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem
Tem sido debatida, com freqüência, principalmente no transcurso de congressos e conferências policiais, a natureza jurídica, ou melhor, a inconstitucionalidade da Polícia Rodoviária do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem. É que esta organização, instituída principalmente para a guarda e conservação das estradas administradas pelo Govêrno federal, desdobrou-se em atividades, ciosa de suas atribuições passando a intervir em todos os acontecimentos policiais que se desenrolam no leito de suas rodovias e, mais ainda, avocando a si a faculdade privativa dessa interferência.
Se considerarmos a polícia, no caso deve ser considerada, dentro dos ramos judiciário e administrativo, como instituição destinada a prevenir crimes e contravenções, corrigir infrações. investigar e coligir os indícios, esclarecimentos e provas contra violações das leis penais, é inquestionável que a polícia do DNER se exorbita tôda vez que pratica ato que não seja pura e simplesmente de guarda ou conservação de suas estradas, por isso que os delitos do automóvel são sempre da competência da autoridade policial comum, nos têrmos do art. 4° do Cód. de Proc. Penal.
Vejamos: excesso de velocidade, Lei das Contravenções, art. 34; falta de habilitação, Lei das Contravenções, art. 32; excesso de lotação e falta do equipamento de segurança de que trata o art. 52 do Cód. de Trânsito, Cód. Penal, art. 132; excesso de dimensão ou pêso do veículo, capaz de expor a vida de outrem a perigo direto e iminente, ou de causar desabamento ou desmoronamento, Cód. Penal, arts. 132 e 256; deixar de sinalizar, remover, apagar ou destruir sinais de trânsito, Lei das Contravenções, art. 36; embriaguez, Lei das Contravenções. art. 62.
Por estas razões se verifica que não tem cabimento a pretensão exclusivista da mencionada polícia, e ainda mais porque a ela se nega, com sólidos fundamentos, a legalidade da existência.
É o que passaremos a examinar.
Departamento Nacional de Estradas de Rodagem
Promulgado sob o regime constitucional de 10 de novembro de 1937, o dec.-lei n° 8.463, de 27 de dezembro de 1945, que “reorganiza o Departamento Nacional de Estradas de Rodagem, cria o Fundo Rodoviário e dá outras providências”, estabelece, em seu art. 2°:
“Ao Departamento Nacional compete:
…………………………………………………………………………………………………………………………………….
c) exercer a polícia de tráfego nas estradas federais”.
Outorgada em momento de excepcional gravidade, em que “a paz política e social profundamente perturbada por conhecidos fatôres da desordem” “exigia remédios de caráter radical e permanente”, na assertiva do respectivo preâmbulo, a Carta Constitucional então vigente conferia ao órgão executivo central poderes que se contrapunham aos tradicionais princípios de autonomia política, constitucional e administrativa dos Estados. Ela estabelecia, como acentua TEMÍSTOCLES CAVALCANTI, uma larga margem de colaboração dos Estados com os serviços federais, mas sem fixar com precisão os limites de sua autonomia.
O art. 14, por exemplo, autorizava o presidente da República a “expedir livremente decretos-leis sôbre a organização do govêrno e da administração federal”, dispondo, por outro lado, o art. 16, n° V, acêrca da competência privativa da União para legislar sôbre: “o bem-estar, a ordem, a tranqüilidade e a segurança pública, quando o exigir a necessidade de uma regulamentação uniforme”.
Foi precisamente com fundamento nestas normas constitucionais, de proclamado fundo monocrático, que se expediram, entre outros, os decs-leis ns. 6.378, de 28 de março de 1944, e 9.353, de 13 de junho de 1946, ambos dispondo sôbre a competência, na base de cooperação, do Departamento Federal de Segurança Pública, para investigar, em todo o território nacional, fatos ligados à “segurança do Estado e à estrutura das instituições”, como também o que se contém na letra c do referido dec.-lei n° 8.463, de 1945.
Êstes dois decretos-leis prenunciavam o estabelecimento da federalização da polícia, empreendimento de notória necessidade, quer pelo reaparelhamento e ampliação do mecanismo policial, quer pela exclusão de influências políticas locais, tão danosas às suas manifestações.
Competência da União
Infelizmente, porém, êles tiveram vida curta, não chegando a lançar raízes no seio das instituições, tanto assim que foram repelidos pela Constituição de 18 de setembro de 1946, que fixou no texto e consagrou no contexto:
“Art. 5° Compete à União:
…………………………………………………………………………………………………………………………………….
VII. Superintender, em todo o território nacional, os serviços de polícia marítima, aérea e de fronteiras”.
O texto, ensina PONTES DE MIRANDA, não só supõe a competência legislativa, judiciária e executiva dos poderes centrais, como também o provimento dos serviços. À União, e sòmente a ela, cabe superintender, em todo o território nacional, os serviços de polícia marítima, aérea e de fronteiras. Outrora serviços de polícia não. É claro que não. Êles derivam da própria autonomia do Estado e estão vinculados ao exercício da sua justiça.
Daí o motivo por que foi revogado, igualmente com os decs.-leis ns. 6.378 e 9.353, o disposto na letra c do art. 2° do dec.-lei n° 8.463, acima transcrito, pelo art. 5°, inciso VII, da Constituição vigente.
No referido art. 5°, n° XV, letra j, a Constituição alude ao tráfego das vias térreas, pelas aeronaves, por estradas de rodagem, por veículos motorizados ou não, como os ônibus, bondes e carroças. Interestadual, isto é, entre Estado-membro e Estado-membro, ou entre Estado-membro e Território ou o Distrito Federal (“Comentários à Constituição de 1946”, vol. I, pág. 309).
Não há, como se vê, na Constituição, nenhuma disposição que atribua à União a faculdade de exercer o serviço de polícia em qualquer Estado, exceto e exclusivamente o serviço de polícia marítima, aérea e de fronteiras.
Não lhe assiste o poder de fazer, a faculdade, a capacidade, a permissão que lhe atribuíam os arts. 14 e 16, n° V, da Carta de 37.
Autonomia dos estados
Agora, ao contrário, impera a norma rígida do art. 18. “um dos mais importantes de tôda a Constituição”, na afirmativa de TEMÍSTOCLES CAVALCANTI. Nêle se definem os pontos essenciais do sistema federal naquilo que diz respeito à autonomia dos Estados, reiteradamente afirmada e desdobrada em diversos parágrafos.
Diz o art. 18:
“Cada Estado se regerá pela Constituição e pelas leis que adotar, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição.
§ 1° Aos Estados se reservam todos os poderes que, implícita ou explicitamente, não lhes sejam vedados por esta Constituição.
§ 2° Os Estados proverão as necessidades de seu govêrno e de sua administração, cabendo à União prestar-lhes socorro, em caso de calamidade pública.
§ 3° Mediante acôrdo com a União, os Estados poderão encarregar funcionários federais da execução de leis e serviços estaduais ou atos e decisões das suas autoridades; e, reciprocamente, a União poderá, em matéria de sua competência, cometer a funcionários estaduais encargos análogos, provendo as necessárias despesas”.
Através da palavra incisiva da Constituição, de clareza meridiana, verifica-se que a autonomia do Estado sòmente pode ser demarcada pela própria Constituição; fora daí, essa autonomia é ampla.
DURAND ensina que é a Constituição que dá e ao mesmo tempo restringe a competência dos Estados federais (“Les États fédéraux”, pág. 90).
Se nada há na Constituição federal, que autorize a União a instituir a polícia do tráfego, mesmo nas estradas de jurisdição federal, com a circunstância de terem sido desprezadas as normas que vinham consignadas no art. 16, n° V, da Constituição anterior, é óbvio que se restabeleceram, em tôda a sua plenitude, os tradicionais princípios de autonomia, que a Constituição de 37 restringira ficando, assim, reatadas as nossas tradições em matéria de organização policial.
Aos Estados, pois. e sòmente a êles cabe o exercício dos serviços policiais, salvo o marítimo, o aéreo e o de fronteiras. A Polícia Rodoviária do DNER poderão, no entanto, ser delegadas, pelos Estados, atribuições específicas para o policiamento, no território das respectivas jurisdições, das estradas administradas pelo govêrno federal, de acôrdo com o disposto no § 3° do art. 18 da Constituição federal.
Conflito de competências
Fora daí haverá sempre conflito de competência.
O assunto é de interpretação fácil e de compreensão imediata, que não comporta a dúvida a que os americanos chamam de twilight zone e os italianos apelidam de zona cinzenta, indicativa da existência de certa confusão de poderes e competência.
A norma contida na letra c do artigo 2° do dec.-lei n° 8.463, de 1945, foi revogada pelo disposto nos arts. 5°, n° VII, e 18 da Constituição federal, como o foram os decs.-leis ns. 6.378, de 1944, e 9.353, de 1946, diplomas legais que também dispunham sôbre o raio de ação da polícia federal, nos Estados.
A Constituição é rasoura que recorta o direito anterior, para que só subsista o que é compatível com a nova estrutura e as novas regras constitucionais.
As leis têm de amoldar-se à Constituição, assim as a serem feitas, as leis futuras, como as leis já promulgadas. Mas a noção de constitucionalidade é, juridicamente, a partir do momento em que começa a ter vigor a Constituição; todo o material legislativo, que existe, considera-se revogado, no que contraria os preceitos constitucionais (PONTES DE MIRANDA, “Comentários à Constituição de 1946”, vol. IV, págs. 17 e 19).
Igualmente revogada foi a letra f do § 1° do art. 240 do Cód. de Proc. Penal, que permitia a “apreensão de cartas, abertas ou não, destinadas ao acusado ou em seu poder, quando haja suspeita de que o conhecimento do seu conteúdo possa ser útil à elucidação do fato”.
É que a Constituição de 37, em cuja vigência foi expedido o Código, dizia, artigo 122, n° 6:
“A inviolabilidade do domicílio e de correspondência, salvas as exceções expressas em lei”, ao passo que a Constituição atual diz, artigo 141, § 6°:
“É inviolável o sigilo de correspondência”, omitindo, assim, a cláusula “exceções previstas em lei”.
Neste, como naqueles casos, não comporta dúvida o pronunciamento constitucional, que decretou, em sentença inapelável, a revogação sumária de tudo quanto possa colidir, implícita ou explicitamente, com o seu texto.
Embora eu pense, com o Prof. MENDES PIMENTEL, que o ato legislativo se presume sempre constitucional; se houver dúvida, resolve-se sempre pela validade da lei, jamais contra ela. O caso em exame não diz respeito à inconstitucionalidade, mas à intertemporalidade da lei.
A propósito, já decidiu o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da apelação n° 1.105, que “a lei anterior à Constituição é incompatível com esta, considera-se revogada e não inconstitucional” (“REVISTA FORENSE”, vol. 68, pág. 171).
No mesmo sentido também já se pronunciou o Tribunal de Justiça do Distrito Federal, quando decretou, ao apreciar a apelação n° 8.677, que “não há falar em inconstitucionalidade de lei anterior a Constituição. Quando um dispositivo anterior à Constituição com ela conflita, opera-se a revogação. O problema é de intertemporalidade, não de inconstitucionalidade” (“REVISTA FORENSE”, volume 121, pág. 493).
A inconstitucionalidade da lei, proclama ainda o mesmo Tribunal, “ocorre quando se mostra contrária a preceito constitucional vigente ao tempo de sua promulgação. Se a prescrição constitucional em conflito com a lei ordinária é posterior a esta, o que se tem é questão intertemporal e não de inconstitucionalidade” (“REVISTA FORENSE”, vol. 112, pág. 125).
Declarado sem eficácia, por fôrça de disposição constitucional, o conteúdo da letra c do art. 2° do dec.-lei n° 8.463, a Polícia Rodoviária do DNER, por êle instituída, passou à condição de “orfandade legal”.
No exercício de atribuição constitucional, que emana do art. 18 da Carta Soberana, expediu o govêrno do Estado de Minas Gerais o dec.-lei n° 2.147, de 12 de julho de 1947, segundo o qual a “Chefia de Polícia terá a seu cargo os serviços policiais e de segurança pública e social em todo o território do Estado”.
Zelar por seu cumprimento, importa defender a integridade constitucional.
Cabe aqui expressar o pensamento de IHERING, quando diz que “é menos triste o quadro quando, por um lado, ao menos, combate o direito”.
Inoportuno também não seria proclamar-se a sentença bíblica que manda dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus.
Pretender, como se tem pretendido, e até mesmo em correspondência oficial, negar ao Estado o direito, líquido e certo, de exercer atos de jurisdição no leito dessas estradas, ou seja em vias públicas situadas no seu próprio território, é o mesmo que negar-lhe o direito de uma existência digna e autônoma, o que contrasta com as diretrizes constitucionais.
Situação assim, incômoda e vexatória, só é permissível em estado de guerra e assim mesmo durante a ocupação militar.
LEIA TAMBÉM O PRIMEIRO VOLUME DA REVISTA FORENSE
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 1
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 2
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 3
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 4
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- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 6
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